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OZUALDO CANDEIAS




Título Ozualdo Candeias
Dimensões: 9x9cm
Data: Fevereiro de 2022
Técnica: Xilogravura

 

Nasceu em 5 de novembro de 1922, e foi registrado nas cercanias de Cajubi, nos arredores de São José do Rio Preto. Mas não sabe se nasceu em São Paulo, ou se nas cercanias de Campo Grande, a caminho de Cuiabá. Era filho de agricultores, e passou a infância e juventude entre São Paulo e Mato Grosso. Seu pai Antônio Ribeiro Candeias, era imigrante português, que veio com nove anos para o Brasil e foi trabalhar em fazendas no noroeste do estado de São Paulo, próximo a Ribeirão Preto. Homem de educação elementar, o pai, chegou a ter uma pequena frota de taxis e uma pensão para nordestinos que chegavam na cidade.

O filho bandonou a escola ainda no primário e foi trabalhar campo. Na idade do alistamento militar, serviu ao Exército como recruta no Mato Grosso. Depois se mandou para o Rio de Janeiro onde passou pouco tempo.

Dentre os inúmeros trabalhos que teve ao longo da vida, foi office-boy, vendedor de sorvete, lustrador de móveis, trabalhou em fábrica de cama, fábrica de armário, fábrica de bolsas, foi metalúrgico, vendedor de sorvete. Trabalhou também como metalúrgico, operário e funcionário público, chofer de táxi e caminhoneiro. 

Não. Seu nome não é Osvaldo. É Ozualdo, com “Zê” e “U”, no lugar do “Ésse” e do “Vê”. Ozualdo Ribeiro Candeias foi o mito do Cinema Marginal – expressão cunhada pelo jornalista e crítico de cinema Jairo Ferreira. E quem o conheceu, era unânime em afirmar que ele cara meio bruto, quase rude, desses metidos a machão, que fala palavrão e cuspe no chão.  

Casou pela primeira vez no final dos anos 1940, conseguiu um emprego público na prefeitura, como fiscal de obras. Comprou um caminhão e começou a fazer entregas, primeiro em São Paulo, depois Rio de Janeiro e Mato Grosso.

Nessas andanças pelo interior, já com o primeiro filho pequeno, teve uma ideia maluca de comprar uma câmera, pois segundo ele, nos caminhos apareciam muitos discos voadores. Convenceu dois produtores a bancar a maluquice, que naquela época custava caro. Eram filmes reversíveis de trinta metros, e a câmera mais barata era a clássica Keystone de 16mm, comercializada a partir dos anos 1930. Viajava com a câmera dentro do caminhão, pelas estradas do Brasil. O vendedor lhe deu umas noções básicas, mas nesses primeiros meses queimou rolos e rolos de filmes com seu amadorismo. Então, passou a ler tudo que lhe caía nas mãos sobre como começar a usar a tal Keystone. Descobriu o que era um fotômetro, diafragma, montagem de produção. Fez esforços tremendos para ler os catálogos e os mais de vinte livros em inglês e francês, sendo engolido por tudo aquilo.

A mãe, pragmática, nunca foi simpática à carreira de cineasta do filho, tanto que quando ganhou o primeiro prêmio com Cinema, a mãe perguntou “quanto é que te deram?”, ele respondeu “nada”, ela “prêmio sem dinheiro, que diabo é isso?”.

Quando assistiu Rio 40 Graus, de Nelson Pereira dos Santos, em 1955, e o bangue-bangue Matar ou Correr, de Carlos Manga, deixou aquela estória fiada de filmar disco voador para trás. E foi fazer Cinema.

Nesse mesmo ano lança o curta-metragem Tambau - Cidade dos Milagres. Filmado em 16mm, já podemos perceber nesse documentário sua atenção dada aos miseráveis e deserdados de toda a sorte, que tentam na figura do padre milagreiro Donizetti, um fio de esperança. Enquanto um narrador irônico fala, o diretor percorre com a câmera o movimentado mercado da fé que funciona fora da igreja, com seus santinhos, revistas contando os milagres, garrafas de água-benta, fitinhas milagrosas.

Ainda com o financiamento do governo do estado de São Paulo, Candeias dirigiu mais dois curtas documentais: Polícia Feminina lançado em 1959 e Ensino Industrial, três anos mais tarde.

Mas foi apenas na década de 1960 que deixou os filmes institucionais, e passou a dar-se a conhecer como um dos pioneiros do cinema marginal nacional.

Em 1963, trabalhou no roteiro de Meu Destino em Tuas Mãos, junto com José Mojica Marins, o Zé do Caixão. E com quem trabalhou no anos seguinte como assistente de direção em À Meia Noite Levarei Tua Alma, com que trabalhou no ano seguinte, como assistente de direção.

Seu primeiro longa-metragem de ficção, A Margem, de 1967, foi realizado praticamente por conta própria, com evidentes falhas técnicas de sincronização de som, roteiro, e dureza das imagens. Foi um filme de baixíssimo orçamento, como quase tudo que ele realizou e por isso mesmo com as falhas características desse tipo de montagem. Os críticos sempre atribuíram a seus filmes, um certo primitivismo e dureza – aliás, dizem as más línguas, que Ozualdo era sempre num primeiro contato, muito mal humorado e seco.

Entretanto, o filme beira a obra prima, e desde a primeira cena, do barco a remo, atravessando as margens do Rio Tietê, já dialoga com obras como Limite, de Mario Peixoto. É absolutamente impossível, não fazer esse tipo de conexão entre os dois filmes, e portanto, entender com quem e com que tipo de tradição, Ozualdo queria dialogar. O enredo girava em torno a história de duas prostitutas, uma branca e uma negra, um cafetão e um homem com problemas mentais. Ainda que as cenas sejam todas fragmentadas - por conta muitas vezes dos restos de rolos de filmes que não davam para filmar um plano de sequência completo -, A Margem é um filme extremamente coerente e bem contado, toda permeada pela trilha jazzística do grupo Zimbo Trio. 

Ainda em 1974, filma e monta a estória de ZéZero, um agricultor pobre do interior de São Paulo, que vive no campo, trabalha duro e não vê perspectiva em nada. Surge, então, uma mulher fina, bonitona, sedutora, que mostra ao protagonista Zé Necas todas aquelas maravilhas da cidade grande: bilhete de loteria, jornal, cinema, fotos de mulher com biquini, cartela do Baú da Felicidade, e tudo aquilo que é bom, mas que pode ferrar um cara. Ou seja, o protagonista não toma outra decisão que não a errada. Abraça com vontade a idéia de sucesso, glamour, vida social e da grana fácil. E chegando na cidade, obviamente a coisa não é bem como ele pensava.

O filme era de fato subversivo na década de 70, e nunca foi exibido. Não por ter sido censurado, mas pelo fato de Candeias ter-se recusado a exibi-lo à Censura Oficial. Exibir ZéZero era, de fato, contestatório e passível de prisão. O caráter marginal e grotesco do filme fica muito evidente nas últimas cenas.

De tanto apostar, ZéZero, ganha na Loteca  -  espécie de loteria federal do Estado. Recebe o dinheiro e decide voltar para o campo. Quando chega ao seu lugar de origem, descobre que muitos parentes e amigos tinham morrido, não restando quase ninguém. Consternado, o protagonista se pergunta o que faria com tanto dinheiro. Nesse momento aparece antiga mulher do princípio do filme, como que fantasiada com fitas de negativos de filme enrolados por todo o corpo. E diz: “enfia no c…”

Ou seja, se você fosse Ozualdo, faria como ele fez. Nem perderia seu tempo preenchendo os formulários do Ministério da Justiça e Polícia Federal para pedir autorização de exibição, de uma fita que evidentemente seria censurada. Até por que sempre sem dinheiro, sem financiamento, tendo que volta e meia fazer filmes institucionais para sobreviver, até quando fosse possível, Ozualdo, ao logo da década de 1970 partiu para o cinema pornográficos e a pornochanchada, para poder sobreviver.

Ele não se tornou um mito na Boca do Lixo, paulista, onde para o bem e para mal se produziam obras primas e fenomenais porcarias fílmicas, à toa.  Ele tinha um cuidado quase fetichista por cada plano do filme -mesmo nas pornochanchadas. Antes mesmo de mergulhar de cabeça no universo das prostitutas, proxenetas, do sexo explícito, ainda fez montagens excepcionais como uma versão caipira para o Hamlet de Shakespeare, que tinha no papel principal de Hamlet, David Cardoso – ator que estourara no ano anterior como Augusto, no filme A Moreninha.

No filme A Herança, pode-se ver o mesmo cuidado com a expressão caipira brasileira – que passava longe das irrelevâncias caricaturais do cinema de Mazzaropi, porém não sem menos ironia, para o espectador atento. Essa certa nostalgia rural era sincera, mesmo que algumas cenas beirasse o grotesco - como de fato acontece no mundo rural. O filme todo tem pouquíssimos diálogos, recheado de atuações duvidosas dos atores, e cenas extremamente toscas como a cruza de cães, e a famosa cena do monólogo, em que Hamlet dialoga com o crânio de Yorick, o falecido bobo da corte - na versão tubi-ornot-tubi de Orzualdo, o crânio de Yorick dá lugar à cacaça da cabeça de um boi. O filme culmina com uma moda de viola, num circo, onde toda a cidade iria assistir a um espetáculo. Praticamente a única cena em que há áudio com voz, e nesta os cantadores, contratados por Hamlet, desmascaram a suposta farsa do casamento da mãe com o padrasto. O filme ainda tem no papel de Fortinbrás, o ator Agnaldo Rayol! 

Uma coisa há de se admitir. Entre coragem e cara de pau, esse cuidado – ou descuido - para além de estético tinha uma razão. Dizem que pela falta de orçamento, acabava fazendo filmes com restos de fitas, que amigos de outras produtoras passavam para ele. Assim, ia os emendando e formando suas fitas. Nessas condições, ele sabia que os erros eram fatais, e talvez por isso mesmo queria realizar todas as fases do filme, desde a produção e orçamento até a montagem final. Se tornou sobrevivente daquele cinema brasileiro heróico e tosco.

Ozualdo, numa entrevista justificou o filme:

“Eu achava que pegando o Shakespeare e passando para o bang-bang, os produtores, que eu sempre achei uns caras inteligentes, poderiam se interessar por esse tipo de coisa. Era um espetáculo e poderia ser o que também chamam de ‘cultura’. Daí eu fiz uma espécie de adaptação, mas quebrei a cara. Ninguém se interessou. Noventa por cento das pessoas que entendem de Shakespeare e de Hamlet só sabem dizer ‘Ser ou não ser‘. Por causa dessa fita, eu tive de andar me defendendo por que eu estava avacalhando com Shakespeare. Era uma transferência que eu estava fazendo: uma Ofélia poderia ser negra porque seria mais brasileiro. Mas quando eu dizia transferência de valores ou de situação, ninguém entendia”.

Ozualdo, com todo o respeito, meteu seu dedo bem fundo nos filmes eróticos da Boca do Lixo. Consta nos créditos de várias produções como As Mulheres do Sexo Violento (1976), de Francisco Cavalcanti; Agnaldo, perigo a vista (1969), de Reynaldo Paes de Barros; Sinal Vermelho As fêmeas (1972), de Fauzi Mansur; A Noite do desejo (1973), de Fauzi Mansur; Com a cama na cabeça (1973), de Mozael Silveira; Maria sempre Maria (1973), de Eduardo Llorente; dentre muitos outros que pode-se não ter a mínima idéia.

Foi um cineasta que construiu narrativas com baixos orçamentos, com personagens baseados em roteiros, mesmo que pouco elaborados, presentes sua vida cotidiana das ruas, dos  seus habitantes do centro, com suas prostitutas e a arquitetura dos casarões decadentes das imediações do bairro da Luz – entregues a uma imensa cracolândia nos dias atuais.   

Atores esquecidos, diretores, escritores, roteiristas, técnicos, enfim, uma infinidade até de atores e atrizes famosos na televisão brasileira, ainda hoje, participaram dessas produções de baixo custo. Muitos famosos e famosíssimos escondem ou desconversam que passaram pelas telas – e por que não pelas camas -  da Boca do Lixo. Mas isso é outra estória.   

Ozualdo Candeias, não. Literalmente nunca deixou de ser maldito. Sua identidade com essa região era tamanha que, já aposentado, durante os últimos anos de sua vida, era uma figura facilmente vista na adjacências da Estação da Luz, já decadente, e para a qual ele mesmo tinha se mudado para um apartamento na Av. Rio Branco. Era quase onipresente nos botequins, falando de cinema ou qualquer outro assunto. E morou nas proximidades da região até seus últimos dias.

Em 2010 Moura Reis publica uma longa entrevista de Ozualdo Candeias para a Coleção Aplausos Cinema Brasil onde o diretor mostra bem quem era: “Levo uma vidinha meio barata, sem muitas exigências, que dá para ir tocando, quase sem terra. Teto, eu tenho. Comprei esse teto trabalhando em uma fita americana. Não lembro o título nem o nome dos caras que vieram filmar no Brasil e tinham que contratar certo número de técnicos brasileiros. Entrei como câmera, iluminador e outras coisas mais, contratado por dez semanas. Eles foram me pagando por semana e no final juntei um troco, não me lembro se 40 mil ou 60 mil na moeda da época, e comprei um mocó aqui perto, na Rio Branco com Duque de Caxias. Gosto de morar no Centro, que tem uma arquitetura muito bonita. […]E gosto do Centro, daqui da Boca e deste boteco. […] Conheço o Teixeira há muitos anos e venho sempre aqui. Gosto da vizinhança. Converso com as pessoas.” 

Sua biografia conta com 11 filmes como Diretor, 13 filmes que participou como fotógrafo, 6 como produtor, 7 como ator, e um como Assistente de Direção -  justamente com José Mojica Marins. 

Morreu em 2007, às 15 horas de uma quinta-feira, aos 88 anos, vítima de insuficiência respiratória no Hospital Brigadeiro, no bairro Bela Vista, deixando 4  filhos, netos, 3 ex-esposas uma penca ex-mulheres. 


http://revistazingu.blogspot.com/2007/03/doc-filmografia.html