Mostrando postagens com marcador Samuel Beckett. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Samuel Beckett. Mostrar todas as postagens

Waiting for Godô


Da serie britânica de 4 DVDs Beckett on Film, assisti quase todos. A bola da vez de ontem foi Waiting for Godot, como já dito por alguém, dificil para um adulto e incrivelmente fácil para uma criança. Waiting.. é um texto enigmático em vários sentidos, mas sem dúvida é a obra prima de Beckett.

Dirigido por Michael Lindsay-Hogg e tendo Barry McGovern no papel de Vladimir, Johnny Murphy no papel de Estragon e Stephen Brennan no papel de Lucky; a peça é dividida em dois atos onde contracenam dois personagens principais Vladimir, chamado de Didi, e Estragon, chamado de Gogo - e no decorrer da estória aparecem Pozzo, Lucky (uma espécie de escravo de Pozzo) e na cena final entra um menino, suposto mensageiro de Godot. A peça começa com ambos, Didi e Gogo, num lugar ermo, uma espécie de estrada, com uma àrvore seca ao fundo e um tempo indefinido entre o dia e a noite. Estragon tenta tirar sua botina, sem muito sucesso até desistir e murmurar... Nothing to be done, não há nada a fazer. Os dois então iniciam um diálogo trivial com uma série de referências bíblicas, tais como quando bem no começo, Vladimir citando o livro de Lucas, começa a falar da crucificação de Jesus e da salvação de dois dos quatro crucificados, se não me engano no fim da pirambeira da via Apia. Vladimir se sente frustado com a limitação de seu interlocutor e essa relação de superioridade impera nos dois atos. Mas os diálogos são triviais que chegam a ser absurdos, sim.

Estão ali esperando um sujeito de nome Godot. Nada se sabe a respeito deste. Durante toda a peça não há o mínimo indício de quem é ele ou o que Vladimir e Estragon querem dele. Interessante observar que a incógnita não interefere no andamento da peça, pois Godot é um ente oculto que em nada interefere na vida dos personagens. Muitos desinformados foram levados a fazer uma associação direta entre Godot e God, associação veementemente refutada pelo protestante irlandes Beckett em vida. Na verdade, penso que não fazer a associação enriquece muito mais a assimilação da peça.

No vazio em que se encontram, Estragon sugere que se suicidem. O efeito é cômico pois rapidamente abandonam a idéia ao se darem conta que talvez um sobrevivesse deixando o outro solitário, hipótese absolutamente imponderável para ambos.

A certa altura passam dois desconhecidos. Um segurando uma longa corda que está amarrada ao pescoço do segundo. Pozzo segura a corda que amarra o pescoço de Lucky, que carrega uma pesada mala. Didi e Gogo, eles que estão esperando alguém que nem sequer conhecem, se sentem assustados com o absurdo da cena. Pozzo decide descansar um pouco e puxar dois dedos de prosa com a dupla Didi e Gogo, que a princípio pensam se tratar de Godot. Pozzo come um frango, toma uma taça de vinho e assim que termina lança os ossos a Lucky que Estragon prontamente tenta alcançar, para embaraço de Vladimir.

Antes de partir Pozzo pergunta se ele poderia fazer algo pelos dois. Estragon tenta perdir algum dinheiro, porém Vladimir corta-o imediatamente, mas aceitam que Lucky dance e filosofe na frente deles. Na peça como se pode ver não há ação, não há profundos sentimentos que liguem os personagens, não há sequer uma trama que amarre a todos, chegou-se a dizer que nas peças de Beckett nada acontece. De fato, nada acontece. Não há a ação que encontramos, por exemplo, nas peças de outros dramaturgos contemporâneos comoEugene O’Neill ou Wilde, ou a profundidade psicológica de um Treplev de Tchekov. Então o que nos torna reféns da poltrona frente à peça?
Tal como tudo que é bom, ilegal, imoral e engorda, o que te prende na poltrona é o paradoxo da atração e do incômodo.

Os paradoxos para espectador são muitos, nem tanto pelo absurdo das cenas e dos diálogos desconexos, mas pelas consequências dos mesmos. A peça é surpreendentemente instigante exatamente pelos fragmentos de diálogos e da narrativa, quase na forma de esquetes que ficam cutucando e incomodando de alguma forma nosso parcimonioso inconsciente sonolento e preguiçoso.
Como diria o porteiro de um lugar onde trabalhei... [Beckett] é celebral!
Tudo de complexo para ele, tal como um drible do Nunes ou um passe do Adílio, era cerebral.

Krapp’s Last Tape

Causou-me espanto a resenha que Coetzee escreveu recentemente sobre o epistolário de Samuel Beckett no The New York Review of Books (Volume 56, Number 7 • April 30, 2009 - http://www.nybooks.com/articles/22612 - ). Espanta por que Coetzee dedica palavras extremamente generosas ao livro The Letters of Samuel Beckett, Volume 1: 1929–1940, especialmente por se tratar de um resenhador sem um pingo de compaixão de seus personagens literários. Enfim, Beckett não é um personagem de Coetzee. Beckett é Beckett, ou em seu melhor estilo: Beckett não é Beckett e sim outro Beckett.

O livro trata desta temática da indefinição, justamente no período mais instável da vida. Trata das cartas da juventude, justamente o período em que Beckett não era o Beckett que conhecemos em Krapp’s Last Tape, Waiting for Godot ou Act Without Words I e II. Segundo Coetzee, mostra-se nessas cartas todas as angústias do jovem escritor frente a indefinição do futuro, frente a sua fragilidade e insegurança como jovem professor de literatura, procurando saídas para a vida sísifica de um profissional que deve viver de ensinar àqueles que não querem aprender.

Isso fica claro com algumas passagens, como a da consternação que Beckett sentia com a possibilidade de se tornar escravo do magistério. Após terminar sua licenciatura em italiano e francês com uma tese sobre Proust, em 1931, Beckett passaria a sentir calafrios com a possibilidade de ser professor. Dia após dia, o introspectivo, taciturno e jovem homem, confrontava-se na sala de aula com os filhos irlandeses de classe média protestante. A experiência é traumática mesmo, só que já enfrentou uma sala cheia de alunos sabe do peso da cruz que Beckett carregou. Além dos fatores psicológicos do enfrentamento, com seu modesto salário de professor se viu obrigado a cuidar da mãe, após a morte do pai. Nesse contexto, passou a publicar short-stories como More Pricks Than Kicks (1934) e a pequena novela Murphy (1938). A falta de grana, a ambição de se tornar escritor e a convivência com a mãe, o tornaram um cara meio amargo. Sobre a mãe escreve ao amigo Thomas McGreevy, "to keep me tight so that I may be goaded into salaried employment. Which reads more bitterly than it is intended."

No entanto persistia na escrita. Continuava trabalhando como professor de línguas no Berlitz school na Suiça e na Rodésia, com propaganda em Londres, e até mesmo como piloto de aviões. Mas, das artes, a carreira que o fascinava era o cinema. Eisenstein, o cineasta preferido. Chegou a escrever para ele pedindo uma vaga para ingressar na Moscow State School of Cinematography. Isso aí foi no final dos anos 30. Coetzee se pergunta, com alguma malícia, como Beckett poderia ter tão olímpico desisteresse por política, num momento em que Stalin, Mussolini e Hitler estavam no poder. […] breathtaking naiveté or as serene indifference to politics? Bem, a pergunta procede, vindo de quem vem, pois pouca gente sabe, mas muita gente desconfia que Coetzee participou dos primórdios da Weatherman – um dos grupos mais radicais da política americana e ao qual Philip Roth dedica o enredo de American Pastoral.

Coetzee sentencia que o pai do Teatro do Absurso, tinha o coração na direita por sua formação protestante. E podia até ser, mas as justificativas para a assertiva, não são explicitadas por Coetzee. Ele lança a questão e desvia dela no paragrafo seguinte, retornando maliciosamente para o aspecto literário de Beckett. Bem, acho estranho que um camarada que tenha participado da resistência francesa fosse um cara tão de direita assim. Mas também concordo com a velha piada que depois da guerra não havia um francês que tivesse apoiado Vichy... Não estaria Coetzee criando uma cortina de fumaça para que esta sua face misteriosa acadêmico-ex-Weatherman, viesse à tona?

No frigir dos ovos... na sanha de assistir todas as peças da série de Beckett on Film http://www.beckettonfilm.com/ , ontem assisti ao Krapp’s Last Tape, um peça escrita em 1958. John Hurt interpreta Krapp nesta peça dirigida por Atom Egoyan.

Uma peça de cenário simples. Uma mesa, uma cadeira, estantes com livros e cadernos de anotação por toda a parte. Sobre a mesa, o elemento principal, um gravador de rolo. Krapp passa a maior parte do tempo sentado à frente do gravador, sob um foco de luz, e um cenário bem definido entre escuridão e luz, passado e presente, história e memória.

Na peça, Krapp é um homem envelhecido que costumava a gravar suas falas num gravador de rolo. Aleatoriamente, encontra a caixa número três, fita número cinco. Na gravação antiga, a princípio, não se sabe ao certo do que se trata, pois há uma série de fragmentos de falas do próprio Krapp. Aos poucos percebemos que Krapp, ao escutar sua voz juvenil, se impacienta com seu passado. Parece-lhe que quando jovem era extremamente arrogante, ególatra e descentrado com a realidade. Em algumas partes, torna-se até mesmo doloroso Krapp escutar sua voz falando de sua relação com uma mulher que visivelmente não se sentia atraida por ele, mas que ele insistia em tocá-la.

“I said again I thought it was hopeless and no good going on, and she agreed, without opening her eyes. (Pause.) I asked her to look at me and after a few moments--(pause)--after a few moments she did, but the eyes just slits, because of the glare. I bent over her to get them in the shadow and they opened. (Pause. Low.) Let me in. (Pause.) We drifted in among the flags and stuck. The way they went down, sighing, before the stem! (Pause.) I lay down across her with my face in her breasts and my hand on her. We lay there without moving. But under us all moved, and moved us, gently, up and down, and from side to side.”

Ao final, ele, talvez, tentando modificar ou amenizar sua história e seu passado, grava uma nova fita sobre sua experiência em escutar suas narrativas e constatar que seu presente de velhice amarga e carente de esperança poderia talvez ser mudado para a posteridade.

“Pause. Krapp's lips move. No sound.

Past midnight. Never knew such silence. The earth might be uninhabited.

Pause.

Here I end this reel. Box--(pause)--three, spool--(pause)--five. (Pause). Perhaps my best years are gone. When there was a chance of happiness. But I wouldn't want them back. Not with the fire in me now. No, I wouldn't want them back.

Krapp motionless staring before him. The tape runs on in silence.”


Um peça que muito faz pensar nessa coisa de ter um blog...