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O nome Aldir Blanc significa algo para você ?

Eu apenas queria dizer duas ou três coisas sobre o Aldir Blanc.



Primeiro, que o dia de hoje está sendo tão triste e que talvez seria melhor não dizer, nem escrever, nada. Talvez fosse melhor guardar uma espécie de contrição por esse pesar, por essa pena, por esse vento frio encanado em minh'alma, por esse sentimento de esmagamento que estou sentido hoje. 



Aldir Blanc - Rubem Fonseca também, à sua maneira - foi muito importante para mim. Cresci no subúrbio, na Zona Norte do Rio de Janeiro. Fui leitor assíduo do cronista, com quem dei muitas risadas. Seus personagens eram criaturas quase que à clef. Era possível ver aquelas pessoas em qualquer lugar. Era quase possível falar com aquelas pessoas. Era possível… Bastava andar pelas ruas, entrar num ônibus, num boteco sozinho e pedir uma Brahma, que logo apareceriam:  o marido da Medéia de Vila Isabel; o Leocácio, com sua cara de próspero e pinta de quem  sempre faturava fácil; a bunda da boazuda passando na da porta da tinturaria; o Waldyr com seu baralho indo para o velório do tio do Gouveia, na rua Paula Matos - onde por acaso eu nasci. Até caminhando pela Praça XV à noite, era possível ver a Candice Bergen em frente à carrocinha de Angu do Gomes; na porta de um cinema era possível ver o Ambrósio, lutando contra o Capota Arriada, como um verdadeiro Don Juan, guerreando pelo coração de Yolanda enquanto solta a letra no ouvido da mulata. 



Segundo, eu podia dizer aqui que o Aldir é a cara do Brasil! Mas não é… o letrista pode ser… O cronista não. O cronista é nosso! É do Rio de Janeiro, de Cabucçu, Cordovil, Caxambi, Madureira, Olaria e Bangú, Cascadura, Agua Santa, Pari, e ousaria dizer mais de Nova Iguaçu que de Ipanema. Apenas nós, cidadãos cariocas, podemos ver o Leocádio, o Waldyr, o Francelino, a Dona Otília, o seu Joaquim do taxi, a irmã solteira do Sardinha… só nós podemos vê-los…  



O letrista Aldir Blanc, é outra História. É o do Linha de Passe, O letrista Aldir Blanc musicou a abertura política lembrando tanta gente que partiu num rabo de foguete, sem saber que o Bêbado e o Equilibrista, lançado em 1979 - ano em que Figueiredo sancionou a lei que concedia Anistia aos cassados pelo regime militar - seria três anos depois, o hino das Diretas Já. Na poesia, na arte, em geral, as coisas são assim, meio por acaso. Por isso deve haver mais arte para que depois de tudo aquilo que sobra, depois de todas as mentiras que vivemos nesse país escroto ao qual pertencemos, tenhamos a verdade como uma síntese dialética. Essa verdade:



O Brazil não conhece o Brasil

O Brasil nunca foi ao Brazil



O Brazil que o Aldir musicou no fim dos anos 70 tinha esses defeitos, mas era um Brasil de esperança. Mesmo, nós, sabendo que sempre foi um país de elites tacanhas, rentistas, aduladoras da autoridade, do kiss up kick down, do preço da cura e da justiça, da injustiça, do golpe, do golpe baixo, da barganha, da política do café com leite, do rent-seeking, do racismo, do almirante negro, do sebastianismo, dos partidos políticos solventes, das eleições roubadas, dos juros caóticos, do mercado selvagem, da opressão ao pobre, do câmbio, e por aí vai… não pensávamos que iríamos chegar ao ponto em que chegamos com o juiz ladrão de braços dados com as trevas, com a tortura louvada pelo chefe inominável do executivo, com a verdade manchada, com a doença terrível, com o sádico e o cruel andando lado a lado de mãos dadas com neo-pentecostais. Não pensávamos lá atrás, que o Brazil poderia matar o Brasil. Achávamos que era apenas uma mera questão de tempo, e que tudo se ajeitaria, e que a Democracia traria a vida, a luz, um pouco de Humanismo, com igualdade… para um país tão fodidamente desigual. Nos enganamos. O Brazil matou sim… 




Entendeu? Aldir Blanc morreu hoje. Ele não foi ali comprar um cigarro. Ele não volta nunca mais. 



Aldir Blanc morreu hoje, justo hoje quando está dificílimo ter esperança no futuro. Pode ser sintomático o que estou pensando agora... pode ser vocacional e cruelmente intencional o que fizeram com o Brasil nesse últimos 5 anos…  mas o fato de Aldir ter atravessado o espelho hoje, é uma metáfora cruel do que fizemos com nós de nós, de nossa História. Eu estou imaginando que dentro de cem anos, os historiadores vão definir o fim do Século XX, oficialmente, com a morte de Aldir Blanc vítima de COVID -19, na segunda década do Século XXI. E para piorar em muioto nossa situação, com uma carta testamento de Flavio Migliaccio. 



Entendeu? O Brasil que todos nós conhecemos morreu num CTI. Esta na lona. E nesse momento, tem vários corpos estendidos no chão...   




Nota: Ponto final do Gardenia Azul. Ela parecia um pardal e tinha jeito de trabalhar nas Lojas
Americanas. Nao pude resistir. Pegou bem no ouvidinho esquerdo:

- O nome Aldir Blanc significa algo pra voce?

O retorno





…não vou enveredar aqui pelos surrados rumos que todos estamos cansados de percorrer, quando pensamos em retomar alguma coisa do passado, esquecida no tempo…. nem apelar àquela nostalgia biraia presente nas fotos antigas, nem aos berliques e berloques contidos nas vigaristas  gavetas de guardados… durante muito tempo, uma voz renitente, ficava repetindo… vai gauche, escreve lá, posta lá… seja relevante para o universo de 3 pessoas que te lêem!  … vai seu bosta insignificante! Um desses demônios é metido a literato, me xingava e até citava Machado… deixa essa ferrugem de obscuridade …então… tentei retornar…eu sabia do trabalho hercúleo que me daria para recuperar a senha destes blog…tentei retornar 2 3 4 vezes… mas 2 filhos pequenos, series de trampos sem vergonha com impantes chefes, contas de luz, gás, água, internet, Netflix a pagar, feijão na mesa, ração para a vira-lata, tudo isso deixaria até o Sísifo meio bolado…

…nem vou outorgar este retorno ao baixo astral generalizado trazido pela tosse e falta de ar desta peste escrota pós-moderna… o injustificado, porém necessário recesso deste blog, deve-se em parte, também, talvez, à idade… estou ficando velho… e a velhice faz a gente filtrar a relevância das coisas…. além disso, sinceramente, a recente  produção literária brasileira meio caduca, meio acochambrada, meio banazola não me seduz a deixar de ler os clássicos… afinal de contas, sempre que pego algo para ler, seja um livro, uma bula de remédio, um panfletos dos testemunhas de jeová,  folheto, um epistolário, uma poesia mambembe, uma biografia, um cordel, selo antigo,  um prospecto da vovó maria conga, sempre me pergunto… o que esse falsário tem para me dizer? … consigo ver suas metáforas materializadas à minha volta? …então, tal como nos decretos espanhóis medievais… si no, no… se não, não…se não presta, não presta… e pronto…

…tenho uma suspeita que pode se revelar tolice completa sobe os motivos desse retono, porém vou arriscar… Ilusão da Semelhança é um termo cunhado do José Saramago…esse infeliz me atormenta desde os tempos em que ainda estava vivo… recentemente… recentemente mesmo, há dois dias atrás… comecei a reler o Ensaio sobre a Cegueira, dentre outros livros dele, que tenho quase todos… e sempre me deparo com esta passagem…


Proclamavam-se ali os princípios fundamentais dos grandes sistemas organizados, a propriedada privada, o livre cambio, o mercado, a bolsa, a taxação fiscal, o juro, a apropriação, a desapropriação, a produção, a distribuição, o consumo, o abastecimento e o desabastecimento, a riqueza e a pobreza, a comunicação, a repressão e a delinquência, as lotarias, os edifícios prisionais, o código penal, o código civil, o código de estradas, o dicionário, a lista de telefones, as redes de prostituição, as fábricas de material de guerra, as forças armadas, os cemitérios, a polícia, o contrabando, as drogas, os tráficos ilícitos permitidos, a investigação farmacêutica, o jogo, o preço das curas e dos funerais, a justiça, o empréstimo, os partidos políticos, as eleições, os parlamentos, os governos, o pensamento convexo, o côncavo, o plano, o vertical, o inclinado, o concentrado, o disperso, o fugido, a ablação das cordas vocais, a morte da palavra.

música do dia. sol da meia noite. Sylvia telles. disco Bossa, Balanço e Balada. 1963


Os Efeitos Maléficos de Hollywood

Quando adolescente, eu queria ser um desses jovens fora-da-lei. Queria andar por aí com um camarada meio sórdido como o Edward G. Robinson, ou um que que suasse muito, e que fosse conhecedor de todas as malandragens das ruas como o James Cagney. Eu era uma espécie de Antoine Doinel, que gostava de faltar as aulas e andar pela cidade com meus amigos. As vezes pegávamos o trem no subúrbio e íamos até quase a Central do Brasil. Por isso eu inventava meus amigos. Dava-lhes apelidos. Claro que eu guardava o papel do Bogart para mim. Eu era magricela, e apesar de magricela eu era metido a machão e sentimental, como o Bogart. Eu só não tinha aquele mel que ele usava com a Lauren Bacal, mas eu sabia que isso era só um detalhe. Eu pensava que era apenas questão de treino, pois quando eu ficasse mais velho a coisa viria naturalmente. Eu tinha até  um amigo negão, o que não é nada demais. No subúrbio do Rio de Janeiro todo mundo tem pelo menos dois amigos negões. Ele ficava aguentando minhas bebedeiras  até de madrugada. Eu pedia sempre para ele, toca aquela. E em vez de um “As time goes by”, o que sempre saia do violão do Sam era um Chico Buarque. Os porres geralmente eram por conta de alguma atriz que não queria se encaixar no papel que eu criara especialmente para ela. 


Geralmente, eu não era chegado em mulheres do tipo da Ingrid Bergman ou Barbara Stanwick. Muito finas, muito sofisticadas, eu até chegava a cogitar que elas tinham sido feitas mesmo para o Cary Grant – mas obviamente, na época, eu não ficava por aí dizendo essas coisas. Eu nem saberia o que dizer para uma mulher assim. Gostava das barraqueiras, das ciumentas, das possessivas, das mulheres que pudessem ter algum vínculo metafísico com o subúrbio. Tipo... a Elizabeth Taylor em Who’s afraid of Virginia Wolf?, ou o que por tabela seria a  Gene Tierney em Leave Her to Heaven.  Com elas eu treinava meu Humphrey Bogart. Eu as chamava de angel e precious  com um Gauloise no canto da boca – nessa época eu já era professor e entre uma aula e outra, eu fumava quase um maço de Malboro por dia. Elas não entendiam nada e me achavam um cara meio maluco.  


Depois eu acabei mudando de bairro e me juntei com uma turma mais prosaica. Éramos eu, Owen Wilson e o Adrian Brondi. Os tipos gostavam de fazer poesia e fumar uns negócios. Eu não. Eu só lia, passava o dia inteiro lendo, assistindo filmes,  e as vezes escrevendo ficção. A turma em que eles andavam era meio chata. Um bando de garotos e garotas metidos a intelectuais que ficava lendo Ricoeur, Queneau e Holderin, achando o máximo comunicar coisas que ninguém entendia.  Eu estava ali junto com eles, mas no fundo eu os via como num trailer de filme do Billy Wilder.
Numa determinada fase da minha vida, passei por um dilema terrível: houve uma mulher de quem gostei muito, a Anita Ekberg. Era mais velha. Um colosso: aprendi muitas coisas com ela. Mas com o tempo, não apenas a diferença de idade, os peitos também foram pesando. Além do mais,  essa coisa de mulher ficar perguntando umas 180 vezes por semana  se você a ama, começa a aborrecer. No fundo, eu achei que ela ia ser mais feliz sozinha, procurando sua vida, preferia ela como amiga a amante. Enfim, mesmo que as vezes baixasse um espírito de Doris Day nela, eu já estava em outra. Era um amor de pessoa, mas de uma mulher chata é melhor se separar.
Minha primeira grande paixão, paixão de verdade, aconteceu nessa fase da minha vida. E foi traumática. Não era bem uma namorada, pois eu tinha uma namoradinha. Ela era minha amante. Passamos por todas as fases da paixão:  encontros clandestinos pelas tarde, telefonemas afobados, cartas assinadas com um “Eu”.  Quando estávamos juntos eu imitava atores famosos, Karloff, Gary Cooper e o James Stewart. Ela imitava atrizes de filme B fazendo strip-tease.  E cheguei a bater com a cabeça quando vi que tudo estava acabado, mas eu sabia que não havia o que fazer. Eu não era nada, mas na época de jovem imaturo eu ainda acreditei que pudesse bater o Blue Eyes e tomar de assalto o coração daquela indomável Ava Garner. Pura ilusão pois ele devia cantar no ouvidinho dela. O que me magoou de verdade foi a frase que ela soltou nos jornais após uma das muitas brigas com Sinatra: “Éramos fantásticos na cama, mas as brigas começavam a caminho do bidê.” Isso ela disse quando nos separamos!  Depois foi para o New York Times dizer que isso era coisa do Sinatra. Doeu.
O que eu quero dizer é que não é nada bom querer ser o Bogart. O Frank Sinatra quis ardentemente  e se deu mal. Assim como eu a perdi para ele, ele a perdeu para um troureiro espanhol, desses que usam umas calças colantes e ficam rebolando no meio da arena. Esse negócio de querer ser quem não se pode não dá certo. Nunca dá.
Música do dia. Concierto de Aranjuez, Lado A, Faixa 1. Miles Davis. Scketches of Spain. 


Madama Butterfly

A 17 de Fevereiro, no ano de 1904, no teatro La Scala de Milão, era encenada pela primeira vez a Madama Butterfly. Portanto, lá se vão 107 anos. Na época Puccini fora acusado de repetitivo, já que Cio-Cio-San guarda alguns traços com a Mimi de La Bohème. E pelo que tudo indica parece mesmo que era cópia, pois pelo que andei lendo – minha fonte principal para temas de opera é o velho e mal traduzido História das Grande Operas de Ernest Newman - Puccini, ao longo da vida, fez inúmeras modificações no enredo. Dizem até as más línguas, nas interenétis da vida, que a ópera original era ruim mesmo, mas como não vi o dilúvio, quem sou eu para duvidar dos sobreviventes?

Bom, assim como LaBohème, a nossa Madama é uma ópera popular. Mas nem por isso deixa de ser um ótimo entretenimento para terça-feira à noite, pois a obra combina todos os bons elementos que uma ópera deve ter. Exótica, romântica e trágica,  a estória, base do libreto, foi tirada do conto de John Luther Long e narra as desventuras de uma gueixa japonesa, Cio-Cio-San, que casa com o oficial da marinha americana B.F Pinkerton. Casamento estranhíssimo, ou seja, mais estranho que os normais. Neste, o americano faz um acordo esquisitíssimo onde ele se casa com a moça por 999 anos, com o direito a revogar o contrato a cada mês. Casamento, diga-se de passagem, nulo perante a lei americana. O mais absurdo é que ele tem direito a se casar com a menina de 15 anos ao comprar um imóvel perto do porto de Nagasaki, e a jovem vem como ‘brinde’ intermediado pelo agente imobiliário Goro. Desconhecendo boa parte  dos acordos escusos triangulados por Pinkerton, Goro e Sharpless – Cônsul americano na região – e para provar seu amor por Pinkerton, Cio-Cio-San rompe com a família, converte-se ao cristianismo, e passa a desprezar  a tradição japonesa. Pinkerton por sua vez, ainda no primeiro ato, mostra sua natureza calhorda, expulsando a família da consorte, que não aprova o casamento, admitindo para Sharpless que pretende voltar aos Estados Unidos e arranjar uma esposa americana.

Até o fim do primeiro ato,  percebe-se que Cio-Cio-San, sempre acompanhada pela fiel criada Suzuki, terminou o primeiro ato em maus lençóis literalmente. A gueixa, que virara cristã na esperança de agradar o marido, que simplesmente ignorava ou desprezava – a linha é tênue – sua crença no budismo, passa a ser desprezada pela família, e além de abandonada pelo marido, e tem um filho ao longo da ópera. Ou seja, sendo uma ex-gueixa que decide endireitar na vida, mãe-solteira e apóstata, fica difícil acreditar em que a relação pode dar certo, ainda mais pelo fato de que Pinkerton dá provas mais que suficientes, em suas conversas com o Cônsul americano, Sharpless, de sua mais completa cafagestagem.

No segundo ato, já se passara 3 anos desde a partida de Pinkerton. Neste ato é quando Puccini nos dá praticamente a perspectiva da fibra e do caráter da moça. Butterfly tem um filho de 3 anos, fruto da relação com Pinkerton. Ou seja, como já disse,  ex-geixa, apóstata, renegada pela família e posteriormente pelo marido, e ainda mãe-solteira, o futuro da moça parece não ser nada estável. Com crise de consciência, ou almejando talvez mais um bom negócio, Goro e Sharpless  visitam a moça. Goro, trazendo o principe Yamadori, com a esperança de que ela se case com ele e acabe com aquela angústia da espera por algo que pode nunca alcançar. E Sharpless a visita de posse de uma carta de Pinkerton. Tal a emoção da moça ao escutar a leitura da carta, interrompendo-o a todo o momento, que Sharpless não consegue terminar a carta com todos os trágicos detalhes do eventual retorno do amigo marujo a Nagasaki. Remoído pelo remorso, Sharpless interrompe a leitura, sofrendo antecipadamente pelo destino de Cio-Cio-San. Nesse momento a ópera dá uma virada, em termos de enredo e música.  Nesse contexto é que  uma das  mais belas árias de toda a ópera é executada, Un bel dì vedremo, quando ela, canta sua esperança no retorno de Pinkerton.  Aliás entre o segundo e o terceiro ato há também o dueto Sccuoti quella fronda di ciliegio, cantado por Cio-Cio-San e sua empregada e amiga Suzuki, enaquanto decoram a casa com flores de cerejeiras – muito bonito -; sem esquecer do coro de sussurros Coro a bocca chiusa, que vela a noite em claro de Cio-Cio-San ao escutar os canhões do navio de Pinkerton ao entrar na baía de Nagasaki.

Já no terceiro ato, Pinkerton aparece com a sua mulher americana, e leva o seu filho sob custódia para os Estados Unidos enquanto Cio-Cio-San se  desespera. Ana Maria Martínez, empresta sua voz vibrante e dramática a Cio-Cio-San, enquanto o brasileiro Thiago Arancam interpreta Pinkerton. A regência é de Plácido Domingos, e uma outra novidade da Vanuatu National Opera é a inclusão de um outro brasileiro, Ron Daniels, que estréia como diretor da Companhia. Daniel tem uma longa história de montagens no Brasil e na Inglaterra. No Brasil foi um dos fundadores, junto a Jose Celso Martinez Correa, do Teatro Oficina em São Paulo, e porteriormente trabalhou por anos em Londres na Royal Shakespeare Company.

Enfim, noite de terça-feira, nada de melhor pra fazer, duas opções: ligar a televisão no ABC, ou, Madama Butterfly.

Meus problemas acabaram!!

Recebi esse email enigmático hoje pela manhã. Se eu ajudar essa moça, orfã, diga-se de passagem, a retirar 20 milhões de dólares de um banco na Holanda, ela me recompensa com 7 milhões...

Letter from Holly Payne
Hello friend,
My name is Holly Payne, a citizen of wales in the United Kingdom now residing in England. I am contacting you because I need your help to solve a family problem. My family and I need your help to help us as a beneficiary to help us collect our family funds from a security company in Holland. Since the death of my father, we have been unable to do so and the security company wants us to present a foreign beneficiary. The amount involved is Twenty Million Dollars and you shall have Seven Million Dollars, please reply me back at mrshollXXXXXpayne@yyy.com I shall give you the whole details.
Have a nice day.
Holly Payne

Eu so fico intrigado com uma coisa... como é que essa dona Holly, pode subestimar tanto a um incauto...


Música do Dia. Os Direitos do Otário. Bezerra da Silva

Paulo Francis Again




"É TRISTE ENVELHECER LONGE DOS AMIGOS." PAULO FRANCIS, NUM MOMENTO DE GUARDA BAIXA, EM ENTREVISTA NO PARANÁ

Paulo Francis, 10 anos depois

Imponente. À proporção que a vida avançava, Francis, fraco e delicado como era, ia sendo assumido por ela e pelas circunstâncias, fingindo sempre o contrário, enfunando o peito, olhando de cima, impostando arrogância. Nos últimos 10 anos tinha crescido uns 10 centímetros. Eu olhava e dizia: "Quem não te conhece é que te compra", pois não apenas no fundo, freudianamente, mas logo abaixo da superfície, era uma alma carente, comprável por um afago verdadeiro, tipo, creiam... familiar. Quem leu sua semibiografia verá isso presente na figura de Irene. Irene, a mãe. A falta angustiada da proteção essencial. A eterna busca. A perda irredimível. Tudo, claro, dolorosamente camuflado.
O sucesso foi uma substituição insuficiente para essa sua ânsia, jamais revelada, revelo-a eu agora, esperando com isso iluminar de modo mais belo essa personalidade que de público cortejou sempre o gosto de chatear, criar adversários, até mesmo alimentar ódios, ser insuportavelmente odioso. Diante de alguns de seus acessos – comigo jamais demasiados – eu zombava, parodiando, comicamente, o Horácio final do Hamlet: "Dá-lhe, sweet prince!".
Fallstaffiano na forma e no conteúdo, ampliava o que sabia, o que lia, o que via, enquanto o tempo, esse marcador de vidas do qual ninguém escapa, nos mostrava que não era suficiente para que lesse tantos livros, visse tantos filmes, fosse a tantas exposições, escrevesse tanto. Mas quando, no calor de uma conversa, surgia qualquer assunto, o último livro, a última polêmica internacional, a última exposição no MoMA, as contas que fazíamos de seus exageros morriam. Ele expelia nomes e conceitos, citava autores e fofocas políticas, com justeza e propriedade, sem possibilidade de consulta, ao sabor do momento. Calava-nos. Calávamos.
E zombávamos também, os amigos, por trás ou pela frente, dos seus erros de observação, factuais ou de avaliação. Mas ele assumia o exagero, dava como desprezíveis as próprias incongruências, assim como assumia o grotesco na televisão, chutando as canelas dos "rivais", e cantando com voz roufenha e razoavelmente desafinada o Summertime ou, quem não viu não verá mais, a chiquita bacana lá da Martinica. E foi assim que criou um tipo, que ocasionalmente passou a imitar, antes que outros cômicos o fizessem.
De uma pessoa de tanto sucesso e tão disposta a atacar, justa ou injustamente, tabus nacionalistas, feministas, literários e que tais, com a capacidade intelectual amedrontadora que ele tinha, é muito brasileiro – será só brasileiro? – duvidar da masculinidade. Francis não escapou dessa. Mas eu conheci, estou contando nos dedos, mais de uma mão de mulheres belas e intelectualmente respeitáveis – combinação não muito comum, não sei se sabem – com quem ele se envolveu de maneira intensa e algumas vezes dramática.
Falando apenas do sucesso, sem discuti-lo, não conheço outro jornalista que tenha tido o que ele teve. Foi sempre visível, desde o tempo de suas impiedosas críticas teatrais, passando pelo Pasquim, Folha de S.Paulo, O Globo, TV Globo, e nesta, ultimamente, fazendo o que ele sabia fazer como ninguém – entrevistar personalidades famosas. Em inglês. Tudo a bom preço, que fazia questão de ostentar, materializando, nos grandes hotéis do mundo, na primeira classe dos aviões, nos carros com motorista, no seu ato existencial de todo dia, o "Sorry Periferia", do outrora Ibrahim.
Tinha, na sua profissão, chegado ao máximo, como repercussão, como compensação, como satisfação. Não podia ir mais longe. Me despedi: "Good night, sweet prince".



Veja de Ontem.

Sugerido pelo Pedro Junqueira, grande admirador e diriamos herdeiro novaiorquino do Francis...

PAULO CÉSAR PEREIO, Porra!!


Ele desempenhou papel fundamental na história do cinema nacionale teve em seus braços as atrizes mais gostosas, como Sonia Braga, Kate Lira e Vera Fischer. Mas está longe de viver do passado. O ator gaúcho Paulo César de Campos Velho, cujo sobrenome PEREIO foi inventado por causa de uma pronúncia errada na infância, está mais vivo do que nunca - como entrevistador, no Sem Frescura, do Canal Brasil, ou na reunião dos depoimentos de amigos e desafetos no documentário PEREIO Eu te Odeio, em fase de produção. Recentemente, participou de Árido Movie, do diretor Lírio Ferreira. Em 2007, vai completar 50 anos de carreira com um livrocom seus escritos, Vale Somente a Escrita, que será lançado pela Editora do Bispo, e uma mostra com os mais importantes dentre os mais de 40 longas-metragens em que atuou.
Mas quem entra desavisado no apartamento onde o ator mora, no centro de São Paulo, ou "nas vísceras da besta", como ele gosta de definir, há de duvidar de tantas proezas. Não há lembrança. Nenhuma foto, prêmio, nem um mísero DVD de algum de seus filmes. Ele confessa que até sente um pouco de nostalgia, mas espera passar na televisão algum filme seu, e está resolvido. Quanto aos prêmios, é bronca mesmo. "Prêmio é fragmentador. O Kikito é horrível, uma bunda na frente e outra atrás. O Candango eu dei para uma amiga minha bater no namorado." Ele garante que todo o material do passado está com a Lara Velho, sua primeira filha, que controla sua agenda e é diretora do seu programa de televisão. "E ainda me livra de casar de novo, porque me faz companhia e organiza a minha vida", brinca.
PEREIO foi casado três vezes. Primeiro com a atriz Neila Tavares, mãe de Lara, hoje com 33 anos. Da relação mais famosa, com a global Cissa Guimarães, nasceram Tomás, hoje com 27 anos, e João, com 22. Finalmente, de seu casamento com Suzana César de Andrade, que não é do meio artístico, nasceu Gabriel, há 14 anos. Hoje, sua base de operações é a Toca da Raposa, um boteco pé-sujo de primeira colado ao prédio onde ele mora e onde se reúnem seus amigos, os motoristas que o levam para onde precisa. É lá que, dependendo do seu humor, ele toma um café ou um uísque pela manhã. "E eles ainda servem uma rabada imperdível às terças-feiras", completa. Às vésperas de completar 66 anos, este senhor de gestos intempestivos e voz inconfundível (que reina absoluta até hoje em narrações de filmes e comerciais) viveu os mais variados tipos, mas nenhum que tenha ofuscado o personagem PEREIO (a começar por esse sobrenome, inventado), que teve uma vida de fazer inveja a qualquer autor de dramaturgia. Casou com Cissa Guimarães quando ela, 17 anos mais jovem, ainda era menor de idade. "Ela me seduziu", ele garante. Essa união rendeu, além dos dois filhos, uma prisão, por falta de pagamento de pensão alimentícia. Foram oito dias em cana, mas nada que PEREIO já não conhecesse. Entre brigas em sets de filmagens, uma honestidade mordaz sobre seus colegas e um relacionamento longo, tortuoso e público com a cocaína, ele se firmou como um dos mais malditos artistas brasileiros.
Para a entrevista de PLAYBOY, PEREIO recebeu o editor Jardel Sebba na Toca da Raposa por duas vezes, ambas de manhã bem cedo, antes de subir até o quintal de seu amplo e confuso apartamento térreo. Na primeira, com um uísque; na segunda com um café. Na primeira, estava agitado, preocupado com uma viagem ao Rio que havia acabado de ser desmarcada, fumando um cigarro atrás do outro. Demorou a se sentir confortável. Na segunda, a do café, ele já havia comprado e lido o jornal e, bem mais tranqüilo, quis acompanhar um pedaço do jogo Inglaterra x Paraguai na Toca, antes de subir para a entrevista. "Eu torço pela Argentina", cochichou. Tem até explicação: ele nasceu na cidade gaúcha de Alegrete, na fronteira com o país de Carlitos Tevez. Mas a melhor maneira de entender sua torcida é perceber que, quando se trata de Paulo César PEREIO, nada pode ser óbvio. Seu bordão, "porra", que serve quase como vírgula para suas frases, foi repetido 67 vezes ao longo de mais de cinco horas de conversa. Alguns deles você confere aqui.
PLAYBOY Você contracenou em cenas quentes com algumas das mulheres mais gostosas do Brasil: Vera Fischer, Sonia Braga, Vera Gimenez, todas no auge. E sempre disse que não comeu nenhuma delas. Que história é essa?PAULO CÉSAR PEREIO Nunca comi mulher nenhuma por ela ter feito uma cena comigo. Nunca caí nessa armadilha banal, imbecil. Não seria por isso que eu comeria uma mulher, seria falta de respeito comigo. Eu reverencio essas mulheres, não as jogo no lixo. Não tirei casquinha, acho que a coisa funciona de outra maneira. E quando fiz Eu te Amo [com Vera Fischer e Sonia Braga], estava apaixonadíssimo pela Cissa. Porra, estou apaixonado por uma mulher e vou comer outra porque tive a chance?
PLAYBOY E hoje, você está namorando?PEREIO Não, acabo de sair de uma relação muito boa, muito confortável. Só entrei em pânico porque a moça queria casar e ter filhos. Era uma namorada muito legal e, quando terminou, me senti me devendo um pouco, sabe? Não era muito convencional, ela tinha a casa dela, o carro dela, a vida dela, e eu a minha.
PLAYBOY Você está sexualmente abstêmio atualmente?PEREIO Não, eu tenho visitas. Tenho uma vida sexual regular. Sexo é fundamental, sempre foi. Com 15, 16 anos eu batia p(*)ta o dia inteiro. Com a idade fica menos impositivo. Com o tempo você dá mais valor ao carinho, não tem tanta urgência em ejacular, sabe segurar, pensa também na parceira. Até porque a coisa é reflexiva.
PLAYBOY Então você ainda tem noite, álcool e mulheres no cotidiano?PEREIO É parecido com a coisa de estar no palco e gostar de estar no palco. Fui um grande jogador de sinuca, por exemplo. Enjoei uma época, meu jogo caiu, mas agora jogo sempre, pela volúpia de jogar. De festa eu não gosto muito, vou a certos lugares, mas prefiro ir sozinho. Inclusive ando sozinho no meio da p(*)ria. Agora quero freqüentar um salão de barbeiro que é 24 horas, cuja clientela é quase toda de travecos, p(*) e cafetões. Me sinto em casa. Tem muito marginal, em todos os sentidos, econômico, social, que me reconhece, fala: "Olha lá o PEREIO". E eu lido bem com isso. Geralmente é chato, mas você tem de aprender a lidar com isso.
PLAYBOY E isso é bom ou ruim?PEREIO Eu acho bom. Teve um período da minha vida que, p(*) que pariu, o pau mandava mais que tudo. Já aconteceu cada coisa...
PLAYBOY Já experimentou remédio contra impotência?PEREIO Já, o Viagra, o Cialis e o Levitra. Por indução da namorada, aquela coisa de vamos lá agora. Esse Levitra dá um surto de paudurescência razoável.
PLAYBOY Você passou a década de 90 longe da mídia. Isso mexeu com a sua cabeça de alguma forma?PEREIO Não, porque na verdade eu que fugi, estava muito drogado. Achei que tinha de cair fora, então fui para Goiás, para uma cidadezinha pequena, longe de tudo, que não tinha nem caixa de banco. Apaixonei-me por aquele lugar, pagava 70 reais de aluguel numa casinha com pomar, e estava a 90 quilômetros do aeroporto. Cobrava 4 mil reais por uma locução, fazia e voltava para lá para viver como um rei por um bom tempo. Até juntei grana. Porque onde eu morava antes, bicho, era só sair de casa que caía alguma coisa na minha mão.



PLAYBOY Por que aliar a carreira de ator à de entrevistador no Sem Frescura?PEREIO Houve uma reformulação no Canal Brasil, que estava indo para o buraco. O Paulo Mendonça, meu amigo, assumiu o canal e me chamou. Ele teve a idéia do meu programa, e chamou também o Selton Mello, o Paulo Betti, a Angela Ro Ro. O programa do Selton se chama Tarja Preta. Acho que não tem ninguém no Brasil mais tarja preta do que eu. Então o Paulinho deu esse nome, Sem Frescura, para sacanear a Leda Nagle, que fazia o Sem Censura. Ela não gostou, parece, o que eu achei muito bom, porque nunca fui muito com a cara dela...
PLAYBOY E o seu jeito esculachado de entrevistar dá audiência?PEREIO Quando dava entrevistas nos programas do Jô Soares e do Abujamra, eu percebi que todo cara que vinha me entrevistar estava brifado. Alguns até tinham uma equipe que ligava antes perguntando coisas da minha vida, para o cara meio que se proteger, já saber as coisas que ia falar. No programa da Luciana Gimenez começaram a me perguntar sobre as entrevistas que eu havia dado e, em uma, eu disse que não casaria mais, se tivesse de fazer isso de novo seria com um homem. Aí um cara só queria saber se eu pretendia dar o c(*) ou não! Fato é que conviver com homem é muito mais fácil que com mulher, mas não precisa f(*), claro. A Luciana me censurou, e eu expliquei a ela que a palavra vinha do latim, que significava cavucar, mas se ela quisesse eu poderia falar por elipse, estrangular o pele vermelha, afogar o ganso, molhar o biscoito. Aí ela perguntou o que era uma elipse... Teve uma opinião bacana, não lembro de quem, que dizia que o programa do PEREIO era bom porque era um troço que parecia que ia dar tudo errado e, no final, não dava errado. Mas em alguns momentos deu errado, sim. Teve um cara que eu comecei a enjoar dele no meio da conversa. Eu olhava para a terceira câmera e fazia aquela cara de "porra, que saco". Na entrevista do [Ivald] Granato, eu dormi.
PLAYBOY Você mora sozinho. Sente-se um homem sozinho hoje?PEREIO Não, eu tenho uma certa rotina. Compro jornal de manhã, tomo uma vitamina de frutas, porque estou querendo emagrecer. Faço o meu macarrãozinho ao pomodoro com o molho que compro ali na padaria. Eu gosto de cozinhar, me acalma, e sempre busco novos gostos. Isso só veio com a idade, eu não tinha a mínima idéia nem de como fervia água, mas aos poucos peguei gosto e comecei a me obstinar. Gosto de ficar o dia inteiro em casa, leio pra c(*), adoro ver os noticiários da televisão. Às vezes saio à noite, mas não muito. Não gosto muito de recebernem empregada. Tem uma senhora que vem uma vez por semana e deixa as coisas em ordem, e eu procuro manter essa ordem.
PLAYBOY Você vai ganhar um documentário, o PEREIO Eu te Odeio. Muita gente já te esculhambou nas gravações?PEREIO A idéia do documentário, que foi minha, surgiu para botar as pessoas me esculhambando oficialmente. E é engraçado porque houve uma resposta negando financiamento que falava em nome do respeito ao mito PEREIO, do cinema e das artes brasileiras, que queriam sacanear com aquele projeto. Mas a idéia foi minha! Não sei quem já gravou depoimento. Parece que teve uma empregada que me esculachou legal. Falou aquelas m(*) domésticas, de chegar bêbado em casa e quebrar a porta. O que aconteceu foi que o casamento com a Cissa deu certo uma época, depois não mais. E mais tarde a separação não deu certo, a gente estava separado e morria de tesão. Esse foi o pior período. E nessa fase o que aconteceu de m(*) não está no gibi, de ela trancar a porta da casa, eu ir lá e quebrar a porta na porrada. Sou um cara muito performático, hooligan mesmo. O que já me quebrei todo de porrada não é brincadeira. Já bati e apanhei muito, acho que apanhei mais do que bati. Não sei brigar.
PLAYBOY Já bateu em alguém famoso, além do diretor Ipojuca Pontes, naquele entrevero no Festival de Gramado, em 1979?PEREIO O Ipojuca Pontes sempre foi um Ipojegue. Sofria de todos os sintomas da síndrome da burrice, e era cãozinho da Tereza Rachel, que, por sua vez, era uma pessoa detestável. Eu não sou bom de briga, mas tenho impulsos de avançar, de quebrar tudo. Em geral me f(*). Poucos dias atrás fiz uma m(*). Um cara organizou um livro que era uma coletânea de textos e pediu para que eu lesse um trecho num recital junto com outras pessoas. Preparei uma coisa legal, esperei a minha vez e fiz uma performance. Levantei a bola, botei uma puta azeitona na empada do cara. Depois teve uma comemoração num restaurante japonês, e eu nem queria ir, mas fui. Lá, o cara começou a implicar comigo. Quando perguntei da grana que ele tinha me prometido pelo trabalho, ele continuou me cortando. Eu falei que, se a mãe dele não o tinha educado, que ele receberia educação na cadeia. Ele me mandou tomar no (*). Eu falei que era no (*) da mãe dele, e nessa hora me tiraram de lá. A porta do restaurante era fina, eu detonei ela. Isso faz uma semana. Para você ver que eu ainda faço m(*).
PLAYBOY Isso tudo contribui para uma certa mitologia do personagem PEREIO, que você parece gostar de cultivar...PEREIO Por isso que não sou muito de outros personagens, acho que a minha pessoa é mais interessante que qualquer personagem. Repito o PEREIO porque ele é um cara performático. E o meu texto é, freqüentemente, melhor que os textos que me dão.
PLAYBOY Mas você não teve medo de ser esquecido nesse tempo?PEREIO Não, justamente porque o que fez diferença foi que construí muito bem essa mitologia. Foi uma coisa mais ou menos pensada. Existem normas de comportamento para vencer na vida, como decorar texto direitinho, e eu não consigo decorar texto que eu não gosto. O verbo decorar tem a ver com coração, em inglês é by heart. Existe um regulamento para o sujeito que quer construir uma carreira, e eu nunca me comportei segundo ele.
PLAYBOY Mas essa mitologia mais ajudou ou atrapalhou?PEREIO Não sei, mas serviu para que pudesse ficar três, quatro anos fora de combate e não ser esquecido. Declaro sinceramente que o reconhecimento nunca me serviu, sempre gostei mais do exercício da arte dramática, de uma busca minha, pessoal, do que do aplauso. A minha grande volúpia sempre foi estar no palco, nunca a de receber crítica favorável.
PLAYBOY Mas a Sonia Braga já declarou que, no fundo, você é um fofo. PEREIO É uma boa jogada, né? Não sou cafajeste, de jeito nenhum. Mas até que é uma estratégia interessante. Citando Maquiavel, "o mau inteirinho e de uma vez só, e o bem aos poucos, em doses homeopáticas". Essa mitologia do machão é um troço esquisito. Você sabe muito bem que, quando está a fim de uma mulher, não a ganha coçando o saco ou escarrando. A minha maneira de não ser um sujeito escroto é cultivar um sofisticadíssimo senso de escrotidão. Interiormente, não tenho nenhuma rigidez afetiva, pelo contrário, tenho até uma certa obesidade afetiva. Talvez essa rigidez que passo seja uma espécie de filtro para também não ficar aberto a qualquer um que chega. Eu sou composto de uma grande fragilidade.
PLAYBOY Mas perdeu trabalhos por causa da mitologia?PEREIO Sim, mas, por outro lado, me livrou de fazer coisas que não queria. Por exemplo, se você está duro e te oferecem uma nota que vai quebrar um galhão para fazer algo que você não quer, é bem possível que você aceite. Já me ofereceram muita coisa. A assessoria de relações públicas da Presidência da República queria que eu fizesse anúncios, em março de 1974, cuja assinatura era "março, dez anos construindo o Brasil". Fiquei a fim pra c(*), mas não dava. Teve outra que queriam que fosse Papai Noel num outdoor. Também não dava.
PLAYBOY Você foi fiel nos casamentos?PEREIO Quando era mais guri, não era exatamente infiel, mas tinha tesão em muitas mulheres.
PLAYBOY E celebrava os atos?PEREIO Na medida do possível. Mas não era infidelidade. É que fidelidade não estava no contrato. Só com a maturidade que comecei a achar que isso era um bom negócio. Que, numa relação, é possível cultivar uma certa unidade. Eu tenho uma tendência mimética, se começar a andar com jogador de futebol, daqui a pouco estou de chuteira; se começar a fazer teatro com uma turma tal, eu dou uma certa aboiolada. Por isso, dedico minha vida a cultivar a minha unidade.
PLAYBOY Esse aborto teve algum reflexo na sua vida?PEREIO Só numa relação muito tempo depois, com uma moça que tentou ter filhos, mas já havia feito vários abortos. Ela fez todos os exames e não havia nada que indicasse que ela não poderia ter filhos novamente, então se levantou uma suspeita a meu respeito. O que bati de p(*)ta em laboratório... É uma situação meio esquisita, você chega lá, a moça te dá um frasquinho, te indica um banheirinho. Tive de fazer isso três vezes, até levei uma PLAYBOY Mas você já havia sido militante do Partidão, ou seja, sua relação com a esquerda é antiga, certo?PEREIO Quando eu era guri. Eu era romântico, sabe? Ia nas reuniões, mas não prestava muita atenção. Ia para comer as mulherzinhas, porque as comunistas davam. Fui membro do Partidão, assinei ficha, e fui filiado ao PDT também, tinha uma relação com o Brizola desde a Cadeia da Legalidade.
PLAYBOY Mas você votou no Lula?PEREIO Votei. Nunca havia ganho uma eleição na vida, essa foi a primeira. Meu primeiro voto foi no [Marechal Henrique] Lott, estava louco para votar no Jânio [Quadros], mas naquele tempo eu era vassalo de Moscou e a ordem era votar no Lott. Fiquei um tempo sem votar em ninguém por preguiça, desinteresse. E nunca acreditei no Lula. A minha trajetória não é muito diferente da dele, nasci na fronteira com a Argentina e não fiz o primário, me alfabetizei sozinho. Nunca gostei muito de estudar, mas sempre acreditei no conhecimento. Sempre li muito, inclusive com certa disciplina. Esse elogio à ignorância do Lula me é repugnante.
PLAYBOY Como chegaram a você na Operação Bandeirantes?PEREIO Os caras tinham meu telefone no aparelho, eles me achavam meio porra-louca, mas confiavam em mim. Eu também tinha ligações via mulher com um daqueles movimentos de 1968. Veio uma francesinha para cá e me apaixonei por ela. Lembro que cometi certos heroísmos, mas só para me exibir para a moça. Sempre se confundiram na minha cabeça o patriotismo, o heroísmo e o erotismo. Freqüentemente eu me engajava num movimento porque tinha uma mulher que eu queria comer, e também por sentimentos românticos.
PLAYBOY Quanto tempo ficou preso?PEREIO Uns sete, oito dias. Era ali na [rua] Tutóia, eles colocavam um capuz na gente enquanto era conduzido. Sentei pelado na cadeira do dragão, uma cadeira de metal que tinha fiozinhos que foram enfiados nos meus dedos, e um cara ficava segurando o aparelho de choque de maneira que eu o visse. Senti que ele não estava muito a fim de usá-lo. Os policiais ficavam me fazendo pressão, que nem aqueles babacas do programa da Luciana Gimenez. Chegaram a me pendurar pelado, mas o cara não me deu o choque. Eu até pedi, "me dá logo esse troço, porra", mas ele não deu. Tinha um cara da Aeronáutica, um da Polícia Marinha e um capitão do Exército. O chefe era o major Valdir, os sargentos eram Guimarães, não tinham nome, e tinha um capelão, bichona, que me deu uma Bíblia. Com frio, rasgava a Bíblia e me agasalhava com ela.
PLAYBOY Falando em cana, a Cissa Guimarães mandou te prender por falta de pagamento de pensão alimentícia...PEREIO [interrompendo] Aquilo foi ciúme de útero. Você pode chifrar uma mulher à vontade que ela tira de letra, mas ela não suporta ciúme de útero. Eu nem estava casado com ela, mas fiz um filho em outra mulher, e tinha acabado de sair de um acidente que me quebrou toda a cara. Quando saí dessa história, estava sem um puto por causa da operação. A Cissa ficou sabendo e me botou em cana pedindo 30 mil dólares. Ela sabia que eu não tinha como pagar. No dia de visita dos presos, e tinha cela com até 150 caras, tinha mais jornalista para me entrevistar do que visita para os outros . Saquei que a Cissa tinha a chave da cadeia, e só falei bem dela, disse que ela tinha toda a razão. Ela sempre teve bronca de escreverem o nome dela errado, Cissa com cedilha. Numa das entrevistas, falei: "É Cissa com dois esses, bota aí que eu estou dizendo isso". Nesse dia ela mandou me soltar.
PLAYBOY Nos anos 80, deram uma batida num apartamento de um traficante, você chegou logo depois, e quando perguntaram o que você tinha ido fazer lá, você disse: "Vim comprar cocaína". Não é dar muito mole?PEREIO Perguntaram e eu disse: "Vim comprar cocaína". Se tivesse ido à farmácia, teria ido comprar remédio. Foi igual a quando bati o carro no morro, virado, ao meio-dia. O que fui fazer lá? Vou dizer o quê? Fui ver a empregada... Porra, conta outra!
PLAYBOY Mas você já começou no cinema arrumando confusão, em Os Fuzis...PEREIO O problema ali é que a gente ia filmar em dez semanas e acabou durando seis meses. Acabou o dinheiro, precisava ter sol, seca, todo mundo se desentendeu nesse set. Ficamos seis meses convivendo sem filmar.
PLAYBOY E como foi a convivência com o Nelson Rodrigues?PEREIO Quando eu era casado com a Neila, ele escreveu uma peça para ela, O Anti-Nelson Rodrigues. Eu dirigi e atuei. Fui bem amigo dele. O Nelson era um sujeito muito interessante, ia pro meu camarim tomar cafezinho loucamente e fumar escondido da irmã. Era um homem riquíssimo interiormente, não bebia nada, molhava os lábios com um pouquinho de champanhe. Tinha dois motoristas, não dirigia, e duas secretárias, quase todos bolivianos. Ele não enfiava a mão no bolso, era uma das secretárias que pegava as coisas para ele.
PLAYBOY Mas não houve problemas de origem, filmes ruins, notas frias, subvenções do Estado a fundo perdido?PEREIO Entrar num discurso estetizante é muito difícil. Mas observo que 99% do que vem do cinemão americano é m(*). E é receita. Limite é um filme do c(*), até hoje é um dos melhores filmes feitos no mundo. O outro que o Mário Peixoto quis fazer, não deixaram. O Cangaceiro também. Por que não ser tira uma c(*) de cópias e distribui no mundo inteiro?
PLAYBOY Você esperava mais dele?PEREIO Nunca levei fé. Celso Furtado, quando foi ministro da Cultura, tinha uma verba de 0,03% da receita do Estado. E não vá querer comparar Celso Furtado com Gilberto Gil...
PLAYBOY Por fim, qual seria o epitáfio perfeito de Paulo César PEREIO?PEREIO "Next week I'll get organized." Ou então uma frase que disse para a Cissa quando ela me deu um pontapé nos colhões e, para justificar, disse: "Mas é porque eu te amo". Então me ama menos. "Me amem menos" seria um bonito epitáfio.


Paulo Francis


Um guia para ter cultura

Uma bibliografia básica para quem quer compreender a aventura da humanidade
Paulo Francis.
O Estado de São Paulo, 30/05/91


Pedem minha ficha acadêmica para jovens vestibulandos...Não tenho. Tentei um mestrado na Universidade Columbia em Nova York 1954, mas desisti, aconselhado pelo professor-catedrático Eric Bentley. Achou que eu perdia o meu tempo. Li toda a literatura relevante, de Ésquilo a Beckett, e sabia praticamente de cor a Poética de Aristóteles. Em alguns meses se lê tudo que há de importante em teatro. Li e reli anos a fio.Mas, sem o doutorado ou nem sequer mestrado, me proponho fazer algumas indicações aos jovens, que, no meu tempo, seriam supérfluas, mas que, hoje, talvez tenham o sabor de novidade. Falo de se obter cultura geral. É fácil.Educação era a transmissão de um acúmulo de conhecimentos. Hoje, é uma adulação da juventude, que supostamente deve fazer o que bem entende, estar na sua, como dizem, e o resultado é que os reitores de universidades sugerem que não haja mais nota mínima de admissão, que se deixe entrar quem tiver nota menos baixa. Deve haver exceções, caso contrário o mundo civilizado acabaria, mas a crise é real, denunciada por gente como o príncipe Charles, herdeiro do trono inglês, e por intelectuais como Alan Bloom, que consideram a universidade perdida nos EUA. No Brasil, houve a Reforma Passarinho nos anos 60. A ditadura militar tinha o mesmo vício da esquerda. Queria ser popular. Era populista. Quis facilitar o acesso universitário ao povo, como resa o catecismo populista. Ameaça generalizar o analfabetismo.Não há alternativa à leitura. Me proponho apontar alguns livros essenciais ao jovem, um programa mínimo mesmo, mas que, se cumprido, aumentará dramaticamente a compreensão do estudante do mundo em que está vivendo.Começando pelo Brasil, é indispensável a leitura de Os Sertões, de Euclides da Cunha. É curto e não é modelo de estilo. Euclides escreve como Jânio Quadros fala. É cara do far-te-ei, a forma oblíqua de que Jânio se gaba. Mas o livro é de gênio. Nos dá a realidade do sertão, que é, para efeitos práticos, o Brasil quase todo, tirando o Sul; a realidade do sertanejo, e do nosso atraso como civilização, como cultura, como organização do Estado. Euclides mostra o choque central entre o Brasil que descende da Europa e o Brasil tropicalista, nativo, selvagem. Euclides apresenta argumentos hoje superados sobre a superioridade da Europa, mas nem por isso deixa de estar certo. Tudo bem ter simpatia pelo índio e o sertanejo, o matuto, mas nosso destino é ser, à brasileira, à nossa moda, um país moderno nos moldes da civilização européia. Euclides começou o livro para destruir Antônio Conselheiro e a Revolta de Canudos, mas se deixou emocionar pela coragem e persistência dos revoltosos e terminou escrevendo um grande épico, em prosa, que o poeta americano Robert Lowell, que só leu a tradução, considera superior a Guerra e Paz, de Tolstoi.Mas o importante para o jovem é essa escolha entre o primitivo irredentista dos Canudos e a civilização moderna, porque é o que terá de enfrentar no cotidiano brasileiro. É o nosso drama irresolvido.Leia algum dos grandes romances de Machado de Assis. O mais brilhante é Memórias Póstumas de Brás Cubas. Para estilo, é o que se deve emular. O coloquialismo melodioso e fluente de Machado. É um grande divertimento esse livro. Eu recomendaria ainda para os que tem dificuldade de manejar a lingua O Memorial de Aires. É o livro mais bem escrito em português que há.Os gregos são um dos nossos berços. Representam a luz e a doçura, na frase de um educador inglês, Mathew Arnold (também poeta e crítico). Arnold falava contra a tradição judaico-cristã, dominante na nossa cultura, na nossa vida, a da Bíblia e do Novo Testamento, que predominaram no mundo ocidental desde o século 5 da Era Cristã, quando o imperador romano Constantino se converteu ao cristianismo. Estudos gregos sérios só começaram no século 19, quando se tornaram currículo universitário, porque antes os padres e pastores não deixavam.Mas leia originais. Escolhi quatro. Depois de se informar sobre Platão na enciclopédia do seu gosto, se deve ler A Apologia, que é a explicação de Sócrates a seus críticos, quando foi condenado à morte, e Simpósio, um diálogo de Platão. Platão não confiava na palavra escrita. Dizia que era morta. Preferia a forma de diálogo.Na Apologia se discute o que é mais importante na vida intelectual. A liberdade de ter opiniões contra as ortodoxias do dia. Ajudará o estudante a pensar por si próprio e ter a coragem de suas convicções.Depois, o delicioso Simpósio. É uma discussão sobre o amor, tudo que você precisa saber sobre o amor sensual, o altruístico, o que chamam de platônico, é o amor centrado na sabedoria.Platão colocou, à parte Sócrates, seu ídolo, no Diálogo, Aristófanes, o grande gozador de Sócrates. Na boca de Aristófanes põe uma de suas idéias mais originais. Que o ser humano era hermafrodita, parte homem parte mulher, e que cada pessoa, depois da separação, procura recuperar sua parte perdida, e daí a predestinação da mulher certa para um homem e do homem certo para uma mulher.Imprescindível também ler As Vidas, de Plutarco, o grande biógrafo da Antiguidade. Ficamos sabendo como eram os grandes nomes em carne e osso, de Alexandre, paranóico, a Júlio Cesar, contido, a Antônio e Cleópatra. Shakespeare baseou grande parte de suas peças em Plutarco e leu em tradução inglesa, porque Shakespeare, como nós, não sabia latim ou grego. E, finalmente, como história, leia A Guerra do Peloponeso, de Tucídides. É sobre a guerra entre Atenas, Esparta, Corinto e outras, durante 27 anos, no século 5 antes de Cristo. Lendo sobre Péricles, o líder ateniense, Cléon, o führer espartano, e Alcebíades, o belo, jovem e traiçoeiro Alcebiades, nunca mais nos surpreenderemos com qualquer ato de político em nossos dias. É o maior livro de história já escrito. Sempre atual.Da Roma original basta ler Os Doze Césares, de Suetônio, e Declínio e Queda do Império Romano, de Gibbon. Mais um banho de natureza humana.Meu conhecimento científico é quase nenhum. Mas lí, claro, a Lógica da Pesquisa Científica, de Karl Popper, quando entendi o que esses cabras querem. Para quem quer um começo apenas, recomendo o prefácio do Novum Organum, de Francis Bacon, que quer dizer, o título, novo instrumento, e Bacon explica o método científico e o que objetiva a ciência. E para complementá-lo leia o prefácio dos Os Princípios Matemáticos da Filosofia Natural, de Isaac Newton, e o prefácio de Bertrand Russell e Alfred North Whitehead de seus Principios da Matemática. Também vale a pena ler a História da Filosofia Ocidental, de Bertrand Russell, e o capítulo sobre Positivismo Lógico, que é a filosofia calcada no conhecimento científico. Em resumo, tudo que pode ser provado lógica e matematicamente, é filosofia.O resto não é. Acho isso perfeitamente aceitável. Dispenso o resto.É nas artes que está a sabedoria. Como viver bem sem ler Hamlet, de Shakespeare? Está tudo lá em linguagem incomparável, é de uma clareza exemplar, tudo que nós já sentimos, viremos a sentir, ou possamos sentir.Preferi citar junto com Shakespeare uma peça grega, que considero vital: Antígona, de Sófocles. Há uma tradução de Antígona, em verso, por Guilherme de Almeida, que Cacilda Becker representou no Teatro Brasileiro de Comédia.Antígona é o que há de melhor na mulher. É a jovem princesa cujos irmãos morreram em rebelião contra o tio, o rei Creon, e ela quer enterrá-los, porque na religião grega espíritos não descansam enquanto os corpos não são enterrados. Creon não quer que sejam enterrados, como advertência pública a subversivos. Antígona desafia Creon. Ele manda matá-la. Ela morre. Seu noivo se suicida. É o filho de Creon, que enlouquece. Parece um dramalhão, mas não é. É a alma feminina devassada em toda sua possibilidade fraterna. Hegel achava que Antígona era o choque de dois direitos, o direito individual e o direito do Estado. E assim definiu a tragédia.A melhor história de Roma é a de Theodore Mommsem. A melhor história da Renascença é a de Jacob Buckhardt. Tudo que você precisa saber.E aprenda com um dos mais famosos autodidatas, Bernard Shaw (o outro é Trotski). Leia todos os prefácios das peças dele. São uma história universal. Um estalo de Vieira na nossa cabeça. Em um dia você lê todos. Anotando, uma semana. Também vale a pena ler a Pequena História do Mundo, de H.G.Wells, superada em muitos sentidos, mas insuperável como literatura.Passo tranquilo pelo Iluminismo. Foi tão incorporado a nossa vida, que não é necessário ler Voltaire ou Diderot. Os livros de Peter Gay sobre o Iluminismo são excelentes. Dizem tudo que se precisa saber. Se se quer saber mesmo o que foi o cristianismo, a obra insuperada e As Confissões de Santo Agostinho, uma das grandes autobiografias, à parte a questão religiosa.Não é preciso ler A Origem das Espécies, de Darwin, mas é um prazer ler Viagens de um Naturalista ao redor do Mundo, as aventuras de Darwin como botânico e zoólogo, a bordo do navio inglês Beagle, nos anos 1830, pela América do Sul, com páginas inesquecíveis sobre Argentina, Brasil e Galápagos, que está até hoje como Darwin encontrou (e o Brasil e Argentina, na sua alma?)Houve três grandes revoluções no mundo, a americana, a francesa e a russa. A literatura não poderia ser mais copiosa. Mas basta ler, por exemplo, Cidadãos, de Simon Schama, para se ter um relato esplêndido da revolução interrompida, 1789-1794, na França, e concluir com o livro de Edmund Wilson, Rumo à Estação Finlândia. Schama é conservador, Wilson não era, quando escreveu, fazia fé, ainda na década de 30, como tanta gente, na Revolução Russa. Mas a esta altura, e mesmo antes de ele morrer, em 1972, é fácil notar que a Revolução Russa não teve o Terror interrompido, como a Francesa, mas continuou até Gorbachev revelar o seu imenso fracasso.O melhor livro sobre a Revolução Francesa é História da Revolução em França, de Edmund Burke, de 1790, que previu o Terror de Robespierre e Saint-Just. Se o estudante quer um livro a favor da Revolução Francesa, leia, o título é o de sempre, o de Gaetano Salvemini. A favor da russa a de Sukhanov, que a Oxford University Press resumiu num volume, ou A Revolução Russa, de Trotski, um clássico revolucionário. Mas os fatos falam mais alto que o brilho literário de Trotski.Sobre a Revolução Americana não conheço livro bom algum traduzido, mas por tamanho e qualidade, um volume só, sugiro a da editora Longman, A History of the United States of America, do jovem historiador inglês Hugh Brogan, 749 págs, apenas, quando comprei custava US$ 25. Tem tudo que é importante.Em economia, a Abril publicou 50 volumes dos principais economistas. Eu não perderia tempo. Têm tanta relação com a nossa vida como tiveram Zélia e a criançada assessora. Mas há o Dicionário de Economia, também da Abril. Quando tascarem o jargão, você consulta para saber, ao menos, o que significa a embromação. Economia se resume na frase do português: quem não tem competência não se estabelece.Dos romances do século 19, Guerra e Paz, de Tolstoi, e Crime e Castigo, de Dostoiewski, me parecem absolutamente indispensáveis. Guerra e Paz porque é o retrato completo de uma sociedade como uma grande familia, porque rimos e choramos sem parar, porque contém um mundo e as inquietações do protagonista, Pierre Bezhukov, que até hoje não foram respondidas. Crime e Castigo, porque exemplifica toda a filosofia de Nietzsche de uma maneira acessível e profundamente dramática, de como o cérebro humano é capaz de racionalizar qualquer crime, que tudo é relativo, em suma, a pessoa que pensa e age, como Raskolnikoff, o protagonista. Vale tudo. Dostoiewski, para nos impedir de aniquilar uns aos outros, acrescenta que não se pode viver sem piedade.Dos modernos, Proust é maravilhoso, mas penoso, Joyce é desnecessário, mas vale a pena ler as obras-primas de Thomas Mann, A Montanha Mágica, para saber o que foi discutido filosoficamente neste século, e Dr Fausto, que leva o relativismo niilista que domina a cultura moderna e de que precisamos nos livrar, se vamos sobreviver culturalmente, como civilização, e não como meros consumidores, num nível abjeto de satisfação animal.Há muitas obras que me encantaram e não estou, de forma alguma, excluindo autores ou quaisquer livros. A lista que fiz me parece o básico. Em algumas semanas, duas horas por dia, se lê tudo. Duvido que se ensine qualquer coisa de semelhante nas nossas universidades. Se eu estiver enganado, dou com muito prazer a mão à palmatória.Por Paulo Francis, para o jornal - OESP - 30/05/91


Onde encontrar os livros sugeridosAlguns dos livros recomendados são encontrados apenas em bibliotecas. Outros, podem ser achados, ou encomendados, nas livrarias.

Antígona - Argumento (011 881-4375)

Apologia - Argumento

Cidadãos - Cia. das Letras - Brasiliense (011 280-4337)

As Confissões - Livraria Farah (011 36-7206)

Crime e Castigo - Ediouro - Argumento

Declínio e Queda do Império Romano - Cia. das Letras - Brasiliense

Diálogo - Hemus - Argumento

Dicionário de Economia - Abril - Argumento

Os Doze Césares - Ediouro - Bestseller (011 852 9115)

Dr.Fausto - Nova Fronteira - Argumento

Freud: Uma Vida Para o Nosso Tempo - Cia. das Letras - Bestseller

A Guerra do Peloponeso - UNB - Distribuidora Catavento (011 289 0811)

Guerra e Paz - Itatiaia - ArgumentoHamlet - LPM e JB - Bestseller

História da Filosofia Ocidental - Cedil - Farah

História da Revolução em França -UNB

History of the United States - pode ser importado pela Livraria Cultura (011 285 4033)

A Lógica da Pesquisa Científica - Cultrix - Catavento

Memorial de Aires - Ática - Bestseller

Memórias Póstumas de Brás Cubas - Ática - Siciliano (011 853 5130)

A Montanha Mágica - Nova Fronteira - Argumento

Novum Organum - Livraria Brandão (011 255 3456)

Pequena História do Mundo - José Olympio - Farah

Pigmaleão - Europa - AméricaPoética Clássica - Aguilar - Brasiliense

Os Princípios da Matemática - Biblioteca Mário de Andrade

Os Princípios Matemáticos da Filosofia Natural - Nova Stella

Reflexões Sobre a Revolução Francesa - Catavento

História da Revolução Russa - Paz e Terra - Brandão

Rumo à Estação Finlândia - Cia. das Letras - Bestseller

Os Sertões - Francisco Alves - Argumento

Simpósio - Ediouro - Argumento

Viagens de Um Naturalista ao Redor do Mundo - Farah

As Vidas - Catavento

A Biblioteca Mário de Andrade (SP) tem uma edição francesa de A História de Roma e a Revolução Francesa em italiano.


Este artigo foi gentilmente afanado do site do meu amigo Ministro Paulo Roberto de Almeida. A foto do Francis, tirada em NY, 1974, foi afanada por mim, num ato inqualificavel de tremenda cara-de-pau, do blog de meu amigo fotografo e dipomata Orlando Henriques. Sorry, dears.