Eternal Sunshine of the Spotless Mind


Até The Truman Show, Jim Carrey sempre representou papéis de idiotas. Era tão convincente que o personagem quase se imantava ao ator e passavamos a pensar que Carrey era realmente um imbecil. Mas a partir deste filme havia algo que chamava a atenção para suas qualidades de ator dramático. O personagem tinha algo de introspecção, algo que o deslocava daquele paraíso terrestre onde todos pareciam conviver em harmonia, fosse pela infelicidade de uma crise no casamento, fosse pela sensação persecutória de estar constantemente vigiado.

Em Eternal Sunshine of the Spotless Mind (2004), Carrey ainda não me convenceu, mas realmente pode-se dizer que o papel de um homem solitário e de hábitos rotineiros, que um dia decide, de maneira absolutamente inesperada, iniciar uma viagem de trem a uma estação completamente desconhecida, pode ter contado uns pontos para a mudança de rumo numa carreira de caretas idiotas.

Eternal Sunshine of the Spotless Mind é a estória de como Joel, um tipo introvertido e tímido, descobre que Clementine (Kate Winslet), sua namorada impulsiva e apaixonante. E de como ela recorreu a uma empresa especializada em apagamento de memória para desfazer de seus neurônios, especificamente a relação que manteve com Joel. Ele, desesperado, acaba por fazer o mesmo. Contrata a mesma empresa para apagar de suas lembranças toda a memória relacionada a Clementine. O único problema é que a impulsividade Clementine o atrai na medida direta que a passividade de Joel a deixa insegura.

Este filme tem umas sacadas absolutamente geniais para quem já quebrou a cara, catou os cacos, refez-se na vida um mosaico que voltou a quebrar-se. O roteiro assinado pelo Charles Kaufman (Being John Malkovich – o qual merece uma linhas aqui- e Human Nature), realmente prende ao tratar de temas como memória, esquecimento e seus labirintos. Kaufman traz elementos surreiais para o mais cotidiano do dia-a-dia, como se numa inexpressiva terça-feira de janeiro de 2008, pudessem acontecer fatos extrtaordinários que nunca mais fossem esquecidos.
Mas Kaufman não agiu solitariamente. Michel Grondy deu forma ao surrealismo de um roteiro que mostra alucinações, memórias e reviravoltas imprevistas em cenas puramente oníricas e muitas vezes poéticas, sem desembocarem numa bad trip. Tudo isso torna o final absolutamente original, mesmo que previsível, pois afinal, o final é o que menos importa numa viagem.
Enfim, tudo se passa essencialmente na mente de Joel. Durante o processo de apagamento, lembra dos fatos como vários déjà vu, sem conseguir encadeá-los uma ordem racional às coisas, aos acontecimentos e às memórias. Ao mesmo tempo em que lembra de episódios relacionados a Clementine, os mesmos desaparecem de forma caótica. Esse labirinto impreciso de lembrança e esquecimento, passado e presente, ou melhor dizendo, de que ‘passado’ o ‘presente’ elege para ser lembrado, é o que o ajuda a fugir dos apagadores de memória que o perseguem. Ao mesmo tempo em que o espectador torce por Joel e Clementine, certifica-se - como quem já quebrou a cara e sabe como isso funciona - de que a tênue linha que liga os dois é frágilíssima. Tão frágil e tão mimética que é melhor esquecer....

Cronaca di un amore

No Cronaca di un amore de 1950, Antonioni, mais de 10 anos antes da trilogia começada em L’Aventura, já mostra o que fez dele um cineasta das pausas constrangedoras, da coragem pela incomunicabilidade, dos desvios, das interceptações de olhares obliquos. No Cronaca, os amores inconsistentes, os silêncio eloqüentes, o tédio amoroso e a incompreensão constante fazem da vida de Enrico e Paola (Lucia Bose) um inferno cotidiano.

Enrico, sentindo-se inseguro em relação a sua jovem e sensual esposa Paola, contrata um detetive particular. Ironicamente, sua atitude acaba gerando o reencontro de Paola com seu ex-amante Guido. A partir daí, os dois reiniciam um antigo affair que desemboca no fim trágico de Enrico.

Neste filme, particularmente, não há as angulações tensas do L’Eclisse ou menos ainda do Blow up, mas há incontestavelmente a fotografia triste, o quase nada mostrado numa clássica economia verbal. Os personagens, que vivem vidas deslocadas e seus interlúdios humanos, são delicadamente fragilizados tanto pelas paixões quanto pelos seus destinos.

Nostalgia for Terra Incognita


Alex é além de vizinho, um chapa franco-americano, apaixoado pelo Brasil e pela música brasileira. O poder da argumentação do Alex, arrebata. As entonações que tira da sua viola tem algo de bossa, algo da briza de Pat Metheny e alma de Cassandra Wilson (que descobri com ele), mas também algo de angústia. A angústia pessoal de uma alma incapaz de suportar os horrores deste mundo.

Podemos ouvir nas suas notas uma confissão, como se estivesse tentando organizar todos os barulhos pós-modernos numa melodia suave, por mais recôndito e velado que seja seu desabafo.

Taí a biografia do cara:

Born in Brittany, the Celtic province of France, raised mostly in rural North Carolina, and a traveler through Spain and Latin America now living in Washington, DC, Alex has always sought to create music that expresses his unique confluence of world cultures, what he calls “New World jazz.” A former novelist and poet with an MA from the Creative Writing Program at the University of Texas at Austin, he seeks to make music that tells stories of the exotic and the familiar--the “exotic” always being familiar to some of us. He has found an ideal vehicle for this effort in the quartet Amérique Latine, formed with vocalist Lena Seikaly (of Palestinian descent), bassist Leonardo Lucini, and drummer Alejandro Lucini (brothers who grew up in the Copacabana neighborhood of Rio de Janeiro). The group’s new CD, Nostalgia for Terra Incognita, navigates the waters where these cultures meet. Nostalgia includes six compositions by Alex as well as five standards from the U.S., French, and Brazilian repertoires, approached from the group’s distinct perspective on the musical world. The result is an attempt to map the group's own Terra Incognita, a land of memory and imagination.
Na respectiva ordem: Alejandro Lucini, Lena Seikaly, Leonardo Lucini e Alex Martin

http://www.alexmartinmusic.com

Taruíra


As coisas vistas por dentro

Carlos Quiroga é escritor, militante de uma língua entre duas línguas. Tento explicar: 'O galego ou é galego-português ou é galego-castelhano', assim como está escrito em frente ao prédio das Letras na USC.

Foi uma grata amizade, esta que o andar pelo mundo destinou. Um cara que assume, como alguns teóricos já asseveraram, a idéia de que a narração é impossível. Assume, porém não se rende a tal falência por uma questão pessoal e política. Nos nossos papos, até chegamos a constatar com certo incômodo, que a lógica da narrativa formal causal-linear sofre da bricolagem, da acumulação, da reescritura e de tudo aquilo que assumimos com um apriorismo pos-moderno. Porém, a debilidade do relato contemporâneo, agora ligeiro, disperso, fragmentado e superficial, não impede o cara de produzir prosa e poesia; até por que, para além de uma questão sobrevivência existêncial, a escrita em galego é uma questão de sobreviência linguística.

Em seus livros, menos no Inxalá - um work in progress, como ele mesmo me segredou - , e mais no O Regresso a Arder/Viagem ao Cabo Nom/3, pode-se separar uma certa epifania pop dos seus golpes de efeito estético. Li o segundo ( uma combinação de fotografia, poesia, ensaio, narrativa e diário ) perguntando-me onde sua narrativa de resistência começa a desconfiar de uma visão coerente e unitaria do mundo. Mas só fui encontrar no primeiro, o Inxalá, a sensação de que minhas indagações eram respondidas pouco a pouco através de uma revisitação nostálgica - ou irônica, ainda não sei - que Carlos faz à tradição do falar galego sem a contaminação dos hispanismos. Prova dessa resistência é dada pelos protagonistas, um médico e uma tradutora, que buscam em Portugal ou nos desertos da África, os lugares de origem, os solos onde a memória possa fundar suas raízes. Por isso mesmo tem-se a sensação de que o Inxalá evocado por Carlos é mais que uma simples interjeição de desígnio de desejo, é uma janela sempre acolhedora para o frescor de uma idéia de Ocidente cada vez mais distante.




Evidentemente, todas essas conclusões vieram depois de vários Ribeiros, Riojas e Estrellas de Galicia, afinal in vino veritas. Grande camarada!





Foto: Gentalha do Pichel, caverna de cultura alternativa

IAD-LHR-MAD-SCQ - - SCQ-MAD-LHR-JFK-DCA

Um dos gratos momentos que passei na minha última e interminável viagem - de quarenta horas, cinco escalas e duas malas perdidas - foi aquele que passei lendo a Philip Roth. O Roth salvou boa parte dos atendentes de Costumer Service da Iberia e da British Airways. Salvou-os da minha indignação resignada contra as empresas de aviação que a cada dia se parecem mais com as de transportes coletivos públicos terrestres. Além disso devo a ele, pessoalmente, o fato de não estar respondendo frente aos tribunais de Haia pela minha primeira tentativa de homicídio culposo - pois eu estava absolutamente convencido que eu deveria dar no mínimo um soco na cara do atendente da Iberia que em Madrid disse-me que a culpa pelos meus vôos cancelados não era da empresa e sim minha, por não ter previamente conferido meus emails antes de sair de casa.

Neste clima, li a primeira novela do Roth chamada Goodbye, Columbus. Uma pequena novela explosiva. Uma visão da vida sem compaixão, numa forma de escrever sem espaço para o auto-engano já no primeiro livro da juventude.

A trama se desenvolve em Newark e seus arredores. Neil Krugman é um jovem bibliotecário, sem um futuro muito bem definido. Vive com uns tios em New Jersey, nos arredores de Newark. No clube em que frequenta, conhece a Brenda Patimkin, herdeira de um industrial do ramo da porcelana de Short Hills. Nestas mesmas férias de verão, os dois se envolvem amorosamente de tal maneira e com tal força que seria difícil saber o que o destino reservaria a ambos.

Brenda é oriunda de uma família de judeus ortodoxos. É o tipo de menina fútil, bem vestida, consumista, universitária, vaidosa a ponto de se submeter a cirurgias plásticas e absolutamente aberta aos encantos de Neil, seu completo oposto. Neil, um tipo ácido, com alguma dose de idealismo sufocado por um pragmatismo desvelado, é um jovem contido e lacônico. A estória é narrada por Neil que, com seus rasgos psicológicos e inteligência aguçada, se aproxima dos Patimkins e traça uma radiografia crua da família. Por Neil, Roth fotografa a vida dos subúrbios americanos como ninguém. Das linhas de Roth, narradas por Neil, não escapa nada: sexo, racismo, distinção de classes, opressão feminina, traumas familiares, conflitos entre pais e filhos, hipocrisia, inveja... enfim todos os elementos que circundam um bom romance que vai da iconoclastia à ternura sem concessões.