Turner x Turner

Não poderia deixar de terminar este ano sem falar em duas grandes exibições que assisti nesses últimos meses.

A primeira sobre J. M. W. Turner. Movido muito pelo interesse que me despertou o documentario de Simon Schama, que a PBS exibiu ha meses atras e sobre o qual ja falei, fui assistir a essa exibição sobre o pintor da natureza.

Evidentemente, o que menos me chamou a atenção foram os quadros sobre natureza. Fui ansioso pra assitir a suas visões sobre as guerras napoleônicas e a seus trabalhos supostamente visionarios da senilidade. Pessoalmente, esse camadada era um desses tipos resolutos. Filho de um barbeiro e de uma peruqueira - ainda tenho dúvidas se essa palavra existe em português -, era um cara determinado, sem dúvida, e particularmente institucional. Disse certa vez que a Royal Academy of Arts era "institution to which I owe everything." Enfim, não apenas essas contradições ou complementos fizeram dele uma espécie de querido da Royal Academy. Havia também muita técnica sob as cenas que pintava. Ele criou uma linguagem visual rica em associações clássicas. Para isso, buscava suas cenas na História, passagens bíblicas e mesmo na mitologia greco-romana. Mas o que mais o aproximava do Sublime, segundo Schama era a sua colocação da luz em seus quadros.

Alguns quadros impressionam pela riqueza de detalhes. Um deles é o Snow Storm: Hannibal and His Army Crossing the Alps. A cena retratada remonta-se a um fato três séculos antes de Cristo, quando o general cartaginês marchou com suas tropas pelos Alpes, usando, talvez pela primeira vez na história, elefantes como armas de guerra. No quadro, vê-se alguns destes animais passando pelo horizontes. Impressiona o minimalismo.

Outro que me deixou meio sem palavras foi óleo The Temple of Jupiter. Evidentemente não pela grandiosidade do The Battle of Trafalgar - meu preferido -, mas pela perpicácia em perceber que os ingleses poderiam consumir aquele quadro com certa familiaridade. Afinal, os consumidores de arte britânicos na decada de 1810 tinha um gosto político. Se não político, anti-napoleônico, anti-ocupacionista. E nesse The Temple of Jupiter, o britânico médio, empafioso, cara rosada e blasê, sabia que em meio a uma guerra napoleônica, os gregos, ocupados pelos turcos por quatro séculos, eram a metáfora perfeita para que seus contemporâneos britânicos. Afinal, civilização por civilização, a de um francês ou turco, era inferior a de um britânico - para um britânico, obviamente. O mais curioso é que Turner nunca ha via estado na Grécia, e todas as suas imagens tinha sido baseadas em informações de Lord Eligam, que havia estado por lá numa viagem arqueológica.
Enfim, o Edmund Burke, ao introduzir a ideia de Sublime e Belo na obra de arte, poucos anos antes de Turner limpar seus pinceis com a sua tiberitina fedorenta, relacionou o objeto sublime com o poder. Ou seja, Sublime e Belo eram duas coisas completamente difentes, e mais, excludentes mutamente - como a luz e a escuridão. A busca pelo Sublime na obra de arte era, portanto, uma busca de emoções que o horror da escuridão ou a iluminação do incômodo podem trazer ao apreciador de um quadro. Turner sabia que esse tipo de exercício educava a condição da vida burguesa. E percebeu desde cedo que em seus quadros devia imprimir esse incômodo, fosse ele retratanto a atomização do homem frente à força da natureza, ou mostrando o lado obscuro, incerto e confuso da existência.


A segunda exibição, no mesmo National Galery, era sobre Edward Hopper. Mas dessa tenho que falar com calma, quando voltar, em janeiro.

Música do dia. I've got the world on a string. Frank Sinatra

Tropa de Elite


Acabo de assistir ao filme Tropa de Elite do Jose Padilha. Sinceramente, o que segura esse filme é realmente a produção impecável (protagonista e antagonista bem claros e em campos distintos; cortes rápidos; cenas de ação rápidas e entrecortadas; a franquia de gritos, violência e força física para a resolução de problemas; palavrões; e um ambiente noir das vielas das favelas do Rio).
No geral, o filme parece um 'faroeste' macunaimico de argumento simples, onde tudo é narrado em primeira pessoa, por um dos personagens, o Capitão Nascimento. Não sei se são meus olhos míopes, mas nisso há também uma pitada dos filmes noir clássicos, onde o protagonista conta a estória, mas não necessariamente termina vivo. Enfim, o José Padilha soube compor bem oportunismo com técnica.

Quanto ao conteúdo - verdadeiro cerne de toda a polêmica que envolve o filme -, achei sensacionalista e apelativo. Primeiro por que mostra com muita demagogia e algum proselitismo o que todos querem ver, ou fingem que não querem constatar. Usa uma linguagem didática demais para que todos os que querem e que não querem, possam entender quem realmente é o bandido, o mocinho e o herói. Ninguém está acima do bem e do mal mas o herói ironicamente se distingue (não para mim!) dos demais mortais, não é não? É só assitir. Está lá. Não carece de argumento.
E não é que em algumas partes lembram um pouco o maniqueismo de alguns filmes do John Ford... pois afinal é muito claro quem é o Liberty Valance e o John Wayne da parada que vai garantir o sono do João Paulo II - um mote que acaba se perdendo no resto da estória, não sei bem se por esquecimento dos roteiristas, negligência da edição, ou por incompetência do infeliz do Ali Agca, que 'capou' o tiro e acabou deixando aquela missão dificílima para o tal do Capitão Nascimento.

Nessa acomodação de conveniências entre o que o público espera assitir e o que a mídia tem a oferecer, o filme me deixou decepcionado. Principalmente por que o documentario anterior de Jose Padilha, chamado Onibus 174, era infinitamente superior em qualidade e argumento que este filme atual e polêmico - e não querendo ser má língua, me cheirando a caça níquel bravo, como já havia sido o Cidade de Deus.

Ler podia ser mais fácil...

Andei coletando frases sobre como é o ato de escrever. Encontrei de tudo um pouco. Mas vindo de quem vem, nunca se sabe se há estupidez minimalista ou dúvida pontiaguda nas frases abaixo.


"Escrever é fácil: você começa com uma letra maiúscula e termina com um ponto final. No meio você coloca idéias." (Pablo Neruda)
"É preciso escrever o mais possível como se fala e não falar demais como se escreve." (Sainte-Beuve)
"O ato de escrever é a arte de sentar-se numa cadeira." (Sinclair Lewis)
"Somos todos escritores. Só que uns escrevem, outros não." (José Saramago)
"Escrever é ter coisas para dizer." (Darcy Ribeiro)
"Perdoe-me, senhora, se escrevi carta tão comprida. Não tive tempo de fazê-la curta." (Voltaire)
"Reescrevi 30 vezes o último parágrafo de 'Adeus às Armas' antes de me sentir satisfeito." (Ernest Hemingway)
"Uma história se conta, não se explica." (Jorge Amado)
"Escrevo para que meus amigos me amem ainda mais." (Gabriel García-Márquez)
"Escrever é um ato de liberdade." (Martin Amis)
"Escrever é uma forma de a voz sobreviver à pessoa." (Margaret Atwood)
"De escrever para marmanjos já me enjoei. Bichos sem graça. Mas para crianças um livro é todo um mundo." (Monteiro Lobato)
"Quando alguém pergunta a um autor o que este quis dizer é porque um dos dois é burro." (Mário Quintana)
"Existem três regras para escrever ficção. Infelizmente ninguém sabe quais são elas." (W. Somerset Maugham)
"O autor escreve apenas metade de um livro. A outra metade fica por conta do leitor." (Joseph Conrad)
"Corrigir uma página é fácil, mas escrevê-la, ah, amigo! Isso é difícil." (Jorge Luis Borges) "Escrever não é fácil ou difícil, mas possível ou impossível." (Camilo José Cela)
"Eu escrevo como se fosse salvar a vida de alguém. Provavelmente a minha própria vida." (Clarice Lispector)
"Uns escrevem para salvar a humanidade ou incitar lutas de classes, outros para se perpetuar nos manuais de literatura ou conquistar posições e honrarias. Os melhores são os que escrevem pelo prazer de escrever." (Lêdo Ivo)
"Escrever é sacudir o sentido do mundo." (Roland Barthes)

Camilo Pessanha

"Branco e vermelho"

A dor, forte e imprevista,
Ferindo-me, imprevista,
De branca e de imprevista
Foi um deslumbramento,
Que me endoidou a vista,
Fez-me perder a vista,
Fez-me fugir a vista,
Num doce esvaimento.

Como um deserto imenso,
Branco deserto imenso,
Resplandecente e imenso,
Fez-se em redor de mim.
Todo o meu ser suspenso,
Não sinto já, não penso,
Pairo na luz, suspenso...
Que delícia sem fim!

Duas Síndromes

Síndrome, segundo um dicionário sem vergonha que tenho em mãos, é uma reunião de sinais e sintomas que ocorrem em conjunto e que caracterizam uma doença ou uma perturbação. Alguns sintomas podem até causar espanto e inquietação, como os sinais que antescedem fome, gripe forte, tristeza, ciúme, sono, gozo, amor, só para citar alguns, pois nos fazem sentir mais vulneráveis, por nos nivelar por baixo.

Dois males vem me atacando desde meus vinte e poucos anos. São, nominalmente, primeiro o da insônia, e segundo, um muito pior, que me assola toda a vez que leio uma passagem exemplar de literatura, o da inveja. São sintomas, evidentemente, de algo mais profundo, já diria o Lacan .

Não deveria dizer que sempre senti uma certa admiração e ponta de inveja da frase perfeita, da passagem exemplar, da sabedoria e astúcia contida numa passagem, que certos escritores encontram como a um Graal. A esse mal, com os anos, se somou uma asfixiante sensação de que tudo que escrevo ou penso já foi dito por alguém. Não é nada, não é nada, isso paralisa, dá um tremendo mal-estar, e pode até influir nas inúmeras noites de insônia. O Harold Bloom chamou isso de angústia da influência, ou algo parecido, para exemplificar que tudo que se escreveu no século XX já estava impresso nos clássicos canônicos das eras passadas, desde antes da era cristã. Achei ótimo ele ter dito isto e menos mal ele tê-lo dito, mesmo sabendo que sua sacada não resolve em nada meu problema insolúvel.

Pelo menos, reconhecer e aprender a conviver com esses sintomas, que pode levar anos para ser detectado, já é meio caminho para se chegar a algum lugar. Mesmo que para uns, esse dia e esse lugar nunca cheguem.



O Rubem Fonseca, em seu romance “Diário de um Fescenino”, dá uma explicação para a paralização, e as inúmeras vozes que o autor pode assumir na narrativa, sem necessariamente ser ele quem fala. A Síndrome de Zuckerman, vale lembrar, é um mal que ataca tanto ao escritor como ao leitor no sentido de achar que aquilo que o personagem fala é erroneamente o que o autor pensa. Ontem, lendo a Wonder Boys, me deparei com uma passagem onde o protagonista Gray Tripp, que sofre de um bloqueio criativo, compara a seu livro inacabado, de mil seiscentas e tantas páginas, ao Ada de Nabokov, dizendo com certa arrogância que o leitor é ensinado a ler sua obra a medida que se interna nela. Quem diz isso é Grady Tripp e não Michael Chabon.

Em todo o caso a passagem do Rubão contempla todas essas inquetações.

“(...) Vila-Matas, o espanhol, fala da síndrome de Bartleby, um sintoma mórbido de inspiração melvilliana que paralisa os escritores, fazendo-os renunciar à literatura. Eu não me incomodaria de sofrer dessa doença que acomete tanto de meus colegas, fazendo-os desistir de escrever. Se sofresse tal enfermidade não seria vítima de uma síndrome ainda pior, que ataca os leitores: a de Zuckerman. É horrível sofrer os efeitos de uma doença que está no organismo dos outros. Fui o primeiro a dar um título a esse mal, que sempre atormentou os escribas. Zuckerman é um personagem de Philip Roth que decide escrever um livro. Quando o livro é publicado, o inferno de Zuckerman começa. Os leitores, ao se encontrarem com ele, fazem-lhe as piores acusações: Zuckerman, como você foi dizer aquela coisa horrível da sua santa mãe, Zuckerman, você é um homem mau, chamar o seu melhor amigo de ladrão; Zuckerman, você é um nojento, nunca pensei que fosse capaz de fazer aquelas coisas... Os leitores acreditavam que o personagem do livro era o alter ego do autor e que tudo que ele dizia no seu livro se aplicava a ele e aos seus amigos e parentes, era o seu universo. (Roth descreveu a doença mas, na verdade, sempre demonstrou que estava cagando para os que acreditavam ser ele o alter ego de seus personagens. Porém, são raros os escritores que pensam assim.) Todo leitor padece desse mal, mesmo aquele que tem como profissão a crítica literária. Alguns escritores fortalecem essa concepção, como Joseph Brodsky ao afirmar que a biografia de um escritor está nos seus livros, ou Hermann Hesse em seu delírio onfalópsico, ou Goethe com sua teses de que os livros são fragmentos de uma grande confissão. Se a minha biografia está apenas nos meus livros, considerados, como disse um crítico, um repertório imundo de depravações, perversões, degradações, imoralidades repugnantes, serei muito mal interpretado. A biografia de um escritor pode estar nos livros, mas não conforme a visão simplista dos zuckermanianos. Fernando Pessoa disse: o que eu sou é terem vendido a casa Isso é parte importante da biografia completa de Pessoa, terem vendido a casa. Ele era poeta, os poetas, esses grandes filósofos, falam verdades. Nós, ficcionistas, falamos verossimilhanças.
Escrevo sempre na primeira pessoa, o que facilita a visão zuckermaniana que fazem de mim. Os autores sempre procuraram maneiras de se esconder. Bakhtin fez essa demonstração no início do século XX, ao propor uma distinção entre textos monológicos, denominados pela voz mais ou menos oculta do autor, e textos dialógicos, diante dos quais o autor não toma partido. Muitos romancistas, principalmente os ficcionistas dos séculos XVIII e XIX, escreviam sempre na terceira pessoa e, quando queriam contar algo com personagens e situações “estranhas”, usavam truques como abrir o livro descrevendo uma reunião em determinado lugar, um clube, uma estalagem, um restaurante, uma casa, e nesse lugar um personagem, quase sempre identificado com uma inicial apenas, pede a palavra e relata a história. Ou seja, nem mesmo como narrador onisciente clássico o escritor queria estabelecer um vínculo entre ele e o personagem malcomportado. Passava a bola para outro personagem, que mesmo assim não falava na primeira pessoa, usava um derradeiro testa-de-ferro para contar a história. Choderlos de Laclos, ao publicar “Ligações Perigosas” (1782), deixara um alto posto no Exército francês para trabalhar com o poderoso duque de Orléans, o homem mais rico da França, primeiro príncipe de sangue, um liberal conhecido como “Felipe-Igualdade”. Porém Laclos, não obstante tivesse as costas quentes, cercou-se de cuidados. Seu livro — que ele esperava “fizesse escândalo e fosse comentado depois de sua morte” — começa com uma pseudo-advertência do editor: “Acreditamos que o autor, embora pareça haver procurado a verossimilhança, tenha-a destruído ele próprio, estouvadamente, pela época em que situou os acontecimentos a que deu publicidade. Efetivamente, muitos dos personagens que pôs em cena têm tão maus costumes que é improvável supor hajam vivido em nosso século, neste século de filosofia, em que as luzes por toda parte espalhadas, tornaram, como todos sabem, tão honestos os homens e tão modestas e reservadas as mulheres”. Laclos, não satisfeito em defender o texto desse romance epistolar, preserva-se também pessoalmente e acrescenta, agora num “prefácio do redator”: “Encarregado de organizar a correspondência, só pedi como paga a permissão para podar tudo o que me parecesse perfeitamente inútil; e procurei, com efeito, conservar tão-somente as cartas que se me afiguravam necessárias, tanto à inteligência dos acontecimentos como ao desenvolvimento dos personagens”. Essa, Laclos insiste em dizer, foi toda sua participação na obra. “Minha missão não ia além”. Ou seja, ele se distanciava do livro, os leitores chocados acreditariam que ele nada tinha a ver pessoalmente com o que fora dito.


Flaubert, em pleno século XIX, sabendo que o discurso indireto livre que usava para distanciar o autor das plavras e dos pensamentos do personagem não era suficiente — os especialistas afirmam, por exemplo, que a voz do Sénécal, de “Educação sentimental”, é a voz de Flaubert, inferência que ele não queria que fosse estabelecida —, criou este raciocínio astuto: “Madame Bovary c´est moi”; ele era aquela mulher adúltera e sonhadora da província, forçando-nos a estabelecer a conclusão lógica de que o seu personagem, como todos os outros, era uma criação da imaginação do autor, i.e., era o autor, não o seu alter ego, o seu substituto perfeito. Kierkegaard, que aliás assinou a maioria dos seus livros com pseudônimos, diz na abertura do “Diário de um sedutor” que aquele livro foi encontrado por acaso numa gaveta. Os leitores, assim, não suporiam que ele, Kierkegaard, que tanto prezava a pureza da sua alma, era o Johannes que escrevia aquelas cartas apaixonadas para Cordélia. Eu poderia dar dezenas de exemplos, mas não, esta elucubração já está longa demais. (...)”

O Michel Chabon fala de uma tal de Síndrome de Mal da Meia Noite. Esta ataca essencialemente ao escritor. Vou tentar uma tradução do que ele quis dizer....

Quando fui aluno desse homem [o professor de literatura em Coxley] quando comecei a indagar-me se os literatos não sofrem de alguma variedade de desequilíbrio mental, desequlibrio que, pensando naquele trepidante balanço noturno de Albert Vetch [escritor, professor de literatura inglesa em Coxley, que vivia no hotel de propriedade de sua avó na Pensilvânia], denominei de O Mal da Meia-Noite. Este Mal é uma insônia de origem emocional. O doente se sente a todo o momento – ainda que somente trabalhe pelas manhãs e pelas tardes – como se estivesse fechado num quarto asfixiante, com as janelas abertas e um céu cheio de estrelas e aviões de carreira e escutando o ruido de uma ambulância, o zumbido de uma mosca encurralada numa garrafa vazia, enquanto todos os vizinhos dormem. Este é um motivo pelo qual, na minha opinião, os escritores – tal como aqueles que sofrem de insônia – são tão propensos a sofrer acidentes, se sentem obsessivamente corroídos por uma espécie de câncer do azar, da má sorte e das oportunidades perdidas, tendo por isso tanta disposição a dar mil voltas nas coisas, a divagar, sendo incapazes de deixar de pensar em algo que ronde a cabeça por mais que lutem contra isso.”

L’Eclisse

L’Eclisse é um filme de 1962 e faz parte da trilogia L'Avventura (1960) e La Notte (1961).

Um das coisas mais importantes nos filmes de Michelangelo Antonioni é a naturalidade com que trata do tema da ausência de afetos, do distanciamento das relações humanas, pela ausência de diálogos. Como ele mesmo costumava a dizer, gostava de contar o filme por imagens. Tanto em Blow up quanto no L´Eclisse – que assisti ontem pela primeira vez graças ao santo netflix - , as marcas do distanciamento entre os personagens exalam um certo sentimento negativo, onde se constata a insistência no vazio das coisas cotidianas. Talvez isso se deva ao excesso de imagens impreganadas de uma fotografia belissima, sem dúvida, mas sem muitos diálogos. Nessa insistência do filme contado por imagens, as personagens são ligeiramente desequilibradas e meio que intencionalmente insensíveis. No L´Eclisse basta atentar no ambiente que rodeia os personagens tanto de Monica Vitti - filha bem criada por uma mãe especuladora da bolsa - como de Alain Delon – um materialista ambicioso, admnistrador de fundos, e corretor da bolsa.

Tanto Pietro como Vittoria, personagens principais de L´Eclisse iniciam uma relação aparentemente sem futuro, onde tanto um quanto o outro não sabem exatamente para onde a possibilidade de uma paixão poderia levá-los. Há neles uma alienação e desconexão contraditória com a realidade. E eu não cometeria a ignominia de dizer que dinheiro e poder determinam suas ações. Um exemplo deste paradoxo é a relação anterior de Vittoria, com um escritor, e o contraponto de seu estranhamento quando o carro de Pietro é içado do rio com o bêbado que o roubara morto, dentro do carro. A única preocupação do personagem é com a carroceria amassada, pouco importando-se com o bêbado que jazia em seu interior. Vittoria não guarda o estranhamento ao ouvir as inquetações de Pietro. Acho que o Antonioni apresenta aqui o aspecto da riqueza e da futilidade, mas não determina as personalidades evasivas e distanciadas do afeto dos personagens pelo viés marxista, como já li com enfado em alguma revista de cinema. Até por que acho esse tipo de redução de uma pobreza brutal- sem trocadilho!

Só para lembrar, estes anos eram os mesmos em que Cassavetes começava a criar uma linha de cinema parecida do outro lado do Atlântico para personagens de classe média, usuários de drogas, anfetaminas e álcool - até com uma certa dose de moralidade meio enfadonha.

Esta falta de direção de uma geração consumista e fashion é bem contada por imagens. É como se Antonioni estivesse convencendo o espectador a assitir um pouco mais – continue vendo... não desista... toda as as cenas aqui contidas tem um significado. Uma cena aparentemente cotidiana - e para um desavisado, até dispensável – é a do vôo de Roma para um destino não claro onde estão Monica Vitti e Rossana Rory. Quando o co-piloto o anuncia o destino há um ruido qualquer que impede a audição. E é aí surge o primeiro dos grandes méritos de Antonioni. O diretor tenta mostrar uma sociedade feita de quotidianos. Várias outras cenas contam o filme por imagens comuns que tem um significado espeical para os protagonistas. Seja na ênfase que Antonioni deposita na babá que passa com um bebê - que ambos protagonistas ignoram -; ou no tonel onde resignada, Vittoria joga um pedaço de madeira num tonel apos beijar Pietro mostrando uma certa desilusão com a ambiguidade do destino ( e seu senso de indefinido). E é essa a força do segmento final de L'eclisse: Antonioni mostra todas essas sequências do quotidiano como uma realidade que se impõe a nossas vidas sem darmos conta. O detalhe do homem que desce do ônibus com a manchete “La Pace è Debocle” indica que este cotidiano esquecido, do qual nos damos conta apenas quando deixamos o habitual de lado, é exatamente o que há de extraordiário e anormal nos eventos banais da vida.

Um pouco antes do final, a cena em que Pietro e Vittoria definitivamente se entregam - para usar um eufemismo barato - numa cena bela e sensual. Aquela dança das mãos talvez seja uma das mais sensuais dos filmes de Antonioni que assisti até agora. Entretanto, ao final, mais um contraponto. Quando Vittoria deixa o apartamento de Pietro, tudo volta ao mais frio cotidiano, com longas sequências e tomadas de árvores, das ruas, dos trabalhadores voltando para suas casas e as inúmeras imagens que já haviamos visto no meio do filme, numa espécie de prelúdio e epílogo simultâneo de tudo que volta à frieza massiva do quotidiano. O filme termina sem resoluções para o romance de ambos, sem resoluções para os dilemas da vida moderna. Por essas e por outras, um grande filme sobre a alienação e a falta de conexão com a realidade.

Segunda-feira

Desde o primeiro filme que assisti de Fernando León de Aranoa , numa pré-estréia em Madrid em 1998, já o achei muito bom. Este primeiro filme chamava-se ‘Barrio’ e assisti na casa de um dos caras que trabalhara na produção do filme. O cara era amigo do amigo do amigo de uma amiga minha. Ou seja, eu estava a três graus de separação do Aranoa, no mínimo.

Estória simples. Dois guris, em fase de puberdade, que vivam no mesmo bairro de subúrbio de Madrid, dividem as experiências da idade, do bairro e as perspectivas de vida de muitas promessas de saída dalí. Já vão quase 10 anos, mas lembro de umas sacações geniais do Aranoa - que depois do filme discutiamos num daqueles cafés atrás da Puerta del Sol. Uma delas era a busca dos guris por um prêmio oferecidos por uma fábrica de iogurtes. O primeiro prêmio era uma viagem para um país tropical. Os meninos desesperados pelo prêmio, que envolviam sol, praia e mulheres, obviamente, juntam vorazmente as embalagens do produto.

A parte mais irônica e melancólica acontece quando ganham o prêmio. Não chegam a ganhar o primeiro prêmio: ganham um jet sky, ou seja, um prêmio sem sentido numa cidade sem mar ou lago próximo. A cena dos moleques discutindo o que fazer com aquele elefante branco é impagável.

O segundo filme assisti ontem. “Los lunes al sol.” Mais um dos bons filmes que assisti desse camarada. Um filme que me lembra os bons do Ken Loach ( ‘My Name is Joe’ e principalmente o “The Navigators”) . A estória de um grupo de trabalhadores desempregados e que passam todos os dias como se fossem um domingo, um dia festivo mas cheio das angústias e das deseperanças que o desemprego traz. Cada qual a seu jeito reage de maneira diferente a esse misto de desesperança e companheirismo.

O protagonista, Santa, interpretado por Javier Barden - o mesmo que interpretou Ramon Sampedro de Mar Adentro – é um dos desempregados de um grupo de trabalhadores em Asturias. É o mais inconformado e ao mesmo tempo o mais critico de sua imobilidade social. Santa passa os dias no bar de Rico, um ex-empregado que abre um bar para vender bagaceira e cañas para os outros e sobreviver a seu modo.

Assim como Barrio, Los lunes al sol tem umas passagens engraçadíssmas como a que todos estão assistindo uma partida de futebol no telhado de um campo de várzea, onde do ângulo em que se encontravam, assistiam todos os lances, menos os da meta do gol. Então, quando o time fazia gol, tinha que esperar a reação da torcida para saber a conclusão da jogada. Sacação genial do Aranoa.

Mas eu não podia deixar de falar de Nieve de Medina, grande atriz que contracena com Luis Tosar, que interepreta o personagem de José – um cara caladão, com dificuldades de expressar suas angústias até mesmo para sua esposa, Ana (Nieve). O cara tem o que todos os outros não tinham: uma esposa numa relação instável. Os dvds modernos tem o tal do ‘special features.’ Neste, Nieve dá um depoimento emocionante sobre o filme. Fala de sua participação e de sua familiaridade com o ambiente de trabalho, em situações adversas, numa fábrica de conservas na qual Aranoa ambienta sua personagem jovem porém decadente, forte e ao mesmo tempo frágil. Seu depoimento sobre sua atuação no filme é emocionante.
Enfim, todos, em suas análises sobre os personagens, transbordam sensibilidade, a mesma com que Aranoa nos inquieta. Lunes al sol expressa a maneira lúdica, sensível e bem humorada uma maneira de dizer... sim, estamos desempregados, estamos fodidos. E daí?

A Face in the Crowd


Muita gente se recusou a depôr no House Un-American Activities Committee. Aquilo era um negócio tenebroso que funcionou de 1938 a 1975. Quem entrasse na blacklist do Comitê podia considerar sua carreira terminada – o Woody Allen fez até um filme muito interessante que não lembro o nome agora sobre o tema.

Mas, o Elia Kazan não. Ele não só delatou vários de seus companheiros de ex-militância comunistas como sustentou suas posições por supostas convicções liberais. Arthur Miller e Lillian Helman, mulher do Dashiell Hammet, e considerada pelo Ruy Castro uma das mulheres mais feias de toda a história de Hollywood, ambos se recusaram a depor e compraram uma briga eterna com Kazan. Por essas e por outras que essa figura era um paradoxo: um fela da p..., que muito poucos confiavam na vida privada, e um profissional sem igual nas telas.

Bem, mas isso é uma outra história longa. Ontem, por obra e graça do TCM, assiti ao A Face in the Crowd. Um dos grandes filmes de Kazan, apenas superado, na minha opinião pelo A Streetcar Named Desire e o On the Waterfront. Aliás gosto muito mais do texto do Tennessee Williams e da atuação do Marlon Brando naquele que neste último. Além disso a Vivian Leigh, com o papel de mulher completamente histerica espantara de vez aquela urucubaca de papel do Gone With the Wind – um dos filmes, sinceramente, mais chatos e racistas que assisti na vida! Aquela personagem só podia ser macumba que fizeram pra moça.

O A Face in the Crowd é a história dos primórdios da televisão e de como esta substituiu o rádio como fenômeno de comunicação de massa. Larry 'Lonesome' Rhodes é um caipirão do Arkansas que, digamos assim, por motivos de força maior, é transformado, pelo carisma pessoal e pela personalidade irascível, num fenômeno abusivo do entretenimento popular. O cara é grosseiro, ingênuo, falastrão e coloquial ao mesmo tempo. Chega a insultar no ar seu principal patrocinador, mas como era um fenômeno de arrogância e falta de senso, o mantinham no ar.

Um dos continuos do canal onde Lonesome trabalhava conseguiu um contrato para que a figura trabalhasse em NY, patrocinado por um suplemento alimentar chamado Vitajex. Sua carreira era ascendente e parecia não ter limites. Até que sua empresária, que alimentava uma paixão secreta por ele, cansa-se de sua espera interminavel por um homem que na razao inversa de seu orgulho afasta-se mais e mais dela, e durante o fim de uma de suas apresentações, já quando eram exibidos os créditos do programa, mantém o som off no ar, ligado. Neste momento, Lonesome, já entregue a uma birita forte, insulta e humilha os telespecadores chamando-os de idiotas, “morons" e "guinea pigs." Instantaneamente, há uma desilusão nacional e tal como na lenda de Rodhes, o gigante rui implacavelmente.

A tematica do filme lembra muito um dos melhores filmes feitos pelo Billy Wilder, chamado Sunset Boulevard. A diferença entre os dois filmes e os dois diretores fica pra outro dia.

Irmãos karamazov


Personagens

Aliekisiei Karamazov, o herói do narrador, é o mais novo dos três irmãos. Um cristão fervoroso que mora num mosteiro. Um noviciado nas atividades monásticas que, seguindo as instruções de seu mestre Zósima "volta ao mundo". É um jovem ponderado, equilibrado e justo, que age como o fiel da balança da família, apaziguando os ânimos e animando os irmãos, que viviam à beira da autodestruição. Nesse começo de leitura me parece uma espécie de pessoa rara, extremamente justa e cheia de compaixão.

Ivã Fiodórovit Karamazov, irmão de Aliekisiei, é o mais instruído e cosmopolita, e justamente por isso encarna doses de ateísmo e de niilismo extremo. Chega a exercer forte influência sobre Smierdiakov, criado da casa do pai. Dono de uma ironia corrosiva, era um debatedor nato. Discutia problemas sociais e religiosos, e autor de célebres frases: "Se Deus não existe, então tudo é permitido." Dostoievski o pinta como um imoral que tinha seus mistérios. Vivia às expensas do pai, sem manter bom relacionamento com ele. Na edição da Nova Aguilar há uma introdução à cada romance e novela. Nesta do volume 4, o próprio Ivã é comparado a Dostoievski em vários aspectos. Um deles é o trata de dos aspectos psicológicos da relação entre pai e filho, problema materializado na figura do pai como vítima dos próprios criados. Ivã, tal qual o Dostoievski, não tornara-se cético mas encontrava-se afastado da religião e demasiado apegados aos estudos.

Dimitri Fiódorovich Karamazov, ou apenas Mítia, é o meio-irmão. Retorna a casa do pai para cobrar parte da herança que, segundo lhe disseram, sua mãe deixou para ele. O velho Karamázov finge desconhecer quaisquer valores ou propriedades que tenham sido deixados por sua ex-mulher. Dimitri é na verdade o único com motivos aparentes para matar o pai. Instável e confuso, ora pende à bondade, ora à maldade, que na caracterização de Dostoievski seria o pêndulo que se inclina entre o Cristianismo e o Niilismo. Perdulário, é o principal suspeito da morte do pai, justamente por disputar com ele o amor da mesma mulher, Grushenka. É acusado, preso e julgado por um júri popular, que o considera culpado pelo crime de morte premeditada. Sabidamente, o culpaldo era Ivã Fiodórovit Karamazov – que desejava a jovem prometida a Dimitri - , que tivera a idéia e instigara Smierdiákov a pô-la em prática, mas Smierdiákov estava morto e tudo acaba conspirando contra Mítia.
Smierdiákov, inicialmente, junto a Grigóri Vassilievitch, é um dos criados da casa do velho Karamazov, Fiodor Pávlovich. Foi educado por Grigori e Marfa Ignatiévna. Fiodor o chamava de Besta de Balaão, numa alusão bíblica ao livro dos números, no Pentateuco, quando a tal burra, impedida por um anjo de avançar, recebe inúmeros açoites de Balaão. A besta então, chega a falar repreendendo-o. Crescera selvagem e cético chegando a duvidar de várias passagens da bíblia, sob a tutela de Grigori. Tinha por hábito matar gatos, enterrando-os num ritual inventado por ele próprio. Entretanto, apesar de sua natureza irascível e sociopata, Fiodor, assim que descobriu que era epilético passou a trata-lo com indiferença - o que vindo dele já era meio caminho para a simpatia. Enfim, um tipo frio, honesto e distante que armazenava impressões sem saber ao certo suas razões.
No decorrer da estória desconfia-se que um filho bastardo do velho karamazov. É epilético, asssim como Dostoievski o era.

Catierina Ivanovna, ex-noiva de Dimítri, é na verdade a joven Polina, que Dostoievski conheceu quando se refugiou na Europa dos seus credores. Não são raras as referências a ela em sua vasta obra, cada qual, com um nome diferente.
Grushenka, mulher de 'reputação questionável' pela qual tanto Dimitri como o velho Karamazov se apaixonam.
Sinopse
As ações do livro começam com uma reunião familiar num mosteiro. Numa tentativa de resolver desavenças familiares, o patriarca Karamázov, Dmitri e Ivan vão a um mosteiro ouvir as opiniões de Frei Zossima e Alexi. Uma vez lá, Fiodor Karamazov acusa o filho Dimitri de ser um depravado. Dmitri contesta a acusaçõa dizendo que seu pai tentou seduzir Grushenka, prometendo-lhe uma quantia em dinheiro. Frei Zossima se inclina e beija os pés de Dmitri.

Todo prosa

Email recebido hoje pela manhã de uma chapa do coração, que por acaso é minha prima.

Oi,

Pois é, fiquei preocupada com ele. Lembrei dos dias em que passei lá. Isso tá uma merda federal !!!
Quando seu amigo chegar posso dar umas dicas de lugares e rodas de samba interessantes. Inclusive estou tocando no sobrenatural com o Paulão 7 cordas e sempre temos a companhia do Délcio Carvalho e Moacyr Luz.
Vou tentar ligar pra o Pancho hoje.

Beijos
Marcia Villar

Você tem inveja?

Globo - ROBERTO da MATTA

A inveja é um sentimento básico no Brasil. Está para nascer umbrasileiro sem inveja. A coisa é tão forte que falamos em "ter" — emvez de "sentir" — inveja. Outros seres humanos e povos sentem inveja (um sentimento entre outros), mas nós somos por ela possuídos.

Tomados pela conjunção perversa e humana de ódio e desgosto,promovidos justamente pelo sucesso alheio. Nosso problema é o sujeitodo lado, rico e famoso, que esbanja reformando a casa, comprando automóveis importados e dando "aquelas festas de tremendo mau gosto!".Ou é o sujeito brilhante que — estamos convencidos — "tira" (rouba,apaga, represa, impede) a nossa chance de fulgurar naquela região além do céu, pois, residindo no nirvana social dos poderosos (mesmo quandosão cínicos e fracos), dos ricos (mesmo quando pobres e sofredores),dos belos (mesmo quando são feios). dos famosos (mesmo quando sãofruto promocional de revistas e jornais), e dos elegantes (mesmo quando são cafonas), estariam acima de todas as circunstâncias. Estouseguro de que não é o patriotismo, mas a inveja, o sentimento básicode nossa vida coletiva. Para começar a gostar do Brasil, tínhamos queinvejar a França, a Inglaterra, a Rússia, a Alemanha, a Itália e osEstados Unidos.

Era, sem dúvida, a inveja que nos fazia torcer pela queda do Brasil notal abismo de onde ele sairia melhor do que todo mundo. Antes do sexo, o brasileiro tem inveja. Ela antecede a sensualidade e o erotismo,sendo básica na formação de nossa identidade pessoal. Você sabe quemé, leitor, pela inveja que sente todas as vezes que encontra o tal "alguém" que, pela relação invejosa, faz você se sentir um bosta: um"ninguém".

Como as nuvens em volta das montanhas, a inveja se adensa em torno dequem é visto como importante, de modo que ser invejado é equivalente a "ter poder", "charme", "prestígio" e "riqueza".



Dizem que a inveja é perigosa, mas o fato concreto é que não há brasileiro que não goste de ser invejado por alguma coisa. Pelo salário, pelo poder, pela beleza, pelo sucesso, pela inteligência eaté mesmo pelas sacanagens, injustiças, calúnias e descalabros quecomete. Num seminário recente sobre "Ética e corrupção", eu disse que é justamente a vontade de ser invejado que descobre os corruptos.Pois, diferentemente dos ladrões de outros países, que roubam e somemno mundo, os nossos são forçados pela "lei relacional da inveja" a retornar ao lugar natal para mostrar aos seus parentes, amigos e,acima de tudo, inimigos, como estão ricos e, nisso, são denunciados,presos, soltos e, finalmente, colocados no panteão cada vez maisextenso dos canalhas nacionais.

Dos infames que comprovam como a inveja e o desejo de ser invejado sãoo motor da vida brasileira. Minha tese é a de que até a canalhice éinvejada no Brasil. Richard Moneygrand, o grande brasilianista,escreveu no seu diário filosófico, "Voyage into Brazil", que: "Para os brasileiros, um dia sem inveja é um dia sem luz. A inveja confirma aidéia nacional do sucesso para poucos, como antes confirmava o berço eo dia sem luz. A inveja confirma a idéia nacional do sucesso parapoucos, como antes confirmava o berço e o sangue para a aristocracia e a superioridade social para os funcionários públicos e senhores de engenho.

Todos a condenam, mas ninguém pode passar sem ela". A inveja, digo eu,é o sinal mais forte de um sistema fechado, onde a autonomia individual é fraca e todos vivem se balizando mutuamente. O controlepor intriga, boato, fofoca, fuxico e mexerico é a prova desseincessante comparar de condutas cujo objetivo não é igualar, mashierarquizar, distinguir, pôr em gradação. O horror à competição, ao bom-senso, à transparência e à mobilidade é o outro lado dessa culturaonde ter sucesso é uma ilegitimidade, um descalabro e um delito.

O êxito demarca, eis o problema, um escapar da rede que liga todos comtodos. Essa indesejável individualização tem mais legitimidade quandovem de quem já está estabelecido. Daí ser imperdoável que Fulano —"aquela figurinha" — o faça, destacando-se pelo disco, novela, livro ou empreendimento desse mundo onde todos são pobres e miseráveis pordefinição e por culpa do "social". O pecado mortal das sociedadesrelacionais é justamente essa individualização que separa o sujeito de uma rede hierárquica. Rede que nos persegue neste e no outro mundo.

Como, então, não sentir inveja do sucesso alheio, se estamos convencidos de que o êxito é um ato de traição a um pertencer coletivo conformado e obediente? Como não sentir inveja se o exitoso é aquele que se recusa a ser o bom cabrito que não chama atenção e passa a sero mais vistoso — esse símbolo de egoísmo e ambição? Ademais, como não ter inveja se o sucesso é um sinal de pilhagem de um bem coletivo? Essa coletividade que, entra ano, sai ano, continua a ser percebida como mesquinha, subdesenvolvida, pobre e atrasada? Como um bolo pequeno e que jamais cresce, destinado a ser comido somente pelos que estão sentados à mesa.

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A trajetória do Da Matta - - e do Eduardo Viveiros de Castro - - me lembra um pouco a do Bourdieu. Ambos começaram a estudar tribos primitivas (o primeiro estudando os Apinaye no Tocantins e o segundo estudando os Cabyla na Argélia), e já com a experiência dos anos passaram comparar cariocas, paulistas e parisienses com aqueles primitivos para quem estes viram a cara, pois pensam que como urbanos, modernos, ocidentais e cosmopolitas se diferenciam daqueles. O engraçado é que se você pergunta para 95% dos acadêmicos brasileiros da àrea de humanas se eles conhecem a Bourdieu ou a Da Matta, eles dirão que obviamente sim. Dirão ainda com empáfia: quem não conhece conceitos como o ‘habitus’ ou ‘poder simbólico’ ou a diferença entre a ‘casa e a rua’....

Palmas, portanto, para o Da Matta e o Bourdieu por criarem uma caixa de pandora para apedeutas e desavisados.

Um dos livros mais famosos de da Matta é um de 1985 chamado A casa e a rua : espaço, cidadania, mulher e morte no Brasil. Nesse livro ele traça em linhas gerais a diferença que todo o brasileiro faz entre os espaços privados e públicos. Entre a ordem e a desordem. Entretanto, um livrinho que eu gosto muito dele não é nem o Carnavais, malandros e heróis : para uma sociologia do dilema brasileiro, mas o estrutural Um mundo dividido : a estrutura social dos índios apinaye de 1976. Um dia ainda volto aos meus apontamentos e escrevo por que gosto tanto desse livro e da maturidade desses antropólogos, que desvendam o Brasil pelas próprias incapacidades de entendimento dos brasileiros.

Damages

































Terminou ontem o primeiro ano de uma série que me tirou o sono nas últimas. O nome é Damages. O negócio é o seguinte, pra começar isso é um thriller jurídico que bota qualquer Law&Order no chinelo. É uma série exibida pelo canal FX onde poder, grana, ambição e paranóia caminham tão juntos que não dá pra separar um dos outros. Patty Hewes ( Glenn Close ) é advogada renomada e famosa por defender grandes e milionários casos. É dona de Hewes, um escritório de advogados em NY. Ellen Parsons é uma jovem advogada que começa a trabalhar com Hewes num caso em andamento que envolve uma fraude de milhões de dólares. O fraudador é Arthur Frobisher (Ted Danson), dono de uma empresa que decretara falência e deixara dezenas de milhares de funcionários sem fundos de pensão, benefícios.... enfim coisas que acabam nos rementendo ao caso da Enron. O escritório de Hewes está supostamente do lado do bem, ou seja, dos trabalhadores, contra a corporação fela da puta do fela da puta do Frobisher.

Paralelamente rola uma estória com cenas em preto e branco, em flashes muito rápidos, que acontecem no presente envolvendo Ellen Parsons e seu noivo que aparece morto na banheira com a cabeça toda arrebentada e água e sangue saindo pelo ladrão. Nos flashes a jovem aparece chegando em casa com o cara já morto e ela - mesmo sendo advogada, conhecedora de todas as mumunhas para não tocar em corpo de morto - surta, chora e se desespera abraçando o cara todo cheio de sangue na banheira. Nas cenas seguintes, já aparece com as roupas todas cheias sangue e correndo desesperada pelas ruas de NY. Noutos flashes ela ja aparece sendo julgada e presa. Detalhe, com o decorrer da série, descobre-se que ela não matou o noivo mas que todas as evidências (impressão digital, sangue do cara nas suas roupas...) apontam pra ela. Nesse ponto é que as duas estórias, a de Hewes e a da causa que ela defente se junta com a de de Parsons.

Ao contrário de Law&Order que sempre termina no tribunal com aquela linguagem juridocrática sem vergonha, nessa série não há cenas de tribunal. Tudo se passa nos bastidores, envolvendo as negociatas em torno do acordo de quanto Frobisher pagaria para não enfretar um tribunal, e principalmente Hewes de quem morre de medo - chegando a ter uns pesadelos incríveis. É nesse ponto, no contexto das negociações, que o preto e o branco, o bem e o mal, vão pro ralo. Bicho, não se salva ninguém! A Glenn Close chega a dar medo, o advogado de defesa de Frobisher, Ray Fiske (um cara chamado Zeljko Ivanek, excelente ator), dá calafrios assim que entona a primeira sílaba.

Curiosidade. A série é patrocinada pela Cadilac, ou seja, uma empresa que inspira exatamente o espírito de grana, luxo e poder, dos seus carros, que rola na série. http://www.fxnetworks.com/shows/originals/damages/


Quem tiver a oportunidade de assistir não o faça, pois depois é difícil de dormir pra caramba!

O final? Bem, vamos deixar assim, qualquer spoiler seria insuficiente para as diversas estorias que se cruzam. Apenas digo que em uma hora de seriado do ultimo capitulo, a questão toda - quem mandou matar Ellen Parsons bem como a seu o noivo, e quanto Forbisher teve que desembolçar, apenas três das muitas chaves da trama - só se definiu nos últimos 6 minutos num ritmo alucinante.

Haruki Murakami

Terminei ontem um livro do Murakami chamado The Elephant Vanishes.

Caminhando por NY no fim de semana passado, um amigo me disse que eu iria gostar de ler esse cara. Enquanto caminhávamos, pela Broadway ou sei lá, meu camarada me contava um pouco da biografia do Murakami. Escritor cultuado no Japão que viveu, até a década de 1980 - na verdade até os 70 -, de um bar de Jazz. Meu amigo me dizia que suas estórias eram urbanas e fantásticas a ponto do peregrino da garrafa de Johnnie Walker saltar da garrafa e começar a conversar com o protagonista da estória num bar. Nesse ambiente que mistura uisque, maços de Malboros red, Big Macs, e Japão, na mesma hora fomos os tres, pois contavamos com a ilustre presença de Gabriel, a uma livraria tratar de encontrar o tal Murakami.

Não me arrependi. São dezessete contos. E o mais interessante é que a primeira leitura, os contos parecem não ter um fim próprio, mas com a leitura dos seguintes as coisas vão se encaixando e um conto acaba se prolongando em outro. Evidentemente que tem um pouco de Paul Auster nessa estória, e das estórias que vão entrando noutras estórias. A primeira por exemplo, é a de um camarada desempregado que é interrompido por um telefonema de telemarketing no meio da manhã. No telefonema a voz feminina diz que precisa de apenas 10 minutos: "All I want is 10 minutes of your time. Ten minutes to come to an understanding." Ele então indaga assustado, "Come to an understanding?" No que voz diz enigmaticamente, "Of your feelings." O pior é que como advogado desempregado, vivendo de uma espécie de seguro-desemprego, o cara, com tempo de sobra, tinha como missão do dia buscar o gato de sua mulher perdido na vizinhança, para o qual ele não dá a minima pelota. Essas e outras estórias que mesclam cotidiano e absurdo dão um ar ligeiramente divertido, mas não cômico - o que é ótimo. Além disso, para complementar a caracterização desses ambientes e personagens disparatados, mas incomodamente reais, alguns nomes, como o do gato da primeira estória, Noburu Watanabe, - que também é o nome do cunhado do protagonista da primeira estória - reaparece na última estória que é exatamente sobre o desparecimento de um elefante e de seu criador de um zoológico. Watanabe é na verdade o zoólogo da seção de mamíferos e tratador do elefantes, que desaparece junto com o animal.

Sutilezas à parte, muito boa a capacidade desse cidadão em reinventar o cotidiano, e entre o primeiro e o último conto escondem-se umas preciosidades, as quais narra com uma capacidade coloquial fora do comum. Em Lederhosen, Murakami conta a estória de uma mulher que descobre que não gosta do marido e pede divórcio. A mulher parece com a esposa da primeira estória, mas não dá para dizer com certeza que sim - nem que não. Tem ainda o The little green monster, onde uma mulher encontra com um montro verde que tenta seduzi-la dentro de sua própria casa. No meio da estória, o leitor tem a impressão que o montro já não eh tão assustador assim - e até duvida-se se ele é um monstro mesmo ou um homem íntimo a ela.

Ja tenho outros dele na fila, mas por agora volto aos meus Irmãos Karamazov, uma leitura viciante e cheia de chaves para a própria biografia do autor.

Nota: Depois de caminharmos um dia inteiro, ficamos tambem olhando para aquele bando de desocupados no Central Park. Eu cheguei a conclusão empiric-teratológica: O Central Park é igual ao Campo de Santana ou a Quinta da Boa Vista, só que maior. A mesma gente esquisita, só que falando inglês. Os mesmos bichos escrotos sujos e urbanos, num cotias, noutro esquilos. Enfim

In the parlance of America's urban youth, to say something is "buttah" means that the thing referred to--a tennis shoe, for example--possesses inordinate cool. In Japan, however, butter and other milk products carry an altogether different connotation. Cows and goats are not abundant in Japan, and dairy products are usually associated with Western culture. Some Japanese even believe that Westerners smell milky, cheesy, and buttery. The Japanese word batakusai literally means "stinking of butter," and its modern-day, often negative, usage can be roughly translated as "stinking of Westernness." Batakusai is a term that has often been used in Japan to describe the Japanese writer Haruki Murakami. Unlike the fiction of most of Japan's revered literary figures, Murakami's does not focus on the distinctiveness of Japanese language and customs. In fact, his fiction is entirely devoid of the most obvious references to "Japaneseness." His protagonists are more likely to prefer spaghetti to ramen, salty dogs to sake, or pulp fiction to haiku. Moreover, they are usually solitary, withdrawn people who stand out in the group-conscious society of Japan. Perhaps even more damaging in the eyes of Murakami's detractors is the fact that of all the authors he has cited as his influences, most are Westerners: Kurt Vonnegut, Richard Brautigan, Raymond Chandler, Gay Talese, and Stephen King, among others. Nevertheless, Murakami considers himself a Japanese writer. "In a very different sense from [Yukio] Mishima, I am after something Japanese," Murakami told Jay McInerney for the New York Times Book Review (September 27, 1992). "What I wanted was first to depict Japanese society through that aspect of it that could just as well take place in New York or San Francisco. You might call it the Japanese nature that remains only after you have thrown out, one after another, all those parts that are altogether too 'Japanese.' That is what I really want to express." Though traditionally minded Japanese critics tend to rail at Murakami's fiction, younger people, not only in Japan but also in Taiwan and Hong Kong, devour his writings. His novels, which include A Wild Sheep Chase, Hard-Boiled Wonderland and the End of the World, Norwegian Wood, and Dance, Dance, Dance, have sold millions of copies in Japan alone, and their translations have attracted a sizable international following. (His most recent novel, "The Wind-Up Bird Chronicle," is scheduled to be published in the United States in October 1997.) Many commentators consider him one of the most important 20th-century writers in Japan, comparable in influence, if not in style, to Junichiro Tanizaki, Yusanari Kawabata, and Yukio Mishima. "He devised a narrative style entirely new to Japan: a mixture of science fiction, hard-boiled cool, and metaphysics--Arthur C. Clarke tipping his hat to Nietzsche in Japanese," Ian Buruma wrote in the New Yorker (December 23, 1996). An only child, Haruki Murakami was born on January 12, 1949, in Kyoto, Japan, and was raised in Ashiya, a suburb of the commercial port city of Kobe. Both his parents taught Japanese literature at the high school level. Murakami did not adopt their reading preferences--a decision he has described as an act of rebellion; instead, he read mostly science fiction and hard-boiled detective novels by such American authors as Ed McBain, Mickey Spillane, and Raymond Chandler. Indeed, cloistered in his room, the solitary and withdrawn Murakami read Chandler's The Long Goodbye a dozen times. "I was impressed by the way that his protagonists live by themselves and are very independent. They're lonely but they're looking for a decent life," he told Jay McInerney. Like many Japanese teenagers, Murakami consumed not only American books but also American music and television shows. "American culture was so vibrant back then, and I was very influenced by its music, television shows, cars, clothes, everything," he told McInerney. "That doesn't mean that the Japanese worshiped America, it means that we just loved that culture. It was so shiny and bright that sometimes it seemed like a fantasy world." So intense were his images of American culture that he has described his fantasies of American life as a sort of "virtual reality." "I liked making up this reality inside myself," he told Ian Buruma. "It was easy for me, since I was an only child." In 1968, Murakami entered the prestigious Waseda University, in Tokyo, where he shed his regional accent and studied scriptwriting and Greek drama. At the time, Marxist and countercultural student movements rocked most Japanese universities. Murakami initially sympathized with the student protesters but later became disenchanted with the factionalism of the student groups and the careerism of many of the so-called activists, who, after graduating, took jobs in the corporate world. Alfred Birnbaum, one of Murakami's English translators, has speculated that Murakami's "hard-boiled" style stems partially from his disillusionment with fellow students who failed to live by their idealist politics. The turbulence of the era and Murakami's financial difficulties prolonged his studies until 1975, when he finally completed a thesis on "the journey motif" in American film and graduated from college. Unlike many other students, Murakami had no intention of pursuing a corporate career. Instead, he and his wife, Yoko Takahashi, a fellow Waseda student whom he married in 1971, opened their own business, the Peter Cat, in 1974. Located on the outskirts of Tokyo near a U.S. military base and operating out of a windowless underground den, the Peter Cat served as a cafe during the day and a jazz club at night. "We had to borrow a lot to open the jazz club; we had no money at all," Murakami told Peter McGill for the London Observer (October 6, 1991). "We hadn't a radio or TV, a watch or a clock--so we didn't even know what time it was! But we were happy in those days, young and independent, and no one ordered us to do anything." Murakami can pinpoint the exact moment when it dawned on him that he could become a writer: It was during an afternoon baseball game between the Yakult Swallows and the Hiroshima Carp at Jingu Stadium in April 1978. He was sitting in the bleachers drinking beer when Dave Hilton, an American-born player, hit a double. According to Murakami, he suddenly and inexplicably realized that he could write a novel. "Yes, it is strange, isn't it?" Murakami remarked to Ian Buruma. "Baseball is an American game. Hilton was an American batter. The kind of revelation I experienced that day was not very Japanese. Revelation is not really a Japanese concept." Murakami's epiphany, though, may not be as odd as he makes it sound. He had first tried his hand at writing during his early years at Waseda and had given up because he felt he lacked the kinds of experiences a fiction writer requires. Through his work at his jazz club, he not only bolstered his already considerable knowledge of Western music but also gained exposure to the denizens of the night world. Moreover, he acquired "from hard physical work" what he described to Buruma as "moral backbone." So, for a few hours each night after closing the Peter Cat, Murakami would write. His nocturnal scribblings led to his first novel, Kaze no Uta o Kike, which was published in Japan in 1979 (and in English in 1987 as Hear the Wind Sing). In the novel, which Murakami has described as a "young-man, things-are-changing kind of novel" set during "the age of counterculture," the main character has an affair with a former schoolmate who has tracked him down by dedicating a Beach Boys song on the radio to him; throughout the relationship, he is plagued by the memory of a former girlfriend's suicide. Part anomic teenage rant, part philosophical tract, the novel introduced Japanese readers to Murakami's distinctive literary tics, one of which is his penchant for peppering his writing with Western references. In this first book, references are made to, for example, the rock band Creedence Clearwater Revival, the science fiction writer Ray Bradbury, and the philosopher Friedrich Nietzsche. The title of the novel is taken from a short story by Truman Capote. According to Buruma, Murakami started writing the book in English before switching to Japanese. "It took a very long time before I could somehow write a novel in Japanese," Murakami told Jay McInerney. "That is why I wasn't able to write a novel until I was 29. Because I had to create, all on my own, a new Japanese language for my novels. I couldn't just borrow an existing language. In that sense I think I'm an original." Traditionally minded critics did not appreciate Murakami's literary experimentations, but younger audiences found his inventive, stylish prose refreshing. In 1979, his debut novel won the Gunzo prize and sold an impressive 150,000 hardback copies. Murakami's sophomore effort, 1973-nen no Pinboru, which was published in Japan in 1980 and in English translation in 1985, under the title Pinball, 1973, added to his growing fame. In one passage, the narrator provides a clue to the meaning of the title: "On any given day, something claims our attention. Anything at all, inconsequential things. A rosebud, a misplaced hat, that sweater we liked as a child, an old Gene Pitney record. A parade of trivia with no place to go. Things that bump around in our consciousness for two or three days, then go back to wherever they came from . . . to darkness." As in his first novel, themes of alienation and self-absorption are prominent in the second. In 1981, thanks to the success of his first two books, Murakami was able to sell his jazz club and become a full-time writer. He considers his third novel, Hitsuji o Meguru Boken (1982), his first, because of the joy and ease he felt in writing it. The novel, for which he won the Noma Prize for new writers, impressed critics abroad when it appeared in English, in 1989, as A Wild Sheep Chase. "It was the first Japanese novel to attract widespread international attention since the 'golden age' of Kawabata, Tanizaki Junichiro, and Mishima in the 1950s and 1960s," Jay Rubin wrote in Japan Quarterly (October 1992). The novel is narrated by a young, world-weary advertising copywriter who is blackmailed by an agent of "the Boss," a sinister, right-wing politician, into searching for a supernatural sheep. "It begins as a detective novel, dips before long into screwball comedy, and, at its close--when the dead speak--becomes a tale of possession," a New Yorker (December 4, 1989) reviewer commented. "That such unruly, disjunctive elements mingle harmoniously within it is perhaps the signal feat in a highly accomplished piece of craftsmanship." Murakami has said that he himself does not know the meaning of the various strange elements in the novel--for instance, a woman with preternaturally beautiful ears, a chauffeur who talks to God, and a mind-possessing sheep--though Jay Rubin has offered a clue. "Fundamental to his work . . .is a tendency to contrast 'existence' and 'nonexistence' or 'being' and 'nonbeing,' which often results in the positing of two parallel worlds, one obviously fantastic and the other closer to recognizable reality . . .," Rubin wrote. "Murakami is talking about this world and our ultimately undefinable place in it, and for him the most congenial way to do that is to evoke the world of mermaids and unicorns and undersea volcanoes as it impinges upon a universe of McDonald's restaurants and advertising agencies." In 1985, Murakami published his fourth novel, Sekai no Owari to Hado-Boirudo Wandarando, which appeared six years later in English as The Hard-Boiled Wonderland and the End of the World. The novel is actually two intertwined stories--"Hard-Boiled Wonderland" and "End of the World"--narrated by dual protagonists, both of whom are reminiscent of the young, aimless, and lonely narrator of A Wild Sheep Chase. One of them gets entangled in a high-tech information war in futuristic Tokyo and identifies himself as "boku" (the familiar "I" in Japanese) in the original text, while the other refers to himself as "watashi" (the formal "I" in Japanese) and struggles to remember how he became trapped in a walled town filled with mindless, shadowless people and dying unicorns. "Each narrative creates a different world, each echoing the other at first only in the tiniest of details, such as the odd presence in both of paper clips. The adventure of reading the novel is to discover how the two worlds are related," Jay Rubin wrote. The novel received the prestigious Tanizaki Prize in 1985. Murakami's fame prompted him and his wife to leave Japan in 1986. "Celebrity is a problem in Japan," he told Sarah Wright for Boston Magazine (January 1994). "Japanese do not have any agents. Too many people would call, ask for me. My wife would say, 'He is busy.' But that embarrasses male callers. I had to respond." Other aspects of the Japanese publishing world annoyed Murakami as well. "Editors represent the publishing companies, but they come to you as friends. If you say no to them, they lose face, and feel hurt. They think I'm arrogant and insensitive, and this makes life very hard for me in Japan," he explained to Buruma. "If you wish to please the editors, you will be liked and Japanese harmony will prevail, but your work will suffer. As a result, I'm an outcast in the Tokyo literary world." He and his wife sought refuge on a Greek island from 1986 to 1989, then lived briefly in Athens and Rome. Murakami's expatriate wanderings did not lessen his popularity in Japan: His fifth novel, Noruwei no Mori (1987), sold 2 million copies. Like many of his other works, the novel contains references to Western popular culture--the title itself, Norwegian Wood in English, is the title of a famous Beatles song. His most realistic work, the novel is set in Tokyo in the late 1960s and focuses on the romantic relationship between its two withdrawn protagonists--a student of Greek drama (as was Murakami) and a young woman suffering from depression. Murakami's sixth novel, Dansu-Dansu-Dansu (1988), which appeared in English translation in 1994 under the title Dance, Dance, Dance, also did well, selling over 1 million copies within six months of its publication. It is a sequel to A Wild Sheep Chase and features the same cynical narrator of the earlier novel as well as another character, the Sheep Man, who materializes in the middle of the book and advises the narrator not to worry about the meaning of life but to dance. "You gotta dance. As long as the music plays. Don't even think why. Start to think, your feet stop. Dance so it all keeps spinning." The title of the novel comes from an old rock song recorded by the Dells. In 1991, Murakami moved to the United States, having accepted a position as a visiting fellow in East Asian studies at Princeton University, in New Jersey. "What I like about America is I'm really free here," he told the Los Angeles Times Magazine (December 8, 1991). "I'm free to do anything; I'm not a celebrity here. Nobody cares." During his year in the U.S., he discovered that the country that had inspired so many of his childhood "virtual reality" fantasies was not as exciting as he had imagined it would be. "Listening to Jim Morrison in the United States is not the same as listening to him in Japan," he told Buruma, and then added, "It's strange, but the farther I got away from Japan, the more I felt tied to it." It was thus at Princeton that Murakami began for the first time to take a serious interest in Japanese literature and history. There, he began researching his 1995 novel, Nejimaki Tori Kuronikuru (entitled "The Wind-Up Bird Chronicle" in English), which revolves around characters who are interconnected through a World War II event: the 1939 massacre of Japanese troops by Soviet soldiers in the Mongolian desert of Nomonhan. In 1994, Murakami visited the Nomonhan site, where spent cartridges and shards of helmets from the battle still can be found. "I felt as though I had experienced the battle myself," he told Ian Buruma. "I wondered what I would have done if I had been a Japanese living in 1939." He was interested in the story because he thought it might shed light on the Japanese psyche. The Japanese soldiers at Nomonhan had wrongly believed that they could win against superior forces simply because they had received the emperor's blessing and possessed a fanatical spirit. Some commentators have speculated that with this novel, Murakami has shifted the focus of his fiction to encompass political and social issues. "The most important thing is to face our history, and that means the history of the war," Murakami told Buruma. "People talk about the atomic bomb, but they don't want to talk about the massacres in China--I think I have a responsibility for those things," he told Harper's Bazaar (March 1993). After his year at Princeton, Murakami briefly lived in Boston before returning to Japan in 1995. The writer who once considered himself "rootless" now feels, after having traveled abroad, that he has a connection to Japan after all. "There is this feeling of togetherness, of sharing a landscape, or the imperial system, or, indeed, the love of listening to insects," he told Buruma. "This can be a dangerous, irrational force, but I feel part of it. I used to hate it, but now I want to find out what is important to me about Japan." The cult guru Shoko Asahara, who organized a gas attack on a Tokyo subway in March 1995, will be the subject of Murakami's next nonfiction book. In addition to novels, Murakami has written numerous short stories; these have been collected in eight Japanese volumes and one volume in English. Murakami has also translated several of his favorite authors into Japanese. He first translated F. Scott Fitzgerald in 1981, and since then he has translated works by Raymond Carver, Paul Theroux, Truman Capote, John Irving, and Tim O'Brien, among others. Translations allow Murakami not only to introduce some of his favorite writers to Japanese audiences but also to intimately explore other styles of writing. "You can read every detail, every page, every word," he told Publishers Weekly (September 20, 1991). "You can learn so much. It's my teacher." On most days, Murakami wakes up at five in the morning. After writing for a few hours, he likes to run and swim, his favorite sports because of their solitary nature. He spends his evenings with Yoko and goes to bed by nine. He has said that writing a novel is like a romance. "That is why I don't have affairs," he told Ian Buruma. "My books are my love affairs." He has cultivated few friendships, and since turning 20, he has become almost totally estranged from his parents. His wife is his closest companion and is one of the few people from whom he solicits advice on his writing. The couple have no children.

Suggested Reading: Christian Science Monitor p14 Mar. 30, 1989, with photo; Harper's Bazaar p128+ Mar. 1993, with photo; Japan Quarterly p490+ Oct. 1992; London Observer p59 Oct. 6, 1991, with photo; New York Times Book Review p1+ Sept. 27, 1992, with photo; New Yorker p60+ Dec. 23, 1996; Publishers Weekly p113+ Sept. 20, 1991, with photo; Washington Post C p1+ Dec. 25, 1989, with photoSelected Books: Kaze no Uta o Kike, 1979 (Hear the Wind Sing, 1987); 1973-nen no Pinboru, 1980 (Pinball, 1973, 1985); Hitsuji o Meguru Boken, 1982 (A Wild Sheep Chase, 1989); Sekai no Owari to Hado-Boirudo Wandarando, 1985 (Hard-Boiled Wonderland and the End of the World, 1991); Noruwei no Mori, 1987 (Norwegian Wood, 1989); Dansu, Dansu, Dansu, 1988 (Dance, Dance, Dance, 1994); Kokkyo no Minami, Taiyo no Nishi ("East of the Sun, West of the Moon"), 1992; Nejimaki Tori Kuronnikuru ("The Wind-Up Bird Chronicle"), 1995

Politico e correto

Doris Lessing foi laureada com Nobel de Literatura em 2007 pelo conjunto da obra.

Nunca li Lessing e talvez uma dia leia essa mistura de ficção cientifica com realidade politicamente correta, mas só depois que o politicamente correto, levado ao extremo, pare de corroer as opiniões dos meus contemporâneos.

E Oz, Pynchon, Kundera, Updike e Lobo Antunes naufragaram...

Diario do Farol


O nome desse aí é Christian Von Wernich, 69 anos.

Como capelão da polícia de Buenos Aires, usando a prerrogativa do segredo da confissão, denunciava presos e auxiliava na localização de outros, extorquia as familias, e chegou a participar pessoalmente dos vôos da morte.

CV do fdp:
7 homocídios

31 casos de tortura

42 sequestros
Sentença: Prisão pertpétua.


Não posso me furtar de lembrar do Diário do Farol do João Ubaldo Ribeiro.

O personagem principal é um velho ex-padre que narra sua história a partir de um farol, ao qual chama de Lúcifer, o portador da luz, situado numa ilha deserta. O livro é todo a autobiografia deste padre cuja vida foi orientada para o alcance de dois objectivos: matar seu pai e a mulher que o desprezou.
Já faz tempo que li este livro, mas me lembro bem que o velho protagonista meio que se sentia acima do Bem e do Mal. Tudo em nome de uma vingança e o desprezo último pela conciliação entre fé e razão num sentido mais elevado. Baseado em suas idéias fixas, inevitável é a morte do pai. Porém, no nível ficcional, a linha que o ligava ao parricídio não era reta. Mesmo que o protagonista sem nome tivesse algo Ivã e Dimitri Fiodórovith ou de Hamlet pelo avesso, sua impertinência doentia, uma certa falta de rigor hieratico e uma pitada do que o Sergio Buarque chamou de prestancia, faziam dele um cara bem brasileiro por isso passa a agir como agente infiltrado em grupos de esquerda na ditadura brasileira. Nisso, chega a torturar. Chega a autorizar assassinatos. Friso, tudo sem culpas.
O farol é então a luz que o guia pelo inferno obsessivo em que vive. Enfim, um vilão ficcional em primeira pessoa, sem perdão e duro de engolir.
Assusta muito essas semelhanças entre a realidade e a ficção....
Mas voltando para a realidade e parafraseando o General Quiroga de seu compatriota Borges, Christian Von Wernich entrará na sombra da história levando suas vítimas, afiançado e metido numa prisão perpétua, até morrer de má morte. Já morto se apresentará ao inferno que Deus lhe havia marcado. E cá pra nós, seu inferno - o que eu e um monte de gente imagina para esse aí - será talvez um lugar que lhe cabia bem!

Cooper


Em 1959, data da caricatura acima, Gary Cooper tinha acabado de filmar Man of the West e saía da segunda cirurgia contra um câncer no estômago. O que mais me marcou nas atuações de Cooper foi sempre a sua solidão permeada por um silêncio lacônico. Quem viu High Noon, que se eu não me engano o português chamou Mataire ou Morreire, vai saber do que estou falando. Foi casado com Sandra Shaw que, assim como ele era atriz e ficou conhecida como uma daquelas moças que o King Kong jogou de um dos prédios no início dos anos 1930. Depois disso fez dois ou três filmes e virou esposa de Cooper - que dizem as línguas hollywoodianas passou a ser a encarnação da Amélia, não por vontade própria, mas pela competência de Cooper que era imbatível na arte do adultério.
Mais? Dá uma olhada no "Gary Cooper: An Intimate Biography" do David Brooks.
A ilustacao vem d'O Cruzeiro - 10 de outubro de 1959 - assinada por Carlos Estevão.

Machado de Assis e Eça de Queirós


Das coisas que se procura em vão na web, nem sempre o que debalde se encontra é o que infrutífero resulta.

Por diletantismo apedeuta, próprio da minha pesssoa, já tinha percebido alguma semelhança entre dois personagens do Lima Barreto - Isaias Caminha e Policarpo Quaresma - e o personagem Ivan Petrovitch Goliadkin, protagonista de O Duplo, uma das primeiras novelas de Dostoievski. Melhor dito: alguma ilusão de semelhança. Entretanto, não ousaria dizer que era uma imitação, pois a razão da insanidade de Quaresma, por exemplo, passa longe da alucinação persecutória e do espirito obsecado de Goliadkin. Lembro sim que havia algo de similar tanto nas troças que os companheiros de trabalho faziam de Caminha, quanto naquelas que os de Goliadkin faziam dele; na semelhança da condição profissional; numa certa mania de perseguição com pessoas que os tentam ofender, prejudicar, vilitendiar; e por fim o isolamento de ambos num hospital de alienados...

Mas taí uma coisa que desconhecia aventada pelo Machado de Assis: O Crime do Padre Amaro é imitação do romance de Zola, La Faute de l'Abbé Mouret... Me senti o maior do imbecis constrangidos, ao ver que no google tem um monte de picaretas falando desta semelhança que eu desconhecia, sem a humildade de afirmar que nunca leram ao Zola.

Enfim, falando em reinvenções, meu amigo Rodrigo Patto foi quem me chamou atenção certa vez para o fato de que o Memórias Póstumas de Brás Cubas lembrava muito, ao menos no estilo, uma história escrita por Lawrence Sterne algumas décadas antes chamada Life and Opinions of Tristam Shandy. Acabei indo conferir a estória numa edição de 1832. Não sei se pelo inglês casto, provavelmente não, mas achei um livro chatissimo. Acho que isso se deve a leitura previa do Memórias, que para mim sempre foi o melhor livro, impressão corrigida pelo Dom Casmurro que passou para a minha lista incompleta dos melhores 100 livros da minha vida. Enfim, como bem lembrou meu camarada, lembrar desses detalhes é sempre fundamental para evitarmos a velha patriotada marota.
Então, seguindo a lógica do Lavoisier (aquele do 'nada se cria, nada se perde, tudo se transforma', que foi guilhotinado pelos franceses, não pela sentença cinicamente pertinente, mas pela raiva que todo o serumanu sente da Receita Federal ou IRS - ou seja la que nome essa merda tenha -, da qual ele era arrecadador), o fato de Eça usar traços de Zola, Machado se inspirar em Sterne, Rubem Fonseca melhorar em muito a John O'Hara, nos dá a certeza, que talvez nem venha ao caso aqui, de que fomos engalbelados pelos modernistas ao transformarem uma caracteristica nata do escritor - a angústia da influência, da qual Bloom fala, e que por um passo em falso cai no plágio - num adágio de literatura nacional.

Crítica de Machado de Assis
Publicada na revista O Cruzeiro, 16 de abril de 1878.

Um dos bons e vivazes talentos da atual geração portuguesa, o Sr. Eça de Queirós, acaba de publicar o seu segundo romance, O Primo Basílio. O primeiro, O Crime do Padre Amaro, não foi decerto a sua estréia literária. De ambos os lados do Atlântico, apreciávamos há muito o estilo vigoroso e brilhante do colaborador do Sr. Ramalho Ortigão, naquelas agudas Farpas, em que aliás os dois notáveis escritores formaram um só. Foi a estréia no romance, e tão ruidosa estréia, que a crítica e o público, de mãos dadas, puseram desde logo o nome do autor na primeira galeria dos contemporâneos. Estava obrigado a prosseguir na carreira encetada; digamos melhor, a colher a palma do triunfo. Que é, e completo e incontestável.
Mas esse triunfo é somente devido ao trabalho real do autor? O Crime do Padre Amaro revelou desde logo as tendências literárias do Sr. Eça de Queirós e a escola a que abertamente se filiava. O Sr. Eça de Queirós é um fiel e aspérrimo discípulo do realismo propagado pelo autor do Assommoir. Se fora simples copista, o dever da crítica era deixá-lo, sem defesa, nas mãos do entusiasmo cego, que acabaria por matá-lo; mas é homem de talento, transpôs ainda há pouco as portas da oficina literária; e eu, que lhe não nego a minha admiração, tomo a peito dizer-lhe francamente o que penso, já da obra em si, já das doutrinas e práticas, cujo iniciador é, na pátria de Alexandre Herculano e no idioma de Gonçalves Dias.

Que o sr. Eça de Queirós é discípulo do autor do Assommoir, ninguém há que o não conheça. O próprio Crime do Padre Amaro é imitação do romance de Zola, La Faute de l'Abbé Mouret. Situação análoga, iguais tendências; diferença do meio; diferença do desenlace; idêntico estilo; algumas reminiscências, como no capítulo da missa, e outras; enfim, o mesmo título. Quem os leu a ambos, não contestou decerto a originalidade do Sr. Eça de Queirós, porque ele a tinha, e tem, e a manifesta de modo afirmativo; creio até que essa mesma originalidade deu motivo ao maior defeito na concepção do Crime do Padre Amaro. O Sr. Eça dc Queirós alterou naturalmente as circunstâncias que rodeavam o padre Mouret, administrador espiritual de uma paróquia rústica, flanqueado de um padre austero e ríspido; o padre Amaro vive numa cidade de província, no meio de mulheres, ao lado de outros que do sacerdócio só têm a batina e as propinas; vê-os concupiscentes e maritalmente estabelecidos, sem perderem um só átomo de influência e consideração. Sendo assim, não se compreende o terror do padre Amaro, no dia em que do seu erro lhe nasce um filho, e muito menos se compreende que o mate. Das duas forças que lutam na alma do padre Amaro, uma é real e efetiva - o sentimento da paternidade; a outra é quimérica e impossível - o terror da opinião, que ele tem visto tolerante e cúmplice no desvio dos seus confrades; e não obstante, é esta a força que triunfa. Haverá aí alguma verdade moral? [...]
Croqui de Henrique Bernardelli, Coleção Oliveira Lima

Paulo Francis Again




"É TRISTE ENVELHECER LONGE DOS AMIGOS." PAULO FRANCIS, NUM MOMENTO DE GUARDA BAIXA, EM ENTREVISTA NO PARANÁ

Paulo Francis, 10 anos depois

Imponente. À proporção que a vida avançava, Francis, fraco e delicado como era, ia sendo assumido por ela e pelas circunstâncias, fingindo sempre o contrário, enfunando o peito, olhando de cima, impostando arrogância. Nos últimos 10 anos tinha crescido uns 10 centímetros. Eu olhava e dizia: "Quem não te conhece é que te compra", pois não apenas no fundo, freudianamente, mas logo abaixo da superfície, era uma alma carente, comprável por um afago verdadeiro, tipo, creiam... familiar. Quem leu sua semibiografia verá isso presente na figura de Irene. Irene, a mãe. A falta angustiada da proteção essencial. A eterna busca. A perda irredimível. Tudo, claro, dolorosamente camuflado.
O sucesso foi uma substituição insuficiente para essa sua ânsia, jamais revelada, revelo-a eu agora, esperando com isso iluminar de modo mais belo essa personalidade que de público cortejou sempre o gosto de chatear, criar adversários, até mesmo alimentar ódios, ser insuportavelmente odioso. Diante de alguns de seus acessos – comigo jamais demasiados – eu zombava, parodiando, comicamente, o Horácio final do Hamlet: "Dá-lhe, sweet prince!".
Fallstaffiano na forma e no conteúdo, ampliava o que sabia, o que lia, o que via, enquanto o tempo, esse marcador de vidas do qual ninguém escapa, nos mostrava que não era suficiente para que lesse tantos livros, visse tantos filmes, fosse a tantas exposições, escrevesse tanto. Mas quando, no calor de uma conversa, surgia qualquer assunto, o último livro, a última polêmica internacional, a última exposição no MoMA, as contas que fazíamos de seus exageros morriam. Ele expelia nomes e conceitos, citava autores e fofocas políticas, com justeza e propriedade, sem possibilidade de consulta, ao sabor do momento. Calava-nos. Calávamos.
E zombávamos também, os amigos, por trás ou pela frente, dos seus erros de observação, factuais ou de avaliação. Mas ele assumia o exagero, dava como desprezíveis as próprias incongruências, assim como assumia o grotesco na televisão, chutando as canelas dos "rivais", e cantando com voz roufenha e razoavelmente desafinada o Summertime ou, quem não viu não verá mais, a chiquita bacana lá da Martinica. E foi assim que criou um tipo, que ocasionalmente passou a imitar, antes que outros cômicos o fizessem.
De uma pessoa de tanto sucesso e tão disposta a atacar, justa ou injustamente, tabus nacionalistas, feministas, literários e que tais, com a capacidade intelectual amedrontadora que ele tinha, é muito brasileiro – será só brasileiro? – duvidar da masculinidade. Francis não escapou dessa. Mas eu conheci, estou contando nos dedos, mais de uma mão de mulheres belas e intelectualmente respeitáveis – combinação não muito comum, não sei se sabem – com quem ele se envolveu de maneira intensa e algumas vezes dramática.
Falando apenas do sucesso, sem discuti-lo, não conheço outro jornalista que tenha tido o que ele teve. Foi sempre visível, desde o tempo de suas impiedosas críticas teatrais, passando pelo Pasquim, Folha de S.Paulo, O Globo, TV Globo, e nesta, ultimamente, fazendo o que ele sabia fazer como ninguém – entrevistar personalidades famosas. Em inglês. Tudo a bom preço, que fazia questão de ostentar, materializando, nos grandes hotéis do mundo, na primeira classe dos aviões, nos carros com motorista, no seu ato existencial de todo dia, o "Sorry Periferia", do outrora Ibrahim.
Tinha, na sua profissão, chegado ao máximo, como repercussão, como compensação, como satisfação. Não podia ir mais longe. Me despedi: "Good night, sweet prince".



Veja de Ontem.

Sugerido pelo Pedro Junqueira, grande admirador e diriamos herdeiro novaiorquino do Francis...

My Funny Valentine

Pal Joey é um filme seco. Não é necessariamente ruim, mas cheguei a me perguntar no meio que se não fosse pelo Sinatra, fazendo o papel de um cantor sem muito escrúpulo, da Rita Hayworth, voluptuosa, apesar de já visivelmente vincada pelo peso dos quase quarenta anos, e da Kim Novak, o filme teria me causado a mesma sensação. Afinal, com eles ou sem eles, poderia ter sido um filme melhor contado.

Joey é um cantor de relativo sucesso. O cara é simpático, canta bem – afinal é o Sinatra - engraçado, talentoso e dono de um humor seco e cortante. Numa de suas apresentações encontra um antiga corista, agora viúva de um milionário chamada Vera Simpson – Rita Hayworth. Vera se apaixona por Joey, mas a recíproca não parece ser tão evidente, já que em matéria de sinceridade, não se poderia dizer que o cantor fosse tão transparente quanto os olhos de Vera quisessem ver. Mesmo assim romance se encaminha redondo na fase do encantamento - tem musiquinha no pé do ouvido, olho no olho, o risinho da paquera, Vera ofendida esbofeteando a cara de Joey, o beijo desmaiado que se segue, enfim e tudo mais que não se pode ver. Sinatra era o cara perfeito, cínico, engraçado, talentoso, dono de um humor seco e cortante e além de tudo cantava bem. Vera passa a abrigá-lo em seu barco e financiar uma casa de espetáculos que este teria o privilégio de dirigir. But.... tinha a Linda - Kim Novak - que nas palavras de Vera era o "mouse on the line". Linda era uma mulher, como se diz no filme, como se não houvesse amanhã. Uma típica menina de interior, submissa e apaixonada por Joey.

Ele a traz para o espetáculo que estava montando na casa financiada pela amante, que já se considerava titula do coração de Joey. O problema é que Vera, como ex-frequentadora da noite, não estava disposta a ver sua grana sendo torrada com um camarada sem escrúpulos, e muito menos financiar os casos dele com outras vedetes. Portanto, para se livrar de Linda, Joey sugere, pensando que por escrúpulos esta negaria, que ela fizesse o número de streap tease. Ela aceita, para ficar não apenas no espetáculo, mas perto de Joey – que tem ascendência sobre ela.

Nesse momento Joey põe o sonho a perder, pois ainda nos ensaios interrompe o número e desencadeia a crise que levaria ao fechamento da casa, sem nem ao menos ter sido inaugurada. O xeque-mate dado por Hayworth - ou Linda ou o sonho da casa de espetáculos e todos os benefícios adjacentes – acabou definido a estória que não conto o final, pelo final ser absolutamente dispensável (pois no fundo isso é Hollywood).

Particularmente, eu tinha gostado do roteiro sem saber de quem era. Qual não foi minha surpresa ao descobrir que tinha sido de John O'Hara. Esse camarada tinha escrito o roteiro de um outro filme muito bom que tinha asssitido há um tempo com a Elizabeth Taylor – em seus aureos e voluptuosos tempos – chamado BUtterfield 8. O roteiro também girava em torno do meio artísitico. Uma modelo que, para a mãe, se fazia passar por atriz, mas que no fundo era uma espécie de scort-girl que alimentava a esperança de casar com um milionário por quem se apaixonara. O filme tinha algo de soup-opera, é verdade, mas tirando o arrependimento e aquele choro de desespero dramalhão de Taylor ao revelar para mãe sua vida dupla, que a fez ganhar o Oscar, o roteiro é bom.

Brevemente pegarei algo do John O'Hara para ler. Afinal um cara que é definido pelo John Updike como tão importante quanto Checkov, deve ter algum mérito – ainda que inflacionado. Dizem, também, que era absolutamente controverso. Na coluna que assinou por anos na New Yorker por anos, tinha opiniões bastante conservadoras. Além disso, dizem que era um mestre sem escrúpulos da auto-promoção. Enfim, vou tentar ler o Appointment in Samarra e algo mais dessa figura.

Musica do dia: My Funny Valentine

My funny Valentine
Sweet comic Valentine
You make me smile with my heartY
our looks are laughable
Unphotographable
Yet you're my favourite work of art

Is your figure less than Greek
Is your mouth a little weak
When you open it to speak
Are you smart?

But don't change a hair for me
Not if you care for me
Stay little Valentine stay
Each day is Valentine's day...

You get mistaken for strangers by your own friends

Pustulamente reproduzo o email que o João enviou hoje pela manhã, dia seguinte do show do The Nationals, uma banda do Brooklyn. Bem que ele insistiu para que fossemos.... c'est la vie.



Prezados remelentos,

Perderam um showzaco ontem. O national e uma banda para sentir ao vivo, de som atonal e intelectual com fortissimos emocionantes no fim das musicas. Eles brincam com suas expectativas musicais introduzindo melodias belas e quebrando-as esmagandoas e reconstruindo-as em trilhos diferentes. A musica deles comeca um pouco marcial e serena e ansiosa como a expectativa da batalha, prossegue em trilhos ordenados como nas regras de engajamento, ganha energia e perde a ordem terminando em catarsis, nos gritos de morte morrida do vocalista epiletico. A banda agora traz ao vivo o violinista que parece um filosofo italiano aos 60 anos. Ele sola num violino melodias belas e invulgares. The rosebuds, a banda de abertura (da carolina do norte) foi excelente aperitivo e tocou um roque pop lirico e energetico. Ontem eu me lembrei de emocoes estranhas que ficam esquecidas na rotina e que so a boa arte consegue despertar.

João

Para maiores informações, plezz crique no som Fake Empire e Mistaken for Strangers - uma musiquinha que todo o jovem recém saido do College deve escutar com um certo rancor...
http://www.myspace.com/thenational