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The White Ribbon - A Fita Branca

Minha implicância com Haneke terminou ontem, domingo de carnaval, mais ou menos pelas sete da noite, pois The White Ribbon é uma contribuição crítica  importante para o cinema. Cumpre ainda acrescentar que este é um ótimo filme sobre gente da roça. Não se enganem, é um filme surpeendentemente linear onde o narrador, um professor de escola primária numa fictícia vila de Eichwald, narra, em suas memórias distantes, fatos ocorridos entre julho de 1913 e agosto de 1914, quando uma cadeia de acontecimentos violentos sacode a rotina de um povoado pacífico de forma aparentemente incompreensível. Aparentemente incompreensível e misteriosa até mesmo para o narrador, que adverte o público desde o começo que desconhecimento das razões e causas exatas daqueles eventos permenecerão envoltas por uma cortina de fumaça para sempre.

A vila é regida por um barão e um pastor, que determinam os destinos do universo público e privado de praticamente todos na cidade.  O puritanismo protestante é uma máxima em seus mais precisos detalhes. O médico trata da vila com dedicação. E as crianças vivem nesse universo lúdico...

Mas isso é apenas a superfície. Por ordem de bizarrices que acontecem na tentativa de mostrar o obscurantismo das formas e da vida rural, Haneke retrata o Barão que rege a vila, composta basicamente por forasteiros, com metaforicamente uma mão invisível porém pesada como o ferro. Para auxiliá-lo há a figura espiritual do pastor, um homem austero, que é responsável pela confirmação religiosa da rapazeada púbere da vila. Para preservar a pureza dessas moças e moços, é amarrada uma fita branca em seus braços como exemplo de sua diafaneidade. Quando o filho do pastor, por exemplo,  revela ao pai que realiza sobre trabalhos manuais, diríamos, onanísticos, o pai não apenas passa-lhe não um sermão sobre olhos que caem, pulmões que se infiltram de líquido e almas que padecem de castigos eternos, como o humilha verbalmente levando-o às lágrimas  por sua fraqueza moral e o castiga de maneira brutal surrando-o e amarrando-lhe as mãos todas as noites antes de dormir. Isso tudo, apenas na casa do pastor. Vejamos o médico: homem bom, viúvo, pai de dois filhos que trata as crianças da vila com amor e carinho, e que tem a ajuda de uma mulher que cuida das crianças e eventualmente trata de algum resfolego mais urgente do doutor. Essa também é apenas a superfície. Nos recônditos, o pai trata a empregada de maneira imprópria, sempre que pode humilhando-a, violentando-a fisica e verbalmente; abusa sexualmente da filha e tem uma relação ditanciada e fria com o filho menor.

A série de acontecimentos misterioso iniciam-se com um acidente. Um fio é amarrado entre duas árvores e o médico e sua montaria são gravemente feridos. Segue-se: nas festividades anuais, enquanto o bom barão abre a celebração regada a àlcool e comida, alguém vai até a plantação de repolhos do barão e a destrói, bem como rapta o seu filho e o espanca até a exaustão. Em virtude de tais acontecimentos, a babá do menino, Eva, é despedida por negligência. Sem ter a quem recorrer, parte para na casa do professor que a leva no dia seguinte à sua casa.

Nesse meio tempo, em meio a estupros, violações de menores, incestos, violência sobre os fracos e o rigorismo autoritário da moral protestante, há outras cenas mais chocantes. Sim. O filme está apenas no meio!

Uma outra série de eventos não necessariamente conectados ocorre. O estábulo do barão é incendiado criminalmente. O filho excepcional da empregada da casa do médico é violentado, amarrado a uma àrvore no bosque e tem seus olhos vazados. A empregada, desesperada, pede a bicicleta do professor emprestada pois afirma ter provas sobre a autoria da barbaridade com seu filho. A esta altura o professor já está totalmente envolvido emocionalmente com Eva – para a casa da qual se dirigia no momento de ser interpelado. Aos poucos o jovem vai ligando alguns fatos e levanta suspeitas sobre os filhos do pastor como os responsáveis pelo enfraquecimento espiritual da vila, ou seja, desconfia que os adolescentes estariam por trás da violação da criança. O pastor sabe que as acusações do professor podem ter um fundo de verdade, pois sua filha deixa seu pássaro de estimação morto com uma tesoura cravada no meio de sua escrivaninha. Entretanto, simula-se insultadíssimo, e adverte o professor que se ousasse uma vez mais acusar a algum de seus filhos seria obrigado a tomar medidas extremas que visassem seu afastamento – no caso o professor e narrador da estória, que jamais retornaria a Eichwald por questões não necessariamente relacionadas à suas acusações. E este grande filme termina no mesmo tempo do assassinato do arqueduque Francisco Ferdinando, conectando, com alguma pretensão do cineasta,  um fato histórico com elementos ficcionais que poderiam guardar as chaves de explicações históricas sobre o porvir.

O filme em si é muito bem editado. Os cortes são tão cirurgicamente precisos que sustentam até o fim o enredo de indagações sem respostas. Haneke foi muito elegante ao deixar de fora as imagens violentas e apelativas. O cara evoluiu – esqueça o Sétimo Continente, filme realmente lamentável em sua carreira  bem como o pretencioso The Piano Teacher  - desde 71 Fragments of a Chronology of Chance. Entretanto, em seu Crepúsculo dos Deuses pessoal (ou em sua mistura de crônica material de Ovo da Serpente com o universo histórico de O Jovem Torless) Haneke propõe alguns pontos controversos e até mesmo pretenciosos. Haneke desfaz a velha dicotomia entre um provincialismo viciado no rigor moral protestante cercado de pessoas mesquinhas, hipócritas e medíocres, com um universalismo de propósitos interpretativos um tanto deficiente do ponto de vista histórico. A opção é intencional pois este é um filme não apenas para críticos e cinéfilos, mas alimentando-se das mais variadas correntes de pensamento, procura um público amplo e compreensivo. Algumas vezes a concentração nessas miudezas formais, e outros bizantismos de abrandamento do fosso que separa o campo e a cidade, inverte a ordem interpretativa corrente e talvez de difícil contestação de que a Banalidade do Mal, esta mesma que condescede com o sofrimento, a tortura e a própria prática  do  mal  é um fenômeno anterior ao Fenômeno de Massas. Haneke evoluiu, mas eu ainda tenho sérias dúvidas sobre suas teses costuradas com os fios do maniqueísmo pelas beiras. Afinal, preciso muito mais do que imagens e um enredo bem amarrado para ser convencido de duas coisas. Primeiro, que o Mal é executado por pessoas normais. Segundo, que há uma distância imensa entre o Anschluss, o Nacional Socialismo e as práticas de manipulação política dos fenômenos de Massas.


Poema do dia:
A Cana-de-Açúcar Menina


A cana-de-açúcar, tão pura,
se recusa, viva, a estar nua:


desde cedo, saias folhudas
milvestem-lhe a perna andaluza.


E tão andaluza em si mesma
que cresce promíscua e honesta;

cresce em noviça, sem carinhos,
sem flores, cantos, passarinhos.  

Escola de Facas. João Cabral de Melo Neto 

The Seventh Continent

Lembra da Rosana, uma cantora com cara de silicone que nos anos 80 cantava um troço mais ou menos assim... Como uma deusa você me mantém...? Aquilo era algum tema de novela, que ficava tocando insistentemente em qualquer rádio a qualquer hora do dia e da noite. Como diria o Assis Valente... Nem dá jeito de cantar, Dá vontade de chorar, E de morrer...

Pois é, Georg, funcionário de uma grande empresa, e sua mulher Anna, oftamologista, são um casal de classe média. Ambos têm uma vida confortável, vivem numa boa casa, possuem um carro relativamente novo, consomem produtos de qualidade, sonham com férias numa paradisíaca praia na Austrália e vivem uma vida rotineira. O despertador toca todos os dias às 6 da manhã, Georg se banha, Anna acorda a filhinha para a escola, no aquário os peixes vegetam, no café da manhã quase não falam, ou seja, tudo parece perfeitamente ordenado, eles parecem se conformar com a utilidade funcional do cotidiano onde a repetição de determinados rituais passam a preencher e dar sentido a uma espécie de vazio. Tudo parece perfeitamente ordenado até o dia que a filha da oftamologista mente na escola dizendo que está cega. Aos poucos percebe-se que o casal vive uma vida um tanto miserável, pois a monotonia os torna prisioneiros de uma alienação auto-destrutiva. Passam a surgir sinais de depressão, a indiferença se torna patológica. Georg, um cara competitivo, ascende na empresa passando por cima dos caras ao seu lado. Anna se desespera com o distanciamento da filha. Essa é em linhas gerais o enredo de The Seventh Continent, um filme que definitivamente me fez perder a paciência com Michael Haneke.

Haneke decidiu filmar uma estória baseda em fatos reais de uma família austríaca que comete suicídio. Sim, tal como em 71 Fragments of a Chronology of Chance ou em La Pianiste – que até é um filmezinho máomeno -, Haneke tem gosto pelo tabu. Até aí tudo bem, Stanley Kubrick também tinha. O problema é que há uma distância quilométrica entre Kubrick e Haneke. Kubrick transforma o incômodo do distúrbio numa forma de arte. Haneke transforma o trágico numa simples exaperação de imagens. Numa das últimas cenas antes do suicídio, juro por todos os exús e deuses, com a casa completamente destruída, a família encontra-se na frente da tv assitindo uma mulher cantando em alemão... Como uma deusa você me mantém...

Com isso concluo com duas coisas. Primeiro, mal comparando, você pode até gostar de Heineken, mas a partir do momento que você prova uma Chymay, já não dá mais pra assitir os filmes do Haneke. Segundo, é evidente que sou péssimo em trocadilhos!

Música do dia. Fez Bobagem. Assis Valente/Marcos Sacramento. CD Modernidade da Tradição.

La Pianiste


Erika eh uma balzaquaquiana professora de piano. Rigida e refem de um pretenso conservadorismo criado em parte pela aura de pianista classica num conservatorio de musica vienense, sente um secreto prazer em torturar psicologicamente seus pupilos. Usa seu poder para manipular alunos adolescentes inseguros. Ironicamente, perto de 40 anos ainda vive com a mae, por quem sente uma raiva impotente, que misturada ao temor torna a relacao das duas uma convivencia azeda e explosiva que lhes transforma a indole. Sexualmente, se satisfaz colecoes de revistas que para seu mundo seriam proibidas, com idas furtivas a cabines de filme porno e passeios a pe por cines drive-in a procura de distracoes voyeristas.

Seu mundo encantado minuciosamente costurado com ordem, metodo e a falsa sensacao de ascendencia sobre todos que a rodeiam, passa a se desorganizar quando conhece a Walter, um estudante de engenhaira de 17 anos, que presta exames para o conservatorio. Ela se sente atraida por ele, ainda que o interesse juvenil de Walter pareca mais impetuoso que o dela - controlado e indiferente. Perante os pares desmerece as qualificacoes do rapaz, quando este executa obras de Schumann e Schubert inferindo que as pretensoes profissionais do rapaz sao ambiciosas ja que uma carreira profissional de pianista deve se manifestar mais cedo.

Em pouco tempo sua atracao pelo rapaz passa de uma pretensa ascendencia dominante a possessividade e a uma contraditoria relacao de passividade que somente Leopold von Sacher-Masoch explicaria. Essa transformacao fica clara quando conduzida pelo ciume doentio que passa a sentir por Walter Klemmer, poe vidros quebrados no bolso do casado de uma de suas alunas, Anna Schober, por esta contactar Walter numas das audicoes. Quando procurada pela mae da aluna – tao intransigente quanto sua propria mae - , Erika forja compaixao. Consola-a de maneira a nao deixar duvidas sobre seu papel de mentora.

No frigir dos ovos, Walter Klemmer, como todo o bom adolescente, eh um rapaz fissurado na professora enigmatica. A professora, sexualmente reprimida, tem uma longa lista de exigencias sadicas e masoquistas expressas por carta ao rapaz, que comeca a desconfiar de sua sanidade e se decepciona, desistindo da relacao. Ela insiste, procura-o, e na hora da cama – ou do vestiario de hoquey – nada pintou direito. No novo encontro, Klemmer invade o apartamento da moca, espanca a mae, violenta e humilha a filha. Ela sente que a realidade eh um pouco diferente daquela que assiste nas cabines de filmes ‘proibidos’. Um filme que combinaria mais com uma trilha de Wagner ou Xitaozinho e Chororo, mas como foi Schubert, pareceu-me ateh nem tao violento quanto vulgar. No final, a trilha sonora eh o que importa.
Musica do dia: Tom Waits. Bottom Of The World. Orphans: Brawlers