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O Balzaquiano Flaubert: 140 anos de pura malemolência


Ernest Pinard foi um ministro do Interior francês, facilmente olvidável, a não ser por alguns detalhes de sua biografia. Nivelados por baixo, Pinard e Sérgio Moro guardam alguma semelhança. Ambos tinham ambição maior que seus estômagos, e ambos tiveram carreiras meteóricas.


Pinard decidiu ingressar no judiciário e, em maio de 1849, sendo nomeado procurador adjunto em Tonnerre. Em dezembro de 1851, ele se tornou procurador adjunto em Troyes e, em dezembro de 1852, em Reims. Em outubro de 1853, foi nomeado procurador adjunto no Tribunal do Sena em Paris onde aí sim começou uma espécie de Lava Jato dos bons costumes franceses.

 

Apenas para contextualizar, Em 1848 cai a Monarquia Francesa e o governo provisório organiza um processo político eleitoral, sendo eleito Luis Bonaparte, Sobrinho de Napoleão,  que vence as eleições por 5.434.226 votos contra 1.448.107 votos conferidos ao General Cavaignac – uma espécie de Haddad das bandas de lá. Em dezembro de 1851 Luis Bonaparte decreta o estado de sítio e lança o terror em Paris e outras cidades francesas. E é justamente aqui que Marx escreve "O 18 de Brumário de Luis Bonaparte", artigo encomendado e publicado pela revista alemã Die Revolution.


Com a faca e o queijo na mão, Pinard não pensou duas vezes.  Lascou de processar todo mundo. De repente quis moralizar tudo. Em 1857, foi a vez de Baudelaire, por causa dos poemas de Flores do Mal; depois,  Eugénie Sue por seu Os Mistérios do Povo,  e por fim, Gustave Flaubert por Madame Bovary. 



Contra Baudelaire, ainda conseguiu banir 7 poemas do conjunto do Flores do Mal, por temática, ora veja você, lésbica (!) e sadomasoquista (!). Diga-se de passagem, a proibição permaneceu até 1948!  


Já contra Flaubert, o distinto se deu mal. Flaubert não só foi absolvido, como o processo  rendeu uma excelente publicidade à sua preciosa história de adultério, decadência e miséria provinciana que enredava seu Madame Bovary.


Pinard bem podia ser um personagem secundário de Flaubert, em A Educação Sentimental  -  escrito poucos anos depois do processo levantado por ele em sua opération lava jatô pessoal.  Eu particularmente desconfio, se me permitem, dada a licença poética, que  Jacques Arnoux tem algo dos cornos cuspidos e escarrados Ernest Pinard. Mas se  nem Lukács, nem Bourdieu falaram nada dos cornos que menino Moreau colocou na testa de Sr. Arnoux, quem sou eu para ficar comentando essas coisas sobre a vida alheia? 


O fato é que em Pinard passou para a história com justiça poética: como apenas uma anedota verborrágica e censória. E nos anos 1980, ainda que alguns intelectuais tentassem imputar em Flaubert vários delitos de sexismo, pensamento antidemocrático, misantropia, abuso de menores e algumas  outras vigarices, Flaubert permaneceu um gênio da descrição, do mal e da minúcia. Para mim, A Educação Sentimental, mais até que Madame Bovary, é um clássico de formação para um jovem. Ele tem um força incontida, indomesticável, que busca o absurdo e a beleza em cada descrição dos meandros psicológicos dos personagens.


Este mês se celebra 140 anos de morte de Flaubert. Flaubert continua Flaubert, e o malandro Ernest Pinard, não passou de um burocrata da Segunda República francesa. Mas ainda assim, conseguiu cavar uma vaguinha como procurador geral francês em Douai,e terminar a vida com uma aposentadoria legal … Moro, muito mais perigoso que Pinard, ainda está aguardando o desfecho do nosso 18 Brumário, pra ver se ele também consegue beliscar alguma daquelas prebendas prometidas lá atrás, durante o golpe do impeachment, na negociação com MPF da República das Araucárias, jogada no ventilador pelo The Intercept,  no episódio da prisão de Lula nas vésperas da eleição, impedindo sua candidatura… enfim, quem sou eu para ficar comentando essas coisas sobre a vida alheia? 

Sentimentos



O historiador Arno Mayer em seu grande livro The Persistence of the Old Regime: Europe to the Great War, sustenta que na Europa do século XIX, mesmo com toda a modernização da Segunda Revolução Industrial, mesmo com todo o avanço no campo econômico, era lenta no campo social. Lenta por que haviam forças remanescentes do Antigo Regime que somente viriam a cair a partir da Primeira Guerra Mundial.

Recentemente, lendo L'Éducation Sentimentale, onde Flaubert narra de maneira inviolavelmente distanciada as circunstâncias da Revolução de 1848 e o nascimento, em plena chapa quente, do "Manifesto Comunista", percebi que a tese de Meyer pode não ser de todo errática.

A força da tradição a qual Mayer se refere trata fundamentalmente da persistência que a classes aristocráticas, encalacradas nas esferas de poder do Estado, tiveram na deflagração da I Grande Guerra. Com o fim da Guerra, era necessário uma nova diplomacia que não cometesse os mesmo erros de Versailles - bom com a guerra dos Balcãs, vimos que o buraco seria mais embaixo. Fato é que a Velha Diplomacia, dos tratados secretos, das viradas de mesa dos bastidores cedeu lugar à Nova Diplomacia pautada na teses de Lênin e de Woodrow Wilson.

A falência desse, digamos assim, antigo regime, criou uma certa ilusão nas classes médias contemporâneas de que viveriam felizes para sempre no mundo dourado da meritocracia. O cidadão então pensou que bastava ganhar dinheiro para os comprar para se tornar um incluído no seleto grupo aristocrático, absorvendo assim seus valores. O"self-made men" burguês, incluto e iletrado, cedeu ao bosta, pois passou a frequentar o tal do shopis centis e incorreu num erro mais grave. Passou a viver ignorando ou em alguns casos pensando ilududamente que procedência, sobrenome, proveniência e todas as metáforas do antigo regime cairíam totalemente. Pensou, erroneamente, que podia ser igual ao cara que vem de berço. Com o fim da Primeira Guerra Mundial, e o enterro do Velho Mundo que o conflito arrastou consigo, quase tudo mudou, mas ter nascido em bom berço - e no caso brasileiro, ter um nome com mais de 6 sobrenomes - ainda ajudou muito para abrir portas.

Um dos grandes intelectuais do Século XX a desvendar essa face cruel da sociedade, foi o Pierre Bourdieu. Desmascarando a "ideologia da igualdade de oportunidades" - ideia que tem que ser dita bem baixinho, com muita delicadeza, quase sussurrando para não ferir os brios dos marxistas – Bourdieu marotamente substituiu a idéia que determina um burguês. O poder de uma classe social, ao menos no campo literário, para Bourdieu, não é determinado pela posse material da propriedade privada ou voilá pela posse dos meios de produção, mas sim pelo uso de um poder subjetivo que vai se construindo pouco a pouco. O poder simbólico. Um poder permeado pelas idéias de esferas de valor, influência, ascendência, autonomia. Ou seja, o que determina a importância literária de um livro, não seria produção material do objeto livro em si, mas a produção de seu valor. Em outras palavras, escrever todo mundo é capaz, publicar um livro talvez seja fácil também pois te um monte de palha no mercado, mas então se escrever é, com algumas regras básicas, aparentemente possível, e se publicar também, o que determina o sucesso de um livro? Para Bourdieu o que definiria isso seria o tal valor agragado que está para além da produção material da obra.

Boa parte da teoria em torno ao que ele chama de habitus, vem sendo trabalhada por Bourdieu desde os anos 1960, quando o sociólogo, que era na verdade antropólogo, estudava a dinâmica de matrimônios arranjados e seu impacto na dinâmica econômica das tribos de Kabyla, no norte da Argélia. No livro Les règles de l’art. Genèse et struture du champ litéraire, Bourdieu estuda exatamente o L'Éducation Sentimentale de Gustave Flaubert.

Depois de quase 3 meses de idas e vindas, anotações e leituras paralelas... terminei o livro L'Éducation Sentimentale de Gustave Flaubert e o Las Reglas del Arte, já que mon frances est tres bizarre pa podê lê nu orriginale.

Por que tanto tempo? Este não é um livro de fácil leitura, tampouco um livro como qualquer outro. São pelo menos 25 personagens medíocres que aparecem e desaparecem no contexto de dois grande grupos. Primeiro, os personagens que orbitam o universo do protagonista, Frederic Moreau. Segundo, os personagens que giram em torno da familia Arnoux, com quem Frederic trava contato ainda nos tempos de universidade.

Frédéric Moreau. O protagonista e o nosso jovem herói. Um provinciano francês que em seus altos e baixos termina como um dos membros da classe média francesa.

Jacques Arnoux. Editor, industrial do ramo de porcelanas, especulador, avalista, conquistador e principalmente chavelho.

Mme. Arnoux. Mãe de dois, Marthe Arnoux e Eugène Arnoux, meio Capitú, consorte, sem sorte, por querer esquentar seus pés justamente com Frédéric Moreau.

M. Roque. Um mediano prorietário de terras e espécie de guarda-livros (essa palavra ainda existe?) de M. Dambreuse. Pai da adorável Louise Roque, que tem o terrível defeito de só pensar em uma coisa na vida: casar.

Louise Roque. Adorável filha de M. Roque, que por só pensar em casar, apaixona-se por Frederic, mas casa-se com Deslauriers, um dos elhores amigos de Frederic.

M. Dambreuse. Banqueiro, aristocrata, provavelmente gordo e hipertenso. Casado com Mme Dambreuse, mulher mais jovem e cheia de fugor, com quem Frederic tem um caso e parte de suas dívidas pagas.

Mme Dambreuse. Esposa do banqueiro provavelmente gordo, diabético ou hipertenso Dambreuse. Jovem e cheia de fugor, a viuva tem um caso com Frederic.

Charles Deslauriers. Estudante de direito e melhor amigo de Frederic. O oposto de outros amigos de Frederic tal como Cisy. E ambicioso e inteligente. Tem ambição mas carece das relações sociais que possam catalisar suas ambições. Pela falta delas, vive num universo de inocência colegial pois ao mesmo tempo que tem ambições estéticas, ignora determiandos mecanismos sociais tais como o esnobismo. Flaubert é cruel com nosso amigo: “Por ser pobre, ambicionava o luxo em suas formas mais transparentes”

Baptiste Martinon. Estudante de direito. Tem berço pois é filho de um fazendeiro. Mesmo tendo berço e dinheiro, é retratado com workaholic e talvez por isso, ou apesar disso, termina como Senador, no fim da novela.

Marques de Cisy. Um nobre que nas horas vagas é estudante de direito. Flaubert o retrata como um personagem bonito, co boas relações e com dinheiro, mas pouco inteligente.

Sénécal. Professor de matemática, puritano, provavelmente careca e um Republicano dogmático.

Dussardier. Comerciante dono de um pequeno comércio. Um republicano idealista, mas sem muita fundamentação teórica.

Hussonet. Jornalista e crítico teatral, que com as manifestações do 1848 acaba por controlar a impensa e os teatros.

Regimbart, O Cidadão padrão. O revolucionario que de tão revolucionário se tornou um chuavinista. Com seu discurso tão revolucionário, se tornou uma sombra patética e incosistente do que foi.

Pellerin, um pintor com mais teorias que talento e que passa a ser fotógrafo - possso estar iludido como sempre, ams Luiz Antônio Assis Brasil escreveu recentemente um livro ( O pintor de Retratos) ondeseu portagonista Sandro Lanari, lembra vagamente Pellerin.

Mlle Vatnaz, quase feminista, quase escritora, quase atriz, e competente cortesã.

M. e Mme Oudry, e Dittmer, conviva de Arnoux

Delmar, ator, cantor e nada mais.

Catherine, governanta de M. Roque.

Eléonore, mãe de Louise Roque.

Tio Barthélemy, o tio que Frédéric mais ama e que quer que morra logo, para herdar a herança prometida.

Rosanette Bron, "A Marechala" courtesã, última esposa e viúva de M. Audry.

Clémence. Amante de Deslauriers.

Marquês Aulnays. Padrinho de Cisy; M. de Forchambeaux, seu amigo, Barão de Comaing, outro amigo; M. Vezou, o tutor.

Cécile. "sobrinha" de M. Dambreuse. Na verdade filha ilegítima.

Mas sua complexidade e corrosiva sutileza não residem na quantidade de personagens, mas na interseção destes, e na magistral maneira como Flaubert conduz a obra mostrando como o personagem principal refuta paulatinamente a realidade deixando quase que exclusivamente os outros personagens da novela tomarem das principais decisões e diratem os rumos da novela. Bourdieu chega a dizer que “Frederic não consegue comprometer-se nem com o mundo dos jogos da arte tampouco com o mundo do dinheiro, como propõe sua realidade social. Refuta a Illusio como ilusão de realidade, se refugia na ilusão verdadeira, cuja a form por excelência é a ilusão novelesca em suas formas mais extremas".

Esta novela é uma obra-prima. Talvez não tão rica em termos de adultérios e reviravoltas como Madame Bovary, mas talvez mais interessante para um leitor contemporâneo e urbano, pois não há nela a tentativa da protagonista de fugir de sua condição banal e vazia da vida provinciana vivida por Emma Bovary, em Rouen, na Normandia. Não há um marido como o entediante marido de Bovary. Não há, entre conquistas e decaídas, a série de amantes que Bovary vai colecionando ao longo de sua vida. O que há em L'Éducation Sentimentale, uma novela não menos polêmica mas totalmente diferente da publicada doze anos antes, é a visão sobre o fracasso de uma geração inteira que vê pela primeira vez seus ideais fundados na Revolução Francesa, rumarem ralo abaixo. De certa forma, incitou a literatura realista com a criação de personagens percebem a sua vida medíocre e lutam para se ver finalmente “livres”.


O tema do aultério é sem dúvida recorrente em suas páginas. A novela de tom irônico e pessimista, retrata vinte e sete anos da vida de Frederic Moreau e de sua paixão por uma mulher mais velha, Madame Arnoux. No início da novela, Frederic Moreau, um jovem provinciano, estudante de direito, passa parte de sua juventude de estudos em Paris da década de 1840. Certo dia conhece Mme. Arnoux, esposa de um editor de uma revista de arte e um comerciante de quadros com uma loja em Montmartre. E se apaixona por ela.

Frederic é um jovem sonhador e indeciso sobre que carreira seguir, dentre as muitas que se abririam na burocracia estatal, assim que terminasse a faculdade de Direito. O problema é que é um jovem sonhador, com algumas veleidades literárias, artísticas e mundanas. Outro porblema, por ter tido tudo tão fácil, nunca se esforçou para alcançar nenhum de seus objetivos. Por uma capacidade intuitiva, pensava que poderia ter tudo que quisesse, bastava que para isso fosse para Paris e se relacionasse com a burguesia e a aristocracia. E nesse ponto cabe uma observação no que tange à oposição social na amizade de Frederic e Deslauriers. Frederic é tão pobre quando Deslauriers, porém tem a possibilidade de se tornar um herdeiro, e isso os diferencia, da mesma forma que diferencia os que herdam e os que apenas tem a aspiração de possuir. Bourdieu, em sua análise estruturalista, diz que essa é a diferença essencial entre os burguês e o pequeno burguês.

Para penetrar nesse estreito mundo, tenta se oncluir no círculos dos Dambreuse, banqueiro, aristocrata, provavelmente gordo e hipertenso, casado com Mme Dambreuse, mulher mais jovem e cheia de fugor. Ledo engano. Mesmo atado às formalidades típicas de um provinciano, Frederic, em sua cordialidade, tenta estreitar as distâncias pessoais que o separam de outros parisienses, priorizando os laços afetivos, criando uma intimidade com aqueles com quem se relaciona. Essa busca pela intimidade com seus pares, alheia aos fatos e às diferenças que os distanciam, poderia possibilitar sua ascendência, não fosse sua tendência à mediocridade. Com a acolhida fria que recebe nos altos círculos, volta a desaparecer na incerteza, em seu ócio e em sua solidão. Paralelamente, frequenta outros grupo de jovens estudantes e boêmios: Martinon, Cisy, Sénécal, Dussardier e Hussonnet. No contexto desse grupo é convidado a ir à casa dos Arnoux, onde reencontra a Madame Arnoux e demosntra sua atração. Entretanto, ela aparentemente não corresponde à suas iniciativas.

Parte então de férias para sua Nogent natal. De sua mãe, recebe a notícia de que a situação finaceira da família é delicada, mas há uma luz: a morte de um tio velho e cheio da grana. A situação precária, não o abala, especialmente por que conhece a Louise Roque, que se apaixona por ele. Mas o dândi já frequentava a cidade, e agora com a possibilidade dos bolsos cheios de dinheiro, não havia muito espaço para Louise.

De volta a Paris, passa a frequentar mais e mais a casa dos Arnoux. Torna-se tão íntimo que passa a dividir segredos com Arnoux. De fato, Flaubert dá um pontapé na idéia de moralidade dos românticos por considerá-la um ultraje, mais do que um modelo a seguir. Frederic conhece a amante de Arnoux, a cortesã Rosanette. E nesse contexto de noitadas e cafés, aproveitando-se da derrocada econômica e de suas dívidas,algumas das quais Frederic fora avalista, este aproveita-se da situação para tornar-se amante de Rosanette e dos encantos da vida luxuosa.

(CONTINUA)
Música do dia. Sentimentos do disco "Memórias - Cantando" - Paulinho da Viola.