LUIZ PACHECO

 


Título: Luiz Pacheco
Dimensões: 9x9cm
Dimensões: 9x9cm
Técnica: Xilogravura
Data: Maio de 2022
 
 
Luiz José Gomes Machado Guerreiro Pacheco foi um poeta surrealista, editor, crítico literário, enfim um comunista e grande polemista, de quem se disse quase tudo de mal e feio, enquanto vivo e depois de morto. Nasceu em Lisboa a 7 de maio de 1925. Era filho único de uma família de classe média de origem do Alentejo, o pai era funcionário público e músico amador. Na juventude, Luiz Pacheco teve alguns envolvimentos amorosos com mulheres menores de idade, o que o levaria por duas vezes à prisão.
 
Estudou no Liceu Camões e frequentou o primeiro ano do curso de Filologia Românica da Faculdade de Letras de Lisboa. A partir de 1946, trabalhou como agente fiscal da Inspeção Geral dos Espetáculos, acabando por se demitir, por ter se cansado do trabalho. Essa inconstância juvenil o acompanhou por quase toda sua vida, conformando a trajetória de sua existência atribulada. Cada vez com mais filhos e sem meios de subsistência para sustentar as famílias já numerosas e crescentes - que ao todo foram 8 filhos de 3 mães adolescentes - chegou mesmo a viver em alguns momentos às custas de esmolas, hospedando-se em quartos alugados e indo parar à fila da Sopa dos Pobres.

A partir de 1945 começa a fazer alguns amigo  e inimigos quando começa a publicar diversos artigos em vários jornais e revistas, como O GloboBlocoAfinidadesO VolanteDiário IlustradoDiário Popular e Seara Nova. Em 1950, funda a editora Contraponto, onde publica escritores como José Cardoso Pires, Maria Lisboa, Raul Leal dentre muitos outros de quem, inclusive, conseguiu ser amigo.

Foi sempre muito próximo dos surrealistas portugueses e verdadeiramente o seu primeiro e apaixonado editor. A relação começa por volta de 1953 quando publica o Manifesto Surrealista “Afixação Proibida”. O crítico João Gaspar Simões chamou-o de "sacristão do surrealismo", se tornando amigo íntimo de António Maria Lisboa e de Mario Cesariny, que mais tarde cortaria relações com Pacheco por desavenças intelectuais, mas que de fato se deviam à questões paralelas. Quando em 1959 Cesariny troca a Contraponto pela Guimarães Editores, o caldo entorna. Pacheco sente-se traído e aproveita a ocasião de uma exposição de pinturas de Cesariny para escrever um artigo “Cesariny ou do Picto-Abjeccionismo” onde expões 3 razões para se detestar as pinturas de Cesariny, dentre elas, acusações de que se vendera ao Mercado, e de que a obra não passaria de um bluff surrealista, o que a geração atual talvez chamasse de fake. A briga se prolonga por alguns anos e Cesariny. O espólio dessa guerra é recolhido por um Pacheco com faro de editor, para publicar em 1974 o volume Pacheco vs Cesariny. Cesariny por sua vez funda o jornal O Gato, onde revela implicações sobre a suposta homossexualidade de Pacheco. Fato que Pacheco jamais perdoaria em Cesariny, e sempre que tinha a oportunidade de soltar algum veneno contra o antigo desafeto o fez, mesmo depois da morte de Cesariny.
 
Abrasivo, Pacheco era um homem sem filtros no melhor estilo das personalidades encrenqueiras e bipolares. Um crítico furioso, mas com uma lucidez provocadoramente genial. De sua boca saíram pérolas de insultos que muitos já até chegaram a pensar, mas pouquíssimos teriam a coragem sequer de dizer a primeira sílaba de seus pejorativos. Para ele, o escritor Fernando Namora era menor que um cão, Saramago deveria ter parado de escrever em “Memorial do Convento”, Inês Pedrosa era uma estúpida, Natália Correia uma devassa, e Cesariny, por alguns anos um dos seus melhores amigos literários, era um poeta de urinóis. Mais direto, corrosivo e politicamente incorreto, impossível.
 
Com Herberto Helder chegou quase às vias de fato. Dizem que na ocasião da publicação de O Corpo, o Luxo, a Obra, Helder havia decidido com Victor Silva Tavares de fazerem uma edição quase artesanal, de apenas 250 cópias. Mas, um amigo encontra uma versão pirata da obra numa das livrarias de Lisboa, assinada pelo nosso bom e velho safado, Luiz Pacheco, ex-editor da Contraponto, que agora decidira por conta própria publicar o mesmo livro, engabelando o velho amigo. Aquilo deixou Herberto furioso, e com razão.
 
Quando se encontraram num café, o tempo fecha, e o velho Pacheco, depois de provavelmente ter a mãe xingada várias vezes e seu esfíncter vilipendiado com as mais deselegantes metáforas, joga um copo de cerveja na cara de Herberto. Este, revida quebrando uma garrafa em sua cabeça. Todos pensavam que aquilo não ia terminar bem. E realmente não se sabe como terminou. Não se sabe se o tacanho Luiz Pachedo pagou aquela rodada de cerveja, ou não, saldando a dívida de copyright, mas o fato é que pouco tempo depois já estavam os dois de boas, dizem uns, e outros dizem até que rindo de toda aquela situação.
 
Pacheco era alto, magro, careca, usava óculos de lentes grossas decorrente de fortíssima miopia. Beberrão, porém hipersensível ao álcool desconcertava-se facilmente. Além do mais, era um inveterado hipocondríaco, o que lhe dava um ar compassivo pela sua asma crônica e caricato por vestir roupas usadas e andrajosas, ao mesmo tempo.
A sua obra literária, constituída por pequenas narrativas e relatos (nunca se dedicou ao romance ou ao conto) tem um forte pendor autobiográfico e libertino, inserindo-se naquilo a que ele próprio chamou de corrente "neo-abjeccionista". Em O Libertino Passeia por Braga, a Idolátrica, o Seu Esplendor (escrito em 1961), texto emblemático dessa corrente e que muito escândalo causou na época da sua publicação (1970), narra um dia passado numa Braga fantasmática e lúbrica, e a sua libertinagem mais imaginária do que carnal, que termina de modo frustrantemente num onanismo solitário.
Excêntrico, em 1989, Luiz Pacheco tornou-se militante do PCP, segundo o próprio afirmou em entrevista, "para ter um enterro igual ao de Ary dos Santos". Morreria 19 anos depois, sem a mesma pompa de Ary. Passou os últimos anos fisicamente debilitado, quase cego em decorrência de uma catarata, na casa de um filho, e posteriormente passaria por quatro lares de idosos na cidade de Montijo. Morreu a 5 de Janeiro de 2008, a caminho do hospital de Montijo.
 
 


MANUEL DE CASTRO

 



Título: Manuel de Castro
Dimensões: 9x9cm
Dimensões: 9x9cm
Técnica: Xilogravura
Data: Maio de 2022
 
Manuel de Amorim de Castro Cabrita morreu muito jovem, aos 36 anos, a 12 de Setembro de 1971, após 5 anos de sofrimentos, deixando esposa e duas filhas. Tendo estudado em seminários religiosos, tornou-se um homem de vasta cultura. Tinha grande facilidade com idiomas, tanto que nas férias de verão, ele e o padrinho, o então Ministro da Justiça Manuel Rodrigues, traduziam as notícias do Diário de Notícias para o latim, por pura diversão. Além do latim, dominava o espanhol, francês, inglês, italiano, alemão e o dialeto de Heidenheim, cidade em que viveu por 4 anos e acabou como interprete da polícia local, devido a quantidade de imigrantes de outras partes da Europa.

O poeta Manuel de Castro viveu os primeiros anos da infância em Goa, onde seu pai Henrique de Mesquita de Castro Cabrita era encarregado do Governo colonial, e depois viveu em Lourenço Marques, em Moçambique, para onde o pai foi transferido. De regresso a Lisboa, com a família, acaba por perder a mãe, Ana Maria Luísa Henriqueta de Mira Godinho Gomes da Costa Massano de Amorim de Mesquita de Castro Cabrita, aos 6 anos em circunstancias trágicas -  que uns dizem, vítima de feminicídio, espancada até à morte pelo marido, outros, suicídio. Sendo enviado dois anos mais tarde para o Seminário dos Padres da Consolata, uma ordem italiana recém chegada a Portugal. Sem vocação sacerdotal, foge do seminário, tornando-se nos aos seguintes um autêntico autodidata adquirindo conhecimentos em vários ramos das Humanidades e aprendendo vários idiomas. De volta à casa encontra o lugar da mãe preenchido por outra senhora, pouco hábil para gerir a situação, o que lhe causou novo choque emocional, atenuado anos mais tarde pelo nascimento de um irmão com quem estabeleceu laços mais fortes dos que sempre tivera com seu irmão Germano.

Em 1958 imprimiu o seu primeiro livro de poesia (A Zona), no mesmo ano aliás em que se casou com Maria Natália de Lima Freire de Castro, com quem teria duas filhas. O livro nunca foi comercializado e apenas oferecido a alguns amigos. Mais tarde publicou o Paralelo W com capa do desenhador [João Rodrigues (1937-1967)], e depois a Estrela Rutilante.  Estrela Rutilante, inclusive, fez parte de uma coletânea que está presente em três das quatro cartas dadas a conhecer por Helder Macedo, então em viagem a Londres, via África do Sul.

Com a repercussão de suas obras, abriu-se as portas para o mundo das letras e do jornalismo literário. Assim, tinha uma coluna nos jornais A República e o Diário de Lisboa. Publicou também no Diário Ilustrado - jornal de elites que teve curta duração, na Via Latina - jornal literário da Academia de Coimbra, e no Jornal do Fundão. Teve passagens pelo Notícias da Amadora e colaborou em outras revistas, tais como a revista Pirâmide (1959-1960) ao lado de nomes como a pintora Maria Helena Vieira da Silva, a poetisa Natália Correia, Edmundo de Bettencourt e outros grandes nomes da cultura portuguesa. E finalmente marcou presença nos Cadernos do Meio Dia, na Poesia 71, na Colóquio - Revista da Fundação Calouste Gulbenkian, na Árvore, na ETC, na Contraponto.
Como tradutor, fez várias traduções de livros, como por exemplo O Dossier do Catecismo Holandês, A Paixão do Incesto e obras do antropólogo Claude Levi Strauss, além de Expédition Orénoque - Amazone do poeta Alain Gheerbrant.

Castro foi um poeta de biografia curta, difícil e tempestuosa. Homem de vasto saber, teve um período escolar e acadêmico, em geral, tumultuado e irreverente, na busca perseverante por acumular conhecimentos. Como todo o autodidata, interessou-se por ramos de conhecimento que envolviam as humanidades, poesia, filosofia, literatura e línguas. Como já dito, dominava sete idiomas e mantinha uma relação de resistência com o mundo ao seu redor. Não raros são os comentários de amigos que se refiram ao seu alcoolismo e ao seu humor instável. Alguns contabilizavam a geniosa personalidade no trauma da perda da mãe. E exemplos não faltam no anedotário em torno a ele. Para alguns era extremamente tímido e sem jeito para o convívio social. Por exemplo, se alguém lia algum poema que não gostasse, não tinha papas na língua para demolir o declamador. Provocador, envolvia-se em brigas discussões grosseiras, bebia cada vez mais e mesmo já diagnosticado com a doença que o mataria, não parava de beber. Acabou por falecer em Lisboa a 12 de setembro de 1971, após 5 anos de porres, ressacas e sofrimentos.  

ANTÔNIO GANCHO

 



Título António Gancho
Dimensões: 9x9cm
Data: junho de 2022
Técnica: xilogravura
 
António Luís Valente Gancho foi um poeta português, nascido EM 1940, na Rua dos Touros, n.7, em Évora. Poucos mais do que alguns episódios erráticos se sabe de sua infância. Sabe-se, por exemplo, que a família muda-se de Évora para Lisboa em 1957, quando o rapaz tinha 17 anos, e que teve um certo amor não correspondido no Liceu, por uma tal Gisela. Sabe-se que a avó morreu no ano de 1972, quando este já estava ingressado em instituições psiquiátricas, e que a após a morte do irmão não voltou mais a escrever. E não muito mais se sabe deste homem que é poeta.

Vítima das misérias institucionais do Estado e até mesmo de abuso psiquiátrico, António Gancho viveu desde seus 28 anos, em instituições psiquiátricas, internado primeiramente no Hospital Psiquiátrico Júlio de Matos após uma tentativa de suicídio, e, a partir de 1967, definitivamente na Casa de Saúde do Telhal, uma instituição psiquiátrica pertencente à Ordem Hospitaleira São João de Deus, na região de Sintra. Aí morreria o poeta em 2 de Janeiro de 2006. Foram 38 anos de sua vida em tais manicômios.

Afastado forçosamente da convivência editorial devido ao seu internamento, foi através do contacto com alguns amigos dentre os quais se destacam Álvaro Lapa, Ernesto Sampaio, António Palolo e Mário Cesariny, que frequentavam o mítico Café Gelo, e que eram ligados ao grupo dos surrealistas, que a sua produção chegou às mãos de um editor. Foi Álvaro Lapa, pintor e escritor, seu conterrâneo de Évora e frequentador do mítico Café, quem arranjou um editor quando o poeta disse que tinha um livro para publicar.
A poesia de António Gancho permaneceu inédita até 1985, data em que Herberto Helder reuniu, na sua antologia Edoi Lelia Doura, onze poemas do autor até então completamente desconhecido. Helder convidou-o para com uma seleção de 11 poemas em sua antologia Edoi Lelia Doura das Vozes Comunicantes da Poesia Moderna Portuguesa (Lisboa: Assírio & Alvim, 1985).

Posteriormente viriam dois livros O Ar da Manhã, de 1995, com toda a sua poesia reunida desde a década de 1960 até 1985, e As Dioptrias de Elisa de 1997. Para os que queiram se iniciar na poesia de Gancho, O ar da Manhã é um livro interessante, dividido em três conjuntos autónomos de poemas («Gaio do Espírito», 1985/86, «Poesia Prometida», 1985, e «Poemas Digitais», 1989). Trata-se de uma série de poemas que ora, exploram um jogo de palavras e sentidos que permitem quase uma materialidade sonora que ocorre em «Route / Rota / Caminho puro e são / Chanção / Coração / Sahara / Uazara / Oasara / Oasimara», ora traçando uma interessante intertextualidade com outros autores, como quando faz um tributo a François Villon e Oscar Wilde, escrevendo poemas em seus idiomas originais. Tais poemas provam que dominava do idioma francês e do inglês. 

Por vezes imprimia uma lucidez obscura, noturna, talvez decorrente dos sofrimentos e privações em instituições psiquiátricas, “Noite, vem noite sobre mim sobre nós/ dá repouso absoluto de tudo/ traz peixes e abismos para nos abismarmos/ traz o sono traz a morte…”