Contentemo-nos com a Ilusão da Semelhança, porém, em verdade lhe digo, senhor doutor, se me posso exprimir em estilo profético, que o interesse da vida onde sempre esteve foi nas diferenças,
FIM DE TARDE no fiM dO mUnDO
Lola Ridge, Mooney and Sacco e Vanzetti
Rosto de Pedra
Eles te esculpiram em um rosto de pedra, Tom Mooney,
Você, lá erguido alto na Califórnia
Sobre a agua salgada do Pacífico,
Com seus olhos chorando... em muitas línguas,
Incitando, inúmeros
Olhos das multidões,
Sujeitando neles todas as esperanças, medos, perseguições,
E disparatadas assinaturas estão rabiscadas em seu rosto de pedra
Em que todos tocaram com seus dedos, para dizer quem te fez durante anos
Para balbuciar como as ondas balbuciam nas pedras... você, um homem
rude,
Educado rudemente, casualmente carregado
Por uma multidão de Primeiro de Maio em São Francisco,
Para ser lançado fora da massa cinzenta - terrivelmente gestada,
fervilhando sem carater,
E criado com torção para a identidade.
Agora eles — que descreveram você claramente, com Sacco e o peixeiro (*),
Na onda dos pergaminho da República —
Olham para cima, com uma irritação confusa, para seu rosto fechado,
Exposto à vista de todos sob o vasto
Olhar das gerações — para ficar lá
Abatido ao nascer do sol, quando a Prisão de San Quentin
Capitular e suas costelas de aço
Alimento para a ferrugem... e o Governador Rolph²
Não passar de mero grão de poeira entre os arquivos.
* Bartolomeu Vanzetti, condenado a morte em Massachusetts em 1921, e executado em 1927, era peixeiro de profissão
Lola Ridge
Rose Emily Ridge foi uma poeta irlandesa que adotou o nome Lola Ridge. Teve uma existência combativa e uma biografia que beirou o infortúnio. Apos a morte do pai, aos três anos de idade, emigou para Nova Zelandia com a mãe, onde casou-se em 1895 com Peter Webster, um dono de uma mina de ouro, e com quem teve um filho. O Casamento durou pouco mais de sete anos. Arrumou a malas, pegou o filho de 3 anos e se mandou para Sidney estudar arte. De la pegou a mãe, entregou o filho para adoção e rumou para Nova Iorque. Na cena novaiorquina, já com 34 anos, como todo o poeta, fez de tudo um pouco, trampando em trabalhos mal remunerados seja nas linhas de produção de fábricas, seja em restaurantes, ou como modelo vivo, para descolar algum extra, num ambiente de extrema pobreza e trabalho duro por muitas horas, ao qual imigrantes eram submetidos. E são.
Apesar de nunca ter militado especificamente em nenhum movimento politico, sua poesia sempre foi marcada pelo envolvimento constante com os movimentos anarquistas e feministas do início do século XX, com a descrição empática das massas urbanas e comunidades de imigrantes da América, cerrando fileiras contra as execuções de Sacco e Vanzetti em 1927, tendo sido inclusive presa por isso. Na década de 1930, ela apoiou a defesa de Tom Mooney e Warren Billings, que foram incriminados por um atentado a bomba em 1916 na Parada do Dia da Preparação, um movimento que protestava contra a entrada dosUsa na Primeira Guerra, em San Francisco.Também foi editora de livros de vanguarda, feministas, e publicações marxistas. Ela é mais conhecida por seus longos poemas e sequências poéticas, publicados em inúmeras revistas e reunidos em cinco livros de poesia.
As longas estradas vazias, Fogos sombrios do pôr do sol, desaparecendo, O céu eterno e indiferente - Willa Cather
Prairie Spring
Evening and the flat land,
Rich and sombre and always silent;
The miles of fresh-plowed soil,
Heavy and black, full of strength and harshness;
The growing wheat, the growing weeds,
The toiling horses, the tired men;
The long empty roads,
Sullen fires of sunset, fading,
The eternal, unresponsive sky.
Against all this, Youth,
Flaming like the wild roses,
Singing like the larks over the plowed fields,
Flashing like a star out of the twilight;
Youth with its insupportable sweetness,
Its fierce necessity, Its sharp desire,
Singing and singing,
Out of the lips of silence,
Out of the earthy dusk.
Pradaria Vernal
O entardecer e a terra plana,
Rico e sombria, sempre silenciosos;
Os quilômetros de solo recém-arado,
Pesado e negro, cheio de força e aspereza;
O trigo em crescimento, o mato em crescimento,
Os cavalos labutando, os homens cansados;
As longas estradas vazias,
Fogos sombrios do pôr do sol, desaparecendo,
O céu eterno e indiferente.
Contra tudo isso, Juventude,
Flamejante como as rosas selvagens,
Cantando como as cotovias sobre os campos arados,
Brilhando como uma estrela no crepúsculo;
Juventude com sua doçura insuportável,
Sua necessidade feroz,
Seu desejo agudo,
Cantando e cantando,
Ausente dos lábios do silêncio,
Ausente do crepúsculo terrestre.
Willa Sibert Cather é uma escritora americana que morreu no ano de 1947. Escreveu clássicos como O Pioneers!, My Antonia, que li quando fiz umas aulas eletivas de Literatura Americana enquanto trabalhei na Oliveira Lima Library, na Catholic University of America, com a perseverante especialista em Paul Valery, Dra. Anca Nemoianu, uma romena formada pela Universidade de Bucareste. Curiosamente, não conhecia quase nada de sua poesia. Desconheci, por anos, por exemplo, a beleza do poema Euridice que foi publicado em 1903, salvo engano antes de comecar a se relacionar com a editora da McClure’s Magazine Edith Lewis, com quem dividiu caminhada até o fim de sua vida em 1947, devastada por um câncer de mama.
Eurydice
A bitter doom they did upon her place:
She might not touch his hand nor see his face
The while he led her up from death and dreams
Into his world of bright Arcadian streams.
For all of him she yearned to touch and see,
Only the sweet ghost of his melody;
For all of him she yearned to have and hold,
Only the wraith of song, sweet, sweet and cold.
With only song to stop her ears by day
And hold above her frozen heart always,
And strain within her arms and glad her sight,
With only song to feed her lips by night,
To lay within her bosom only song—
Sweetheart! The way from Hell's so long, so long!
Euridice
Uma condenação amarga eles fizeram em seu lugar:
Ela não podia ver seu rosto, nem ao menos com a mão tocar
Enquanto ele a conduzia da morte e dos sonhos
Para seu mundo de brilhantes riachos Arcádios.
Por tudo que ela, por tocar e ver, ansiava,
Apenas o doce fantasma de sua melodia;
Por tudo que ela ansiava por ter e segurar,
Apenas o espectro da canção, doce, doce e fria.
Com apenas uma canção para tapar seus ouvidos durante o dia
E aguentar em seu sempre coração congelado,
E sequestrar para dentro de seus braços e contentar seu olhar alegre,
Com apenas uma canção para alimentar seus lábios à noite,
Para deitar em seu peito apenas uma canção—
Querida! O caminho do Inferno é tão longo, tão longo!
Náufragos do escolho
RESENHA
Rogido, Francisco. Náufragos do escolho. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2023. 192 pp.
Há uma novidade de destaque no díspar universo da literatura brasileira contemporânea. A capa neo-surrealista deste livro de contos – tão bela quanto sinistra – tem um piano de calda pairando nas nuvens sobre uma obscura cena de cidade com um cinema ao canto. As pernas do instrumento estão derretendo, e sobre ele se mescla uma imagem de caveiras e bebês mergulhando de cabeça para baixo numa piscina que cai para dentro do piano. A faceta de estranhamento em Náufragos do escolho é reforçada pela epígrafe do volume. Assinada pelo filósofo oitocentista alemão Friedrich Nietzsche, declara: “Não há ninguém que não seja estranho a si mesmo.”
De fato, pode-se dizer que já no título e subtítulo de seu livro de estreia, Náufragos do escolho (ou os 98 infernos possíveis, 63 takes, dois jogos de armar e algumas armas mortais), Francisco Rogido revela dois dos elementos essenciais dessa coletânea. Há, pois, uma relativa, mas inegável, estranheza na escolha do termo “escolho.” Vocábulo um tanto raro na linguagem do dia-a-dia no português do Brasil, ele é derivado de scoglio, em italiano, que significa “espinho”, ou, figurativamente, “dificuldade”, “obstáculo”, “perigo” ou “risco” para os barcos no mar.
Também vemos humor no inusitado catálogo de elementos desiguais que descrevem, entre parênteses, o conteúdo da obra. Exatamente quais seriam, por exemplo, os 98 “infernos possíveis” (talvez haja mais que isso), ou os 63 takes cinematográficos dos contos (será que há tantos)? Tais números talvez não importem, na perspectiva subjetiva de quem lê a obra. Com certeza dialogando com a sétima arte – em particular, nas elaboradas semelhanças estruturais, dialogais, rítmicas e visuais entre filme e literatura – os contos de Rogido proporcionam algum lirismo e alguma crença na bondade humana. É o que se percebe no conto “A falta agrava a tristeza da noite”, onde amor e sexo surgem subitamente entre personagens idosos que se (des)conhecem num hospital sob condições extremamente adversas, inclusive a proximidade da morte (159-165).
No todo do volume, entretanto, prevalecem as acentuadas doses de angústia, frustração, pessimismo, violência, horror e dor, efeitos quase sempre atenuados por ironia, humor, poesia, e, às vezes, por um sentimentalismo muito discreto. Um exemplo é “Lá não existem flores” (158). Apesar de ser um dos contos mais curtos da coletânea, de apenas meia-página, sua linguagem veloz nos leva muito longe no sentido de questionar a injustiça e o vazio existencial que assolam as vidas de tantos pessoas sem muito tempo para o lazer ou para o convívio com familiares e amigos, pois se ocupam de longas jornadas diárias de trabalho e vivem em bairros muito afastados, o que exige que acordem bem cedo (pelas quatro da manhã, como no caso do protagonista anônimo). Esse vendedor de flores se entristece por nunca ter sido capaz de participar dos eventos e ambientes alegres e festivos do tipo aonde vão diariamente as flores que vende. Entretanto, o que mais o inquieta não é essa exclusão ou a falta de filhos. É uma “ideia fixa”, que na sua idade avançada o faz questionar: “quem iria levar flores a seu túmulo, já que as luzes das estrelas se apagaram?” (158).
Magistralmente desenvolvidas nos limites e poderes da palavra escrita em seus múltiplos e variantes takes e tons, as narrativas de Rogido tanto nos trazem consternação e vergonha da espécie humana quanto nos induzem ao carinho e à compaixão por centenas de personagens que, na sua maioria, são indivíduos pobres, como operários ou pessoas de classe média baixa, cujas existências, sentimentos mais profundos e visões de mundo pouco aparecem nos romances, revistas ou telenovelas. Na maioria das vezes, eles são os indivíduos (des)retratados nas reportagens de crime nos jornais e telejornais. Com certeza, dezenas dos personagens de Náufragos do escolho sofrem com as limitações e contradições de suas circunstâncias cognitivas, existenciais, intelectuais e socioeconômicas. Como cada um de nós, porém, são todos seres humanos e possuem um enorme potencial para inesperada superação e imprevista conformidade com os nossos próprios escolhos, inclusive aqueles que de repente podem empurrar quaisquer pessoas rumo ao delito, mesquinhez ou maldade, ou engendrar uma lição transformadora de empatia, generosidade, e perdão.
A inclusão de crimes na literatura é prática muito mais antiga, naturalmente, mas não há como não ver semelhanças entre as narrativas de Rogido e a abordagem de temas afins em Machado de Assis, especialmente onde o autor de Dom Casmurro explora os mistérios e defeitos morais da mente humana e as camadas invisíveis, capciosas, ou intersecionais do real. Por outro lado, o macabro e o imponderável no submundo dos contos de Rubem Fonseca, a linguagem concisa e popular em Dalton Trevisan, assim como o humor sardônico, sutil e sofisticado em Luis Fernando Verissimo, também têm eco em Rogido.
Em Náufragos do escolho há ainda outras semelhanças com mais vozes de relevo na literatura brasileira. Entre essas marcas, observa-se em Rogido a poesia do cotidiano e das reflexões filosóficas de Ana Cristina Cesar, a coragem estética e a destreza narratológica de Cassandra Rios ao questionar as sombras e os mitos da sexualidade humana (seja ela heteronormativa ou anticonvencional), e a determinação de Márcia Denser para evocar ideologias de gênero e assim contribuir para a emancipação das mulheres. Podemos até mesmo suspeitar da atuação dos princípios conceituais e metodológicos similares aos de Clarice Lispector, aqueles por trás da elaboração e utilização do formato fragmento, que, aliás, nem em Rogido e nem Lispector é exatamente “fragmento”, por se fazer complexo e autossustentável, apesar de seu minimalismo.
Muitas vezes narradas em primeira-pessoa por homens ou mulheres, ou ocasionalmente um animal, mesmo que já defunto, como no desconcertante conto “5x7” (11-14), as histórias de Rogido realmente nos colocam sob a pele de centenas de seres. Eles nos iluminam através das suas perspectivas sobre os desafios do viver e suas necessárias ações práticas, às vezes até mesmo diante de momentos-tabus, como o de quando lidar com o corpo de um (talvez) parente morto. Para ilustrar, vale recordar o comportamento de um cliente de Mateus Araripe, um autodeclarado “esteticista” funerário.
Desde o início do diálogo ligeiro, sem contextualização, que abre o primeiro conto da coletânea, intitulado “Mateus,” perpassamos um estranho humor através de fatos repugnantes e possíveis decisões oportunistas. “O senhor é parente?”, pergunta o esteticista. Evasivo, responde o cliente: “Pode ser” (9). Mateus faz saber: “Vai vazar... [...] Daqui a pouco vai começar a vazar pelo nariz, pela boca, por todos os orifícios. A tendência é que todos os odores seguidos dos líquidos saiam” (9). Após os dois acertarem o preço do serviço (800 reais incluindo a maquiagem do defunto, a venda da roupa, do terço, etc.), o cliente não hesita: “Fechado, vou te dar 900, mas quero o terno e os sapatos de volta” (10). O esteticista se mostra surpreso: “Que é isso, doutor... Que horror... Eu pensei que o senhor...” (10). O cliente não cede: “Pensei... pensei... o mundo está cheio de filósofos, intelectuais e gente que pensa que pensa mais que qualquer outro” (10). Logo arremata: “quem pensa demais acaba se enganando... Não esqueça a aliança, e os dentes de ouro, eu os quero também” (10).
Dário Borim Jr.. É tradutor, fotógrafo e professor de Literatura Brasileira na University of Massachusetts Dartmouth.
Quarenta Anos
QUARENTA ANOS
Mary Oliver
Durante quarenta anos
folhas de papel branco
passaram por minhas mãos
tentei melhorá-las em paz, na sua paz
Suprimindo vazios
pequenos nós, pequenos feixes
de letras palavras
pequenas chamas saltando
Nenhuma página
era menos que um discurso fascinante
cheio de cadência,
em seus pálidos nervos escondidos
Nas curvas dos Qs
atrás dos sinceros Hs
nos pés plantados dos Ws
quarenta anos
E novamente nesta manhã, como sempre,
estou parada enquanto o mundo regressa,
úmido e lindo, estou pensando
naquela linguagem
Nem é um rio, nem uma árvore,
nem é um campo verde,
nem é uma formiga preta viajando
rapidamente em sua modéstia
É um dia a dia,
de uma página dourada a outra.
Mary Jane Oliver foi uma poeta americana que ganhou o National Book Award e o Prêmio Pulitzer. Seu trabalho tem como principal fonte de inspiração a natureza: Gostava mais de bicho e planta, do que gente. O que é bem compreensível. Escrevia de forma clara e transparente, de forma que tanto um douto como um carpinteiro podiam entendê-la.
-
Advirto-o a título de informação. Você está entrando na postagem mais visitada deste blog. "Leio os jornais para saber o que eles estão...
-
Ele desempenhou papel fundamental na história do cinema nacionale teve em seus braços as atrizes mais gostosas, como Sonia Braga, Kate Lira ...
-
Das coisas que se procura em vão na web, nem sempre o que debalde se encontra é o que infrutífero resulta. Por diletantismo apedeuta, própri...