Neda Agha Soltan

Há meses atrás recebi um email bastante grosseiro, em inglês, sobre essa postagem
http://ilusaodasemelhanca.blogspot.com/2008/12/golias-davi.html
A foto tinha sido retirada do jornal El Pais.
Não respondi.

Nesta semana, ainda titubeante, decidi não colocar o vídeo da morte de Neda Agha Soltan assassinada por um atirador de elite Basij, pois  a brutalidade de imagens dolorosas como estas, apesar de longe dos olhos, povoam o mundo diariamente.
http://www.youtube.com/watch?v=Ej59UI5yyw8&feature=related

Os Basij são uma espécie de grupo paramilita surgido na época da revolução iraniana, e aparentemente tão brutais e corruptos quanto outras milícias próximas a nós.

Um Poema de Amor e Duas Canções Desesperadas

Tom Waits - San Diego Serenade 1974 - Disco. The Heart of Saturday Night.


Crosby, Stills and Nash Suite: Judy Blue Eyes Woodstock 1969


Jethro Tull - Living In The Past 1969

SoBRe NOtíCiAs e ChIChas



De tanta bobagem que li na internet hoje, a opinião mais ponderada é a do Nassif.



Mas não nos iludamos... Amados Pinheiros sempre existirão... com o sem diploma.


Casa de Bonecas


Casa de Bonecas é uma magnífica peça em moldes feministas de 1879. Na versão escrita original, Ibsen ambienta toda a ação num cômodo da casa, geralmente na sala de visitas, nas vésperas de Natal. A versão de 1973 que assiti, dirigida por Patrick Garland, é filmica e diga-se de passagem estática, com poucos mas distintos cenários, ainda que os diálogos sigam em grande medida o roteiro original de Ibsen.

Toda a trama se passa em torno à família Helmer. Anthony Hopkins é Torvald Helmer, o diretor de um pequeno banco de investimentos, um businessman extremamente concentrado em seus negócios, casado com a delicada e confusa Nora Helmer. Torvald, em sua concepção, tem uma casa perfeita, com empregados conscienciosos que servem a filhos perfeitos, bem como à sua esposa perfeita. Nora Helmer, com seu toque feminino, esforça-se a nível da quase-insanidade para que este mundo construído por Torvald continue assim, como numa casa de bonecas. Lendo a peça, me pareceu vagamente que Torvald Helmer seria um homem autoritário. Impressão apagada pelo efeito desconstrutor que Anthony Hopkins imprime ao personagem, tirando-lhe o peso maniqueista que por vezes o leitor carrega da leitura e tranformando-o num tipo refinado, de gestos contidos, e um tanto edulcorado.

De certo que em toda a peça há um certo maniqueísmo nos diálogos, com uma forte dose de moralidade sobre qual seria o papel dos esposo e da esposa num casamento em moldes conservadores e (?) vitorianos – nem sei se o termo se aplica à Noruega. Curiosamente o Natal não é apresentado como uma festa religiosa e quando o celebram, o fazem com danças e fantasias fora de casa. Interessante, pois no ajuste das contas finais entre Nora e Torvald, no terceiro ato – da peça escrita - , ela evoca essa referência referindo-se a tudo a sua volta com uma ótica absolutamente material, querendo, mas sem poder, se distinguir da ótica do próprio Torvald.

Neva fora. Nora faz os últimos arranjos na decoração de natal. A neve que Ibsen evoca constrasta com o calor artificial do lar dos Helmer, por um motivo específico. Nora, anos atrás cometeu um crime de estelionato para cobrir uma dívida de Torvald, sem este saber que as promissórias tinham sido assinadas em seu nome pela própria esposa. No fim do primeiro ato, Nora é chantageada por Nils Krogstad, um empregado do banco onde Torvald ascende profissionalmente. A razão da dívida é um tanto obscura. Algo relacionado a uma viagem a Itália. Algo relacionado ao pai de Nora, que considerava Torvald um incapaz financeiro... enfim, algo que em hipótese alguma justificaria o crime. A razão da chantagem é a falta de confiança que Krogstad inspira em Torvald. Na corda bamba, tendo seu emprego em jogo, Krogstad decide chantagear a esposa do chefe.

Nesse momento, uma velha amiga de Nora, Mrs. Linde, retorna à cidade procurando emprego já que encontrando-se viúva e com filhos, procura no trabalho o preenchimento de seu vazio vital. Linde conversa com Nora, enquanto Dr. Rank conversa com Torvald no escritório deste. Linde pede para que Nora interceda por ela junto a seu marido com o intuito de conseguir-lhe um emprego no banco. Nora revela a Linde o episódio da falsificação da assinatura e do empréstimo e pede para que esta consiga as promissórias assinadas com Krogstad. Nesse momento, em que Rank e Torvald deixam o estúdio, enquanto Torvald comenta sobre a corrupção da sociedade, Krogstad chega e entra no estúdio para pedir que Torval d o mantenha em sua posição já que há fortes desconfianças de sua retidáo moral. Do lado de fora, Dr. Rank, que arrasta uma asa por Nora numa atitude que lhe causa a fascinação de algo semi-proibido, ousado, afirma que Krogstad e um dos seres mais corruptos do mundo. Dentro do escritório Torvald comunica a Krogstad que seu posto foi dado a Linde.

Nesse momento começa a triangulação que se desenrolará nos próximos atos. Krogstad procura Nora pressionando-a para que ela consiga seu posto de volta, com a condição de que caso não consiga revelará o crime ao seu marido. Linde, a pedido de Nora, procura Krogstad tentando convencê-lo de que volte atrás. No entanto, no momento em que Linde chega a casa do chantagista, a carta reveladora, escrita por ele, já havia sido enviada. Essa tensão se arrata pela noite de natal, com a carta enviada, já na caixa de correios, até que finalmente de volta da festividade, Torvald decide conferir sua correspondência. Encontra dois cartões de visita de Dr. Rank com cruzes negras. Torvald não entende a mensagem, mas Nora, ainda em estado de choque pelo seu destino iminente, revela que Rank – um homem absolutamente apaixonado poe Nora - se mataria naquela noite. Quando Torvald prepara-se para entrar em seu estúdio e conferir o resto de sua correspondência, Nora se retira e se prepara para deixar a casa. Nesse momento decisivo e dramático da peça, Torvald para-a agressivamente, desesperado, aturdido, dizendo coisas sem sentido, atacando-a verbalmente agitando a carta de Krogstad nas mãos. Torvald, desesperado, apenas preocupa-se com o abalo de sua carreira em ascensão. Culpa-a de maneira despropositada por qualquer iminente ameaça. Seu amor desesperado pela esposa se desfaz como numa onda que varre um castelo de areia. Ele a insulta sem que ela reaja, sem que ela se altere na condição humilhante em que se encontra naquela espécie de estágio de vigília inicial de um longo sono. Nesse momento a empregada entra com mais uma carta. É uma segunda carta de Krogstad se desculpando por tudo contendo as as letras de câmbio assinadas por ela. Torvald exultante abraça-a e tenta a reconciliação, após a série de palavras insensatas despejadas na discussão de instantes anteriores. Propõe a reconciliação e que tudo volte ao normal.

É tarde. Tarde demais. O diálogo final, é um dos grandes e memoráveis momentos da história do teatro. Ele compassivo, ela encarcerada em seu mimetismo. Eh comovente a força de uma mulher que não sabe exatamente para que direção partir, mas que não tem outra saída se não a de deixar para trás o passado, irreconciliavelmente.

Eugénie Grandet


Eugenia Grandet ou Eugénie Grandet, novela de Honoré de Balzac é parte do projeto da Comédia Humana. De um modo geral a estória trata de Eugenia, a portagonista, filha de um rico e ambicioso homem de província e de como essa prosaica, trivial e até ingênua mulher contorna a realidade de uma vida familiar solitária e sem desafios. A composição dos personagens que giram em torno a Eugenia é de uma riqueza psicológica que só mesmo Balzac poderia criar. A moça é bela e apesar de passar dos 20 anos ainda mantém uma certa inocência dada pela combinação das convenções sociais da vida no interior e a constante vigilância da mãe, uma mulher infeliz e, segundo a descrição de Balzac, não lá muito dotada de beleza física. Pela lenda que corre na cidade de Saumur, o pai, o senhor Grandet, possui uma fortuna incalculável e isso desperta a cobiça das famílias locais em torno da mão se sua jovem filha, ainda que esta se mantenha fiel ao seu jovem primo Charles que chega de Paris após a falência e morte do pai.

É uma estória de trama simples, mas que retrata de maneira bem cinematográfica a escalada de um plebeu que nada mais vê a sua frente que o brilho enriquecedor do ouro. A ganância do senhor Grandet é inescrupulosa. Chega a ser caricata mas não de todo inverossímil, pois mostra bem a trajetória de um novo rico de província que coloca a ascensão social e financeira acima de sua própria família, da esposa, da filha única Eugénie, e da empregada Nanom - que de certa forma participa dos meticulosos gestos mesquinhos de seu senhor para salvar sua própria pele.

É nesse cenário de uma casa solitária, monótona e melancólica, que a introspectiva Eugenia habita, até que seu primo Charles chega de Paris. Nesse momento da chegada do sobrinho, o senhor Grandet recebe a trágica carta anunciando o suicídio do pai de Charles, seu irmão. Charles que chegara com hábitos cosmopolitas, roupas estranhas e extravagantes jamais vistos pelas mulheres, havia sido enviado a Saumur pois seu pai falira e não tendo mais condições de criar o filho, envia-o aos cuidados do tio. A monotonia em que Eugenia vivia logo se apaga. A jovem passa a querer agradar o rapaz a todo o custo, ordenando que a empregada preparasse pratos especiais, providenciando velas para que ele pudesse ler à noite... Tal mudança de comportamento é notada pelo avarento Grandet.

Charles ao saber da falência e suicídio do pai, entra em depressão profunda o que causa verdadeira comoção nas mulheres da casa. Eugénia, ainda abalada e compadecida pela notícia invade sorrateiramente o quarto de Charles que estava adormecido e lê algumas de suas missivas. Numa destas, pede a um amigo para vender seus pertences e pagar todas suas dívidas, já que irá tentar a vida nas Índias. Noutra, descobre que Charles tem uma namorada em Paris o a torna apreensiva. Entretanto, ignorando a dor do sobrinho, o senhor Grandet, articula sua ida às Indias com o intuito de se livrar de uma boca a mais na casa. O intuito avaro do homem contrasta com o sentimento de misericórdia e admiração da filha, Eugenia e da mãe desta. E percebendo as articulações do pai, Eugenia dá a Charles umas moedas de ouro, presente de seu pai, para que ele recomeçe a vida nas Indias.

Agora, do meio para o fim de um livro que é impossivel largar, a ironia fina de Balzac começa a operar. Charles, após anos nas Índias fica tal qual Grandet, com perdão da má palavra um somítico. Como se o individualismo e a escrotice de Grandet tivessem passado por osmose, ao passo que Eugenia passa a adquirir certos rasgos de personalidade do pai, Charles, distante, viajando por anos em mares das Indias e das Américas, se embrutece e esquece o amor que prometera a Eugenia. Nessas viagens faz dinheiro comercializando escravos negros e chineses e praticando a usura. O embrutecimento, talvez decorrente de suas atividades, torna a relação com a prima uma relação distante e meramente financeira, já que ela emprestara seu primeiro capital para iniciar a viagem.

Enquanto isso, Eugénia perde mãe e logo em seguida o pai. O espólio a torna tão quanto uma mulher rica, uma mulher em busca – continuando o legado da nossa miséria - da solidificação da fortuna do pai. De uma maneira mais branda, é verdade.

Alguns anos se passam até que recebe uma carta de Charles contando que se casaria com uma das herdeiras dos Aubrion, em Paris. Destruída toda a ilusão vê quão falsa foi sua espera e sua esperança. Descide então se casar por conveniências com o advogado Bonfons, não sem antes imbuí-lo de uma missão: ir a Paris e saldar as dívidas do primo. Porém, quis o destino que o rapaz morresse após breve trajetória política, revelando que este, não o destino, mas Bonfons não fosse o homem tão respeitoso que ela pensava se tratar. O rapaz tinha, como dizia-se no tempos antigos “amigas”.

Um romance simples, mas Balzac possui uma capacidade de descrição psicológica e corrosiva do endurecimento da alma diante das ascensões materiais. O livro termina num tom um tanto melancólico, nem tanto pela aura de contorno romântico com a qual Balzac envolve a jovem, mas pela forma com que Balzac optou por conduzir a estória em dois campos sem tramas paralelas ou zonas cinzentas. Balzac nos faz viajar em dois continentes isolados, um mundo da ambição patriarcal e um mundo de ingenuidade onde a protagonista, Eugenia, gradualmente se anula, e que raramente se cruzam.
No meio do livro ainda há uma esperança. O leitor embarca na possibilidade do romance açucarado de Eugenie e Charles, quando esta tenta com suas parcas armas de sedução conquistar Charles. Essa é a mesma esperança de Stefan Zweig na biografia de Balzac quando lá pelas tantas diz, “A pequena Eugenia Grandet, em si trivial e um pouco ingênua, ao não se sujeitar ao olhar ameaçador de seu pai avarento por um torrão de açúcar no café de seu querido Charles demonstra tanto valor como Bonaparte quando atravessa precipitadamente a ponte do Lodi com a bandeira na mão.” Só para constar -até para mim que não sabia -, a batalha de Lodi foi o episódio no qual Napoleão derrota o marechal Beaulieu abrindo caminho austríaco para que as tropas francesas cheguem a Milão. A comparação é, sem intermitência, não sem intencionalidade, pois antes da virada do século ninguém sabia no que Napoleão se transformaria. Tampouco no que Eugenia viria a se tornar após a morte dos pais. Mas no final, com Eugenia já balzaquiana - perdoem o tocadilho - e portanto sem a ingenuidade de outrora, as famílias locais começando a confabular novamente sobre a da mão da jovem viúva, não há como não lamentar o legado da nossa miséria.

Garrincha


Não sou botafoguense, ainda bem. Mas se fosse ficaria triste com o filme Garrincha -- Estrela Solitária. Esse é o sentimento que toma conta do espectador, independente do clube de coração, ainda no meio do filme. Um filme laudatório, formal e extremamente mal feito e mal produzido. O cinema brasileiro já vem fazendo isso há algum tempo, transformando excelentes biografias em filmes de qualidade e gosto duvidosos. Primeiro, com Olga de Fernando Morais, e agora com o fantástico Garrincha -- Estrela Solitária, de Ruy Castro – diga-se de passagem, sem reserva alguma, um dos melhores biógrafos brasileiros.

Não sei exatamente o porquê deste fracasso mas em relação ao filme em questão, Garrincha – estrela solitária, dirigido por Milton Alencar e com roteiro de Rodrigo Campos, me parece que o ator principal, André Gonçalves, não entendeu bem as duas faces do espírito de Garrincha, a alegria da juventude e a decepção do fim da vida – optando por interpretá-lo o tempo todo com uma expressão apática e distanciada dos anos de alcoolismo. Além disso, o roteiro, assinado Rodrigo Campos, me pareceu extremamente formal, optando por iniciar o filme exatamente pelo fim da vida, quando Garrincha, empobrecido, cheio de filhos, cheio de amantes e entregue à bebida, não era a sombra que foi, dando assim um aspecto decrépito ao mito. O filme mostra que a opção do flashback é sempre perigosa no cinema. Se não for bem feita, resulta e trabalho mal acabado e até desrespeitoso.
Além disso o filme, já que biográfico, deixou de fora vários pontos importantes que poderiam amarrar melhor a história. Por exemplo, as atuações do craque com os joelhos enxarcados de infiltrações em analgésicos, as batalhas judiciais em torno do divórcio da primeira mulher de Garrincha, representada por Dirceu Rodrigues Mendes, um advogado pralá de mau-caráter, e as inúmeras tentativas de retorno aos campos, jogando pelo nordeste e até mesmo em campos de várzea para conseguir alguns tostões no fim da vida.

Decepção. Não cheguei a ver Garrincha jogar, mas acho que a transposição da biografia do cidadão para a tela grande deveria ter sido um pouco mais cuidadosa. E olha que sou flamenguista, se eu fosse botafoguense escrevia um desagravo!