LIMA BARRETO

 





Título: Lima Barreto

Dimensões: 9x9Cm

Técnica: Xilogravura

Data: Janeiro 2022

Filho da professora Amália Augusta Barreto e do tipógrafo da Imprensa Nacional João Henriques de Lima Barreto, Afonso Henriques de Lima Barreto nasceu na cidade do Rio de Janeiro. Nasceu numa sexta-feira 13. Mês de maio de 1881. A propósito, o mesmo ano da publicação de Memórias Póstumas de Brás Cubas, 7 anos antes da Lei Aurea. O bairro: Laranjeiras. A casa, na rua Ipiranga nº 18, não existe mais.

Aprendeu a ler em casa com a mãe, que mantinha um pequeno colégio para meninas, o Santa Rosa, no mesmo bairro das Laranjeiras. O menino Lima, assim como Machado de Assis, ficou orfão cedo. Com a morte da mãe, aos 7 anos, entrou numa escola pública, na rua do Rezende, passando pelo Liceu Popular Niteroiense - um dos mais conceituados estabelecimentos de ensino da época, dirigido pelo educador inglês, Mr. William Cunditt. Os seus estudos eram, então, bancados pelo Visconde de Ouro Preto, padrinho de batismo do escritor. Depois de prestar os exames de preparatórios no então Ginásio Nacional, nome que a República tentou colar no velho Colégio Pedro II, para se desfazer dos vultos do período Imperial, Lima Barreto ingressou na Escola Politécnica. O futuro parecia promissor. Dali, sairia engenheiro civil, de minas, industrial, mecânico ou agrônomo. Entretanto, estudou apenas até o terceiro ano. Não dava mais. Não havia maneira de fazê-lo aprovar numa disciplina de nome tão irônico quanto redundante, Mecânica Racional. Tinha sido reprovado diversas vezes - e isso, creiam-me, enche o saco de uma pessoa. 

Alguns outros fatores mais profundos faziam com que Lima Barreto não se concentrasse na Politécnica. O fato de ser o único aluno negro da turma, aliado ao baixo desempenho na Mecânica Racional, por dois anos seguidos, podem ter influenciado para o desânimo do rapaz. Mas, um episódio específico determinou um certo rumo que sua em sua vida iria tomar, a partir dali:  o pai enlouqueceu quando Lima Barreto tinha apenas 22 anos.

Assim, ele interrompeu os estudos, para encarregar-se da numerosa família, composta agora pelo pai e os irmãos mais novos. Para ganhar a vida, Lima Barreto trabalhou como professor particular e depois, com a abertura de vaga para amanuense na Diretoria do Expediente da Secretaria da Guerra, presta concurso e se classifica em segundo lugar, com uma diferença mínima de pontos para o primeiro colocado. Mesmo assim foi nomeado, começando a trabalhar no mesmo ano.

Nos primeiros anos como amanuense foi procedimentalmente humilde.  Não faltava, não chegada atrasado, e tratava a todos com deferência. As semelhanças biográficas do início de carreiras entre Machado e Lima, param por aqui. Sendo preterido mais de uma vez em promoções, foi ficando negligente e relapso. Nesse processo de transformação pessoal, virou um habitual nas rodas de café e de bares, frequentadas por Olavo Bilac e Emilio de Menezes. Foi provavelmente nestas rodas que descobriu os benefícios de uma boa Parati. 

O convívio dos cafés e botequins, que o romancista acabou frequentando dioturnamente, o tornaram conhecido, gerando contatos no meio jornalístico. Em 1905, Lima Barreto iniciou-se na vida literária com reportagens para o Correio da Manhã, preparando uma serie de textos sobre a derrubada do Morro do Castelo. Paralelamente, foi colaborando em jornais e revistas estudantis, como A Lanterna e A Quinzena Alegre, todos de curta duração. Mais tarde, em 1907, quando Mario Pederneiras fundou o Fon-Fon, chamou-o para a redação, mas ficou pouco tempo. Saiu para lançar com um grupo de amigos uma pequena revista, a Floreal, que apesar de quatro números apenas, mereceu do sempre meio mal-humorado José Verissimo, crítico exigente, uma surpreendentemente simpática acolhida. Inclusive, seu primeiro romance, Recordações do Escrivão Isaias Caminha, começou a ser publicado na Floreal, em 1907, mas só veio aparecer em livro dois anos mais tarde, editado em Portugal. Seu biógrafo definitivo, Francisco de Assis Barbosa, chegou a entrevistar Antônio Noronha Santos, Manoel Ribeiro de Almeida, Mario Tibúrcio Gomes Carneiro, companheiros de Lima Barreto na Floreal, revelando-nos detalhes fundamentais de sua biografia.

Quando em 1909, finalmente, o romance foi editado em Portugal, Lima Barreto marcou sua presença no ambiente intelectual, para o bem e para o mal. O livro bancado com os seus limitados recursos próprios, seria venerado e odiado de maneira desproporcional. Por um lado, foi venerado pelos pares e por uma certa parcela da intelectualidade, mas o problema é que o ódio vinha de cima, principalmente da parte de Edmundo Bittencourt, o todo poderoso dono do jornal Correio da Manhã, que não gostou nada nada do tom de sátira que assemelhava o autoritário e fictício Ricardo Loberant, dono do jornal “O Globo”, com sua pessoa.   

O problema estaria resolvido se apenas as portas do Correio se fechassem. Caso acontecesse, poderia arrumar  emprego, por exemplo,  no jornal do desafeto do ex-chefe, certo?  Entretanto, Bittencourt pode ter intercedido para que outras portas se fechassem. E no fundo havia um outro problema. Lima foi além. Não se contentou apenas a atacar o ex-chefe. No rol de personagens caricatos, havia profissionais influentes e cheios de amigos, com amigos em outros jornais. Por exemplo, o escritor João do Rio era descrito como o  “efeminado” Raul Gusmão, uma “mistura de porco e símio, adiantado";  Pacheco Rabelo do jornal fictício, era Gil Vidal, redator-chefe do Correio da manhã; o advogado e futuro jurista Vicente Piragibe, filho de médico da academia imperial e neto de general do exército, era o Leoprace, de ascendência boa mas que não passava de um pobretão sem talento; o paranaense, da família de diplomatas e sacerdotes, Joâo Itiberê da Cunha era o personagem Floc, crítico literário que julgava originais nao pela qualidade, mas pelo sobrenome e ascendência do autor. Ou seja, mesmo que Ricardo Loberant, nem tivesse passado pelas páginas de Isaias Caminha, todos os outros ilustres desafetos influentes estavam ali retratados de forma caricata. Todos tratados como pessoas superficiais, toscas, antiéticas e interesseiras, desejosas de apenas obter benefícios próprios, aproveitando-se dos colegas.  E para piorar, eram facilmente identificáveis numa leitura rápida, à época.

O livro não trouxe nem sucesso, nem o mínimo suficiente para o sustento. Mas dois anos mais tarde publicou o romance Triste Fim de Policarpo Quaresma, nas páginas do Jornal do Commércio, mais uma vez, pagando do próprio bolso pelo espaço da publicação. A obra sairia publicada em livro apenas em 1915. O atraso pode ter sido causado por vários fatores, desde a falta de recursos econômicos, até as próprias bebedeiras que se tornavam cada vez mais constantes. Durante a gestão e revisão da obra, tornaram-se mais agudas as crises de alcoolismo e depressão do escritor.  Esmagado pela tragédia doméstica da infância, pelo peso dos cuidados com o pai enlouquecido, vivendo ao lado de seu quarto, oprimido pela angústia da responsabilidade no suporte financeiro da família, juntava-se a isso o peso do preconceito racial. A birita, a princípio, certamente foi um suporte na convivência alegre da boêmia, e ao mesmo tempo uma fuga dos problemas que o esperavam em casa. Entretanto, as alucinações decorrentes do excesso de álcool, que o levaram ao hospício, certamente não estavam nos planos.  

Independente da bebida, a saúde de Lima Barreto sempre foi frágil. Aos vinte e poucos anos tinha fraqueza generalizada em decorrência de um reumatismo de infância que iria acompanha-lo toda a vida.  Aos 29 anos contraíra pela segunda vez maleita, ou impaludismo, doença contraída por mosquitos, e que ataca os glóbulos vermelhos do sangue gerando febres terçãs fortíssimas. O abuso do álcool, certamente agravara esse quadro clínico de fraqueza. Como também agravaria a sua depressão e a crise de neurastenia, que o levou a ingressar pela primeira vez no Hospital Nacional de Alienados em 1914, local que tinha sido definido por ele como "frio, severo, solene, com pouco movimento nas massas arquiteturais"

E veja bem, estamos no ano de 1914. Escravos tinham liberdade há menos de 26 anos. Mesmo para um escritor com relativa fama, a história pessoal parecia replicar o que as teorias raciais da época prognosticavam. A grosso modo, os defensores da intervenção clinica com reclusão nem sequer se esforçavam em frisar que não se escapava da origem racial, nem dos seus estigmas. As diversas teorias da degeneração social, afirmavam que indivíduos miscigenados carregavam o "vício" das duas raças que os formavam. Daí para se estabelecer uma relação direta entre raça, doença mental e alcoolismo, e que negros e mestiços estavam mais predispostos a ela, era plenamente consensual na teoria médica da época. Nesse sentido, considerar que indivíduos com essas características eram entendidos como intelectualmente inferiores, era uma conclusão nefasta que os eugenistas nem se esforçavam para justificá-la.

Nesse calvário de porres e não-ditos, o pingente Lima Barreto, aos trinta e um anos, já acumulava uma respeitável lista de problemas clínicos.  Com os sintomas da dependência alcoólica, passa a ter problemas cardíacos. Aos trinta e três anos, depressão e neurastenia. Aos trinta e cinco, anemia pronunciada. Aos trinta e sete, quebra a clavícula.  E nessa época tem o primeiro ataque da epilepsia -  que diga-se de passagem era tratada com choque e porrada. Considerado “inválido” para o serviço público, é aposentado, em dezembro de 1918. Em 1919, é internado pela segunda vez no Hospital Nacional de Alienados. A essa altura tinha cinco livros publicados:  Recordações do Escrivão Isaias Caminha, O Triste fim de Policarpo Quaresma, As aventuras do Dr. Bogoloff (publicado como folhetim), Numa e a Ninfa e Vida e Morte de M.J. Gonzaga de Sá. Sem dinheiro, sem conseguir lutar contra o vício, e fisicamente aparentando ter vinte anos mais, sua saúde se deteriorava rapidamente. Tido como louco e irascível por alguns, afastou-se de muitos, e muitos se afastaram dele.

Chovia no bairro de Todos os Santos, no dia de todos os santos. Aos 41 anos, consumido pelo parati e pela miséria, com o pai louco no quarto ao lado, ele morreu supostamente de ataque cardíaco, no dia 1 de novembro de 1922, abraçado a uma revista. O velório na sala era interrompido pelo barulho da chuva e, de quando em quando, pelos gritos do pai, que, no quarto ao lado, morreria horas depois. Em volta do caixão de terceira, os irmãos e a gente modesta do subúrbio, que Lima conhecia dos botequins e das ruas enlameadas e tristes.

Ao contrário de Machado de Assis, teve um enterro muito simples acompanhado por gente humilde como ele, os amigos do subúrbio, mulambentos, cheirando a cachaça e com os pés descalços. Quis ser enterrado em Botafogo - que ele detestava e criticara a vida toda. Pouco mais de dez pessoas assistiram a seu sepultamento, entre eles, o piauiense Félix Pacheco, a essa altura já imortal da ABL, o diplomata Olegário e José Mariano - sendo que este pagou as despesas do enterro.

Morreu sem nenhuma repercussão nos jornais. Não deixou viúva. E ao contrário do que falam as más línguas sobre Machado de Assis, Lima Barreto nunca teve filhos. 

 


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