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2012, a eternidade, a amizade e outras vagas noções da vida

 
Hamlet disse: Give thy thougths no tongue, Nor any unproportioned thought his act. Be thou familiar, but by no means vulgar. Those friends thou hast, and their adoption tried, Grapple them to thy soul with hoops of steel.

Pois então, duas dessas grandes amizade que que gostaria de agarrar, tal como queria o príncipe da Dinamarca,  à minha alma com mãos de aço:

Um é Thiago de Mello, a quem tive o imenso prazer de conhecer em Manaus e com quem passei uma tarde impressionante falando de poesia, Machado de Assis, Flaubert, Balzac e sobre uma infinidade de detalhes do Estatuto do Homem, dos detalhes de sua amizade com Bandeira e Neruda, e Miró e Benedetti... Thiago de Mello,  que um dia em Silêncio e Palavra escreveu... Estimo o velejar fácil de barca singrando o rio sem qualquer ânsia de porto. No singrar já se compraz. Em 2013, se a vida e o trabalho me derem um descanso, prometo injuriar a eternidade e visitar Thiago em sua casa na selva, nem que seja por um fim de semana.

Outro é o inigualável Simão Pessoa, com quem tive a honra, o prazer e a ajuda das Moiras, de trabalhar - além de derrubar hectolitros de Red Label em rodas de poetas e sindicalistas. Autor de quem Millôr um dia escreveu... Livro sincero, a começar pelo título. Um prêmio a quem encontrar uma linha politicamente correta. Obra-prima do gênero. Dei uma gargalhada por página... Assim é Simão, um homem que como todo o grande gozador é um cara sério. Para tanto se você colocar o ouvido direito no seu peito de Simão, ouvirá nitidamente uma grande algazarra. São vozes do Marques de Sade, Jacques Munier, Ovídio, Nabokov... pô Nabokov com certeza, vai quase prestidigitar as páginas do Diário de Dom Rigoberto do Vargas Llosa, orquestrados na clave daquele biriteiro que bebe ao nosso lado em qualquer botequim da vida... isso, claro, quem frequenta esses tipos de lugares, entenderá de que autores eu falo.

 
Música do dia: Fly me to the Moon. Do disco It Might as Well be Swing de Frank Sinatra and Count Basie, arranjado por Quincy Jones.

Who's Camus Anyway

Filme Who’s Camus Anyway é um filme surpreendente.  Retrata a dinâmica de uma comunidade de jovens que vivem da árdua tarefa de fazer cinema. O filme se passa nos últimos cinco dias de filmagem que o grupo de estudantes universitários – orientados por um professor - leva adiante. A estória filmada trata de um estudante que é levado a assassinar uma velha pelo simples prazer de matar. A referência implícita a Raskolnikov passa por nossas cabeças, evidentemente, mas não deixa muitas raízes por não importar a estória contada em si, mas a preparação de toda a produção em torno ao filme.

O diretor Mitsuo Anagimachi mostrou sem dúvida o totem de uma experiência insular única que combina nuances das pequenas perversidades da vida acadêmica com a experiência individual dos que trabalham na industria cinematográfica. As experiências individuais acabam interferindo na dinâmica do filme. Matsukawa é um jovem diretor que respira cinema, mas sua doce e sufocante namorada, que não entende nada de cinema, apenas se preocupa com uma coisa: casar. Ele se nega, pois só se casaria depois de realizar uma grande obra. Yukari, a namorada obsessiva, diz que se o pegar com outra mulher o mata, e chega a aventar a hipótese de colocar seu esperma num banco – e ele diga-se de passagem aceita com a condição de que ela lhe dê o dinheiro para comprar um Final Cut Pro, um desses softwares de edição da vida. Os companheiros de filmagem não levam a relação a sério, primeiro por que vêem Matsukawa não como um exemplo maior de fidelidade, e segundo por que enxergam a Yukari como uma cópia xerox de Isabelle Adjani em The Story of Adele H.. O professor Najako, que presta orientação aos pupilos, é um personagem à parte. Fascinado por uma jovem estudante, a quem vê passar todos os dias, é apelidado de Aschenbach pelos alunos, o personagem de Morte em Veneza. Aliás o professor, em sua crise da meia idade, protagoniza uma cena da tão ou mais humilhante que a vivida por Aschenbach no filme de Visconti. Sabendo que um de seus estudantes pendurados por nota, é amigo da menina, manipula para que o rapaz propicie um almoço entre os dois, professor e aluna. No final do almoço, após ser sutilmente humilhado pelo casal – que sugere inclusive um ménage à trois, desde que pudessem ganahar uma bolsa de estudos para Paris - , volta para seu escritório dá pra beber.

O filme nos mostra como um filme de baixo orçamento é feito. Tudo começa pelo orçamento, pela seleção dos atores, pelo set mais barato de filmagem, pelo cenário mais barato...enfim, começa não da estória em si, mas das limitações materiais impostas à produção. É como passar a assistir filmes com essa dimensão que nos daria uma noção muito mais real de como se faz cinema – e que os americanos inverteram em nossas cabeças.

Cada cena do filme parece ter sido pensada cuidadosamente, de forma que nunca se sabe ao certo se uma sequência que começa é do filme em si ou do filme sobre o filme. A própria trilha sonora, dando contorno e impacto a determinadas cenas mais dramáticas, foi capaz de evidenciar o cunho emocional de determiandas cenas. No fundo, as estórias que se imbricam umas com as outras e com a própria estória do filme a ser filmado tornam todo o filme de Mitsuo Anagimachi uma grande tapeçaria de Robert Altman. O hiperrealismo do estranho é de grande importância, por exemplo no impacto emocional causado no protagonista após cada cena em que se entrega de corpo e alma ao papel do personagem encarnado, arriscando perder todo o senso de realidade – coisa pra lá de Stanislavski! É como se os personagens do filme - e do filme filmado – só pudessem sentir a partir do princípio que regia a razão de Meursault, a partir apenas de uma realidade física em si. Daí que nas últimas impressionantes sequências do filme, já não se sabe se estamos assistindo a cena final do filme filmado ou do filme narrado. Por isso, muito bem sacadaa última cena, onde todo o cast limpa o sangue do tapete da sala....

Madama Butterfly

A 17 de Fevereiro, no ano de 1904, no teatro La Scala de Milão, era encenada pela primeira vez a Madama Butterfly. Portanto, lá se vão 107 anos. Na época Puccini fora acusado de repetitivo, já que Cio-Cio-San guarda alguns traços com a Mimi de La Bohème. E pelo que tudo indica parece mesmo que era cópia, pois pelo que andei lendo – minha fonte principal para temas de opera é o velho e mal traduzido História das Grande Operas de Ernest Newman - Puccini, ao longo da vida, fez inúmeras modificações no enredo. Dizem até as más línguas, nas interenétis da vida, que a ópera original era ruim mesmo, mas como não vi o dilúvio, quem sou eu para duvidar dos sobreviventes?

Bom, assim como LaBohème, a nossa Madama é uma ópera popular. Mas nem por isso deixa de ser um ótimo entretenimento para terça-feira à noite, pois a obra combina todos os bons elementos que uma ópera deve ter. Exótica, romântica e trágica,  a estória, base do libreto, foi tirada do conto de John Luther Long e narra as desventuras de uma gueixa japonesa, Cio-Cio-San, que casa com o oficial da marinha americana B.F Pinkerton. Casamento estranhíssimo, ou seja, mais estranho que os normais. Neste, o americano faz um acordo esquisitíssimo onde ele se casa com a moça por 999 anos, com o direito a revogar o contrato a cada mês. Casamento, diga-se de passagem, nulo perante a lei americana. O mais absurdo é que ele tem direito a se casar com a menina de 15 anos ao comprar um imóvel perto do porto de Nagasaki, e a jovem vem como ‘brinde’ intermediado pelo agente imobiliário Goro. Desconhecendo boa parte  dos acordos escusos triangulados por Pinkerton, Goro e Sharpless – Cônsul americano na região – e para provar seu amor por Pinkerton, Cio-Cio-San rompe com a família, converte-se ao cristianismo, e passa a desprezar  a tradição japonesa. Pinkerton por sua vez, ainda no primeiro ato, mostra sua natureza calhorda, expulsando a família da consorte, que não aprova o casamento, admitindo para Sharpless que pretende voltar aos Estados Unidos e arranjar uma esposa americana.

Até o fim do primeiro ato,  percebe-se que Cio-Cio-San, sempre acompanhada pela fiel criada Suzuki, terminou o primeiro ato em maus lençóis literalmente. A gueixa, que virara cristã na esperança de agradar o marido, que simplesmente ignorava ou desprezava – a linha é tênue – sua crença no budismo, passa a ser desprezada pela família, e além de abandonada pelo marido, e tem um filho ao longo da ópera. Ou seja, sendo uma ex-gueixa que decide endireitar na vida, mãe-solteira e apóstata, fica difícil acreditar em que a relação pode dar certo, ainda mais pelo fato de que Pinkerton dá provas mais que suficientes, em suas conversas com o Cônsul americano, Sharpless, de sua mais completa cafagestagem.

No segundo ato, já se passara 3 anos desde a partida de Pinkerton. Neste ato é quando Puccini nos dá praticamente a perspectiva da fibra e do caráter da moça. Butterfly tem um filho de 3 anos, fruto da relação com Pinkerton. Ou seja, como já disse,  ex-geixa, apóstata, renegada pela família e posteriormente pelo marido, e ainda mãe-solteira, o futuro da moça parece não ser nada estável. Com crise de consciência, ou almejando talvez mais um bom negócio, Goro e Sharpless  visitam a moça. Goro, trazendo o principe Yamadori, com a esperança de que ela se case com ele e acabe com aquela angústia da espera por algo que pode nunca alcançar. E Sharpless a visita de posse de uma carta de Pinkerton. Tal a emoção da moça ao escutar a leitura da carta, interrompendo-o a todo o momento, que Sharpless não consegue terminar a carta com todos os trágicos detalhes do eventual retorno do amigo marujo a Nagasaki. Remoído pelo remorso, Sharpless interrompe a leitura, sofrendo antecipadamente pelo destino de Cio-Cio-San. Nesse momento a ópera dá uma virada, em termos de enredo e música.  Nesse contexto é que  uma das  mais belas árias de toda a ópera é executada, Un bel dì vedremo, quando ela, canta sua esperança no retorno de Pinkerton.  Aliás entre o segundo e o terceiro ato há também o dueto Sccuoti quella fronda di ciliegio, cantado por Cio-Cio-San e sua empregada e amiga Suzuki, enaquanto decoram a casa com flores de cerejeiras – muito bonito -; sem esquecer do coro de sussurros Coro a bocca chiusa, que vela a noite em claro de Cio-Cio-San ao escutar os canhões do navio de Pinkerton ao entrar na baía de Nagasaki.

Já no terceiro ato, Pinkerton aparece com a sua mulher americana, e leva o seu filho sob custódia para os Estados Unidos enquanto Cio-Cio-San se  desespera. Ana Maria Martínez, empresta sua voz vibrante e dramática a Cio-Cio-San, enquanto o brasileiro Thiago Arancam interpreta Pinkerton. A regência é de Plácido Domingos, e uma outra novidade da Vanuatu National Opera é a inclusão de um outro brasileiro, Ron Daniels, que estréia como diretor da Companhia. Daniel tem uma longa história de montagens no Brasil e na Inglaterra. No Brasil foi um dos fundadores, junto a Jose Celso Martinez Correa, do Teatro Oficina em São Paulo, e porteriormente trabalhou por anos em Londres na Royal Shakespeare Company.

Enfim, noite de terça-feira, nada de melhor pra fazer, duas opções: ligar a televisão no ABC, ou, Madama Butterfly.

os culpados pela música brasileira ser o que é...


Brasileirinho Encontros do Choro Contemporâneo
Lida - Yamandu Costa
Yamandu Costa + Dominguinhos
Violão Brasileiro - Rogério Souza
Brasilianos 2 - Hamilton de Holanda
Intimo - Hamilton de Holanda

Laranja Mecânica com tofú

Dias atrás, dois chapa, fanáticos por filmes e literatura, e eu, estávamos numa livraria aqui na capital de Vanuatu. Estavamos zanzando pelas estante de DVDs, falando bem e mal de filmes clássicos. Eu podería até dar o nome deles, dos caras, mas acontece que ninguém acreditaria. E ainda me chamariam de mentiroso, maluco e pústula. Enfim, sem tentar cruzar a linha da cabotinagem, vamos aos fatos.

Na livraria, no setor de cds e dvds, os ilustres me indicaram o filme Park Chan-wook, Oldboy. Um deles, me disse que assitira a este filme em Amsterdã, já que tinha sido o roteirista de um dos filmes brasileiros da mostra. Sendo assim tinha direito a escolher, em exibição privada, qualquer filme do festival. Ele escolheu Oldboy. Depois dessa, comprei na mesma hora. E na mesma noite o assisti. O grande problema deste filme é que se trata de uma trilogia altamente viciante. É simplesmente impossível assistir apenas um. Então, obviamente você desesperadamente procurará logo o primeiro filme da série, Simpathy for Mr. Vengence, e o terceiro, Sympathy for Lady Vengeance. Aconselho-o a assistí-los todos no mesmo dia, de outra maneira, assistindo-os em três dias distintos, como foi meu caso, voce terminará a semana no bagaço, pois é simplesmente impossível dormir após tal obra de arte. Repito: obra de arte cinematográfica.

A trilogia é do diretor sul-coreano Park Chan-Wook. Em cada uma das estórias o diretor costura com os fios da vingança, o amor e o ódio desmedidos. Macbeth dizia que “Eles ardem do desejo de vingança, por que seus mais pungentes motivos moveriam até mesmo um eremita ao mais sanguinário e feroz combate.” A frase de Shakespeare, bem podia ser o prólogo da trilogia. Em todos os três filmes, as tramas permeadas sempre pelo desejo de vingança – ou justiça, agora estou confuso - são sofisticadas. No segundo, Oldboy, há além disso intrincadas viradas psicológicas, imagens inteligentes, apoiadas numa estética absolutamente instigante.

Mas vamos por ordem.
Sympathy for Mr. Vengeance trata exatamente desse desejo desmedido de vingança que leva a um pai às últimas consequências para encontrar os assassinos de sua filha.

Ryu, é surdo-mudo e trabalha numa fábrica para sustentar sua irmã doente e que precisa desesperadamente de um transplante de rim. Cansado de ver a irmã padecer, Ryu tenta doar um de seus rins para sua irmã, mas descobre que seu tipo sanguíneo não é compatível com o da irmã, portanto ele não seria o doador adequado. Após ser despedido da fábrica onde trabalhava, Ryu entra em contato com traficantes de órgãos no mercado negro. Concorda em doar um de seus rins e usar sua indenização para comprar um compatível com o de sua irmã. Os traficantes desparecem com o dinheiro, seu rim e a promessa do rm de sua irmã. Por felicidade ou infelicidade, três semanas mais tarde, Ryu descobre através do médico de sua irmã, que encontraram um doador e que a operação custaria o mesmo valor pago aos traficantes de órgãos que desapareceram.

Cheio de lumbago, sem dinheiro, e meio revoltado com a vida, ele e a namorada, Yeong-mi, uma militante anarquista, resolvem sequestrar a filha dono da empresa. O plano é logo abandonado por perceberem que obviamente as suspeitas recairíam sobre eles. Então decidem sequestrar Yu-sol, a filha do amigo do patrão, Dong-jin, outro executivo da fábrica. A menina fica com a irmã de Ryu, mas que desconhece a origem da menina. Concomitantemente ao pagamento do resgate, recolhido por Ryu, a irmã descobre o esquema e se mata. Ryu, com Yu-sol e o corpo de sua irmã, vão para a beira de um rio enterrar a irmã de Ryu. Enquanto chora Ryu, Yu-sol acidentalmente cai em rio e morre afogada.
Horas mais tarde, Dong-jin vendo o corpo da filha, jura vingança. Enquanto isso, Ryu lança-se numa busca desesperada pelos traficantes de órgãos. Dong-jin, investiga a identidade dos sequestradores e encontra Yeong-mi. Tortura-a até a morte. Antes de morrer, além de se desculpar com Dong-ji, Yu-sol adverte-o que ele está jurado de morte pela sua organização. Ryu retorna para ver Yeong-mi. No prédio, descobre que a polícia retirou de seu corpo em uma maca. (imagem absolutamente impagável quando Ryu, dentro do elevador, pega na mão de Yeong-mi, atada pelos legistas numa maca).

Ryu vai a casa de Dong-jin. Espera. Tocaia-o. Nada. Na verdade, Dong-jin está na casa de Ryu, esperando-o, com um transformador ligado à fechadura. Ryu chega à casa. Abrea porta e recebe uma descarga. Apaga inconsciente. Dong-jin, em seguida, amarra as mãos e pés de Ryu e leva-o para o rio onde Yu-sol morreu. Leva-o par ao meio do rio, com àgua na altura do peito. Dong-jin reconhece que, apesar de Ryu ser um homem bom, ele não tem escolha e deve matá-lo. (imagem absolutamente impagável quando Dong-jin está cara a cara com Ryu, em seguida mergulha, a camera se afasta, Ryu olha ao redor e não entede o que está passando. Por alguns minutos somente a cabeça de Ryu aparece na superfície do rio. Ryu começa a se debater. Dong-jin mergulhou e cortou-lhe os dois tendões de Aquiles de Ryu. A câmera mostra o corte embaixo d’agua com o sangue jorrando aos borbotões). Dong-jin arrasta Ryu até a margem. Cava. Antes de colocar os corpos cortados do irmão e da irmã mantidos em sacos de lixo, o grupo de Yeong-mi chega. Eles cercam e esfaqueam repetidamente Dong-jin, finalmente cravando a nota em seu peito com uma faca. Se identificam como grupo terrorista do qual Yeong-mi fazia parte. O grupo deixa Dong-jin morrer ao lado de seu carro com as ferramentas e os sacos ensanguetados que ele usou para cortar, desmembrar o corpo de Ryu. A nota, by the way, já aparecera numa cena no início do filme, no cumputador de Yeong-mi. Filmaço.

Oldboy talvez seja o mais incrível dos três. Mas vamos por ordem. Fiquei louco pelo Oldboy quando assiti há duas semanas atrás. Com um roteiro primoroso, Oldboy é o melhor dos três.
Um adendo. Sabe aquele pequeno deslize, aquele vacilo cometido com aquele amigo de adolescência? Todo mundo tem um, pelo menos. Pois é. No universo de Park Chan-wook, o amigo vem cobrar a conta 15 anos depois.

Oh Dae-su é um falastrão. Está bêbado e retido numa delegacia, na noite de aniversário de sua filha, esperando pela chegada de seu amigo Joo-Hwan. Após várias horas e o pagamento de fiança é liberado. Oh Dae-su chama à esposa de um telefone público para explicar o acontecido. Quando Joo-Hwan pega o telefone, Dae-su desaparece no meio da noite chuvosa, deixando caídas as asas de anjo que comprara de presente para a filha.

Desde esse dia, fica preso por mais de 15 anos sem a menor explicação. Dae-su nasceu em 1963. Frequentou a escola secundária católica de Sangnok, da qual saiu em 1979. Tornou-se um pequeno empresário. Casado, tinha uma filha, Yeun-Hee. Com os anos tornou-se obeso e alcoólatra. Seqüestrado e confinado, sem nenhuma explicação, a uma espécie de quarto, Oh Dae-su fica alí por tempo indeterminado e incomunicável. A incomunicabilidade é enlouquecedora. Mais enlouquecedora ainda seria a pena. Ele não sabe, mas ficaria preso por 15 anos, sendo alimentado apenas por bolinhos fritos. Suas tentativas de suicídio era contidas com a introdução de gases alucinógenos pelo sistema de ventilação. O contato com o mundo externo é feito apenas através de uma televisão, por onde sabe que sua esposa tinha sido assassinada e que de sua filha se encarragava uma família adotiva. Ele era o principal suspeito do crime.

Um dia Dae-su é subitamente posto em liberdade no último andar de um prédio. Quando ele é liberado, ele é vestido com roupas caras. No alto do prédio há um homem suicida. Ao caminhar pela rua, um desconhecido lhe dá um celular. Ao sair da prisão era um homem revoltado que busca explicações.Ele sente fome e vai a um restaurante local, onde ele encontra a jovem chef Mi-do, que o leva para sua casa e em poucos dias começam um romance. Ela o ajuda a descobrir o porquê de sua retenção e quem era o responsável por sua kafkaniana situação. Tudo ainda parece onírico, ainda, mas Dae-su com a ajuda de Mi-do localiza o restaurante, e por ele o paradeiro de sua prisão. Os dois acabam por se envolverem amorosamente. Dae-su, então, tortura o diretor de informação para obter as gravações de seu raptor, que revelam pouco ou quase nada de sua identidade. Nessa busca, há uma cena interessante, quando os capangas do diretor de informação do cativeiro atacam a Dae-su. Toda a luta se parece a um desses jogos de video-game. Muito bem sacado e irônico nesse contexto do roteiro.

Um homem chamado Woo-jin revela-se algoz de Dae-su e o instrui por telefone que descubra seus motivos para mantê-lo em cativeiro por tantos anos. Woo-jin é aquele amigo que vem cobrar a conta...
Dae-su descobre que Woo-jin e ele freqüentaram a mesma escola e se lembra da relação Woo-jin com sua irmã, Lee Soo. Dae-su, espelhara propositalmente o boato de que os irmãos mantinham uma relação incestuosa. Espalhou o boato antes de se transferir para outra escola em Seul. Durante a peregrinação de Dae-su, Woo-jin mata Joo-Hwan, amigo de infância de Dae-su por este ter insultado sua irmã numa conversa telefônica devidamente grampeada – que havia se suicidado assim que os primeiros sinais da gravidez precoce apareceram.

Dae-su finalmente encontra Woo-jin em seu apartamento. Este lhe dá um álbum de fotos. Dae-su folheia o álbum com retratos de sua própria filha. Ele vê sua filha crescer nas fotos, até descobrir Mi-do. Woo-jin, revela que os eventos em torno Dae-su foram orquestrados com toques de hipnose para provocar Dae-su e Mi-se a cometessem o incesto. Horrorizado, Dae-su implora a Woo-jin para esconder o segredo de Mi-do. Rasteja. Pede perdão, antes de cortar a própria língua como prova de seu sacrifício, oferecendo-a a Woo-jin como um símbolo de seu silêncio. Woo-jin concorda em poupar Mi-do – que naquele instante se encontra sob a guarda de capangas. Ele então telefona para que os capangas a libertem deixando-a em seu apartamento. Sozinho, remoído pela culpa de ter participado no suicídio da irmã – da mesma forma que Dae-su participara na do suicida do alto do prédio -, Woo-jin atira na própria cabeça.

Esgotado, Dae-su se senta num lugar ermo e coberto de neve. Faz um estranho acordo com uma hipnotizadora, para que esta o faça esquecer do segredo. Ela lê uma carta com os fundamentos do esquecimento. Começa o processo de hipnose. Horas depois, Dae-su desperta. A hipnotizadora já se foi. Ele anda sobre a neve. Encontra Mi-do, que diz lhe amar. Eles se abraçam. O filme acaba e não se sabe se Dae-su lembra-se ou não do segredo. Filmaço.

Mas o diretor Park Chan-wook tem outras armas.

Em Sympathy for Lady Vengeance um pequeno coro vestido de Papai Noel espera na saída de uma prisão pela jovem Lee Geum-ja, recém-reformada. Ela tinha sido condenada 13 anos atrás pelo assassinato da menor Won-mo. (corta). O caso, mostrado na televisão, tinha provocado uma comoção nacional, devido à sua pouca idade no momento do assassinato, e a sua aparência inocência. A pena fora reduzida por sua transformação espiritual. Mas isso era apenas uma cortina de fumaça para deixar a prisão.

O crime tinha sido praticado quando ela tinha apenas 19 anos. O país inteiro estremeceu com sua pouca idade e com a brutalidade com que o crime, e os métodos perversos com que fora praticado. Mas o que impressionou mais, foi sua beleza. Alguns diziam que ela se parecia com Olivia Hussey, a Juliete da ópera de Franco Zeffirelli. Um diretor sem escrúpulos disse que tinha planos para filmar a estória de Lee Geum-ja, criando uma reação imediata nos meios de comunicação.

Quando sai da prisão, ela se dirige ao pai, que lhe oferece uma torta de tofú como símbolo de que ela não voltaria a pecar. (corta). Por uma série de flashbacks, sabe-se do processo de arrependimento da moça, dentro da prisão. (corta). Ela derruba a torta de tofú no chão e diz, em coreano, para que o pai fosse tomar no cú, ou enfiasse a torta no orifício supra referido – as legendas em inglês não deixam claras as intenções da moça. O que fica claro é que Lee Geum-ja não está arrependida, que aquele papo de Jesus é pura balela e que ela não vai deixar essa estória barata para com aqueles que a puseram ali. (corta). O filme começa.

Lee Geum-ja era inocente, mas confessa o crime pois o verdadeiro assassino, Sr. Baek, sequestrara sua filha ameaçando matá-la. Na prisão, Geum-ja, com seu comportamento angelical, faz sólidas amizades, chegando a doar um rim para uma detenta, que mais tarde seria assassinada por ela. Em liberdade condicional, Geum-Ja imediatamente visitas outras detentas em liberdade condicional, cobrando favores que incluem abrigo e armas. Distancia-se, assim cada vez mais da imagem criada no cativeiro. Passa a usar salto alto e sombra vermelha nos olhos. Mas por outro lado, também começa a trabalhar numa confeitaria local, onde se torna uma especialista em tortas,sob a tutela de um chef que lhe oferecera trabalho na prisão.

Ao investigar sobre o paradeiro da filha, descobre que ela foi adotada por pais australianos. Jenny, agora um adolescente, não fala coreano. Após convencer sua família a deixá-la voltar para Seul, Jenny segue Geum-ja ao redor da cidade e com ela planeja sequestrar o Sr. Baek, com a ajuda da esposa, outra ex-presidiária. Baek, agora tragicamente, é professor de ensino fundamental e descobre que Geum-ja está em liberdade. Aterrorizado, contrata capangas para emboscar Geum-ja e Jenny. Na luta, Geum-ja mata dois bandidos, enquanto na outra cena Baek cai desacordado devido às drogas que sua esposa colocou em sua comida.

Geum-ja quer matar Baek ali mesmo em sua casa. Entretanto, descobre uns penduricalhinhos de criança presos a seu celular. Uma pequena esfera de âmbar chama sua atenção. Lembra que esta era a mesma de Won-mo. Então associa estes objetos ao modus operandi de Baek e percebe que estes são lembranças das vítimas, deduzindo que Baek é um assassino em série.

Ela o aprisiona. Contacta o detetive do caso Won-Mo, e, juntos, eles se infiltram em apartamento Baek e descobrem gravações em VHS da tortura e assassinato das crianças.

A partir desse momento o filme dá uma virada sensacional.

Geum-ja e o detetive entram em contato com os pais das vítimas e os conduzem para uma escola abandonada na periferia de Seul. Mostram as fitas nas salas de aula. Um por um cada pai desaba em desespero. O grupo, então, delibera sobre o destino do Baek. Decidem coletivamente assassiná-lo. E no sótão da escola encontra-se Baek, que pode escutar todo o teor do julgamento. Vestindo capas de plástico e portando uma variedade de armas - que no jargão legal pode-se dizer - perfuro-contudas.

Todos esperam numa sala, uma ante-sala. Um a um, tendo previamente sorteada a ordem de entrada, entra e dá uma estocada em Baek tomando o devido macabro cuidado para não matá-lo, já que há pessoas na fila ainda. A última pessoa, uma avó, mata Baek com a tesoura de sua neta assassinada.

Ao final, hirtos, perfilados, com a câmera pelas costas, posam para uma foto tirada pelo detetive. Assim que o flash detona, todos caem em pranto amparando-se mutuamente. O grupo assume um pacto de jamais revelar o que se passou ali e enterram Baek.


Geum-ja, o investigador, e os pais vão no meio da noite para a confeitaria, onde Geum-ja serve-lhes uma torta. Um dos momentos mais emocionantes nos três filmes, talvez um pequeno delize de Park Chan-Wook, é quando começam a cantar involuntariamente um parabéns a você pelo aniversário coletivo para seus filhos falecidos. Uma cena sem dúvida de profunda delicadeza. Filmaço.

Os três filmes são de uma beleza estética impressionante. O uso de grandes closes, enquadramentos ousados, cores fortes bem escolhidas e pequenos efeitos especiais inesperados enfatizam as emoções de uma maneira extremamente elegante e única. O roteiro, absolutamente genial, aliado a uma montagem primorosa, fazem desses filmes algo incomum na história do cinema. A sequência prisão, a vingança e a catarse, estão nos três.

Um capítulo à parte neste último filme é a música totalmente barroca de Jo Yeong-Wook que ilustra a ótica feminina da revanche. E por barroca, entenda-se toda a contradição entre bem e mal, entre os desígnios da Providência e a razão dos Homens, enfim as contradições e os mais pungentes motivos moveriam até mesmo um eremita ao mais sanguinário e feroz combate.

Música do dia. Arvo Part. Spiegel Im Spiegel

O Fla-Flu surgiu quarenta minutos antes do nada

Corria o ano de 1911. Vejam vocês: — 1911! O bigode do kaiser estava, então, em plena vigência; Mata-Hari, com um seio só, ateava paixões e suicídios; e as mulheres, aqui e alhures, usavam umas ancas imensas e intransportáveis. Aliás, diga-se de passagem: — é impossível não ter uma funda nostalgia dos quadris anteriores à Primeira Grande Guerra. Uma menina de catorze anos para atravessar uma porta tinha que se pôr de perfil. Convenhamos: — grande época! grande época! Pois bem. Foi em 1911, tempo dos cabelos compridos e dos espartilhos, das valsas em primeira audição e do busto unilateral de Mata-Hari, que nasceu o Flamengo. * Em tempo retifico: — nasceu a seção terrestre do Flamengo. De fato, o clube de regatas já existia, já começava a tecer a sua camoniana tradição náutica. Em 1911, aconteceu uma briga no Fluminense Discute daqui, dali, e é possível que tenha havido tapa, nome feio, o diabo. Conclusão: — cindiu-se o Fluminense e a dissidência, ainda esbravejante, ainda ululante, foi fundar, no Flamengo de regatas, o Flamengo de futebol. Naquele tempo tudo era diferente. Por exemplo: — a torcida tinha uma ênfase, uma grandiloqüência de ópera. E acontecia esta coisa sublime: — quando havia um gol, as mulheres rolavam em ataques. Eis o que empobrece liricamente o futebol atual: — a inexistência do histerismo feminino. Difícil, muito difícil, achar-se uma torcedora histérica. Por sua vez, os homens torciam como espanhóis de anedota. E os jogadores? Ah, os jogadores! A bola tinha uma importância relativa ou nula. Quantas vezes o craque esquecia a pelota e saía em frente, ceifando, dizimando, assassinando canelas, rins, tórax e baços adversários? Hoje, o homem está muito desvirilizado e já não aceita a ferocidade dos velhos tempos. Mas raciocinemos: — em 1911, ninguém bebia um copo d’água sem paixão. Passou-se. E o Flamengo joga, hoje, com a mesma alma de 1911. Admite, é claro, as convenções disciplinares que o futebol moderno exige. Mas o comportamento interior, a gana, a garra, o élan são perfeitamente inatuais. Essa fixação no tempo explica a tremenda força rubro-negra. Note-se: — não se trata de um fenômeno apenas do jogador. Mas do torcedor também. Aliás, time e torcida completam-se numa integração definitiva. O adepto de qualquer outro clube recebe um gol, uma derrota, com uma tristeza maior ou menor, que não afeta as raízes do ser. O torcedor rubronegro, não. Se entra um gol adversário, ele se crispa, ele arqueja, ele vidra os olhos, ele agoniza, ele sangra como um césar apunhalado. Também é de 911, da mentalidade anterior à Primeira Grande Guerra, o amor às cores do clube. Para qualquer um, a camisa vale tanto quanto uma gravata. Não para o Flamengo. Para o Flamengo, a camisa é tudo. Já tem acontecido várias vezes o seguinte: — quando o time não dá nada, a camisa é içada, desfraldada, por invisíveis mãos. Adversários, juizes, bandeirinhas tremem então, intimidados, acovardados, batidos. Há de chegar talvez o dia em que o Flamengo não precisará de jogadores, nem de técnicos, nem de nada. Bastará a camisa, aberta no arco. E, diante do furor impotente do adversário, a camisa rubro-negra será uma bastilha inexpugnável.
[FLAMENGO SESSENTÃO Manchete Esportiva, 26/11/1955 .Nelson Rodrigues. A Sombra das Chuteiras Imortais]

Straight, No Chaser



Thelonious Monk: Straight, No Chaser é um documetário de 1998 produzido por Clint Eastwood e dirigido por Charlotte Zwering, uma mulher envolvida desde longa data com jazz e com o círculo de Miles Davis. Este é um dos grandes documentários que assisti nas últimas semanas. Conta a história de um dos maiores pianista de jazz americano da segunda metade do século XX. O primeiro do ano. Literalmente o primeiro. Guardei-o com carinho por todo Dezembro para assisti-lo no primeiro dia do ano.

Mostra um Monk o tempo todo enigmático. Na maior parte do tempo simpático, aprazível, mas ao mesmo tempo profundamente reservado e introspectivo. Um tipo difícilmente definível nas poucas palavras de um blog, num artigo ou numa biografia de 1000 páginas. Em se tratando de qualquer outro asunto que não fosse música, era um cidadão lacônico. Como se a única coisa que o motivasse fosse a música. Mas era um tipo espirituoso ao extremo. Certa vez, ensaiando num estúdio de NY, Count Basie observava-o atentamente. Monk terminou o ensaio e a caminho de casa com outros músicos disse, “Aquele babaca ficou me olhando o tempo todo, Sabe o que farei quando ele tocar? Vou ficar olhando para ele sem parar.” Os amigos nunca sabiam se ele estava realmente irritado ou fazendo troça. Noutra ocasião, um reporter, numa turnê na inglaterra pergunta-lhe que tipo de música Monk escuta. Ele reponde que escuta todo tipo de música. O reporter insiste. “Mr. Monk do you hear country music?” Monk fica calado. Não responde. O reporter insiste. “Mr. Monk do you hear country music?” Monk vira para um dos músicos perto dele e diz, pô, já respondi a pergunta, acho que esse otário não escuta.

Por sua economia verbal, era difícil para músicos, para os amigos e para as relações sociais em geral perceberem os sinais de esquizofrenia que rondavam sua personalidade há tempos. No documentário, seu biografo Leslie Gourse, autor de Straight, No Chaser: The Life and Genius of Thelonious Monk, afirma que no final da década de 70, Monk simplemente passou a recurar-se tocar. Abriu apenas uma exceção problemática para uma turnê em Londres. O grupo composto por Dizzy Gillespie, pelo grande saxofonista Sonny Sitt - que chegou a influenciar Coltrane - , e pelo Art Barkley, ficou meio irritado nos dias anteriores da estréia com Monk, já que este não liberava as partituras para o show. Chegaram a embarcar para a turnê, uma semana antes, sem as tais cifras. Todos já contavam com um fracasso brutal. Acabaram sendo conseguidas acidentalmente pelo produtor que as copiou pessoalmente e as distribuiu para a trupe. Em toda a turnê, apesar do entrondoroso sucesso, Monk não disse uma palavra. Era o começo do fim.

Assim que decide parar, Monk é internado num hospital psiquiátrico. Os diagnósticos são muitos. Esquizofrenia, bipolaridade, depressão maníaca... nada definia sua excêntricidade, sua rodadinha antes de sentar ao piano, seus câmbios bruscos de humor, seu olhar perdido ao conversar com o filho – aliás um momento emocionante do doc, quando T.S. Monk fala do pai. Assim que sai do hospital passa a viver com a baronesa Koenigswarter. Relação supostamente platônica. Monk, com o conhecimento da mulher, já tinha uma estória meio enrolada com a Baronesa Nica de Koenigswarter, herdeira dos Rothschilds, desde os anos 50, quando ela recém separada de um diplomata americano, retornara da Europa e se estabelecera em NY frequentando a noite jazzística. Fora ela quem supostamente cuidara de Charlie Parker nas últimas deste, e com Monk, se responsabilizara pela posse de substância estupefaciente, mais conhecida como pau podre, quando a poliça os pegou. Os músicos de NY precisavam de uma carteirinha de autorização para tocar em New York City. Músico de jazz era alvo fácil. Qualquer criminal record era uma dor de cabeça para qualquer músico, pois a tal carteirinha caía na malha da burocracia puritana. Nica de Koenigswarter assumiu a culpa e livrara a cara de Monk.


Fora das Margens




Programa de Rádio de Ophir, um de meus amigos mais talentosos. Arranjador e maestro, Ophir estuda piano desde os 5 anos de idade e recentemente teve aulas - e brigas - com Michael Finnissy. Está terminando um doutorado na University of Southampton, já passou pelo The Royal Conservatory em Haia e pela The Guildhall School of Music and Drama in London. Em todo o caso, na minha opinião, não precisa de vida acadêmica para nada. Está muito bem onde está, transmitido seu programa de rádio via internet e produzindo composições sem parar, ultrapassando o limite da margem do papel. Na última vez que nos vimos, em Bruxelas, o cara sentou ao piano e tocou música brasileira a noite toda. Literalmente, pois deixamos o bar as seis da manhã, quando o cruzamento do santo do Sinatra com o Fred Astaire baixou num inglês magricela e narigudo que resolveu nos alugar, bravos biriteiros. Só para constar, as preferências do Ophir vão de Jacques Brel, Montiverdi e Sibelius a Tom Jobim - evidentemente -, Tom Zé - para ele um gênio - e Egberto Gismonti.

Stella

Astrophel and Stella

Peace, I thinke that some giue eare;
Come no more, least I get anger.
Blisse, I will my blisse forbeare;
Fearing, sweete, you to endanger;
But my soule shall harbour there.

Philip Sidney

Pão e Sonhos


Sábado. Gabriel em Sad Diego. Manhã de Olimpíadas na tv e leitura preguiçosa, entre um cigarro e outro, dos jornais.


O Financial Times celebrava no caderno de artes os 50 anos de Vertigo – que realmente, é uma das melhores coisas feitas pelo Hitchcock. Na mesma reportagem Nigel Andrews, FT's chief film critic, faz um texto muito mal costurado ligando o lançamento de Vertigo com o lançamento nos EUA do Man on Wire, documentário que mostra a façanha de do francês Philippe Pettit, que cruzou as torres gêmeas do World Trade Center, em 1974, andando sobre uma corda. Na reportagem, o distinto cidadão, diz que o documentário é a imagem espelhada de um presente ao Vertigo.


Com tempo livre para assistir 3 bons docs. Fui assistir a dois documentários do Manuel de Oliveira ( O Pão e o Pintor e a Cidade), e o tal Man on Wire:


Em O Pão (1959, 29 minutos), Manuel de Oliveira mostra o esforço dignificado do homem para produzir o pão, num ciclo que se inicia com a semeação, fecundação, nascimento do trigo, a colheita, o “debulhar o trigo, recolher cada bago do trigo”, ensacamento, transporte do grão, moagem industrial, panificação moderna, distribuição e consumo do pão. Enfim, “forjar no trigo o milagre do pão, e se fartar de pão.” Oliveira, mostra o papel do homem em cada etapa do fabrico do pão, desde a semente até à distribuição. A idéia de que há uma comunicação entre indivíduos afastados no espaço e no tempo, mas que comungam, sem saber, de único elemento: um grão de trigo.


Um documentário que inicia com a imagem de um casamento, simples, sem pompa, de dois componeses. O foco - nas mão brutas e incultivadas do trabalho do cultivo da terra. O corte - para o arado, puxado por um cavalo, sulcando a terra e novamente o foco na mão esquerda do homem, já com a aliança e retornando ao trabalho. A narrativa – feita de imagens encantadoras, como as do moinho meditando àgua em grão e pó, a mulher velha escondendo as medidas de farinha na massa do pão que amassa, na cidade, o menino invejando a vitrine de sonhos, açúcares e cremes, e o padeiro vendendo o pão de porta em porta. Imagens que ainda faziam sentido nos anos 60 e 70 no Brasil.


Um documentário, apesar de extremamente etnográfico, mostrando pelo que indica o sotaque dos diálogos o norte de Portugal, um tratamento sensível, muito poético e com uma oblíqua crítica ao Salazarismo – mas posso estar enganado. Assisti a essa versão curta, predileta do diretor, que termina exatamente com o regresso da semente à terra. Um novo ciclo se inicia: “Afagar a terra, conhecer os desejos da terra, cio da terra, a propícia estação, e fecundar o chão”
Os filmes do Manuel de Oliveira mostram uma superação de nossa trivialidade, revelam que enquanto nos preocupamos em ter expectativas irreais sobre o Homem, enquanto tentamos nos armar de uma ilusão deslumbrante, carente de percepção, sobre o que nos rodeia, percebemos a assombrosa farsa da incompreensão. Por isso ele faz filmes simples, sobre gente simples.

Em O Pintor e a Cidade, (1956, 27 minutos), Oliveira mosta a cidade do Porto através das aguarelas do pintor António Cruz. O artista sai do seu atelier e percorre a cidade e ass imagens reais alternam com as impressões estéticas que o artista vai registando nas suas aquarelas. Supostamente, este é um documentário muito influenciado por Berlim, Sinfonia de uma Cidade de Walther Ruttman, o mesmo que trabalhou com Leni Reifenstahl no monumental Triunfo da Vontade. Oliveira, após assistir ao doc de Ruttman, decidiu fazer um filme desse género sobre a cidade do Porto.


O documentário mostra a actividade fluvial no Rio Douro, na zona ribeirinha da sua cidade natal. Este filme seria o primeiro documentário entre várias primeiras obras que abordariam, de um ponto de vista etnográfico, o tema da vida marítima da costa de Portugal. É especial pois é o primeiro feito em cores pelo diretor. Além disso o som e os ruídos da cidade – altísssimo, as vezes - são quase um elemento autônomo dentro do filme. Uma coisa quase que separada das imagens. Uma espécie de desdobramento, uma sucessiva divisão do olhar que o acto de filmar representa. Algo que encontramos muitas vezes no Win Wenders. Ou seja, repensar a origem daquele ruído e juntá-lo novamente, reconciliando som e imagem.

Por algumas razões pessoais, gostei imensamente do O Pão.

Man On Wire, muitíssimo diferente dos anteriores, é um doc ótimo. Um dos destaques do festival Sundance 2008, dirigido por James Marsh. É um documentário onde beleza e loucura giram em torno de um sonho que se tornou real. Friamente falando, Philippe Petit parece um lunático que encontrou um monte de outros divertidos maconheiros confessos, para realizar um sonho: caminhar na corda bamba, no topo dos 110 andares, que ligava as torres gêmeas World Trade Center nos idos de 1974.


Marsh vai pouco a pouco construindo a imagem de Philippe Petit como um homem obstinado pelas cordas, que após fazer caminhadas sobre corda na catedral de Notre Dame, em Paris e sobre uma ponte em Sidney, na Austrália, resolveu que World Trade Center seria o seu objetivo maior. Diga-se de passagem, o diretor, abusando de triangulações na narrativa, de idas e vindas ao passado, uso de imagens e jornais da época, consegue mantê-la firme até o final. Começa contando a infância de Philippe Petit e sua compulsão por escaladas, quando as torres se tornaram para ele um objeto de obsessão desde que viu pela primeira vez - ainda quando não haviam sido construídas - numa propaganda de revista na sala de espera do dentista. Passa ao encontro com as figuraças que o ajudariam a se infiltrar e introduzir as cordas e os cabos, no prédio. E termina mostrando que após uma noite insone, aconteceu finalmente a travessia: oito idas e vindas, policiais putos da vida não vendo a hora de pôr as mãos naquele francês maluco que os provocava, ajoelhando-se, deitando-se e fazendo sinais para deleite da patuléia que assistia petrificada lá embaixo. Acho que qualquer americano levemente instruido que assistir a esse filme, deixará por alguns momentos de pensar nos dias do fim do WTC - tema no qual o doc não toca em nenhum momento.
Tive a certeza de que a comparação entre Vertigo e Man on Wire foi de uma comparação infeliz do Nigel Andrews, pois em nada se tocam ou assemelham, mesmo espelhados.

Who's Afraid of the Big Bad Wolf?


Talvez “Who's Afraid of Virginia Woolf?” junto a “Sunset Boulevard,” "Street Car Named Desire" e “Cat on a Hot Tin Roof” sejam na minha opinião os quatro melhores filmes onde o cenário econômico e intensidade dramática levam à obra cinematográfica o poder e a riqueza que somente no palco poderiam traduzir.

Em Who's Afraid of Virginia Woolf?, George (Richard Burton) e Martha (Elizabeth Taylor) estão casados e, ao contrário ou igual a outros casais, se odeia mutuamente. Ele é um professor de história alcoólatra, e ela, uma mulher frustrada e dominante, é filha do president da universidade onde George leciona. Por tantos anos juntos, numa longa convivência diária, conhecem seus pontos fracos e os usam para esgaçar o resto que resta de uma relação que encontra o equilíbrio nessa mesma tumultuada e instável violência a que se expõem no cotidiano quase selvagem.

O filme começa com a saída de uma festa, a altas horas. Ambos bêbados retonando para casa, rindo alto e soltando frases desconexas na escuridão. Uma vez em casa Martha diz a George que convidara um jovem casal recém chegado à universidade, Nick (George Seagal) e Honey (Sandy Dennis), para o último drink em sua casa. Nick é um professor de biologia que Martha pensa se tratar de matemática. Nesse momento, ainda bebendo mais, inicam um jogo de sedução, perversidade e violência que torna esse filme intenso e impresionantemente teatral.

Tal jogo é permeado pelos “Fun and Games”. Através deles Martha descarga toda a sua ira contra a passividade doméstica e a falta de entusiasmo profissional de George. Ataca-o em seus pontos mais vulneráveis, na sua falta de ambição social, na sua inabilidade em usar as cartas que tinha disponiveis como genro do president para ter uma carreira ascendente e meteórica dentro da universidade onde leciona.

Martha: ...De fato, ele é leve ... FLOP! Não passa de um...grande...FLOP!
[Quebra! Imediatamente depois do FLOP! George quebra uma garrafa de uisque no bar...]
George [quase chorando]: Eu disse para parar, Martha.
Martha: Espero que esta garrafa estivesse vazia, George. Você não gostaria de disperdiçar uma boa garrafa de àlcool...não com o seu salário.




Esse diálogo levinho se dá na presença dos convidados.

Algo que dá muita dramaticidade ao filme é o fato de que durante todo o filme, não se sabe se em decorrência do efeito do àlcool, ambos dizem a verdade ou não, pois após essa crise, que se inicia com a confissão de Martha a Honey sobre o filho do casal que vive longe – um peça chave na trama - , George vai para fora sozinho. Nick o segue numa tentativa de consolá-lo. Então Nick confessa a George sobre a gravidez psicológica de Honey e sobre toda a dificuldade de Honey engravidar, enquanto George conta a história de um menino que atira e mata sua mãe acidentalmente e enquanto aprende a dirigir mata seu pai num acidente de carro - sendo internado num sanatório. Esse é outro ponto chave da história, pois para George esta era uma história real, enquanto para Martha essa era um história que seu pai lera quando George aoresentara-lhe os manûscritos e proibira a publicação caso quisesse se casar com sua filha e lecionar na universidade.

Numa das cenas seguintes, Martha descreve George como o jovem personagem de uma novela influenciado pela personalidade dominadora do pai. Martha sugere que seu pai é o pai morto carcaterizado na novela e imita a voz de George em falsete num suposto diálogo deste com seu pai que proibira a circulação dos manuscritos “....but Sir, it isn't a novel at all...this really happened...to me!"

Nesse momento Nick faz uma conexão entre a história contada no jardim por George e a realidade. Se fosse verdade a versão de Martha, então George mentira para Nick – após este em tom de confissão revelar detalhes sobre a gravidez histérica de sua mulher que seriam usados contra ele mais a frente. Se a versão de Martha fosse real, então talvez o sanatório fosse uma metáfora para a vida miserável que George levava ao lado de uma Martha desequilibrada e instável.

Numa das cenas seguintes, Martha descreve George como o jovem personagem de uma novela influenciado pela personalidade dominadora do pai. Martha sugere que seu pai é o pai morto carcaterizado na novela e imita a voz de George em falsete num suposto diálogo deste com seu pai que proibira a circulação dos manuscritos “....but Sir, it isn't a novel at all...this really happened...to me!"

Nesse momento Nick faz uma conexão entre a história contada no jardim por George e a realidade. Se fosse verdade a versão de Martha, então George mentira para Nick – após este em tom de confissão revelar detalhes sobre a gravidez histérica de sua mulher que seriam usados contra ele mais a frente. Se a versão de Martha fosse real, então talvez o sanatório fosse uma metáfora para a vida miserável que George levava ao lado de uma Martha desequilibrada e instável.

A cena não se resolve e George parte para o ataque a Nick. George começa a usar a metáfora de um rato que bebe brandy imodestamente e vomita constantemente ao se referir a Honey, uma mulher apagada, muito magra e sem atrativos físicos, o que leva a George questionar o interesse sexual de Nick por Honey. Ela, nauseada, sai de cena para vomitar. Então Martha seduz Nick em frente a George, humilhando-o. George reage de maneira branda, como se aquilo não fosse novo no jogo entre os dois, como se já estivesse no script, e diz, Estou na página cento e.... .

Saem, vao todos para um bar. Martha volta com Nick e Honey prostrada no banco de trás. George chega a casa, vê o carro vazio, Honey dormindo no banco de trás e vultos na janela do quarto: Nick e Martha na penumbra.

Martha concretiza, ou tenta concretizar o sexo com um jovem completamente bêbado. George arromba a porta, os sinos da porta badalam. Não tem coragem de subir. Chora do lado de fora da casa. George tem uma idéia. Instantes mais tarde, após Martha revelar a Nick que ama somente a George, este toca a porta e traz flores dizendo “flores para los muertos”, e desafiando Nick a trazer sua mulher para o jogo final... "Bringing Up Baby."

George e Martha supostamente tem um filho. Ambos contam histórias do filho. Martha centraliza a cena contando detalhes sobre o nascimento do filho, sobre sua maneira natural de nascer, enquanto George comeca a recitar o Requiem em latim e contradiz cada frase de Martha. Ela se desespera prevendo que a verdade sobre o filho pudesse ser revelada.


George então revela que o filho tinha sido morto naquela noite quando Martha começou a falar deles. Aparentemente este era um pacto entre eles: não falar do filho para estranhos. George e Martha criaram esse filho de maneira imaginária e George disse que matou o filho por Martha ter falado dele para outros. O filme termina com George cantando "Who's afraid of Virginia Woolf?" para Martha, enquanto esta responde, eu, George... eu tenho.....

Nota. Interessante. Esse filme que deu o segundo oscar a Elizabeth Taylor por uma interpretação magistral é de 1966. Taylor aparece na primeira cena da porta se abrindo, e focalizando os rostos de Burton e dela, quase que irreconhecivel. Burton com 41, aparece degradado já pelos sinais do alcool. Ela com apenas 34 anos está gorda e envelhecida aparentando pelos menos dez anos a mais. Para nos darmos conta da transformação, este filme foi lançado apenas três anos mais tarde de Cleopatra e seis de Buterfield 8 - se é que me faço ser entendido.

Musica do Dia. Me Acalmo Danando - Angela RoRo

Nota. Parece que Gabriel terá companhia...

Meus 15 anos em New Orleans


Duas noites em New Orleans e o encontro com varios amigos, antigos e novissimos, revigoram qualquer alma.
Na primeira noite, ao lado do Quico e da Luciana resolvemos assitir ao velho Ellis Marsalis Quartet no Snug Harbor. Como o plano inicial era o de jantarmos antes do show, resolvemos andar até encontrar algum restaurante próximo à Frenchmen Street, rua do Snug Harbor. Na caminhada, não encontrávamos um restaurante onde pudéssemos comer sem reserva prévia. Pra piorar, ainda encontramos um híbrido de filósofo e músico com um violão no braço, que tentou me convencer, caminando ao meu lado por mais de seis quadras, que uma SUV é apenas uma manifestação do meu pensamento -pois é, eu sei que quem me conhece dirá que eu mereço coisa até pior.
Um detalhe, para jantar no mais simples po' boy da cidade há de se fazer reserva, coisa que evidentemente não conseguimos nem num dos mais autênticos po' boy da Frenchmen Street, que por acaso não exigia reserva prévia. Neste, o problema não foi o da reserva e sim da proximidade da hora do show. E com fome, resolvemos ir direto para o show.
O que nem o filosofo maluco, nem voodoo caribenho, nem a fome, nem os astros, que tentaram em vão conspirar, sabiam é que todos havíamos viajado milhares de milhas e quilômentros para nos encontrarmos ali, em New Orleans. Acho que velho Marsalis e seu filho perceberam nosso perrengue e fizeram o show que fizeram - e que eu não consigo contar com palavras.
A noite, que começou meio torta, foi fechada com o carinho dos amigos ao redor da mesa de um boteco, comendo um maravilhoso, providencial e insequecível misto quente, iguais aqueles que comíamos quando tínhamos 15 anos.
Na segunda noite, na Royal Street, no Preservation Hall, com o Rodrigo e o Jorge, as coisas não foram diferentes. Uma banda clássica de jazz, que da formação original tinha apenas Joe Lastie na bateria.
Penei um bocado para encontrar a letra dessa canção linda, imortalizada pelo Armstrog e que os velhinhos mandaram na noite de sábado, deixando sem palavras a todos os presentes.

Do you know what it means to miss new orleans
And miss it each night and dayI know
Im not wrong... this feelings gettin stronger
The longer, I stay away
Miss them moss covered vines...the tall sugar pines
Where mockin birds used to sing
And Id like to see that lazy mississippi...hurryin into spring
The moonlight on the bayou.......a creole tune.... that fills the air
I dream... about magnolias in bloom......and Im wishin I was there
Do you know what it means to miss new orleans
When thats where you left your heart
And theres one thing more...i miss the one I care for
More than I miss new orleans
(instrumental break)
The moonlight on the bayou.......a creole tune.... that fills the air
I dream... about magnolias in bloom......and Im wishin I was there
Do you know what it means to miss new orleans
When thats where you left your heart
And theres one thing more...i miss the one I care for
More.....more than I miss.......new orleans

É alegre a natureza? Impotente dizem.




O PBS, Public Broadcasting Service, está transmitindo nas últimas semanas um documentário fantástico sobre arte chamado The Power of Art, apresentado por ninguém menos que um dos mais elegantes historiadores que habita o barulhento, e nem sempre competente, ambiente intelectual americano: Simon Schama.

Autor de livros já clássicos como o Citzens, ambientado no seio da Revolução Francesa, Schama, com sua eloquência característica, tomou o devido cuidado na época de afastar Luis XVI, Necker, Maria Antonieta, do centro das atenções, fazendo-os coadjuvantes de um processo muito mais interessante que via nos sans-culottes e em boa parte do Terceiro Estado a construcção de novos valores nunca antes elaborados. Através do conceito de cidadania, resgata da revolução o poder da crônica e embrulha de presente para os historiadores um problemão: se para a História não existe Verdade, o que limita um historiador dar à crônica um valor histórico – duzentos e tantos anos depois da Revolução.

Neste documentario, especificamente, ele tambem usa as margens para explicar a ligacao entre arte e hitoria. Baseia sua apresentacao num livro homônimo muito interessante já traduzido para o português. Na verdade, The Power of Art é baseado num livro que foi pensado para ser exibido na BBC, e elege oito artistas como representantes específicos de uma época que ao retratarem um objeto aparentemente inexpressivo ou uma paisagem intuitivamente familiar revelam através destes, valores de uma cultura, de um tempo e lugar: Caravaggio, Bernini, Rembrandt, David, Turner, Van Gogh, Picasso e Rothko. No documentário não fica clara justificativa da escolha por este ou aquele artista, mas pouco importa, pois sua erudição e a elegância do ordenamento de suas idéias é tanta - e tão simplificadamente exuberante - que o melhor mesmo é ficar calado, admirado, pasmo.

Ele fala por exemplo da verdadeira obsessão dos românticos por elementos da natureza como rochas, montanhas, fins de tarde, mares revoltos, e de como as escolhas das cores influenciavam na profundidade da recepção de suas obras de arte. Ontem foi a vez de Joseph Mallord William Turner, pintor inglês, que teve dentre seus quadros mais representativos, na visão de Schama, o retrato da tragédia de um naufrágio negreiro nos mares caribenhos: The Slave Ship: Slavers Throwing Overboard the Dead and Dying, Typhoon Coming On.
A tragédia do navio Zong, ocorrera, na verdade em 1780, quando seu capitão, vendo uma tempestade se aproximar, toma a decisão de se livrar de parte da carga de escravos, que tragicamente seria lançada ao mar.

No caso específico deste pintor, Schama dá algumas pistas de sua metodologia na escolha dos autores. Schama afirma que Turner era um pintor caracteristicamente de estúdio, que raramente pintava, in loco. Essa escolha, associada a suas leituras da tradução de 1840 da THEORY OF COLORS de Goethe, sugere que havia na sua arte uma elaboração muito mais profunda, condicionada, porém refletida, que fazia de seus quadros não apenas uma forma de fruição romântica, mas uma conexão entre sequências históricas e emocionais. Havia também um aspecto político, pois 1840 era o período onde os debates em torno da proibição do tráfico negreiro foram mais intensas e antecipando as pressões para a aprovação do Bill Aberdeen em 1845.
Tanto o artista quanto o historiador, suspeito que, na visão de Schama, são seres que resgatam o substrato, as forças históricas inexploradas e inexplicadas que ficaram a deriva ao longo dos séculos, e que através da combinação de erudição e auto-controle crítico expressam em imagens os juizos e valores históricos.... à guisa de uma crônica, talvez.



Enfim, mais um grande documentário. E que venha Rothko!


http://www.pbs.org/wnet/powerofart/?campaign=pbshomefeatures_5_simonschamaspowerofart_2007-07-24






Música do dia: Natura, festa do Interior, Música do Interior, Egberto Gismonti.
O título do post vem do Manoel de Barros

Das Leben der Anderen

The Lives of Others
Foulcault diria que a prática clínica, responsável por seculos pela classificação física e mental dos indivíduos aptos a conviver socialmente, foi e é um poderoso mecanismo de controle social. Já Althusser diria que o tal aparelho ideologico do Estado não funcionaria sem sua parte repressiva, que seria composta pela polícia e pelas forças armadas. Toda essa geração de intelectuais pensou criticamente os contornos do capitalismo e do comunismo de forma a não deixar pedra sobre pedra. O problema é que, mesmo analisando as variantes dos malucos e totalitarios, eles não haviam assistido ao sutil Das Leben der Anderen. Uma pena.

O filme de Florian Henckel von Donnersmarck é um dos melhores filmes que vi nos últimos tempos. O roteiro é muito bom e a direção tem um toque muito evidente de sensibilidade e atenção aos detalhes humanos.

Na década de 1980 o comunismo já não andava bem das pernas, mas a Alemanha Oriental buscava mater o controle sobre seus cidadãos através de um retrógrado sistema de vigilância e inteligência. O capitão Anton Grubitz busca a todo custo ser promovido em sua carreira. Para isso tenta se achegar aos influentes círculos políticos com o intuito de usar o medo palpável que todos sentiam pelo tanto que desconheciam. Numa espécie de fins nobres justificando os meios perversos dá ao fiel subordinado, Gerd Wiesler, a missão de coletar evidências contra o dramaturgo Georg Dreyman e sua namorada, a atriz Christa-Maria Sieland.

Georg Dreyman ama Christa-Maria Sieland que é uma atriz bem sucedida, apaixonada e insegura. As ansiedades da jovem são controladas a base de las famosas pain killers, memedinhos que servem para controle da dor e que dão um barato só se tomados com regularidade. Para conseguir as pilulas, controladas pelo Estado, a pobre Christa torna-se amante do ministro Bruno Hepf – por acaso, chefe do nosso Anton Grubitz que sabe bem que num lugar onde não há progresso econômico nem dinheiro, informação privilegiada e prestígio podem abrir muitas portas. A coisa muda de figura quando Christa decide terminar seu caso com o figurão do governo. Evidentemente, Bruno Hepf não deixaria barato. Entra em cena, então, o sempre laborioso e prestativo capitão Anton Grubitz que passa a perseguir a moça e exigir dela uma delação, acusando o namorado escritor de traição ao regime. E ela o faz.

Como se vê, um filme onde é difícil formular juizos de valor já que todos são delicadamente movidos por paixões e interesses, inclusive os bonzinhos e sensiveis como o escritor Georg Dreyman – interpretado canastrão Sebastian Kock - que só resolve questionar o regime quando seu amigo dissidente, oprimido pelo ostracismo e pela depressão, se suicida. E assim mesmo, vamos ser sinceros, em proveito proprio. Sem duvida, classificar os personagens é dificil. Florian Henckel von Donnersmarck, como confirmou no Goethe-Institut/DC antes do Oscar, criou varios finais para o filme - inclusive o do encontro de Georg Dreyman com Gerd Weisler, descartado, obviamente, para nao apelar ao sentimentalismo barato. Por isso mesmo, nem mesmo o vilão Gerd Weisler escapa da sensibilidade do von Donnersmarck. So que na mao inversa.

Gerd Weisler, interpretado pelo excelente Ulrich Muhe - que até lembra um pouco o Foulcault - , encarregado de vigiar a casa de Dreyman com equipamentos que deixariam o Gene Hackman – no The Conversation – com complexo de inferioridade, é um tipo exemplar. Profissional acima de qualquer suspeita, amante do regime, patriota exemplar... até que passa a ver na alteridade de Georg Dreyman uma alternativa às suas angústias e ansiedades, passando assim a protegê-lo – omitindo e adulterando relatórios para Anton Grubitz.
Finalmente, o que mais atrai no vilão - ao contrário do que repulsa em Georg Dreyman - é seu lado humano, sua capacidade de romper as proprias convicções e de penetrar na mente do suposto traidor do regime, Georg Dreyman, percebendo suas fraquezas, angustias e acima de tudo aprendendo com ele - e com as leituras furtivas de Brecht - a superar a mediocridade de sua trajetória humana, percebendo que se iludira.

Gerd Weisler é, sem dúvida, um tipo e vilão incômodo, digamos assim, encantador....