Choking Man

Quem chega a Nova Yorque de avião aterrrisa no aeroporto JFK. Muito pouca gente sabe mas o nome  do local onde fica aquele fim de mundo é Jamaica. Muito pouca gente sabe, mas o nome do diretor por trás de muitos do videoclipes de uma coisa chamada Michael Jackson, Dire Straits e um torço chamado A-ha, nos anos 80, era Steve Baron, um irlandês que quando não está fazendo videos para musicais realiza bons filmes independentes. Choking Man é um drama psicológico sobre a experiência do imigrante latino na América, mais especificamente na região de Jamaica, Queens. Jorge é um dishwasher, um lavador de pratos, que quase não fala inglês e que fica enfiado na cozinha de um pequeno restaurante muitas horas por dia. Por não falar inglês, ou em decorrência disso, é um jovem equatoriano isolado, sem amigos, que vive da casa para o trabalho e do trabalho para a casa. Seu trabalho consiste em enxaguar com uma mangueira, pratos, copos, talheres, panelas e artigos de cozinha, colocá-los numa bandeja e enfiá-los numa esteira que lavará com água em alta temperatura os utensílios. Após passarem pela tal máquina, Jorge confere se estão realmente limpos, recolhe-os e os direciona a seus respectivos locais. Pratos e talheres para a parte frontal do restaurante e para a cozinha, de onde saem os pratos prontos, e os demais utensílios para a cozinha. Quando o movimento do restaurante é menor, na entre-hora do almoço e da janta, José limpa o chão do restaurante e recolhe os sacos de lixo. O trabalho de José é monótono e repetitivo e ele o realiza em silêncio absoluto.  Além de pratos, a única coisa que José vê todos os dias à sua frente é um cartaz velho e sujo com instruções para salvamento de pessoas em casos de engasgo.

José é um rapaz calado por natureza, em seu  laconismo consome-se, submerso e contrafeito, numa espiral de obsessivos pensamentos contra seu companheiro de trabalho, Jerry,  que parece estar sempre meio chapadão e viajando, tentando a seu jeito tornar José um cara mais comunicativo Se no trabalho há esse companheiro supostamente  apurrinhando sua vida, em casa  a coisa não é melhor. O fantasma de um tio misterioso o assola a todo o momento com sugestões e pensamentos, geralmente confissões mal escondidas, ressentimentos contra os malogros pessoais. Sua incomunicabilidade, levemente autista, é decorrente, no fundo, mais das expressões de demônios interiores que das ameaças reais. A coisa toda só parece mudar um pouco quando a garçonete chinesa Amy é contratada para trabalhar no restaurante. José, ensaia um pequeno vínculo com o mundo exterior. Entretanto, Jerry está ali rondando a moça como uma ameaça ao amor de José. Consumido por uma espécie de paixão morbida pela moça e ódio visceral pelo rapaz, José, como todo o  homem que não sabe atacar concatena vinganças. Vislumbra assassinar Jerry.

Todo o filme é um tanto claustrofóbico. As cenas mais angustiantes são exatamente as que o protagonista tenta se comunicar, em vão, num ambiente anglofônico. Ou seja, as cenas em que o protagonista comunica menos em palavras, são as mais expressivas.

Grande Hotel



A belga Lotte Stoops reinventa com elegância o presente e revive imprecisão passado do Grande Hotel, um suntuoso hotel que teve vida curta durante os últimos anos da colonização portuguesa no território africano, mais especificamente na cidade de Beira em Moçambique. O seu documentário sobre uma das mais mal acabadas obras do “poder colonial” português na Africa é um exemplo do muito que nos diz, a brasileiros e moçambicanos, sobres os sentidos da colonização. Uma vez fabulosamente rico, o Grande Hotel, um edifício que é mais uma cidade dentro da cidade, foi um luxuoso hotel foi construído em 1955 pelo empreendedor português Arthur Brandão, numa enorme àrea de 12.000 metros quadrados. Desta cidade e do gigantesco hotel, sobrou apenas um esqueleto, povoado hoje em dia por 3.500 seres viventes que habitam suas ruínas, tentando criar em cada canto um lugar habitável em meios aos escombros e a sujeira. Mais do que um simples documentário sobre a história deste hotel, o filme retrata que nem a megalomania colonial, nem a vaidade ideológica, conseguiram tornar o lugar eficiente.

Mesmo antes do colapso colonial, o hotel ja havia falido pelo fato de que a obra deixou de ser rentável já na planta. Construído em 1955, o hotel ofereceu aos seus residentes este pequeno paraíso em grande dimensões por apenas 11 anos. Com a falência, dez anos antes da queda do sistema colonial, não demorou muito até que as suites se transformassem em lixeiras, as salas de jogo em bordeis e a piscina num pântano. A revolução, e guerra civil, acabou com seu propósito – se é que havia algum. Grande Hotel passou a ser uma grande ruína, e o lugar que, supostamente, uma vez recebeu presidentes, reis, políticos e o mais alto escalão do poder colonial, passou a hospedar trabalhadores, refugiados, conselhos guerrilheiros, prostitutas e fanáticos religiosos.

O luxo desapareceu. O que restou foi sendo dilapidado, roubado e vendido. E nesse processo, tudo passou a ser moeda de troca: azulejos, portas, vitrais, janelas. Hoje em dia, no lugar dos corredores há todo o tipo de comércio e prestação de serviços que vão desde a venda de comida em condições de higiene precária à presença de salões de cabelereiras. E para um lugar onde não há luz, água, saneamento, nem esperança, há uma dinâmica paralela, que Lotte Stoops se esforça em mostrar intercalando os comentários mais non-sense daqueles que viveram e ainda se lembram do hotel, com imagens dessa estranha miséria que gera uma honesta solidariedade.

As passagens onde uma hospede octagenária lembra com ingenuidade e barbárie de uma recepção de casamento, anos após o fechamento do hotel, de um ofical colonial de alta patente portuguesa é impagável sobre o choque de culturas. A pobre mulher diz que a festa tinha sido tão opulenta, que só se lembrava das muitas vezes que fora ao banheiro para forçar o vômito e voltar para o salão para comer tudo de bom que o banquete da festa oferecia. Todo o luxo que habitou aquelas paredes, desapareceu para sempre.

A diretora, além de percorrer todo o edifício e entrevistar os que lá vivem, mostrando o seu quotidiano, teve o cuidado de intercalar comentários bizarros e muitas vezes preconceituosos com a realidade presente das pessoas que vivem lá e se adaptam à adversidade de viver nas ruínas. Algumas imagens muitas vezes reforçam o argumento dos que frequentavam o hotel como hóspedes. Por exemplo, onde um dia foi o centro de conferências hoje temos uma mesquita, e a piscina olímpica, hoje com um resto de àgua verde, serve de lavadouro de roupas e balneário público. Entretanto, os seus atuais habitantes, que por sua capacidade de adaptação e a estranha solidariedade que a adversidade gera, já se consideram “whato munos”, nativos. Com sua capacidade de adaptação criaram seus próprios mecanismos de defesa e vigilância, onde em cada corredor de dez apartamentos há um vigilante. Um destes é Mateus, uma espécie de zelador/síndico do edifício. Segunda geração no prédio, ele é filho de um antigo funcionário do Hotel, ainda do tempo em queo Hotel recebia hóspedes como Kim Novak, alugava seus quartos para ir fazer safaris na Africa.

Música do dia. O Povo no Poder. Azagaia.