Contentemo-nos com a Ilusão da Semelhança, porém, em verdade lhe digo, senhor doutor, se me posso exprimir em estilo profético, que o interesse da vida onde sempre esteve foi nas diferenças,
Grande Hotel
A belga Lotte Stoops reinventa com elegância o presente e revive imprecisão passado do Grande Hotel, um suntuoso hotel que teve vida curta durante os últimos anos da colonização portuguesa no território africano, mais especificamente na cidade de Beira em Moçambique. O seu documentário sobre uma das mais mal acabadas obras do “poder colonial” português na Africa é um exemplo do muito que nos diz, a brasileiros e moçambicanos, sobres os sentidos da colonização. Uma vez fabulosamente rico, o Grande Hotel, um edifício que é mais uma cidade dentro da cidade, foi um luxuoso hotel foi construído em 1955 pelo empreendedor português Arthur Brandão, numa enorme àrea de 12.000 metros quadrados. Desta cidade e do gigantesco hotel, sobrou apenas um esqueleto, povoado hoje em dia por 3.500 seres viventes que habitam suas ruínas, tentando criar em cada canto um lugar habitável em meios aos escombros e a sujeira. Mais do que um simples documentário sobre a história deste hotel, o filme retrata que nem a megalomania colonial, nem a vaidade ideológica, conseguiram tornar o lugar eficiente.
Mesmo antes do colapso colonial, o hotel ja havia falido pelo fato de que a obra deixou de ser rentável já na planta. Construído em 1955, o hotel ofereceu aos seus residentes este pequeno paraíso em grande dimensões por apenas 11 anos. Com a falência, dez anos antes da queda do sistema colonial, não demorou muito até que as suites se transformassem em lixeiras, as salas de jogo em bordeis e a piscina num pântano. A revolução, e guerra civil, acabou com seu propósito – se é que havia algum. Grande Hotel passou a ser uma grande ruína, e o lugar que, supostamente, uma vez recebeu presidentes, reis, políticos e o mais alto escalão do poder colonial, passou a hospedar trabalhadores, refugiados, conselhos guerrilheiros, prostitutas e fanáticos religiosos.
O luxo desapareceu. O que restou foi sendo dilapidado, roubado e vendido. E nesse processo, tudo passou a ser moeda de troca: azulejos, portas, vitrais, janelas. Hoje em dia, no lugar dos corredores há todo o tipo de comércio e prestação de serviços que vão desde a venda de comida em condições de higiene precária à presença de salões de cabelereiras. E para um lugar onde não há luz, água, saneamento, nem esperança, há uma dinâmica paralela, que Lotte Stoops se esforça em mostrar intercalando os comentários mais non-sense daqueles que viveram e ainda se lembram do hotel, com imagens dessa estranha miséria que gera uma honesta solidariedade.
As passagens onde uma hospede octagenária lembra com ingenuidade e barbárie de uma recepção de casamento, anos após o fechamento do hotel, de um ofical colonial de alta patente portuguesa é impagável sobre o choque de culturas. A pobre mulher diz que a festa tinha sido tão opulenta, que só se lembrava das muitas vezes que fora ao banheiro para forçar o vômito e voltar para o salão para comer tudo de bom que o banquete da festa oferecia. Todo o luxo que habitou aquelas paredes, desapareceu para sempre.
A diretora, além de percorrer todo o edifício e entrevistar os que lá vivem, mostrando o seu quotidiano, teve o cuidado de intercalar comentários bizarros e muitas vezes preconceituosos com a realidade presente das pessoas que vivem lá e se adaptam à adversidade de viver nas ruínas. Algumas imagens muitas vezes reforçam o argumento dos que frequentavam o hotel como hóspedes. Por exemplo, onde um dia foi o centro de conferências hoje temos uma mesquita, e a piscina olímpica, hoje com um resto de àgua verde, serve de lavadouro de roupas e balneário público. Entretanto, os seus atuais habitantes, que por sua capacidade de adaptação e a estranha solidariedade que a adversidade gera, já se consideram “whato munos”, nativos. Com sua capacidade de adaptação criaram seus próprios mecanismos de defesa e vigilância, onde em cada corredor de dez apartamentos há um vigilante. Um destes é Mateus, uma espécie de zelador/síndico do edifício. Segunda geração no prédio, ele é filho de um antigo funcionário do Hotel, ainda do tempo em queo Hotel recebia hóspedes como Kim Novak, alugava seus quartos para ir fazer safaris na Africa.
Música do dia. O Povo no Poder. Azagaia.
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