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CARVALHO CALERO





Título: Carvalho Calero
Dimensões: 9x9cm
Técnica: Xilogravura
Data: Janeiro de 2022

 
Carvalho Calero, um dos maiores intelectuais galegos do século XX, era um homem que ria pouco. Tinha em si uma mistura de timidez e um cuidado meticuloso com sua imagem pública. Talvez o resultado de uma vida, não muito fácil, que tenha lhe ensinado ao comedimento das emoções. Nasceu em  Ferrol, cidade localizada na província da Corunha, em 1910. Cresceu no seio de uma família abastada como o mais velho dos seis irmãos. Perde a mãe, aos oito anos de idade, mas isso não o abala e dedica-se com afinco aos estudos, o que também inclui a língua galega. Chega mesmo a publicar alguns poemas já com 11 anos, quando começam suas tentativas de dramaturgo em duas obras, uma zarzuela e uma comédia em versos.
 
O menino que ri pouco, publica seus primeiros poemas aos 14 anos, na revista Maruxa, em Ferrol, e uma publicação na cidade cubana de Camaguey, por intermédio de um parente próximo, com o pseudônimo de Ílex. E já aos 15 anos, ao ingressar na Universidade de Santiago, para cursar o primeiro ano de Filosofia e Letras e preparatório de Direito, participa no seminário de Estudos Galegos, já com alguns versos publicados no El Correo Gallego.
 
Partimos aqui de uma constatação. A de que a persona do filólogo e intelectual Carvalho Calero é o resultado de um processo de construção social. Passados os anos da puerícia nos primeiros estudos, entra na fase verdadeiramente adulta, de formação do caráter. Envolve-se com o Seminário de Estudos Galegos e já como estudante de Direito, elabora e redige a reforma dos Estatutos da SEG.  
 
O caminho ate aqui é o de um menino que cresce sem mãe, que tem sua formação intelectual na Galiza e deseja ser reconhecido, desde cedo, como escritor. Esse caminho da formação abarca duas dimensões da experiência autobiográfica: Uma associada aos seus processos de identidade e socialização, e outra à edificação dessa sua disposição intelectual internalizada à imagem publica do escritor  -  que alguns gostam de chamar habitus.
 
Aos 18 anos, quando publica Tinitárias, seu primeiro livro de poemas, já está completamente envolvido na política universitária. São anos da contestação contra o Diretório Militar de Primo de Rivera. Publica também seu primeiro poemário em língua galega, Vieiros, em 1931, coincidindo com a conclusão do curso de direito. Mesmo com toda sua produção artística extra-académica e sua militância política, termina o curso com desempenho brilhante.
Neste mesmo período, ajuda a fundar o Partido Galeguista, junto a Castelao, Alexandre Bóveda, Tobio Fernandes, dentre outros. Nesta fase da vida ainda elabora propostas estatutárias para a Assembléia de Municípios e colabora com as publicações de Claridad e Ser, vinculadas à esquerda galeguista.

No mesmo ano, ganha uma vaga de funcionário público na Câmara municipal da sua cidade de nascença, Ferrol, deslocando-se para ela novamente. E em 1933 casa com sua amiga de estudos Maria Ignacia Ramos. Sua militância no Partido Galeguista, no qual foi presidente entre 1934 e 1935 e seu envolvimento com o legalismo Republicano marcou-o nas hostes franquistas. Foi combatente voluntário num batalhão composto por professores e profissionais de educação ligados à UGT. Foi preso no final da Guerra em Andaluzia e condenado por “separatismo”.

Perdeu o emprego e foi preso por dois anos, sendo libertado apenas no ano de 1941, e ainda assim de forma condicional, até à extinção da pena que somente viria em 12 anos. Neste período, aproveitou para estudar alemão e anotar dados para romance Scórpio, bem como A sombra de Orfeu, e para a peça teatral 'Os chefes', que somente publicaria em 1982.  

Mesmo em liberdade, continuou pagando um preço caro pela sedimentação de seus inconformismos. Durante a liberdade condicional, teve sérias dificuldades para conseguir trabalho. Vê-se impossibilitado, por exemplo, de recuperar a sua vaga de funcionário público, sendo obrigado a procurar trabalho como docente no ensino privado. Sem opções profissionais, e sem poder exercer o Direito, desenvolve um intenso labor literário, com os romances A Gente da Barreira, de 1951, e Os senhores da Pena, onde critica o passado da sociedade tradicional galega. Colabora sob o pseudónimo 'Fernando Cadaval' no jornal La Noche, sobre temas históricos e literários ligados a Rosalia de Castro. Para manter a família, deu aulas privadas, em situações de vida muito duras, aliás similares à de Antón Fraguas e Fernández del Riego. Em 1950 muda-se para Lugo, onde residiria pos mais 4 anos até termina seu doutoramento em Madrid com uma tese sobre a literatura galega contemporânea. Neste período, teve a sorte de ser acolhido pelo empresário e filantropo António Fernández no Fingoy, e desde aí, atuar grupo Galaxia. Em 1958 entra na Real Academia Galega e em 1965 torna-se o primeiro professor de galego da Universidade.
 
Neste anos, muda-se para Santiago de Compostela, onde atua como professor de Língua Espanhola e Literatura no Instituto «Rosalia de Castro» e, ao mesmo tempo, como professor na disciplina de Língua e Literatura Galega na Universidade de Santiago, onde em 1972 alcançaria a categoria de catedrático. Tido por alguns como um homem distante com os alunos, porém muito respeitoso, tinha um estilo de aula tradicional. Outros, dizem que era um homem à moda antiga, sempre de terno e maleta, e que ao cruzar uma rua e se deparar com uma mulher, tira-lhe o chapéu, em sinal de respeito.
 
Sua radicalização na defesa linguística, aprofunda-se em Julho de 1975 com um artigo público no jornal La Voz de Galicia onde defende uma normatização reintegracionista do Galego com o Português - o que provoca uma marginalização total de seu nome no meio acadêmico e político galego. Sua leitura do contexto histórico não estava de todo equivocada. Franco morreria em Novembro do mesmo ano, e havia uma real possibilidade de oficialização do idioma da Galiza nos próximos anos, após a morte do tirano, o que viria acontecer com a aprovação do controverso Decreto de Bilinguismo, e do Estatuto da Autonomia da Galiza em 1981.  Entretanto o tempo pressionava para que a luta se apressasse. Faltavam 5 anos para completar 70 anos. E assim atingiria o que naquele momento era a idade regulamentar de aposentadoria, e sabia que a partir daí as articulações políticas e acadêmicas seriam mais difíceis.

Entretanto, mesmo quando ainda atuava na docência acadêmica, sua imagem como intelectual reintegracionista viva arranhada. Prova disso é que quando aparece a Antoloxía da poesía galega actual, preparada pela revista Nordés para Ediciós do Castro, em 1978, Carvalho é incluído entre os 16 autores representados. Entretanto, a despeito do tamanho dos poemas e das opções de diagramação, em número de páginas, Calero ocupa um dos últimos lugares em termos quantitativos. Em um momento em que já era considerado um historiador da literatura galega, catedrático da USC e com inúmeras obras publicadas.
 
Com a aposentadoria, passa a militar por uma defesa da unidade linguística galego-luso-brasileira na Associaçom Galega da Língua, ajudando a fundá-la em 1981. E com isso, consegue jogar a pá de cal no que faltava. Passa a ser excluído de qualquer celebração cultural oficial da cultura galega, frente ao Estado espanhol.
O debate sobre o futuro da língua da Galiza e sua identidade idiomática, situou Carvalho Calero em posição de alvo de uma tosca incompreensão, por parte de seus pares acadêmicos. Com o tempo, aquilo foi se transformando em aberta hostilidade, mesmo por parte de alguns dos seus antigos amigos.
 
Em 1987 publica sua novela auto-biográfica Scórpio, em galego reintegrado, que é recebida com prêmios e críticas elogiosas. Mas já se fazia tarde, pois em 1988 aparecem os primeiros nódulos no pulmão, e entre, tratamentos e o repouso, ainda acha energias para continuar trabalhando até seus últimos dias. Em Janeiro de 1990, já com a doença muito avançada, vai a Ferrol natal, para receber pessoalmente uma homenagem da Câmara Municipal, e vindo a falecer no 25 de março de 1990, não chegando a completar os 80 anos.
 
Sua fortuna crítica, contrasta com sua marginalização. Caluniado e até desprezado, passa sua última década de vida um tanto amargurado com os antigos pares acadêmicos por desprezarem não apenas sua luta mas a do "rexurdimento" de Manuel Murguia, Castelao, Biqueira, Jenaro Marinhas del Valle e muitos outros. Prova disso é que há anos lhe era relegada a homenagem do dia das Letras Galegas. Desde 2005 seu nome vinha sendo aventado, mas silenciado. Em vida, não foi diferente. Teve talvez mais reconhecimento internacional que em sua terra.  Um exemplo simples: foi antes nomeado membro da Academia das Ciências de Lisboa, em 1981, que para fazer parte do Conselho de Cultura Galega - o que aconteceria apenas 3 anos depois. Claro está... sempre existem outras maneiras de ir sendo esquecido pelas beiras.