Vittorio de Sicca fez o filme “Una Breve vacanza” em 1973, já quando o Neo-realismo italiano era uma sombra estilística apagada na memória de cinéfilos fiéis à temática dos problemas sociais, das crianças lacrimosas, dos atores desconhecidos e da ambientação hiper-realista... É a estória de Clara Mataro, uma mulher metalúrgica, de poucas posses, com 3 filhos que ama, e uma horrenda família composta por um marido embrutecido, o cunhado tão rude estúpido e grosseiro quanto ao irmão, com o adendo de uma leve marca do mau-caratismo, e uma sogra exemplarmente sofredora e por isso, sintomaticamente latina – com o detalhe de todos viverem sob o mesmo teto, e apenas Clara a trabalhar. Após uma síncope de exaustão no trabalho na fábrica onde trabalha, Clara, sob orientações médicas, é recomendada a seguir para uma clínica de repouso no norte montanhoso de Dolomites. A família – não sei se ja disse, ‘horrenda’ - insiste que ela está bem e que não precisa do tal tratamento. Apesar de amar aos filhos, a insatisfação no casamento não a faz titubear e parte para as “férias forçadas.” Chega à clinica e logo percebe que dependendo da classe social, os tratamentos são diferenciados. Mas independente da discriminação entre pacientes nababos e remendados, a experiência da recuperação de Clara não é apenas física, mas emocional. A famosa consciênça de crasse passa longe daqui. Aos poucos Clara torna-se amiga de outras internas, independente de quanto levam na carteira, e adquire novas atitudes frente a sua feminilidade, a leitura, à solidariedade e ao amor. Sua vida muda. Torna-se confidente de mulheres - como a interpretada por Adriana Asti no papel de Scanziani, uma doente mental em estado terminal, um dos pontos sensíveis do filme - que talvez jamais as encontrasse em seu dia-a-dia. Aliás as mulheres que encontra são interessantíssimas...
Todos os estágios de sua feminilidade são expostos, independente da dimensão de sua felicidade frágil e por que não dizer, perturbada pela presença do marido. De Sica impõe um diálogo de sombras com o espectador através da alternância de cenários entre os Alpes oníricos ensolarados, a fábrica opressora, e a casa escurecida – onde quase não é possível distinguir os rostos - , compondo nessa reprodução de fragmentos um quadro onde o tema do, voilá, o adultério, esta tão batida carta, é reinventado. Na clínica, reencontra um jovem mecânico que a convidara a um café no dia da consulta, antes da viagem. Clara, uma mulher de invulgar modestia, deixa-se levar pela atração e nós acabamos torcendo por ela quando o drama vira dramalhão e a paixão entra na veia. Supostamente, no filme, que é uma espécie de dramalhão romântico, mas cheio da sensibilidade, De Sicca nega-se à farsa exuberante ou ao drama existencial que, por exemplo, Antonioni enveredou após deixar os neo-realistas. Supostamente, o filme foi baseado no adágio de Appollinaire, “Só na doença, os pobres tem férias” – o que não deixa de ser uma verdade.
E o bom dos filmes do De Sicca é o final: nunca feliz, mas não menos verosímil. Clara, retorna a casa, após ter a alta antecipada pelo médico – resignado, mas sem deixar de ser delicadamente vingativo - que tentara discretamente porém sem sucesso, seduzi-la. A emoção produzida pelo amor dissolvido que sentira por Luigi torna-se evidente, em toda a sua amplidão, na viagem de retorno de trem para casa. De Sica nos deixa a amarga imaginação da extensão das perdas de Clara.
Tudo bem. Acredito que grandes obras literárias ou filmicas não necessitam nem de longe finais nem de longe felizes. Mas o título que o português deu a esta, francamente, é de uma boçalidade hermenêutica: "Amargo Despertar"
Musica do dia. Age Maria (Guinga e Aldir Blanc)
Age, Maria
Todos os estágios de sua feminilidade são expostos, independente da dimensão de sua felicidade frágil e por que não dizer, perturbada pela presença do marido. De Sica impõe um diálogo de sombras com o espectador através da alternância de cenários entre os Alpes oníricos ensolarados, a fábrica opressora, e a casa escurecida – onde quase não é possível distinguir os rostos - , compondo nessa reprodução de fragmentos um quadro onde o tema do, voilá, o adultério, esta tão batida carta, é reinventado. Na clínica, reencontra um jovem mecânico que a convidara a um café no dia da consulta, antes da viagem. Clara, uma mulher de invulgar modestia, deixa-se levar pela atração e nós acabamos torcendo por ela quando o drama vira dramalhão e a paixão entra na veia. Supostamente, no filme, que é uma espécie de dramalhão romântico, mas cheio da sensibilidade, De Sicca nega-se à farsa exuberante ou ao drama existencial que, por exemplo, Antonioni enveredou após deixar os neo-realistas. Supostamente, o filme foi baseado no adágio de Appollinaire, “Só na doença, os pobres tem férias” – o que não deixa de ser uma verdade.
E o bom dos filmes do De Sicca é o final: nunca feliz, mas não menos verosímil. Clara, retorna a casa, após ter a alta antecipada pelo médico – resignado, mas sem deixar de ser delicadamente vingativo - que tentara discretamente porém sem sucesso, seduzi-la. A emoção produzida pelo amor dissolvido que sentira por Luigi torna-se evidente, em toda a sua amplidão, na viagem de retorno de trem para casa. De Sica nos deixa a amarga imaginação da extensão das perdas de Clara.
Tudo bem. Acredito que grandes obras literárias ou filmicas não necessitam nem de longe finais nem de longe felizes. Mas o título que o português deu a esta, francamente, é de uma boçalidade hermenêutica: "Amargo Despertar"
Musica do dia. Age Maria (Guinga e Aldir Blanc)
Age, Maria
Rasga o teu véu de virgem
Tinge tuas mãos na vertigem do pecado
Maria, ateu ao teu lado
Lanço em teu ventre
A língua que te consagre
Milagre é ser pura em plena incontinência
Sacra é a vida da incoerência
Não quero ser carpinteiro
Pra esculpir cruz que imortalize:
Que não seja eu
Que ao te amar
Te martirize