Casa de Bonecas é uma magnífica peça em moldes feministas de 1879. Na versão escrita original, Ibsen ambienta toda a ação num cômodo da casa, geralmente na sala de visitas, nas vésperas de Natal. A versão de 1973 que assiti, dirigida por Patrick Garland, é filmica e diga-se de passagem estática, com poucos mas distintos cenários, ainda que os diálogos sigam em grande medida o roteiro original de Ibsen.
Toda a trama se passa em torno à família Helmer. Anthony Hopkins é Torvald Helmer, o diretor de um pequeno banco de investimentos, um businessman extremamente concentrado em seus negócios, casado com a delicada e confusa Nora Helmer. Torvald, em sua concepção, tem uma casa perfeita, com empregados conscienciosos que servem a filhos perfeitos, bem como à sua esposa perfeita. Nora Helmer, com seu toque feminino, esforça-se a nível da quase-insanidade para que este mundo construído por Torvald continue assim, como numa casa de bonecas. Lendo a peça, me pareceu vagamente que Torvald Helmer seria um homem autoritário. Impressão apagada pelo efeito desconstrutor que Anthony Hopkins imprime ao personagem, tirando-lhe o peso maniqueista que por vezes o leitor carrega da leitura e tranformando-o num tipo refinado, de gestos contidos, e um tanto edulcorado.
De certo que em toda a peça há um certo maniqueísmo nos diálogos, com uma forte dose de moralidade sobre qual seria o papel dos esposo e da esposa num casamento em moldes conservadores e (?) vitorianos – nem sei se o termo se aplica à Noruega. Curiosamente o Natal não é apresentado como uma festa religiosa e quando o celebram, o fazem com danças e fantasias fora de casa. Interessante, pois no ajuste das contas finais entre Nora e Torvald, no terceiro ato – da peça escrita - , ela evoca essa referência referindo-se a tudo a sua volta com uma ótica absolutamente material, querendo, mas sem poder, se distinguir da ótica do próprio Torvald.
Neva fora. Nora faz os últimos arranjos na decoração de natal. A neve que Ibsen evoca constrasta com o calor artificial do lar dos Helmer, por um motivo específico. Nora, anos atrás cometeu um crime de estelionato para cobrir uma dívida de Torvald, sem este saber que as promissórias tinham sido assinadas em seu nome pela própria esposa. No fim do primeiro ato, Nora é chantageada por Nils Krogstad, um empregado do banco onde Torvald ascende profissionalmente. A razão da dívida é um tanto obscura. Algo relacionado a uma viagem a Itália. Algo relacionado ao pai de Nora, que considerava Torvald um incapaz financeiro... enfim, algo que em hipótese alguma justificaria o crime. A razão da chantagem é a falta de confiança que Krogstad inspira em Torvald. Na corda bamba, tendo seu emprego em jogo, Krogstad decide chantagear a esposa do chefe.
Nesse momento, uma velha amiga de Nora, Mrs. Linde, retorna à cidade procurando emprego já que encontrando-se viúva e com filhos, procura no trabalho o preenchimento de seu vazio vital. Linde conversa com Nora, enquanto Dr. Rank conversa com Torvald no escritório deste. Linde pede para que Nora interceda por ela junto a seu marido com o intuito de conseguir-lhe um emprego no banco. Nora revela a Linde o episódio da falsificação da assinatura e do empréstimo e pede para que esta consiga as promissórias assinadas com Krogstad. Nesse momento, em que Rank e Torvald deixam o estúdio, enquanto Torvald comenta sobre a corrupção da sociedade, Krogstad chega e entra no estúdio para pedir que Torval d o mantenha em sua posição já que há fortes desconfianças de sua retidáo moral. Do lado de fora, Dr. Rank, que arrasta uma asa por Nora numa atitude que lhe causa a fascinação de algo semi-proibido, ousado, afirma que Krogstad e um dos seres mais corruptos do mundo. Dentro do escritório Torvald comunica a Krogstad que seu posto foi dado a Linde.
Nesse momento começa a triangulação que se desenrolará nos próximos atos. Krogstad procura Nora pressionando-a para que ela consiga seu posto de volta, com a condição de que caso não consiga revelará o crime ao seu marido. Linde, a pedido de Nora, procura Krogstad tentando convencê-lo de que volte atrás. No entanto, no momento em que Linde chega a casa do chantagista, a carta reveladora, escrita por ele, já havia sido enviada. Essa tensão se arrata pela noite de natal, com a carta enviada, já na caixa de correios, até que finalmente de volta da festividade, Torvald decide conferir sua correspondência. Encontra dois cartões de visita de Dr. Rank com cruzes negras. Torvald não entende a mensagem, mas Nora, ainda em estado de choque pelo seu destino iminente, revela que Rank – um homem absolutamente apaixonado poe Nora - se mataria naquela noite. Quando Torvald prepara-se para entrar em seu estúdio e conferir o resto de sua correspondência, Nora se retira e se prepara para deixar a casa. Nesse momento decisivo e dramático da peça, Torvald para-a agressivamente, desesperado, aturdido, dizendo coisas sem sentido, atacando-a verbalmente agitando a carta de Krogstad nas mãos. Torvald, desesperado, apenas preocupa-se com o abalo de sua carreira em ascensão. Culpa-a de maneira despropositada por qualquer iminente ameaça. Seu amor desesperado pela esposa se desfaz como numa onda que varre um castelo de areia. Ele a insulta sem que ela reaja, sem que ela se altere na condição humilhante em que se encontra naquela espécie de estágio de vigília inicial de um longo sono. Nesse momento a empregada entra com mais uma carta. É uma segunda carta de Krogstad se desculpando por tudo contendo as as letras de câmbio assinadas por ela. Torvald exultante abraça-a e tenta a reconciliação, após a série de palavras insensatas despejadas na discussão de instantes anteriores. Propõe a reconciliação e que tudo volte ao normal.
É tarde. Tarde demais. O diálogo final, é um dos grandes e memoráveis momentos da história do teatro. Ele compassivo, ela encarcerada em seu mimetismo. Eh comovente a força de uma mulher que não sabe exatamente para que direção partir, mas que não tem outra saída se não a de deixar para trás o passado, irreconciliavelmente.
Toda a trama se passa em torno à família Helmer. Anthony Hopkins é Torvald Helmer, o diretor de um pequeno banco de investimentos, um businessman extremamente concentrado em seus negócios, casado com a delicada e confusa Nora Helmer. Torvald, em sua concepção, tem uma casa perfeita, com empregados conscienciosos que servem a filhos perfeitos, bem como à sua esposa perfeita. Nora Helmer, com seu toque feminino, esforça-se a nível da quase-insanidade para que este mundo construído por Torvald continue assim, como numa casa de bonecas. Lendo a peça, me pareceu vagamente que Torvald Helmer seria um homem autoritário. Impressão apagada pelo efeito desconstrutor que Anthony Hopkins imprime ao personagem, tirando-lhe o peso maniqueista que por vezes o leitor carrega da leitura e tranformando-o num tipo refinado, de gestos contidos, e um tanto edulcorado.
De certo que em toda a peça há um certo maniqueísmo nos diálogos, com uma forte dose de moralidade sobre qual seria o papel dos esposo e da esposa num casamento em moldes conservadores e (?) vitorianos – nem sei se o termo se aplica à Noruega. Curiosamente o Natal não é apresentado como uma festa religiosa e quando o celebram, o fazem com danças e fantasias fora de casa. Interessante, pois no ajuste das contas finais entre Nora e Torvald, no terceiro ato – da peça escrita - , ela evoca essa referência referindo-se a tudo a sua volta com uma ótica absolutamente material, querendo, mas sem poder, se distinguir da ótica do próprio Torvald.
Neva fora. Nora faz os últimos arranjos na decoração de natal. A neve que Ibsen evoca constrasta com o calor artificial do lar dos Helmer, por um motivo específico. Nora, anos atrás cometeu um crime de estelionato para cobrir uma dívida de Torvald, sem este saber que as promissórias tinham sido assinadas em seu nome pela própria esposa. No fim do primeiro ato, Nora é chantageada por Nils Krogstad, um empregado do banco onde Torvald ascende profissionalmente. A razão da dívida é um tanto obscura. Algo relacionado a uma viagem a Itália. Algo relacionado ao pai de Nora, que considerava Torvald um incapaz financeiro... enfim, algo que em hipótese alguma justificaria o crime. A razão da chantagem é a falta de confiança que Krogstad inspira em Torvald. Na corda bamba, tendo seu emprego em jogo, Krogstad decide chantagear a esposa do chefe.
Nesse momento, uma velha amiga de Nora, Mrs. Linde, retorna à cidade procurando emprego já que encontrando-se viúva e com filhos, procura no trabalho o preenchimento de seu vazio vital. Linde conversa com Nora, enquanto Dr. Rank conversa com Torvald no escritório deste. Linde pede para que Nora interceda por ela junto a seu marido com o intuito de conseguir-lhe um emprego no banco. Nora revela a Linde o episódio da falsificação da assinatura e do empréstimo e pede para que esta consiga as promissórias assinadas com Krogstad. Nesse momento, em que Rank e Torvald deixam o estúdio, enquanto Torvald comenta sobre a corrupção da sociedade, Krogstad chega e entra no estúdio para pedir que Torval d o mantenha em sua posição já que há fortes desconfianças de sua retidáo moral. Do lado de fora, Dr. Rank, que arrasta uma asa por Nora numa atitude que lhe causa a fascinação de algo semi-proibido, ousado, afirma que Krogstad e um dos seres mais corruptos do mundo. Dentro do escritório Torvald comunica a Krogstad que seu posto foi dado a Linde.
Nesse momento começa a triangulação que se desenrolará nos próximos atos. Krogstad procura Nora pressionando-a para que ela consiga seu posto de volta, com a condição de que caso não consiga revelará o crime ao seu marido. Linde, a pedido de Nora, procura Krogstad tentando convencê-lo de que volte atrás. No entanto, no momento em que Linde chega a casa do chantagista, a carta reveladora, escrita por ele, já havia sido enviada. Essa tensão se arrata pela noite de natal, com a carta enviada, já na caixa de correios, até que finalmente de volta da festividade, Torvald decide conferir sua correspondência. Encontra dois cartões de visita de Dr. Rank com cruzes negras. Torvald não entende a mensagem, mas Nora, ainda em estado de choque pelo seu destino iminente, revela que Rank – um homem absolutamente apaixonado poe Nora - se mataria naquela noite. Quando Torvald prepara-se para entrar em seu estúdio e conferir o resto de sua correspondência, Nora se retira e se prepara para deixar a casa. Nesse momento decisivo e dramático da peça, Torvald para-a agressivamente, desesperado, aturdido, dizendo coisas sem sentido, atacando-a verbalmente agitando a carta de Krogstad nas mãos. Torvald, desesperado, apenas preocupa-se com o abalo de sua carreira em ascensão. Culpa-a de maneira despropositada por qualquer iminente ameaça. Seu amor desesperado pela esposa se desfaz como numa onda que varre um castelo de areia. Ele a insulta sem que ela reaja, sem que ela se altere na condição humilhante em que se encontra naquela espécie de estágio de vigília inicial de um longo sono. Nesse momento a empregada entra com mais uma carta. É uma segunda carta de Krogstad se desculpando por tudo contendo as as letras de câmbio assinadas por ela. Torvald exultante abraça-a e tenta a reconciliação, após a série de palavras insensatas despejadas na discussão de instantes anteriores. Propõe a reconciliação e que tudo volte ao normal.
É tarde. Tarde demais. O diálogo final, é um dos grandes e memoráveis momentos da história do teatro. Ele compassivo, ela encarcerada em seu mimetismo. Eh comovente a força de uma mulher que não sabe exatamente para que direção partir, mas que não tem outra saída se não a de deixar para trás o passado, irreconciliavelmente.
8 comentários:
Chico,
Ainda não li essa peça, mas me permiti ler sua resenha (muito interessante, por sinal) porque já conheço a história. Há uns 6/7 anos vi, na TV Cultura, um especial sobre Ibsen que contava com uma dramatização de Casa de Bonecas. Não sei se você assistiu. Fazia parte de uma série chamada Grandes Mestres da Literatura - aliás, tenho o episódio gravado em fita (antigo... :D). Já mandei várias vezes a sugestão de reprise para a emissora, mas até hoje nada - infelizmente. Havia também especiais sobre Pirandello, Kafka, Joyce, Proust, Steinbeck, Mann, Lawrence, Conrad, Woolf, Dostoiévski... Uma beleza!
Ricardo, já nao estava mais no Brasil quando a Cultura começara a exibição dos Grandes Mestres da Literatura, portanto nao tive a oportunidade de assitir. As montagens eram brasileiras? Os atores eram brasileiros?
Antes de mais nada, desculpe pelos pelos spoilers das minhas resenhas. Quando escrevo, tendo a iluminar cenas que me causaram mais impressoes e no futuro, quando a memoria falhe, possa rememora-las. Enfim, acho que devo desculpas aos amigos.
Abraco, Chico
Chico,
Imagine! Não há nada de que se desculpar. Eu adoro "ler as leituras" dos outros, mas prefiro fazer isso depois de ter lido o livro - sou um pouco influenciável em questões literárias.
Quanto à série: não, não era nacional. Era britânica. Encontrei dois episódios no YouTube. Deixo os links das primeiras partes abaixo (as outras partes estao em "Vídeos relacionados"):
--> Kafka:
http://www.youtube.com/watch?v=jXYjCMGKAag
--> Pirandello:
http://www.youtube.com/watch?v=dZJ2mF_KyhY
Que beleza de resumo! Quando leio seus textos tenho a impressão que escreve num fôlego só, com as idéias transbordando pelos dedos.
Um abraço!
Caro Ricardo, obrigado pela dica. Ja fui ao you tube e assiti um pedaco do "Seis personagens a procura.."
Muitissimo obrigado pela dica. Abraco, Chico
Caro Barros, quando faco as sinopses escrevo mesmo inisterruptamente, e tento nao rele-las mais de duas vezes, pois entao nao as publico.(risos). As vezes releio-as muito tempo depois e encontro erros crassos de grafia, gramatica, concordancia e athe mesmo coerencia!
Enfim, eh apenas um blog, um lugar para guardar coisas boas e agora encontrar com os amigos para trocar ideias.
Abraco, Chico.
ininterruptamente... tá vendo o que eu tô dizendo!
Chico,
Só quis me referir ao estilo do texto, que sugere idéias escritas com entusiasmo e espontaneidade, quase como se estivesse falando, e de maneira nenhuma como alguma crítica quanto aos erros de grafia e etc.
Um abração.
Postar um comentário