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Disgrace


David Lurie tem 52 anos, dois divórcios, uma filha que vive no interior, uma vida confortável de um homem de classe média e uma carreira de professor universitário na Technical University in Cape Town numa era pós-apartheid, entre mediana e medíocre. Suas aulas são um mero trâmite burocrático. Seus alunos desinteressados. Seus colegas de trabalho, figuras funcionais que cumprem atividades maquinais: incluindo o preenchimento de atas, presença nas reuniões de departamento, o lançamento de notas e mesmo as demonstrações de amizade. Dentro deste mundo isolado e vazio, Lurie administra sua vida e suas carências da melhor maneira possível. Frequenta uma prostituta todas as quintas-feiras e continua ensinando porque – segundo diz - é assim que ganha a vida; e também porque - com a maior das ironias diz que - aprende a ser humilde em meio à mediocridade.

Em meio a esse mundo artificial, Lurie termina mais um de seus relacionamentos descartáveis. Sua “desgraça” começa justamente quando se apaixona e seduz uma de suas estudantes, sem se proteger das consequências desastrosas desse tipo de relação. Sua perspectiva opaca sobre o mundo encontra nova razão na paixão que sente por Melanie Issaks. Em pouco tempo a relação é descoberta pelo namorado da moça e se torna um agravo. Nesse momento o então mundo de funcionalidade compartimentada, sexo hebdomadário e desinteresse metódico pelas circunstâncias à sua volta rui. O escândalo vem a tona e Lurie passa a ter sua reputação abalada preferindo renunciar a seu posto docente à indulgência.

Rechaçando a falsa moralidade de todos e rechaçado por todos pela sua suposta falta de conduta, após a comissão de ética kafkaniana, formada à guisa inquisitorial, Lurie decide visitar a filha Lucy que vive numa fazenda em Eastern Cape. Lurie ignora os valores e códigos de comportamento do interior pós-apartheid. Despreza a vida campestre. Subestima as opções de sua filha (a plantação, a criação de cães, a desproteção da vida na qual vive), não aprova sua relação homosexual com Helen que a abandonara naquele meio do nada, mas mesmo assim decide passar uma temporada com a filha numa tentativa de resgate de algo. É uma relação estranha. Distanciada. Lucy em momento algum o chama de pai e acrescenta à sua vontade de pai de permanecer ali com uma especie de grande 'whatever.' Mas isso ainda não é o fundo do poço da desgraça. Num certo dia, ele e sua filha são atacados por três homens quando retornam para casa com os cães. São violentados. Ainda que Coetzee omita a palavra 'rape', dá indícios que ambos foram estuprados, mas apenas ele queimado. Quando os bárbaros vão embora, Lurie finalmente descobre o que, tragicamente, aconteceu com sua filha. Pai e filha iniciam, então, um jogo de máscaras, ao omitir a violação de ambos na versão contada à polícia. Confuso, David se revolta, mas logo entende o que a filha quer dizer.

Nesse momento, tendo tendo sido reduzido a um algoz de cães, imagina que a desgraça o persegue, que será uma marca que ele carregará, que será uma punição para quem até então não se abalava por nada, nem mesmo quando viu sua reputação jogada na lama em função de um escândalo sexual. Esse é o momento quando descobre que um dos autores do ataque, Pollux, é do círculo de relações de Petrus, uma espécie de protetor da filha. Nesse momento, desesperado frente à passividade da filha grávida de um estupro, frente convicção da filha em permanecer no mesmo local dos algozes, frente a possibilidade de Lucy se tornar a terceira mulher de Petrus e passar automaticamente ao guarda-chuvas de sua proteção... David Lurie se certifica de que a desgraça talvez o persiga. Coetzee, por sua vez, insinua que ela existe para aqueles que se sentem punidos. De todas as formas, nunca se sabe.