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GRAMIRO DE MATOS

 


Título Gramiro de Matos 
Dimensões: 9x9cm
Data: Janeiro de 2022
Técnica: Xilogravura

É como se para um poeta fosse um grande azar ter nascido na terra de Gregório de Matos, Caetano e Dorival Caymmi. É muito complicado se falar de um poeta baiano desconhecido, maldito e esquecido, mas Ramiro Silva Matos Neto nasceu em uma pequena cidade do interior da Bahia, Iguaí, em março de 1944. Filho de Izaias Rocha de Matos, um construtor de casas e pintor naif e Anália Silva Matos, fez o curso primário em sua terra natal, transferindo-se para Vitória da Conquista – BA, onde estudou e concluiu o curso ginasial. Em Jequié-BA estudou o colegial e em Salvador – BA, pela Universidade Federal da Bahia, formou-se em Direito, em 1973.

Durante o curso de direito frequentou as aulas de teatro na Universidade Federal da Bahia, onde fez parte de movimentos artísticos que emergiam por toda a cidade de Salvador. Em 1972, Ramiro Silva Matos Neto adotou o nome de Gramiro de Matos, nome adotado após o encontro descrito pelo próprio como: “messiânico e telemental com o poeta medieval Gregório de Matos”, publica Urubu-Rei pela Editora Gernosa, um livro radicalmente experimental, com uma poética  tributária das culturas indígenas brasileiras, e das experimentações vanguardistas herdadas do concretismo e da cultura riponga da década de 60.

No início da década de 1970, Ramirão, como era chamado, juntou poucas coisas, pegou uma sacola hippie e partiu com a namorada hippie para o Rio de Janeiro. Na cidade, conviveu com grandes intelectuais como Jorge Amado, Glauber Rocha e era amigo de Waly Salomão e Torquato Neto, fazendo parte do movimento tropicalista, juntamente com esses seus dois parceiros. Entretanto, não teve a mesma sorte de Jose Agrippino, no grupo do desbunde tropicalista.  Enquanto Agrippino, antes de despirocar de vez da cabeça, apostou na estratégia áudio-visual fazendo filmes para permanecer lembrado, Gramiro de Matos, não - talvez por sua personalidade mais reflexiva, menos falante, introspectiva. De qualquer maneira Gramirão, ainda como estudante de de direito frequentou os lugares míticos da geração desbunde, como o “Solar da Fossa” ou as “Dunas da Gal”, na companhia de Waly Salomão e Torquato Neto. E de certa forma interagiu com toda a experimentação artística desse grande grupo.

Urubu-rei foi um livro bastante elogiados pela crítica na época. O autor, igualmente, cuja literatura foi considerada “impenetrável”, devido ao exagero nos experimentalismos concretistas e pop. O tropicalista que foi ficando esquecido, nos anos 1970 era um dos  protegidos de Jorge Amado e do parceiro de Waly Salomão. Chegou a ser considerado por Jorge Amado como “a mais nova experiência da linguagem depois de Guimarães Rosa”.

Jorge Amado, aliás, mesmo achando-o meio doidão, escreveu o texto de apresentação em Os morcegos estão comendo os mamãos maduros pela Editora Eldorado em 1973, um dos livros de contos de Gramiro de Matos. De certo, Gramiro era diferente. Inventava uma espécie de linguagem que mesclava português colonial com espanhol, que quase gerava um dialeto Crioulo, ou mesmo um Galego falado na Galiza. Impulsionava relações idiomáticas entre línguas indígenas e africanas, constituindo multiplicidades lingüísticas em uma zona de vizinhança entre línguas.

Ou seja, livros como Panamérica (1968), de José Agripino de Paula, Me segura que eu vou dar um troço (1972), de Waly Salomão, Urubu-Rei (1972) e Os morcegos estão comendo os mamãos maduros (1973), de Gramiro de Matos e Catatau, de Paulo Leminski (1975), foram inseridos nesse grupo pela crítica literária da época, apesar de suas diferenças de estilo e proposta.

A partir de 1974, o autor decide seguir a carreira acadêmica. Vai realizar uma série de viagens à África e Portugal durante seus anos de doutorado, financiado pela Fundação Caloustre Gulbenkian. Sua intenção era a de investigar o impacto da literatura brasileira nos autores das colônias lusas, até então. O afastamento da sua terra trouxe um afastamento do universo literário, também. Durante esses anos de estudo presenciou a Revolução dos Cravos e escreveu algumas impressões e vivências sobre o episódio. Nesse período também ficou mais próximo de Glauber Rocha, que nessa época residia em Sintra. Acompanhou sua agonia e sua luta para filmar Império de Napoleão.

Em 1978 publicou um romance histórico-surrealista A conspiração dos búzios. Mas,apesar da tentativa de se reconectar com o ambiente cultural brasileiro, o autor caiu no esquecimento na década seguinte. De seus estudos acadêmicos, resultou nas mais de 600 páginas de uma tese de doutorado: “Influências da literatura brasileira sobre as literaturas africanas de língua portuguesa”, defendida na Universidade de Lisboa, 1982 e publicada posteriormente no Brasil. 

Urubu-Rei e Os Morcegos estão comendo os mamãos maduros, de 1973, tiveram ampla divulgação em estudos profundos empreendidos por Silviano Santiago(2000), bem como na imprensa da época. Santiago em Os Abutres, num ensaio de 1972, parte da peça Urubu-Rei de Gramiro de Matos discutir a geração do desbunde de 1960. Ele defende a “curtição” da cultura, em contraposição à sua leitura sociológica do bom e do mau gosto.  Ou seja, ao incluir o Urubu-Rei de Gramiro de Matos no grande quadro do Tropicalismo, colocando-o justamente como um “abutres do lixo americano”, tornou o lixo da sociedade de massa brasileira, algo que pudesse ser reinventado num outro diapasão que misturasse prosa, linguagem de computador, poesia, cérebros eletrônicos, dialetos indígenas, mitologia negra, o portunhol das peças de Anchieta, ou seja, uma literatura que não cabia apenas na literatura.Um diapasão que não se  limitasse ao Modernismo nacionalizante. 

Talvez o grande mérito da leitura de Urubu-Rei e Os Morcegos estão comendo os mamãos maduros, resida no fato de despertar questões referentes a sua linguagem desestabilizadora e política, impulsionada por relações idiomáticas entre o português, o espanhol, línguas indígenas esquecidas e as diversas variações do crioulo português afircano, constituindo-se por multiplicidades lingüísticas em uma zona de vizinhança entre línguas. O autor tenta trazer para as ranhuras do Tropicalismo a antropofagia de Oswald de Andrade: junta e separa palavras, cola recortes de jornais, inunda a sintaxe de estrangeirismos e barbarismo, desrespeita a língua como quem ironiza a autoridade gramatical, ousa reescreve o conto Cabeça Caxinauá numa versão pop, e chega a citar poemas inteiros de Gregório de Matos. Ou seja, independente do que os críticos digam, um tipo de leitura para fortes: ou você ama, ou simplesmente faz pose e analisa academicamente.

Alguns intérpretes, consideram a literatura de Gramiro de Matos uma forma de luta política contra a violência da língua padrão e, ao mesmo tempo, um conceito de " combate em línguas ", tanto para propósitos acadêmicos como estéticos. O que é uma suposição até cabível, numa literatura de contracultura que já tinha sido considerada inclassificável pelos críticos da época de seus primeiros livros.

A Conspiração dos Búzios é um livro de 1976. A primeira edição era absolutamente artesanal financiada pelo próprio autor e ilustrada pelo fotógrafo Mario Cravo Neto. O enredo era uma mistura incomum de roteiro de cinema com narrativa histórica, em que o autor  reencena a Conjuração Baiana do século XVIII. Ainda no diapasão da porralouquice, era numa espécie de paródia épica que flutuava entre lirismo, surrealismo e o tom de documentário que retrata as reminiscências de revoltosos condenados à forca, nos dias que antecedem à condenação, dando uma espécie de sobrevida a cada um dos conspiradores que saem do Pelourinho para serem enforcados na praça da Piedade. Na passeata fúnebre, o autor mostra detalhes da cidade, do casario e da vida dos personagens.

Ainda em Portugal, publicou em Lisboa uma Antologia da novíssima poesia brasileira (Livros Horizonte, 1982), que reunia as experimentações poéticas das vanguardas concretistas e tropicalistas, e das poéticas resultantes, dos anos 60, 70 e 80, trazendo  textos de Ana Cristina Cesar, Torquato Neto, Carlos Nejar, Chacal, José Carlos Capinam, Roberto Schwarz, Afonso Romano de Santana, dentre outros.

Quando volta ao Brasil, nos 1980, continuou sendo considerado um autor impenetrável pelas novas gerações.

E agora, em meados dos anos de 1980, com um canudo de estudos africanos embaixo do braço, e uma tese de 600 páginas ilegíveis, decepcionado com a falta de interesse das universidades pelos estudos africanos, afastou-se aos poucos da escrita e da academia. Tocou a vida como comerciante, marchand, depois colecionador de quinquilharias.

Mesmo tendo publicado em 2016, pela Civilização e Barbárie A conspiração dos búzios, romance-experimental inédito escrito em 1976, ainda durante os estudos de doutorado, Gramiro de Matos é considerado “o tropicalista esquecido”. Hoje, raramente é citado entre as principais figuras literárias da sua geração, e sequer tem verbete no Wikipedia.


O tropicalista, marginal e reinventor de linguagens, Ramiro Silva Matos Neto vive hoje em Salvador, completamente afastado dos círculos literários toca sua vida longe da literatura. Divide seu tempo colecionando moedas antigas, administrando sua pousada, e fazendo comentários nas redes sociais - geralmente contra governos de esquerda – defendendo a Democracia.