Contentemo-nos com a Ilusão da Semelhança, porém, em verdade lhe digo, senhor doutor, se me posso exprimir em estilo profético, que o interesse da vida onde sempre esteve foi nas diferenças,
2012, a eternidade, a amizade e outras vagas noções da vida
Pois então, duas dessas grandes amizade que que gostaria de agarrar, tal como queria o príncipe da Dinamarca, à minha alma com mãos de aço:
Um é Thiago de Mello, a quem tive o imenso prazer de conhecer em Manaus e com quem passei uma tarde impressionante falando de poesia, Machado de Assis, Flaubert, Balzac e sobre uma infinidade de detalhes do Estatuto do Homem, dos detalhes de sua amizade com Bandeira e Neruda, e Miró e Benedetti... Thiago de Mello, que um dia em Silêncio e Palavra escreveu... Estimo o velejar fácil de barca singrando o rio sem qualquer ânsia de porto. No singrar já se compraz. Em 2013, se a vida e o trabalho me derem um descanso, prometo injuriar a eternidade e visitar Thiago em sua casa na selva, nem que seja por um fim de semana.
Outro é o inigualável Simão Pessoa, com quem tive a honra, o prazer e a ajuda das Moiras, de trabalhar - além de derrubar hectolitros de Red Label em rodas de poetas e sindicalistas. Autor de quem Millôr um dia escreveu... Livro sincero, a começar pelo título. Um prêmio a quem encontrar uma linha politicamente correta. Obra-prima do gênero. Dei uma gargalhada por página... Assim é Simão, um homem que como todo o grande gozador é um cara sério. Para tanto se você colocar o ouvido direito no seu peito de Simão, ouvirá nitidamente uma grande algazarra. São vozes do Marques de Sade, Jacques Munier, Ovídio, Nabokov... pô Nabokov com certeza, vai quase prestidigitar as páginas do Diário de Dom Rigoberto do Vargas Llosa, orquestrados na clave daquele biriteiro que bebe ao nosso lado em qualquer botequim da vida... isso, claro, quem frequenta esses tipos de lugares, entenderá de que autores eu falo.
Who's Camus Anyway
O diretor Mitsuo Anagimachi mostrou sem dúvida o totem de uma experiência insular única que combina nuances das pequenas perversidades da vida acadêmica com a experiência individual dos que trabalham na industria cinematográfica. As experiências individuais acabam interferindo na dinâmica do filme. Matsukawa é um jovem diretor que respira cinema, mas sua doce e sufocante namorada, que não entende nada de cinema, apenas se preocupa com uma coisa: casar. Ele se nega, pois só se casaria depois de realizar uma grande obra. Yukari, a namorada obsessiva, diz que se o pegar com outra mulher o mata, e chega a aventar a hipótese de colocar seu esperma num banco – e ele diga-se de passagem aceita com a condição de que ela lhe dê o dinheiro para comprar um Final Cut Pro, um desses softwares de edição da vida. Os companheiros de filmagem não levam a relação a sério, primeiro por que vêem Matsukawa não como um exemplo maior de fidelidade, e segundo por que enxergam a Yukari como uma cópia xerox de Isabelle Adjani em The Story of Adele H.. O professor Najako, que presta orientação aos pupilos, é um personagem à parte. Fascinado por uma jovem estudante, a quem vê passar todos os dias, é apelidado de Aschenbach pelos alunos, o personagem de Morte em Veneza. Aliás o professor, em sua crise da meia idade, protagoniza uma cena da tão ou mais humilhante que a vivida por Aschenbach no filme de Visconti. Sabendo que um de seus estudantes pendurados por nota, é amigo da menina, manipula para que o rapaz propicie um almoço entre os dois, professor e aluna. No final do almoço, após ser sutilmente humilhado pelo casal – que sugere inclusive um ménage à trois, desde que pudessem ganahar uma bolsa de estudos para Paris - , volta para seu escritório dá pra beber.
O filme nos mostra como um filme de baixo orçamento é feito. Tudo começa pelo orçamento, pela seleção dos atores, pelo set mais barato de filmagem, pelo cenário mais barato...enfim, começa não da estória em si, mas das limitações materiais impostas à produção. É como passar a assistir filmes com essa dimensão que nos daria uma noção muito mais real de como se faz cinema – e que os americanos inverteram em nossas cabeças.
Madama Butterfly
Enfim, noite de terça-feira, nada de melhor pra fazer, duas opções: ligar a televisão no ABC, ou, Madama Butterfly.
os culpados pela música brasileira ser o que é...
Violão Brasileiro - Rogério Souza
Laranja Mecânica com tofú
A trilogia é do diretor sul-coreano Park Chan-Wook. Em cada uma das estórias o diretor costura com os fios da vingança, o amor e o ódio desmedidos. Macbeth dizia que “Eles ardem do desejo de vingança, por que seus mais pungentes motivos moveriam até mesmo um eremita ao mais sanguinário e feroz combate.” A frase de Shakespeare, bem podia ser o prólogo da trilogia. Em todos os três filmes, as tramas permeadas sempre pelo desejo de vingança – ou justiça, agora estou confuso - são sofisticadas. No segundo, Oldboy, há além disso intrincadas viradas psicológicas, imagens inteligentes, apoiadas numa estética absolutamente instigante.
Sympathy for Mr. Vengeance trata exatamente desse desejo desmedido de vingança que leva a um pai às últimas consequências para encontrar os assassinos de sua filha.
Ryu vai a casa de Dong-jin. Espera. Tocaia-o. Nada. Na verdade, Dong-jin está na casa de Ryu, esperando-o, com um transformador ligado à fechadura. Ryu chega à casa. Abrea porta e recebe uma descarga. Apaga inconsciente. Dong-jin, em seguida, amarra as mãos e pés de Ryu e leva-o para o rio onde Yu-sol morreu. Leva-o par ao meio do rio, com àgua na altura do peito. Dong-jin reconhece que, apesar de Ryu ser um homem bom, ele não tem escolha e deve matá-lo. (imagem absolutamente impagável quando Dong-jin está cara a cara com Ryu, em seguida mergulha, a camera se afasta, Ryu olha ao redor e não entede o que está passando. Por alguns minutos somente a cabeça de Ryu aparece na superfície do rio. Ryu começa a se debater. Dong-jin mergulhou e cortou-lhe os dois tendões de Aquiles de Ryu. A câmera mostra o corte embaixo d’agua com o sangue jorrando aos borbotões). Dong-jin arrasta Ryu até a margem. Cava. Antes de colocar os corpos cortados do irmão e da irmã mantidos em sacos de lixo, o grupo de Yeong-mi chega. Eles cercam e esfaqueam repetidamente Dong-jin, finalmente cravando a nota em seu peito com uma faca. Se identificam como grupo terrorista do qual Yeong-mi fazia parte. O grupo deixa Dong-jin morrer ao lado de seu carro com as ferramentas e os sacos ensanguetados que ele usou para cortar, desmembrar o corpo de Ryu. A nota, by the way, já aparecera numa cena no início do filme, no cumputador de Yeong-mi. Filmaço.
Oldboy talvez seja o mais incrível dos três. Mas vamos por ordem. Fiquei louco pelo Oldboy quando assiti há duas semanas atrás. Com um roteiro primoroso, Oldboy é o melhor dos três.
Um adendo. Sabe aquele pequeno deslize, aquele vacilo cometido com aquele amigo de adolescência? Todo mundo tem um, pelo menos. Pois é. No universo de Park Chan-wook, o amigo vem cobrar a conta 15 anos depois.
Oh Dae-su é um falastrão. Está bêbado e retido numa delegacia, na noite de aniversário de sua filha, esperando pela chegada de seu amigo Joo-Hwan. Após várias horas e o pagamento de fiança é liberado. Oh Dae-su chama à esposa de um telefone público para explicar o acontecido. Quando Joo-Hwan pega o telefone, Dae-su desaparece no meio da noite chuvosa, deixando caídas as asas de anjo que comprara de presente para a filha.
Desde esse dia, fica preso por mais de 15 anos sem a menor explicação. Dae-su nasceu em 1963. Frequentou a escola secundária católica de Sangnok, da qual saiu em 1979. Tornou-se um pequeno empresário. Casado, tinha uma filha, Yeun-Hee. Com os anos tornou-se obeso e alcoólatra. Seqüestrado e confinado, sem nenhuma explicação, a uma espécie de quarto, Oh Dae-su fica alí por tempo indeterminado e incomunicável. A incomunicabilidade é enlouquecedora. Mais enlouquecedora ainda seria a pena. Ele não sabe, mas ficaria preso por 15 anos, sendo alimentado apenas por bolinhos fritos. Suas tentativas de suicídio era contidas com a introdução de gases alucinógenos pelo sistema de ventilação. O contato com o mundo externo é feito apenas através de uma televisão, por onde sabe que sua esposa tinha sido assassinada e que de sua filha se encarragava uma família adotiva. Ele era o principal suspeito do crime.
Um dia Dae-su é subitamente posto em liberdade no último andar de um prédio. Quando ele é liberado, ele é vestido com roupas caras. No alto do prédio há um homem suicida. Ao caminhar pela rua, um desconhecido lhe dá um celular. Ao sair da prisão era um homem revoltado que busca explicações.Ele sente fome e vai a um restaurante local, onde ele encontra a jovem chef Mi-do, que o leva para sua casa e em poucos dias começam um romance. Ela o ajuda a descobrir o porquê de sua retenção e quem era o responsável por sua kafkaniana situação. Tudo ainda parece onírico, ainda, mas Dae-su com a ajuda de Mi-do localiza o restaurante, e por ele o paradeiro de sua prisão. Os dois acabam por se envolverem amorosamente. Dae-su, então, tortura o diretor de informação para obter as gravações de seu raptor, que revelam pouco ou quase nada de sua identidade. Nessa busca, há uma cena interessante, quando os capangas do diretor de informação do cativeiro atacam a Dae-su. Toda a luta se parece a um desses jogos de video-game. Muito bem sacado e irônico nesse contexto do roteiro.
Um homem chamado Woo-jin revela-se algoz de Dae-su e o instrui por telefone que descubra seus motivos para mantê-lo em cativeiro por tantos anos. Woo-jin é aquele amigo que vem cobrar a conta...
Dae-su descobre que Woo-jin e ele freqüentaram a mesma escola e se lembra da relação Woo-jin com sua irmã, Lee Soo. Dae-su, espelhara propositalmente o boato de que os irmãos mantinham uma relação incestuosa. Espalhou o boato antes de se transferir para outra escola em Seul. Durante a peregrinação de Dae-su, Woo-jin mata Joo-Hwan, amigo de infância de Dae-su por este ter insultado sua irmã numa conversa telefônica devidamente grampeada – que havia se suicidado assim que os primeiros sinais da gravidez precoce apareceram.
Dae-su finalmente encontra Woo-jin em seu apartamento. Este lhe dá um álbum de fotos. Dae-su folheia o álbum com retratos de sua própria filha. Ele vê sua filha crescer nas fotos, até descobrir Mi-do. Woo-jin, revela que os eventos em torno Dae-su foram orquestrados com toques de hipnose para provocar Dae-su e Mi-se a cometessem o incesto. Horrorizado, Dae-su implora a Woo-jin para esconder o segredo de Mi-do. Rasteja. Pede perdão, antes de cortar a própria língua como prova de seu sacrifício, oferecendo-a a Woo-jin como um símbolo de seu silêncio. Woo-jin concorda em poupar Mi-do – que naquele instante se encontra sob a guarda de capangas. Ele então telefona para que os capangas a libertem deixando-a em seu apartamento. Sozinho, remoído pela culpa de ter participado no suicídio da irmã – da mesma forma que Dae-su participara na do suicida do alto do prédio -, Woo-jin atira na própria cabeça.
Esgotado, Dae-su se senta num lugar ermo e coberto de neve. Faz um estranho acordo com uma hipnotizadora, para que esta o faça esquecer do segredo. Ela lê uma carta com os fundamentos do esquecimento. Começa o processo de hipnose. Horas depois, Dae-su desperta. A hipnotizadora já se foi. Ele anda sobre a neve. Encontra Mi-do, que diz lhe amar. Eles se abraçam. O filme acaba e não se sabe se Dae-su lembra-se ou não do segredo. Filmaço.
Mas o diretor Park Chan-wook tem outras armas.
Em Sympathy for Lady Vengeance um pequeno coro vestido de Papai Noel espera na saída de uma prisão pela jovem Lee Geum-ja, recém-reformada. Ela tinha sido condenada 13 anos atrás pelo assassinato da menor Won-mo. (corta). O caso, mostrado na televisão, tinha provocado uma comoção nacional, devido à sua pouca idade no momento do assassinato, e a sua aparência inocência. A pena fora reduzida por sua transformação espiritual. Mas isso era apenas uma cortina de fumaça para deixar a prisão.
O crime tinha sido praticado quando ela tinha apenas 19 anos. O país inteiro estremeceu com sua pouca idade e com a brutalidade com que o crime, e os métodos perversos com que fora praticado. Mas o que impressionou mais, foi sua beleza. Alguns diziam que ela se parecia com Olivia Hussey, a Juliete da ópera de Franco Zeffirelli. Um diretor sem escrúpulos disse que tinha planos para filmar a estória de Lee Geum-ja, criando uma reação imediata nos meios de comunicação.
Quando sai da prisão, ela se dirige ao pai, que lhe oferece uma torta de tofú como símbolo de que ela não voltaria a pecar. (corta). Por uma série de flashbacks, sabe-se do processo de arrependimento da moça, dentro da prisão. (corta). Ela derruba a torta de tofú no chão e diz, em coreano, para que o pai fosse tomar no cú, ou enfiasse a torta no orifício supra referido – as legendas em inglês não deixam claras as intenções da moça. O que fica claro é que Lee Geum-ja não está arrependida, que aquele papo de Jesus é pura balela e que ela não vai deixar essa estória barata para com aqueles que a puseram ali. (corta). O filme começa.
Lee Geum-ja era inocente, mas confessa o crime pois o verdadeiro assassino, Sr. Baek, sequestrara sua filha ameaçando matá-la. Na prisão, Geum-ja, com seu comportamento angelical, faz sólidas amizades, chegando a doar um rim para uma detenta, que mais tarde seria assassinada por ela. Em liberdade condicional, Geum-Ja imediatamente visitas outras detentas em liberdade condicional, cobrando favores que incluem abrigo e armas. Distancia-se, assim cada vez mais da imagem criada no cativeiro. Passa a usar salto alto e sombra vermelha nos olhos. Mas por outro lado, também começa a trabalhar numa confeitaria local, onde se torna uma especialista em tortas,sob a tutela de um chef que lhe oferecera trabalho na prisão.
Ao investigar sobre o paradeiro da filha, descobre que ela foi adotada por pais australianos. Jenny, agora um adolescente, não fala coreano. Após convencer sua família a deixá-la voltar para Seul, Jenny segue Geum-ja ao redor da cidade e com ela planeja sequestrar o Sr. Baek, com a ajuda da esposa, outra ex-presidiária. Baek, agora tragicamente, é professor de ensino fundamental e descobre que Geum-ja está em liberdade. Aterrorizado, contrata capangas para emboscar Geum-ja e Jenny. Na luta, Geum-ja mata dois bandidos, enquanto na outra cena Baek cai desacordado devido às drogas que sua esposa colocou em sua comida.
Geum-ja quer matar Baek ali mesmo em sua casa. Entretanto, descobre uns penduricalhinhos de criança presos a seu celular. Uma pequena esfera de âmbar chama sua atenção. Lembra que esta era a mesma de Won-mo. Então associa estes objetos ao modus operandi de Baek e percebe que estes são lembranças das vítimas, deduzindo que Baek é um assassino em série.
Ela o aprisiona. Contacta o detetive do caso Won-Mo, e, juntos, eles se infiltram em apartamento Baek e descobrem gravações em VHS da tortura e assassinato das crianças.
A partir desse momento o filme dá uma virada sensacional.
Geum-ja e o detetive entram em contato com os pais das vítimas e os conduzem para uma escola abandonada na periferia de Seul. Mostram as fitas nas salas de aula. Um por um cada pai desaba em desespero. O grupo, então, delibera sobre o destino do Baek. Decidem coletivamente assassiná-lo. E no sótão da escola encontra-se Baek, que pode escutar todo o teor do julgamento. Vestindo capas de plástico e portando uma variedade de armas - que no jargão legal pode-se dizer - perfuro-contudas.
Todos esperam numa sala, uma ante-sala. Um a um, tendo previamente sorteada a ordem de entrada, entra e dá uma estocada em Baek tomando o devido macabro cuidado para não matá-lo, já que há pessoas na fila ainda. A última pessoa, uma avó, mata Baek com a tesoura de sua neta assassinada.
Ao final, hirtos, perfilados, com a câmera pelas costas, posam para uma foto tirada pelo detetive. Assim que o flash detona, todos caem em pranto amparando-se mutuamente. O grupo assume um pacto de jamais revelar o que se passou ali e enterram Baek.
Geum-ja, o investigador, e os pais vão no meio da noite para a confeitaria, onde Geum-ja serve-lhes uma torta. Um dos momentos mais emocionantes nos três filmes, talvez um pequeno delize de Park Chan-Wook, é quando começam a cantar involuntariamente um parabéns a você pelo aniversário coletivo para seus filhos falecidos. Uma cena sem dúvida de profunda delicadeza. Filmaço.
O Fla-Flu surgiu quarenta minutos antes do nada
[FLAMENGO SESSENTÃO Manchete Esportiva, 26/11/1955 .Nelson Rodrigues. A Sombra das Chuteiras Imortais]
Straight, No Chaser
Thelonious Monk: Straight, No Chaser é um documetário de 1998 produzido por Clint Eastwood e dirigido por Charlotte Zwering, uma mulher envolvida desde longa data com jazz e com o círculo de Miles Davis. Este é um dos grandes documentários que assisti nas últimas semanas. Conta a história de um dos maiores pianista de jazz americano da segunda metade do século XX. O primeiro do ano. Literalmente o primeiro. Guardei-o com carinho por todo Dezembro para assisti-lo no primeiro dia do ano.
Mostra um Monk o tempo todo enigmático. Na maior parte do tempo simpático, aprazível, mas ao mesmo tempo profundamente reservado e introspectivo. Um tipo difícilmente definível nas poucas palavras de um blog, num artigo ou numa biografia de 1000 páginas. Em se tratando de qualquer outro asunto que não fosse música, era um cidadão lacônico. Como se a única coisa que o motivasse fosse a música. Mas era um tipo espirituoso ao extremo. Certa vez, ensaiando num estúdio de NY, Count Basie observava-o atentamente. Monk terminou o ensaio e a caminho de casa com outros músicos disse, “Aquele babaca ficou me olhando o tempo todo, Sabe o que farei quando ele tocar? Vou ficar olhando para ele sem parar.” Os amigos nunca sabiam se ele estava realmente irritado ou fazendo troça. Noutra ocasião, um reporter, numa turnê na inglaterra pergunta-lhe que tipo de música Monk escuta. Ele reponde que escuta todo tipo de música. O reporter insiste. “Mr. Monk do you hear country music?” Monk fica calado. Não responde. O reporter insiste. “Mr. Monk do you hear country music?” Monk vira para um dos músicos perto dele e diz, pô, já respondi a pergunta, acho que esse otário não escuta.
Por sua economia verbal, era difícil para músicos, para os amigos e para as relações sociais em geral perceberem os sinais de esquizofrenia que rondavam sua personalidade há tempos. No documentário, seu biografo Leslie Gourse, autor de Straight, No Chaser: The Life and Genius of Thelonious Monk, afirma que no final da década de 70, Monk simplemente passou a recurar-se tocar. Abriu apenas uma exceção problemática para uma turnê em Londres. O grupo composto por Dizzy Gillespie, pelo grande saxofonista Sonny Sitt - que chegou a influenciar Coltrane - , e pelo Art Barkley, ficou meio irritado nos dias anteriores da estréia com Monk, já que este não liberava as partituras para o show. Chegaram a embarcar para a turnê, uma semana antes, sem as tais cifras. Todos já contavam com um fracasso brutal. Acabaram sendo conseguidas acidentalmente pelo produtor que as copiou pessoalmente e as distribuiu para a trupe. Em toda a turnê, apesar do entrondoroso sucesso, Monk não disse uma palavra. Era o começo do fim.
Assim que decide parar, Monk é internado num hospital psiquiátrico. Os diagnósticos são muitos. Esquizofrenia, bipolaridade, depressão maníaca... nada definia sua excêntricidade, sua rodadinha antes de sentar ao piano, seus câmbios bruscos de humor, seu olhar perdido ao conversar com o filho – aliás um momento emocionante do doc, quando T.S. Monk fala do pai. Assim que sai do hospital passa a viver com a baronesa Koenigswarter. Relação supostamente platônica. Monk, com o conhecimento da mulher, já tinha uma estória meio enrolada com a Baronesa Nica de Koenigswarter, herdeira dos Rothschilds, desde os anos 50, quando ela recém separada de um diplomata americano, retornara da Europa e se estabelecera em NY frequentando a noite jazzística. Fora ela quem supostamente cuidara de Charlie Parker nas últimas deste, e com Monk, se responsabilizara pela posse de substância estupefaciente, mais conhecida como pau podre, quando a poliça os pegou. Os músicos de NY precisavam de uma carteirinha de autorização para tocar em New York City. Músico de jazz era alvo fácil. Qualquer criminal record era uma dor de cabeça para qualquer músico, pois a tal carteirinha caía na malha da burocracia puritana. Nica de Koenigswarter assumiu a culpa e livrara a cara de Monk.
Fora das Margens
Programa de Rádio de Ophir, um de meus amigos mais talentosos. Arranjador e maestro, Ophir estuda piano desde os 5 anos de idade e recentemente teve aulas - e brigas - com Michael Finnissy. Está terminando um doutorado na University of Southampton, já passou pelo The Royal Conservatory em Haia e pela The Guildhall School of Music and Drama in London. Em todo o caso, na minha opinião, não precisa de vida acadêmica para nada. Está muito bem onde está, transmitido seu programa de rádio via internet e produzindo composições sem parar, ultrapassando o limite da margem do papel. Na última vez que nos vimos, em Bruxelas, o cara sentou ao piano e tocou música brasileira a noite toda. Literalmente, pois deixamos o bar as seis da manhã, quando o cruzamento do santo do Sinatra com o Fred Astaire baixou num inglês magricela e narigudo que resolveu nos alugar, bravos biriteiros. Só para constar, as preferências do Ophir vão de Jacques Brel, Montiverdi e Sibelius a Tom Jobim - evidentemente -, Tom Zé - para ele um gênio - e Egberto Gismonti.
Stella
Peace, I thinke that some giue eare;
Come no more, least I get anger.
Blisse, I will my blisse forbeare;
Fearing, sweete, you to endanger;
But my soule shall harbour there.
Philip Sidney
Pão e Sonhos
O Financial Times celebrava no caderno de artes os 50 anos de Vertigo – que realmente, é uma das melhores coisas feitas pelo Hitchcock. Na mesma reportagem Nigel Andrews, FT's chief film critic, faz um texto muito mal costurado ligando o lançamento de Vertigo com o lançamento nos EUA do Man on Wire, documentário que mostra a façanha de do francês Philippe Pettit, que cruzou as torres gêmeas do World Trade Center, em 1974, andando sobre uma corda. Na reportagem, o distinto cidadão, diz que o documentário é a imagem espelhada de um presente ao Vertigo.
Com tempo livre para assistir 3 bons docs. Fui assistir a dois documentários do Manuel de Oliveira ( O Pão e o Pintor e a Cidade), e o tal Man on Wire:
Em O Pão (1959, 29 minutos), Manuel de Oliveira mostra o esforço dignificado do homem para produzir o pão, num ciclo que se inicia com a semeação, fecundação, nascimento do trigo, a colheita, o “debulhar o trigo, recolher cada bago do trigo”, ensacamento, transporte do grão, moagem industrial, panificação moderna, distribuição e consumo do pão. Enfim, “forjar no trigo o milagre do pão, e se fartar de pão.” Oliveira, mostra o papel do homem em cada etapa do fabrico do pão, desde a semente até à distribuição. A idéia de que há uma comunicação entre indivíduos afastados no espaço e no tempo, mas que comungam, sem saber, de único elemento: um grão de trigo.
Um documentário que inicia com a imagem de um casamento, simples, sem pompa, de dois componeses. O foco - nas mão brutas e incultivadas do trabalho do cultivo da terra. O corte - para o arado, puxado por um cavalo, sulcando a terra e novamente o foco na mão esquerda do homem, já com a aliança e retornando ao trabalho. A narrativa – feita de imagens encantadoras, como as do moinho meditando àgua em grão e pó, a mulher velha escondendo as medidas de farinha na massa do pão que amassa, na cidade, o menino invejando a vitrine de sonhos, açúcares e cremes, e o padeiro vendendo o pão de porta em porta. Imagens que ainda faziam sentido nos anos 60 e 70 no Brasil.
Um documentário, apesar de extremamente etnográfico, mostrando pelo que indica o sotaque dos diálogos o norte de Portugal, um tratamento sensível, muito poético e com uma oblíqua crítica ao Salazarismo – mas posso estar enganado. Assisti a essa versão curta, predileta do diretor, que termina exatamente com o regresso da semente à terra. Um novo ciclo se inicia: “Afagar a terra, conhecer os desejos da terra, cio da terra, a propícia estação, e fecundar o chão”
Os filmes do Manuel de Oliveira mostram uma superação de nossa trivialidade, revelam que enquanto nos preocupamos em ter expectativas irreais sobre o Homem, enquanto tentamos nos armar de uma ilusão deslumbrante, carente de percepção, sobre o que nos rodeia, percebemos a assombrosa farsa da incompreensão. Por isso ele faz filmes simples, sobre gente simples.
O documentário mostra a actividade fluvial no Rio Douro, na zona ribeirinha da sua cidade natal. Este filme seria o primeiro documentário entre várias primeiras obras que abordariam, de um ponto de vista etnográfico, o tema da vida marítima da costa de Portugal. É especial pois é o primeiro feito em cores pelo diretor. Além disso o som e os ruídos da cidade – altísssimo, as vezes - são quase um elemento autônomo dentro do filme. Uma coisa quase que separada das imagens. Uma espécie de desdobramento, uma sucessiva divisão do olhar que o acto de filmar representa. Algo que encontramos muitas vezes no Win Wenders. Ou seja, repensar a origem daquele ruído e juntá-lo novamente, reconciliando som e imagem.
Man On Wire, muitíssimo diferente dos anteriores, é um doc ótimo. Um dos destaques do festival Sundance 2008, dirigido por James Marsh. É um documentário onde beleza e loucura giram em torno de um sonho que se tornou real. Friamente falando, Philippe Petit parece um lunático que encontrou um monte de outros divertidos maconheiros confessos, para realizar um sonho: caminhar na corda bamba, no topo dos 110 andares, que ligava as torres gêmeas World Trade Center nos idos de 1974.
Marsh vai pouco a pouco construindo a imagem de Philippe Petit como um homem obstinado pelas cordas, que após fazer caminhadas sobre corda na catedral de Notre Dame, em Paris e sobre uma ponte em Sidney, na Austrália, resolveu que World Trade Center seria o seu objetivo maior. Diga-se de passagem, o diretor, abusando de triangulações na narrativa, de idas e vindas ao passado, uso de imagens e jornais da época, consegue mantê-la firme até o final. Começa contando a infância de Philippe Petit e sua compulsão por escaladas, quando as torres se tornaram para ele um objeto de obsessão desde que viu pela primeira vez - ainda quando não haviam sido construídas - numa propaganda de revista na sala de espera do dentista. Passa ao encontro com as figuraças que o ajudariam a se infiltrar e introduzir as cordas e os cabos, no prédio. E termina mostrando que após uma noite insone, aconteceu finalmente a travessia: oito idas e vindas, policiais putos da vida não vendo a hora de pôr as mãos naquele francês maluco que os provocava, ajoelhando-se, deitando-se e fazendo sinais para deleite da patuléia que assistia petrificada lá embaixo. Acho que qualquer americano levemente instruido que assistir a esse filme, deixará por alguns momentos de pensar nos dias do fim do WTC - tema no qual o doc não toca em nenhum momento.
Who's Afraid of the Big Bad Wolf?
Talvez “Who's Afraid of Virginia Woolf?” junto a “Sunset Boulevard,” "Street Car Named Desire" e “Cat on a Hot Tin Roof” sejam na minha opinião os quatro melhores filmes onde o cenário econômico e intensidade dramática levam à obra cinematográfica o poder e a riqueza que somente no palco poderiam traduzir.
Em Who's Afraid of Virginia Woolf?, George (Richard Burton) e Martha (Elizabeth Taylor) estão casados e, ao contrário ou igual a outros casais, se odeia mutuamente. Ele é um professor de história alcoólatra, e ela, uma mulher frustrada e dominante, é filha do president da universidade onde George leciona. Por tantos anos juntos, numa longa convivência diária, conhecem seus pontos fracos e os usam para esgaçar o resto que resta de uma relação que encontra o equilíbrio nessa mesma tumultuada e instável violência a que se expõem no cotidiano quase selvagem.
O filme começa com a saída de uma festa, a altas horas. Ambos bêbados retonando para casa, rindo alto e soltando frases desconexas na escuridão. Uma vez em casa Martha diz a George que convidara um jovem casal recém chegado à universidade, Nick (George Seagal) e Honey (Sandy Dennis), para o último drink em sua casa. Nick é um professor de biologia que Martha pensa se tratar de matemática. Nesse momento, ainda bebendo mais, inicam um jogo de sedução, perversidade e violência que torna esse filme intenso e impresionantemente teatral.
Tal jogo é permeado pelos “Fun and Games”. Através deles Martha descarga toda a sua ira contra a passividade doméstica e a falta de entusiasmo profissional de George. Ataca-o em seus pontos mais vulneráveis, na sua falta de ambição social, na sua inabilidade em usar as cartas que tinha disponiveis como genro do president para ter uma carreira ascendente e meteórica dentro da universidade onde leciona.
Martha: ...De fato, ele é leve ... FLOP! Não passa de um...grande...FLOP!
[Quebra! Imediatamente depois do FLOP! George quebra uma garrafa de uisque no bar...]
George [quase chorando]: Eu disse para parar, Martha.
Martha: Espero que esta garrafa estivesse vazia, George. Você não gostaria de disperdiçar uma boa garrafa de àlcool...não com o seu salário.
Esse diálogo levinho se dá na presença dos convidados.
Algo que dá muita dramaticidade ao filme é o fato de que durante todo o filme, não se sabe se em decorrência do efeito do àlcool, ambos dizem a verdade ou não, pois após essa crise, que se inicia com a confissão de Martha a Honey sobre o filho do casal que vive longe – um peça chave na trama - , George vai para fora sozinho. Nick o segue numa tentativa de consolá-lo. Então Nick confessa a George sobre a gravidez psicológica de Honey e sobre toda a dificuldade de Honey engravidar, enquanto George conta a história de um menino que atira e mata sua mãe acidentalmente e enquanto aprende a dirigir mata seu pai num acidente de carro - sendo internado num sanatório. Esse é outro ponto chave da história, pois para George esta era uma história real, enquanto para Martha essa era um história que seu pai lera quando George aoresentara-lhe os manûscritos e proibira a publicação caso quisesse se casar com sua filha e lecionar na universidade.
Numa das cenas seguintes, Martha descreve George como o jovem personagem de uma novela influenciado pela personalidade dominadora do pai. Martha sugere que seu pai é o pai morto carcaterizado na novela e imita a voz de George em falsete num suposto diálogo deste com seu pai que proibira a circulação dos manuscritos “....but Sir, it isn't a novel at all...this really happened...to me!"
Nesse momento Nick faz uma conexão entre a história contada no jardim por George e a realidade. Se fosse verdade a versão de Martha, então George mentira para Nick – após este em tom de confissão revelar detalhes sobre a gravidez histérica de sua mulher que seriam usados contra ele mais a frente. Se a versão de Martha fosse real, então talvez o sanatório fosse uma metáfora para a vida miserável que George levava ao lado de uma Martha desequilibrada e instável.
Numa das cenas seguintes, Martha descreve George como o jovem personagem de uma novela influenciado pela personalidade dominadora do pai. Martha sugere que seu pai é o pai morto carcaterizado na novela e imita a voz de George em falsete num suposto diálogo deste com seu pai que proibira a circulação dos manuscritos “....but Sir, it isn't a novel at all...this really happened...to me!"
Nesse momento Nick faz uma conexão entre a história contada no jardim por George e a realidade. Se fosse verdade a versão de Martha, então George mentira para Nick – após este em tom de confissão revelar detalhes sobre a gravidez histérica de sua mulher que seriam usados contra ele mais a frente. Se a versão de Martha fosse real, então talvez o sanatório fosse uma metáfora para a vida miserável que George levava ao lado de uma Martha desequilibrada e instável.
A cena não se resolve e George parte para o ataque a Nick. George começa a usar a metáfora de um rato que bebe brandy imodestamente e vomita constantemente ao se referir a Honey, uma mulher apagada, muito magra e sem atrativos físicos, o que leva a George questionar o interesse sexual de Nick por Honey. Ela, nauseada, sai de cena para vomitar. Então Martha seduz Nick em frente a George, humilhando-o. George reage de maneira branda, como se aquilo não fosse novo no jogo entre os dois, como se já estivesse no script, e diz, Estou na página cento e.... .
Saem, vao todos para um bar. Martha volta com Nick e Honey prostrada no banco de trás. George chega a casa, vê o carro vazio, Honey dormindo no banco de trás e vultos na janela do quarto: Nick e Martha na penumbra.
Martha concretiza, ou tenta concretizar o sexo com um jovem completamente bêbado. George arromba a porta, os sinos da porta badalam. Não tem coragem de subir. Chora do lado de fora da casa. George tem uma idéia. Instantes mais tarde, após Martha revelar a Nick que ama somente a George, este toca a porta e traz flores dizendo “flores para los muertos”, e desafiando Nick a trazer sua mulher para o jogo final... "Bringing Up Baby."
George e Martha supostamente tem um filho. Ambos contam histórias do filho. Martha centraliza a cena contando detalhes sobre o nascimento do filho, sobre sua maneira natural de nascer, enquanto George comeca a recitar o Requiem em latim e contradiz cada frase de Martha. Ela se desespera prevendo que a verdade sobre o filho pudesse ser revelada.
George então revela que o filho tinha sido morto naquela noite quando Martha começou a falar deles. Aparentemente este era um pacto entre eles: não falar do filho para estranhos. George e Martha criaram esse filho de maneira imaginária e George disse que matou o filho por Martha ter falado dele para outros. O filme termina com George cantando "Who's afraid of Virginia Woolf?" para Martha, enquanto esta responde, eu, George... eu tenho.....
Nota. Interessante. Esse filme que deu o segundo oscar a Elizabeth Taylor por uma interpretação magistral é de 1966. Taylor aparece na primeira cena da porta se abrindo, e focalizando os rostos de Burton e dela, quase que irreconhecivel. Burton com 41, aparece degradado já pelos sinais do alcool. Ela com apenas 34 anos está gorda e envelhecida aparentando pelos menos dez anos a mais. Para nos darmos conta da transformação, este filme foi lançado apenas três anos mais tarde de Cleopatra e seis de Buterfield 8 - se é que me faço ser entendido.
Musica do Dia. Me Acalmo Danando - Angela RoRo
Nota. Parece que Gabriel terá companhia...
Meus 15 anos em New Orleans
É alegre a natureza? Impotente dizem.
Autor de livros já clássicos como o Citzens, ambientado no seio da Revolução Francesa, Schama, com sua eloquência característica, tomou o devido cuidado na época de afastar Luis XVI, Necker, Maria Antonieta, do centro das atenções, fazendo-os coadjuvantes de um processo muito mais interessante que via nos sans-culottes e em boa parte do Terceiro Estado a construcção de novos valores nunca antes elaborados. Através do conceito de cidadania, resgata da revolução o poder da crônica e embrulha de presente para os historiadores um problemão: se para a História não existe Verdade, o que limita um historiador dar à crônica um valor histórico – duzentos e tantos anos depois da Revolução.
Neste documentario, especificamente, ele tambem usa as margens para explicar a ligacao entre arte e hitoria. Baseia sua apresentacao num livro homônimo muito interessante já traduzido para o português. Na verdade, The Power of Art é baseado num livro que foi pensado para ser exibido na BBC, e elege oito artistas como representantes específicos de uma época que ao retratarem um objeto aparentemente inexpressivo ou uma paisagem intuitivamente familiar revelam através destes, valores de uma cultura, de um tempo e lugar: Caravaggio, Bernini, Rembrandt, David, Turner, Van Gogh, Picasso e Rothko. No documentário não fica clara justificativa da escolha por este ou aquele artista, mas pouco importa, pois sua erudição e a elegância do ordenamento de suas idéias é tanta - e tão simplificadamente exuberante - que o melhor mesmo é ficar calado, admirado, pasmo.
Ele fala por exemplo da verdadeira obsessão dos românticos por elementos da natureza como rochas, montanhas, fins de tarde, mares revoltos, e de como as escolhas das cores influenciavam na profundidade da recepção de suas obras de arte. Ontem foi a vez de Joseph Mallord William Turner, pintor inglês, que teve dentre seus quadros mais representativos, na visão de Schama, o retrato da tragédia de um naufrágio negreiro nos mares caribenhos: The Slave Ship: Slavers Throwing Overboard the Dead and Dying, Typhoon Coming On.
A tragédia do navio Zong, ocorrera, na verdade em 1780, quando seu capitão, vendo uma tempestade se aproximar, toma a decisão de se livrar de parte da carga de escravos, que tragicamente seria lançada ao mar.
No caso específico deste pintor, Schama dá algumas pistas de sua metodologia na escolha dos autores. Schama afirma que Turner era um pintor caracteristicamente de estúdio, que raramente pintava, in loco. Essa escolha, associada a suas leituras da tradução de 1840 da THEORY OF COLORS de Goethe, sugere que havia na sua arte uma elaboração muito mais profunda, condicionada, porém refletida, que fazia de seus quadros não apenas uma forma de fruição romântica, mas uma conexão entre sequências históricas e emocionais. Havia também um aspecto político, pois 1840 era o período onde os debates em torno da proibição do tráfico negreiro foram mais intensas e antecipando as pressões para a aprovação do Bill Aberdeen em 1845.
Enfim, mais um grande documentário. E que venha Rothko!
http://www.pbs.org/wnet/powerofart/?campaign=pbshomefeatures_5_simonschamaspowerofart_2007-07-24
Das Leben der Anderen
O filme de Florian Henckel von Donnersmarck é um dos melhores filmes que vi nos últimos tempos. O roteiro é muito bom e a direção tem um toque muito evidente de sensibilidade e atenção aos detalhes humanos.
Na década de 1980 o comunismo já não andava bem das pernas, mas a Alemanha Oriental buscava mater o controle sobre seus cidadãos através de um retrógrado sistema de vigilância e inteligência. O capitão Anton Grubitz busca a todo custo ser promovido em sua carreira. Para isso tenta se achegar aos influentes círculos políticos com o intuito de usar o medo palpável que todos sentiam pelo tanto que desconheciam. Numa espécie de fins nobres justificando os meios perversos dá ao fiel subordinado, Gerd Wiesler, a missão de coletar evidências contra o dramaturgo Georg Dreyman e sua namorada, a atriz Christa-Maria Sieland.
Georg Dreyman ama Christa-Maria Sieland que é uma atriz bem sucedida, apaixonada e insegura. As ansiedades da jovem são controladas a base de las famosas pain killers, memedinhos que servem para controle da dor e que dão um barato só se tomados com regularidade. Para conseguir as pilulas, controladas pelo Estado, a pobre Christa torna-se amante do ministro Bruno Hepf – por acaso, chefe do nosso Anton Grubitz que sabe bem que num lugar onde não há progresso econômico nem dinheiro, informação privilegiada e prestígio podem abrir muitas portas. A coisa muda de figura quando Christa decide terminar seu caso com o figurão do governo. Evidentemente, Bruno Hepf não deixaria barato. Entra em cena, então, o sempre laborioso e prestativo capitão Anton Grubitz que passa a perseguir a moça e exigir dela uma delação, acusando o namorado escritor de traição ao regime. E ela o faz.
Como se vê, um filme onde é difícil formular juizos de valor já que todos são delicadamente movidos por paixões e interesses, inclusive os bonzinhos e sensiveis como o escritor Georg Dreyman – interpretado canastrão Sebastian Kock - que só resolve questionar o regime quando seu amigo dissidente, oprimido pelo ostracismo e pela depressão, se suicida. E assim mesmo, vamos ser sinceros, em proveito proprio. Sem duvida, classificar os personagens é dificil. Florian Henckel von Donnersmarck, como confirmou no Goethe-Institut/DC antes do Oscar, criou varios finais para o filme - inclusive o do encontro de Georg Dreyman com Gerd Weisler, descartado, obviamente, para nao apelar ao sentimentalismo barato. Por isso mesmo, nem mesmo o vilão Gerd Weisler escapa da sensibilidade do von Donnersmarck. So que na mao inversa.
Gerd Weisler, interpretado pelo excelente Ulrich Muhe - que até lembra um pouco o Foulcault - , encarregado de vigiar a casa de Dreyman com equipamentos que deixariam o Gene Hackman – no The Conversation – com complexo de inferioridade, é um tipo exemplar. Profissional acima de qualquer suspeita, amante do regime, patriota exemplar... até que passa a ver na alteridade de Georg Dreyman uma alternativa às suas angústias e ansiedades, passando assim a protegê-lo – omitindo e adulterando relatórios para Anton Grubitz.
Gerd Weisler é, sem dúvida, um tipo e vilão incômodo, digamos assim, encantador....
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