Contentemo-nos com a Ilusão da Semelhança, porém, em verdade lhe digo, senhor doutor, se me posso exprimir em estilo profético, que o interesse da vida onde sempre esteve foi nas diferenças,
Caminhos e Fronteiras
Caminhos e fronteiras é um livro de 1957 e nele Sérgio Buarque de Holanda inova ao propor uma nova análise sobre a ocupação do Brasil, distinta daquela apresentada no livro Raizes do Brasil, publicado 21 anos antes. No trabalho de 1936, Sergio Buarque argumentava que a forma de ocupação do Brasil respeitava a uma lógica de imobilidade, de estática, sem maiores desígnios de penetração no território brasileiro. A conformidade de tal prática teve consequências. O enraizamento da mentalidade ibérica, pouco curiosa e ávida a reproduzir relações sociais baseadas nas tradições de origem, sedimentado no litoral brasileiro, serviu em algumas regiões, como a do Nordeste açucareiro, para adaptar uma rotina nobiliárquica transportada das terras portuguesas para a colônia.
Enquanto em Raizes, há um forte componente de domínio e estabilidade no sentido do homem impor ao meio sua vontade, no Caminhos e fronteiras, Sergio Buarque realiza uma história do cotidiano das expedições bandeirantes na região das Monções. Sua câmara clara registra uma sociedade onde a imagem do bandeirante, movediço, instável e caprichoso, é moldada pelo meio e infuenciada pelos costumes indígenas – de por exemplo adaptar hábitos alimentícios com o consumo de raízes, frutas, animais, e até mesmo caminhas pelas sendas descalço. A certa condescendência de Sergio Buarque com o bandeirante chega a ponto de criar um paradigma, de certa forma modernista, que seria o da exposição de uma aculturação não do indígena, mas sim do português que moldaria seus hábitos a partir do contato cotidiano com o ambiente inóspito. Tal contato, naturalmente, fez com que o português renunciasse ao estilo de vida anterior, litorâneo, e por meio de se impor as condições essenciais de sobrevivência lançaria-se à floresta com o intuito de caçar índios, adquirir riqueza rápida e de certa forma romper as fronteiras impostas pela cultura lusitana, sem se dar conta das perdas dos valores proprios.
O aculturamento as avessas do português pelo indio, evitado a todo o custo ser encarado por Sergio Buarque como negligente ou violento por parte dos primeiros, é um dos temas recorrentes no livro ao comprovar a importância do indígena na formação cultural brasileira. As evidências para seu argmento estariam no uso dos vocábulos para denominar nomes de lugares e coisas, além das técnicas agrícolas primitivas – mais eficientes para a prática das expedições constantes.
O livro deixa muitas lacunas, mais perguntas que respostas, como Sergio Buarque, sendo grande estilista, primava por fazer. Se lido com os olhos da curiosidade literária reserva horas de extremo entretenimento ao leitor. Se lido com olhos de um cientista social, deixa um certo sabor salgado de sangue na alma.
Detalhe do 'Mape-monde : planisphere ou carte generale du monde'. Sec. XVIII
Charles Inselin, geografo e gravador parisiense.
Musica do dia: Confrontio. Lalo Schifrin. Album magnum Force
Caroline Rude, uma estupida
A sugestao vem em boa hora se nao fosse pelo fato de que dessa vez o cara era da Coreia do Sul. Chegou aos USA em 1992, viveu desde entao num suburbio de DC, seus pais eram dry cleaners (tintureiros), e seu major career era Ingles. Ou seja, athe ai uma historia como a de muitos outros de imigrantes que conseguem emprego, sustentam a familia e crescem os filhos num ambiente estrangeiro. A linha que une essa historia a tragedia que ocorreu ontem e' o que intriga a todos (investigadores, sociologos, psicologos, professores, pais das vitimas e espectadores passivos na frente do noticiario sempre manipulado da Fox). Ainda mais pelo fato que entre um e outro ataque o rapaz havia enviado um relatorio com fotos, um dvd com imagens dele portando as duas armas em trajes militarizados, uma especie de carta testamento, e fragmentos de um texto sem pe nem cabeca para uma grande rede de televisao.
Ai apareceu ontem, do nada, a professora Carolyn Rude, do departamento de ingles da universidade que, em busca de holofote ou 5 minutos de fama, ou sei la o que, vindo dizer que os escritos do assassino Cho Hui eram estranhos, que o rapaz escrevia coisas contra 'rich kids' e 'deceitful charlatans' em sua pequena peca escrita para fim de curso. A dona gesticulava de maneira performatica, abria os bracos e clamava aos ceus por respostas, na presenca do diretor da Universidade e, com perdão da má palavra, do Presidente da Republica dos USA - que visitou a instituicao em solidariedade as vitimas.
Francamente, para um moleque que consegue comprar duas glock 19 e 50 balas com a facilidade que ele conseguiu, eh athe safadeza da dona Rude ligar as frustracoes do asssasino, seus nos de cabeca, suas entradas e saidas de tratamentos psiquiatricos, com o estilo literario do 'autor', no caso o assassino, - e excluir disso tudo a neurose de uma sociedade que nao admite sua propria decadencia. Perdeu uma grande oportunidade de ficar calada essa dona, pois o google (ou outro sitio qualquer) botou on-line todos os trabalhos feitos na sua aula. Todos os trabalhos giravam, ironicamente, em torno de temas como pedofilia, violencia, racismo, assassinatos; portanto se fossemos acompanhar a logica da Dr. Rude chegariamos a conclusao de que todos turma seriam assassinos, tarados e sadicos em potencial.
Assim mesmo, obrigado por me alertar dona Rude para nao ler mais autores muito criticos, vou deixar hoje mesmo de ler o meu Air-conditioned Nihghtmare do comunsita pervertido Miller, de assistir meus Billy Wilderes, de escutar o drogado do Coltrane e do Parker, e passar a acompanhar o acougueiro do Jack Bauer que em 24 horas deve matar mais que o psicopata em questao.
Estava pensando ateh em queimar meus tres volumes da obra do Machado, meus Dostoievskis e os livros do desgracado do Saramago - esse comunista fdp comedor de criancas -, o Jardim das Veredas que se Bifurcam esta na minha mira agora, e so nao queimo tambem o livro de Pierre Menard por que nao me lembro em qual dos livros de Borges esta o seu Dom Quixote.
Eu so fico intrigado com uma coisa.... o Lima Barreto e o Robert Walser tambem haviam passado por tratamentos psiquiatricos e nem por isso eram assassinos, bem mas vamos deixar pra la pois assim encontramos mais contradicoes nas palavras dessa mula literaria que ensina literartura.
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Como o assunto eh realmente chocante e o noticiario local nao deixa de falar de outra coisa, volto ao tema agora pela noite, mas durante o dia resolvi me ater aos fatos, so ver a BBC e acompanhar a noticias pelos NYT, que pelo menos nao tenta me comover, como faz a Fox e a NBC, com o som de um violino ao fundo das falas dos apresentadores e entrevistados - como se o fato de 32 jovens mortos ja nao fosse chocante o suficiente para entristecer qualquer um. Desliguei a televisao e fui ler. Tremenda coincidência. Depois de botar o guri para dormir, sentir o silêncio da casa, sentar, acender um cigarro, abrir um livro e encontrar um poema. O poema não foi escrito por um dos alunos da Virginia Tech. Vem do livro Duas Águas publicado em 1956. Ironicamente, chama-se Poema Deserto - titulo que e' uma metáfora a tudo que se ve por aqui. O autor? É de um tal de João Cabral de Mello Neto, que pelo que me conste nunca matou ninguém - nem passou por tratamentos psiquiatricos, nem comprava armas com facilidade em grocery stores.
Todas as transformações
todos os imprevistos
se davam sem meu consentimento.
Todos os atentados
eram longe de minha rua.
Nem mesmo pelo telefone
me jogavam uma bomba.
Alguém multiplicava,
alguém tirava retratos.
Nunca seria dentro do meu quarto,
onde nenhuma evidência era provável.
Havia também alguém que perguntava:
- Por que não um tiro de revólver
ou a sala subitamente às escuras?
Eu me anulo, me suicido,
percorro longas distâncias inalteradas,
te evito, te executo,
a cada momento e em cada esquina.
A gente não quer só comida...
Há quem duvide, com toda a razão, que o centro se sustentaría apenas com os recursos provenientes das aulas de português e das exibições de filmes. Quem aposta nessa dúvida cegamente estaria correto, pois não é preciso ser um gênio para perceber que aqui nos EUA o Brasil ainda é percebido por muitos, ‘culturalmente’ falando, como a terra do samba, do axé, das mulatas, das araras multicoloridas, do Pelé e das melodias horrendas de Sérgio Mendes – e agora do álcool para fazer combustível. Mas para aqueles que pensam que vão ficar sem ‘cultura’ é importante lembrar que o centro promove uma média de 15 concertos e 10 exposições de arte por ano.
O desconhecimento desse detalhe imperceptivelmente sutil, acessível a poucos, nos faria a todos lastimar o iminente definhamento do centro. Entretanto, O BACI é um dos centros mais importantes de irradiação de artistas brasileiros no Norteast americano. Fez e faz parte da agenda de um circuito de artistas brasileiros de relativa expressividade - alguns de gosto duvidoso, é verdade; outros de nem tanta expressividade, também verdade – que exibem seus trabalhos por lá. Mas por lá já passaram, por exemplo, artistas de calibre variável tais como Claudia Stern, Christina Oiticica, Ubirajara Ribeiro e Burle Marx, só para citar alguns dos nomes.
E a atitude do MRE nos faz refletir...mirou no certo e acertou no duvidoso... ( sem trocadilho)
Não é preciso ser um profundo conhecedor do universo fechadíssimo que é o mercado de arte para saber o que marchands, artistas e courtiers estão carecas de saber: da simbiose e tensão entre Arte e Mercado é que se gera dinâmica do mercado artístico, ou seja, fazer negócios e especular com a obra de arte é arte mais antiga que a usura. Artistas iniciantes também sabem disso – reclamam reclamam, mas sabem que se não transformarem sua arte em fetiche de mercadoria, não sobrevivem. E o BACI, ao que me conste provavelmente não foge a esta lógica. Lógica simples. Para serem vistos os artistas enviam trabalhos em consignação para as exposições, evidentemente almejando serem vendidos. É da lógica não-declarada do jogo também, por que não, doarem uma ou duas obras para o Instituto. Numa atitude muito comum no mundo artístico, regido pela confiança e pelo segredo, qual o artista iniciante que não doou, ou vendeu a preço módico, um quadro para uma instituição ou figurão responsável pela tal no iminente afã de ganhar notoriedade e valorizar suas obras? Eu arriscaria dizer que boa parte do acervo brasileiro da Casa das Américas e de muitos outros acervos locais incluindo o BACI foi formada dentro dessa lógica: promessa de valor artístico e aposta na liquidez quase certa.
Portanto, a iniciativa do MRE pode salvar os canapés da intelligentsia e da rapazeada 'cabeça' que mostra seu valor nessas bandas! Ou azedar e aguar de vez o patê de fois gras e a sacrossanta Dom Perignon da galera. Vamos esperar....
“Caim” e Abel, seis cortes e algumas perfurações a bala
Cleck: cão puxado. Suor frio. Cano na cabeça. A mão do matador não tremia. Na manhã em que morreria em meio ao calor e um cheiro de merda: “Caim” com olheiras tremia amedrontado e amarrado a uma viga (corta). No momento em que tirou-lhe a venda, e os olhares se cruzaram, o matador Jonas murmurou para dentro uma espécie de oração sicária. “Caim”, sem mais coragem de levantar os olhos ou endireitar os ombros, adivinhou que para aqueles despidos da vida, a prédica inaudível abrandava os tormentos. Começou a chorar. Jonas cospe na cara de “Caim” e desengata o cão. ( Plano externo ) Abel, o sócio, bigode grosso, chegou ao escritório, prédio espelhado, gravata de seda, eleitor do PFL, cara barbeada, barriga executiva, filhos no MBA, amante da idade da filha mais velha (corta). Jonas ganhou cem, “Caim” oferece duzentos para matar o mandante (corta). ( Plano interno ) Dois dias depois Abel aparece com o pagamento; Jonas rende Abel leva-o ao cativeiro e amarra-o de frente para o irmão; a câmera focaliza apenas as duas garrafas de álcool e a bacia, movendo-se lentamente para focar a cara de pavor dos irmãos traidores, e fecha no Colt 38 cano curto na mão direita de Jonas (corta). Jonas enche a bacia de álcool, com a segunda garrafa espalha álcool sobre os dois, risca o fósforo, abre a mala do dinheiro, e vai jogando lentamente os trezentos dentro da bacia em chamas. (Deixar claro para o ator que vai encenar: nem raiva, nem ódio; somente um vasto prazer, quieto e profundo, como a audição de uma bela sonata ou a contemplação de uma estátua divina de cera, derretendo, uma coisa parecida ao prazer secreto do gozo estético) Na seqüência, desamarra os irmãos – que postos à prova, desfazendo-se das câimbras e reanimando a dormência dos membros doloridos, ainda permaneceram por instantes numa espécie de dúvida paralisante como leões libertos do cativeiro – pousa o 38 entre os dois, e vai embora (corta). O resto da estória todos conhecem.
cOnTo-pAstIcHe pUBlicAdo na Edicao %* da rEViStA Cult
Numa traducao marota e muito da sem vergonha ficaria assim...
(the spectator doesn’t need to know about the stocks of the company, of the process that followed the murder of Abel; about the request of Abel’s brother-in-law that everything seemed a standard kidnappings followed by death - as well as of the suspicious of incestuous adultery by "Cain" with Marianna, his niece -; and of the life insurance discovered in "Cain’s" safe by his oldest son).
Click: cock pulled. Cold sweat. barrel in the head. The right hand of the killer did not tremble. In the morning when he would die in the heat and smell shit: "Cain" with deep shadows around the eyes, trembled and tied to a beam (cut). Abel, the partner, thick mustache, arrived at the office, looking-glasses-building, silk necktie, PFL[1] voter, face clean-shaved, executive belly, children in the MBA, lover same age of his oldest daughter (cut). Jonas was paid one hundred, "Cain" offers two hundred to kill the man who order the assassination (cut). Two days later Abel appears with the payments; Jonas, the killer, caught Abel and ties up his brother next to him; the camera focuses on the two alcohol bottles and the basin; the face of terror of the treasonous brothers; closes on the Colt 38 short barrel in the right hand of Jonas (cut). Jonas fills the alcohol basin and with the second bottle spreads alcohol above them, scratches out the match, opens the suitcase of money, and inside goes slowly throwing the three hundred into the basin in flames. (To leave clearly for the actor that goes to stage) Neither anger nor hatred, only a vast pleasure, deep and quiet, such as the hearing of a beautiful sonata or the contemplation of a divine statue, wax melting, a thing similar to the aesthetic joy. In the sequence, Jonas unties the brothers, whose muscles, in pain, are having trouble rid their cramps - their dormant and painful limbs were waking up and still remained for a few seconds in a kind of doubt like freed wolves - puts the 38 between the two of them, and goes out (cut). The rest of the story everybody knows. Or not?
[1] Rigth-party composed by landowners and in Brazil
Criminosos e Perseguidos
Revirando o site dos fundos documentais da coleção Wansdworth, penso imediatamente no Rio de Janeiro de 2007, e nas varias historias que inspiraram escritores a escrever sobre a vida de menores delinqüentes ao logo do breve Seculo XX. Eh irônico. Naquele tempo da rainha Vitoria, crianças de 5 anos não eram arrastadas em carros por jovens sadicos pouco mais velhos que os 'delinqüentes' ingleses, e que chegariam a deixar os de Jorge Amado em seu Capitães de Areia, ou os de Oliver Twist, de Charles Dickens, ou mesmo o proprio George Davey - que me chamou atencao - ruborizados de vergonha e espanto.
Não sei sinceramente qual seria a solução para o Rio de Janeiro, pois hoje a barbárie já não cabe nas paginas de um Oliver Twist, nem nas de um Paulo Lins, muito menos nas de uma Patrícia Melo – por mais que ela tenha se esforçado em amenizar o Inferno de Reizinho e por que nao dizer de todos nos que pensamos, vivemos, passamos ou fugimos do Rio. Sei eh que se aqueles inocentes criminosos, suditos da rainha, vivessem na cidade maravilhosa, teriam a certeza de uma pena muito mais branda, usurpada por serem menores, benecie do adagio de portadores de direitos universais, eh claro.
Irracionalidade e insensibilidade
Nota: Lendo a reportagem tive uma alucinacao. Imaginei que tudo seria pior se alem de ignorar a beleza da musica, o pais estivesse numa guerra e nao nos dessemos conta disso no cotidiano. Ainda bem que foi um lapso da razao....
Anatomia da Argumentacao
James Stewart é Paul Biegler, o advogado de defesa de Frederick Manion (BenGazarra), que compelido talvez menos pela angústia do constrangimento que pela honra ferida, assassinou o homem que estuprara sua mulher (Lee Remick) na pequena cidade de Thunder Bay. Filme de tribunal. O filme recebeu sete Oscars, mas o de Stewart foi dado a outro republicano, Charlton Heston, que recebeu a estatueta por sua eterna interpretacao de Judah em Ben Hur – em todo o caso Stewart ja havia ganhado em 1941 com o The Philadelphia Story. O roteiro, assinado por Wendell Mayes, é obra prima de ironia e desdém como há de ser um bom filme de tribunal, ao revirar a vida do julgado pelo avesso até seus mais íntimos e constrangedores detalhes.
Não sei não, sempre fico na dúvida mas na minha opinião o filme fica pau-a-pau com o Eleven Angry Man do Sidney Lumet, outra grande obra prima da argumentação cinematográfica representada por ninguém menos que um dos bons amigos de Stewart, Henry Fonda, que mata a pau no papel de um jurado, crítico, compassivo e solidário.
Duke Ellington (esquerda), Mort Sahl and Otto Preminger trabalhando no "Anatomy of a Murder" filme de 1959.
Por essas e por outras que o destaque vai para a trilha sonora de Duke Ellington - na foto aí em cima . Obviamente, a musica do dia: Flirtibird e Almost Cried, para expressar o dia de hoje – um dia em que a distância deixa de ser miragem e a saudade aperta a glote. Portanto, se eu pensar no filme acabo esquecendo o tanto de tudo que a musica traz.
O mé e o alcool
Ah, se os especialistas consultassem aos verdadeiros discipulos do Conde de Afonso Celso... chegariam a conclusao de que que ha muita coisa em jogo dos dois lados da negociacao, mas ainda acho que pressao maior contra o projeto vem do lobby do Corn Belt la da caipirolandia do Missouri, Indiana, Ohio, Kansas... temerosa da perda dos subsidios agricolas que o Estado Americano proporciona - alias sei que todos se queixam mas nao sei quanto eh em porcentagem. Uma coisa eh certa, todo mundo sabe que lobby aqui - ao contrario do Brasil - eh negocio serio, para o bem e para o mal.
Mas vamos por partes...
Para o Brasil seria otimo exportar a producao - mas nao a tecnologia -, obviamente. Para os grandes produtores brasileiros isso seria otimo tambem, e, vamos ser sinceros, ajudaria athe os mirrados 10% da participacao da agricultura no PIB e por tabela nossas transacoes correntes e na balanca de pagamentos que dependem caridosamente das exportacoes - do agrobusiness. Geopoliticamente, se diz que o Haiti poderia entrar na jogada produzindo cana e milho. Com isso o Brasil poderia dar uma certa licao de moral de como pacificar uma regiao, e reconstrui-la produtivamente - ao contrario do que foi feito no Iraque. Mas vamos parar de ufanismo por aqui. Agora.
Primeiro, como meu amigo Fred disse, a energia produzida por tonelada de milho eh irrisoria se comparada com a cana, e infima se comaprada com o petroleo - o que ja eh motivo para por minhas matusalenicas barbas de molho. Segundo, toda essa estoria esta me ceirando a retorica para escamotear por que o Brasil nao cresce significativamente ha mais de 30 anos; por que nao tem investimento externo que nao seja direto; por que ruminamos a combinacao de taxas de crescimento irrisorias com taxas de juros que impedem qualquer planejamento de investimento produtivo a longo prazo - tendo o Estado que ser o fomentador do investimento seja com os classicos GEIA, GEIPOT do passado ou com o PAC. Enfim, milho, soja, cana... exportar eh o que importa... voltamos ao velho papo da agricultura como a salvadora da situacao quando tudo o mais da errado. O velho papo do Brasil como o celeiro do mundo - que esta fazendo o Eugenio Gudin dar gargalhadas sadicas na cova...
Enfim, ha muita diferenca entre os que entornam mé e os que se locupletam com o alcool....
Musica do dia: Inutil paisagem. Eumir Deodato
Dia meio bom, meio ruim, quase normal
Few things that you should know before your death
The Third Man
A estoria, baseada no conto homonimo de Graham Greene, levou o Grande Prêmio do Festival de Cannes e tornou-se o passo mal calculado de Orson Welles – famoso tanto pelos filmes que realizou quanto pelos que deixou de fazer, pelas conquistas amorosas e pelos fracassos financeiros.
O filme comeca com escritor de romances policiais, o norte americano, Holly Martins – interpretado por Joseph Cotten -, chegando a Viena para encontrar seu velho amigo Harry Lime. Holly, com o tutu contado e numa pindaiba tremenda, vinha a procura de um prometido trabalho que seu amigo de longa data oferecera. Porem, ao chegar encontra seu amigo morto, vitima de um atropleamento em circusntancias suspeitissimas.
Em seu enterro estao, Anna Schmidt (Alida Valli), antiga namorada de Lime, que se retira as pressas do cemiterio, e alguns poucos condolentes. Apos a cerimonia Holly Martins eh parado na saida do cemiterio pelo major Calloway oferecendo-lhe uma carona ao hotel onde se hospedaria. Os dois vao parar num bar onde comecam a conversar sobre a vida de Harry Lime. Calloway, na verdade um agente secreto britanico, entao, revela a Martins que seu amigo na verdade era um trapaceiro e assassino. Holy, enfurecido, parte para a agressao e eh impedido pelo leao de chacara de Calloway. Mesmo assim o encaminham a um hotel barato chamado Sacher’s. Ao chegar ao hotel eh apresentado por Paine, o leao de chacara de Calloway, a um representante de uma entidade cultural que imediatamente o convida a uma palestra sobre o romance contemporaneo. Alegando que nao tinha dinheiro, Holly consegue que o tal diretor do centro cultural, graciosamente, pague por sua estada o tempo que precisasse para preparar a palestra. Bem, chance melhor Holly nao encontraria para desvendar o misterio da morte do amigo Lime.
Se a estoria eh confusa, fica mais ainda com a chamada de Kurtz, um barao empobrecido que carrega um chiuaua ou sei la que raca eh aquela porra de cachorro, dizendo ter testemunhado a morte de Harry. Holly acha estranho e antes vai a procura da atriz Anna no teatro onde se apresentava. Ao conversarem Anna levanta a hipotese de que nao havia sido acidental a morte de Harry athe por que na hora do acidente so haviam amigos e quem o atropelou foi seu proprio motorista. Em meio a confusao, Holly descobre que tres pessoas carregaram o corpo do morto: Kurtz, o barao decadente; Popscu – que supostamente vivia com Kurtz -; e um terceiro homem ao identificado.
No decorrer da estoria, Harry decide, por alguma razao desconhecida, aparecer ao amigo. Entretanto, como conhecia todos os canais e subterraneos de Viena, suas aparicoes serviam a principio como um alerta a Holly de que ele, Harry, nao estava morto. Fato eh que Calloway tentava fechar o cerco em torno de Harry Lime por este estar envolvido no comercio ilegal de penicilina. O personagem de Orson Welles passa entao a espreitar Holly. Finalmente marcam o classico encontro na roda gigante, onde o primeiro revela por fim suas ligacoes com o comercio ilicito. O dialogo que se segue na cena eh classico e poderiamos dizer que Spielberg usou-o como tema no dialogo de Michel Losdale com erich Bana em Munich ao teorizar sobre as guerras e o sentido dos mercenarios em seu papel de anti-herois modenos.
O mais interessante eh que o filme termina sem se saber quem eh o tal terceiro homem. Mas mais interessante ainda eh o fato de que a pergunta se tornar absolutamente irrelevante. E neste aspecto especifico entra a genialidade do reoteirista.
Graham Greene baseou o personagem de Harry Lime no agente britanico do MI5 Kim Philby, que foi superior do proprio Greene no servico secreto britanico. Philby, que na verdade havia nascido na India, e aprendera o dialeto punjabi antes mesmo do ingles, foi responsavel pela acao de contra-espionagem para descobrir agentes russos infiltrados em Londres. Realidade ou ficcao, alguns dentro do MI5 afirmavam na epoca que Philby era um agente duplo passando os planos dos aliados de subversao dos paises do leste europeu comunista. Porem qualquer acusacao formal seria impossivel, ja que Philby era um funcionario exemplar. Athe 1951, quando dois de seus amigos de Cambrigde desertaram levantando a suspeita de que haveria um terceiro homem envolvido na traicao. Alvo de suspeitas, sob forte interrogatorio, Philby nunca revelou-se um agente duplo, ateh o servico secreto ter provas definitivas de que ele realmente era o terceiro homem, quando este, sob o disfarce de jornalista atuava no Libano, tendo que fugir para a Russia num aviao de carga. Viveu anos e anos na Russia, onde teve uma vida confortavel - alguns dizem que no fim da vida acabou vindo parar em Washington DC, nas redondezas de Chevy Chase.... Who knows!
Graham Greene trabalhou sob as ordens de Philby ateh quase o fim da II guerra. Greene, entao, deixa o servico secreto em circusntancias inexplicaveis em 1944. O escritor espanhol Fernando Lainez levanta a hipotese de que Greene deixa o servico secreto por decobrir que Philby era realmente o Terceiro Homem antes de todos.
Mas voltando ao filme, o produtor David Selznick, que nao era flor que se cheirasse, queria Noel Coward no papel de Harry Lime, mas o Carol Reed peitou o cara e impos o Orson Welles. Ganhou nessa mas nao conseguiu tirar o Joseph Cotten - que no fim acabou ficando bem no papel, apesar de o personagem exigir um tipo ligeiramente mais ingenuo como o James Stewart, sei la. Welles por sua vez aceitou o papel. Selznick entao oferece a Welles duas opcoes, ou um alto salario, ou uma porcentagem nos lucros do filme. Welles que entendia de cinema preferiu o alto salario apostando no fracasso do filme. No meio do caminho tentou mudar o contrato, mas estava lidando com David Selznick que alem de entender de cinema, entendia de negocios como ninguem.
Musica do Dia: Sarah Vaughan. Make This City Ours Tonight - Brazilian Romance
Babel nossa de cada dia
Estou em Lamu, uma ilha paradisiaca no Indico, mais concretamente em Shela, um povoado arabe bem pequeno que da para o mar, com umas dunas fantasticas. Ja fiz passeio de barco, snorking e estou com as costas ardidas, ontem tive que dormir de brucos. Aqui e uma aldeia de pescadores, misturados com os turistas, os arabes e as moscas, tudo muito estranho para um brasileiro, apesar de estar cheio de pescador com camisa brasileira por aqui. Os gringos andam de short e biquini, como eu, e as mulheres de preto e com veu. Descobri que a palavra canga saiu daqui, e o que as mulheres suwahili usavam antes dos arabes e portugueses chegaram. Depois passaram a botar a canga sobre a cabeca. Os pescadores usam uma especie de saia, chamada de kikoi. O povo e muito amavel, estao sempre te dizendo Jambo(how do you do?) sempre que eu passo, alguns pescadores e guias ja descobriram que sou brasileira e um deles nao larga do meu pe, quer casar comigo de todo jeito. Ja passeei pelas dunas de cima pra baixo, visitei o povoado vinte vezes e acho que ate ja estou cansada de nao fazer nada. Aqui nao ha televisao, estou tentando comprar um jornal, mas esta tudo fechado para a hora do almoco, e, para ler nas dunas, tive que pegar emprestado com o dono da pousada um livro velho sobre Dom Juan, do Carlos Castanheda, que eu ja tinha lido na adolescencia. Calma, ainda nao estou voltando. Talvez encurte a viagem em Lamu e de um pulo em Capetown, onde esta um rapaz legal que conheci na viagem. O Kenya e do mais exotico, ao mesmo tempo que a vegetacao e a cultura lembram o Brasil, ha coisas muito diferentes, dificil de descrever, so vendo o video. Estou literalmente ilhada, sem comunicacao, tive que ficar o dia inteiro para conseguir acesso a Internet numa pousada por aqui. Para escrever de novo so daqui a 5 dias, de Nairobi. Em caso de emergencia enviem sinais de fumaca, pois os celulares nao funcionam por aqui. O documentarista - Jefferson- que deixei em Nairobi pegou uma infeccao no olho, teve que ir para Londres para se tratar. O dinheiro do Ministerio do Meio Ambiente que ele estava esperando nao chegou. Ainda bem que adiantei uma grana para ele, pq senao o cara estaria ferrado, fiquei contente, pelo menos ajudei alguem. Muitos beijos e saudades.
Nota: Nao fica chateada comigo, cumadre, por favor.
Cu de Judas e um Auto de Danados
3 LiVrOs ParA eNtEnDeR o JorNaLisMo bRaSiLeiRo
Samuel Weiner, Minha Razao de Viver - Memorias de um reporter
O primeiro eh o de Samuel Weiner, Minha Razao de Viver - Memorias de um reporter. Percebe-se logo de cara que Weiner, em sua auto-biografia, nao teve pudor em sua disposicao a contar tudo. Percorre-se as paginas do livro com a certeza de que a promiscuidade entre os interesses públicos e privados, o tráfico de influências, o fisiologismo político e a corrupção, sao elementos essenciais da pratica jornalistica no Brasil. Dono do "Última Hora", Weiner, um dos mais poderosos jornalistas da história do país, foi amigo e conselheiro de três presidentes da República - Vargas, Jucelino e Goulart, respectivamente - e teve inimigos a potencia de seu calibre. Por sua proximidade ao poder teve acesso a pessoas e ao conhecimento de fatos que os demais mortais so viriam a saber pela leitura de seu jornal. Portanto, na ocasiao da primeira edicao de suas memorias havia duas exigencias expressas pela familia do jornalista. A primeira era a de nao se revelar que realmente Weiner havia nascido na Bessarabia - um lugar perdido entre a Moldavia, Ucrania e Transilvania. A segunda era a de manter a todo o custo o segredo de quem era o homem de confianca no sistema de arrecadacao de dinheiro para financiar o contragolpe preventivo que Goulart planejava nos meses iniciais de 1964. Segundo ele, deveriam esperar 25 anos para que todos os implicados, aliados e inimigos estivessem mortos.
A nova edicao - a que me caiu nas maos na bibilioteca do CCBB, em minha ultima andanca pelo Rio - trouxe novidades. Por exemplo, a comprovacao de que Wainer realmente nao era brasileiro. Nas primeiras paginas ha uma foto dele, ainda crianca no porto de Genova a caminho do Brasil, encostado no ombro do pai. Tambem na nova edicao ha outra revelacao. O advogado Jorge Serpa é citado como o principal articulador do sistema de levantamento de fundos para a tentativa - segundo a versão dos militares, diga-se de passagem, mas diga-se! - de contragolpe arquitetada por Joao Goulart. Por essas e por outras esse livro deve fazer parte dos nossos livrinhos de cabeceira.
O Anjo Pornografico
O segundo livro eh mais ameno mas sem menos revelacoes que o primeiro. Trata-se do Anjo Pornografico, biografia de Nelson Rodrigues escrita por Ruy Castro. No livro fica clara a personalidade reacionaria do escritor, mas tambem a ironia aberta que fez parte mais de seus escritos que de sua vida privada. Seu anti-comunismo ferrenho o tronou por muito tempo o inimigo predileto da esquerda.
Mas o ponto alto do livro eh a estreia de Vestido de Noiva, um marco no teatro nacional - por entrecruzar num palco com tres giraus alucinacao, memoria e realidade. A formula nunca tinha sido pensada no Brasil e era tao revolucionaria que os criticos foram unanimes na sentenca de que aquele seria o marco do teatro brasileiro. Por isso, alguns criticos chegam a afirmar que esta peca era o ajuste de contas com o movimento modernista. O polones Zbigniew Ziembinski comandou a trupe dos Comediantes - de Brutus Pedreira e o desenhista Santa Rosa. (arremedando o Silvio Santos, direi que eu nao vi mas a mae de uma amiga viu e disse que 'aquilo tudo parecia um sonho' [sic]).
A proposito, Nelson Rodigues odiava o teatro de esquerda dos anos 70, em especial O Rei da Vela, célebre peça de Oswald de Andrade. Além de detestar a mistura de política com arte, o dramaturgo alimentava um medo secreto e patologico de que os intelectuais considerassem o teatro engajado uma superação de seu próprio trabalho. Fato eh que apos Vestido de Noiva Nelson Rodrigues nao conseguiria emplacar outra peca tao revolucionaria em termos cenicos. Mas nao apenas a esquerda o via como um verdugo. O problema eh que Nelson Rodriges passou a ser alvo facil tambem da direita. Quando foi apresentado para o general Albuquerque Lima, por exemplo, antigo fã seu, Nelson não contou tempo e, em plena Ditadura Militar, perguntou: "Então por que essa perseguição toda? Por que prenderamo Caetano Veloso e o Gil?". O general não gostou da acolhida e saiu resmungando baixinho.
Nos anos 70, o filho mais novo de Nelson Rodrigues, Nelsinho Rodrigues Filho, foi militar no MR-8 e caiu na clandestinidade. No primeiro encontro que teve com o filho foragido, depois de telefonemas anônimos, para combinar hora e local, e desnecessárias voltas de carro para disfarçar, Nelson falou para o filho que nunca havia passado por uma experiência tão emocionante na vida. "Me sinto num filme", falou. Mas a emocao acabou quando os militares prenderam Nelsinho e o detiveram por longos anos. O pai, ferrenho defensor dos militares, fazia apelos dramaticos na tv para que libertassem o filho, sem receber resposta.
Chatô
O terceiro livro dessa trilogia seria o Chatô, de Fernando Morais. Digamos assim, esta, bem poderia ser a biografia de um homem que reunia a essencia do oportunismo com o senso de oportunidade, onde a etica raramente fazia parte de sua estrategia nos negocios - fossem eles na area industrial, artistica ou jornalistica. Criou o 'Diarios Associados' que em seu auge contou com mais 34 jornais, 36 emissoras de rádio, 18 estações de televisão, uma agência de notícias, uma revista semanal O Cruzeiro, uma mensal A Cigarra, várias revistas infantis e uma editora. Para suas conquistas usou metodos que passavam pela chantagem, extorsao e a calunia contras seus inimigos e opositores. Em decorrencia de tais metodos angareou muitos inimigos. Contra Francisco Matarazzo, por exemplo, que dizia que com ele so com pe no peito e navalha na garganta, Chateaubriand responderia com uma de suas perolas: Responderei com métodos paraibanos, usando a peixeira para cortar mais embaixo.
Na biografia de Assis Chateaubriand fica claro tambem o episodio da luta entre Chatô e Weiner - que na verdade era uma queda de bracos entre Chatô e Vargas -, que teve como testa-de-ferro Carlos Lacerda. A obsessao de Lacerda era tal que este daria um dedo mindinho para ter em mãos a famosa foto de Wainer no porto de Gênova partindo para o Brasil. No início da década de 50, o dono da "Tribuna da Imprensa" liderou, com a iminencia parda de Assis Chateaubriand, proprietário dos "Diários Associados", uma campanha nacional para destruir Wainer, acusando-o de omitir sua verdadeira nacionalidade. Os interesses de Lacerda passavam longe do patriotismo. A bem da verdade devia-se mais ao que Nelson Rodrigues definiu com a frase lapidar que bem podia ter sido criada para o episodio: Nada nos humilha mais do que a coragem alheia. O futuro governador do Estado da Guanabara não engolia o sucesso da "Última Hora". O jornal, impulsionado pelo apoio financeiro do governo Vargas, era um campeao de vendas no inicio dos anos 50. A polêmica acabou em CPI, a primeira instalada no país, e rendeu alguns meses de prisão a Wainer e seu ódio eterno a Lacerda. Mas voltando a Chatô pelas suas posturas favoraveis ao capital estrangeiro tronou-se um aliado importante de homens como, Alexander Mackenzie dono da Light & Power, e de Percival Farqhuar, que o contratra, ainda no primeiro governo de Vargas para tentar recuperar, seus dominos no Port of Para - que mais tarde se tornaria Vale do Rio Doce.
Enfim, dificil eh nao adjetivar - nao as obras mas aos personagens nelas contidos. A tres merecem ser lidas com zelo, atentando sempre para as narinas e tomando todo o cuidado com a higiene das maos apos a leitura. Nao, nao falo da tinta dos diarios, mas do mar de lama que nao se limitava apenas as ruas do Catete...
Musica do dia: My kind of girl. Frank Sinatra.... para amenizar...
PAULO CÉSAR PEREIO, Porra!!
Mas quem entra desavisado no apartamento onde o ator mora, no centro de São Paulo, ou "nas vísceras da besta", como ele gosta de definir, há de duvidar de tantas proezas. Não há lembrança. Nenhuma foto, prêmio, nem um mísero DVD de algum de seus filmes. Ele confessa que até sente um pouco de nostalgia, mas espera passar na televisão algum filme seu, e está resolvido. Quanto aos prêmios, é bronca mesmo. "Prêmio é fragmentador. O Kikito é horrível, uma bunda na frente e outra atrás. O Candango eu dei para uma amiga minha bater no namorado." Ele garante que todo o material do passado está com a Lara Velho, sua primeira filha, que controla sua agenda e é diretora do seu programa de televisão. "E ainda me livra de casar de novo, porque me faz companhia e organiza a minha vida", brinca.
PEREIO foi casado três vezes. Primeiro com a atriz Neila Tavares, mãe de Lara, hoje com 33 anos. Da relação mais famosa, com a global Cissa Guimarães, nasceram Tomás, hoje com 27 anos, e João, com 22. Finalmente, de seu casamento com Suzana César de Andrade, que não é do meio artístico, nasceu Gabriel, há 14 anos. Hoje, sua base de operações é a Toca da Raposa, um boteco pé-sujo de primeira colado ao prédio onde ele mora e onde se reúnem seus amigos, os motoristas que o levam para onde precisa. É lá que, dependendo do seu humor, ele toma um café ou um uísque pela manhã. "E eles ainda servem uma rabada imperdível às terças-feiras", completa. Às vésperas de completar 66 anos, este senhor de gestos intempestivos e voz inconfundível (que reina absoluta até hoje em narrações de filmes e comerciais) viveu os mais variados tipos, mas nenhum que tenha ofuscado o personagem PEREIO (a começar por esse sobrenome, inventado), que teve uma vida de fazer inveja a qualquer autor de dramaturgia. Casou com Cissa Guimarães quando ela, 17 anos mais jovem, ainda era menor de idade. "Ela me seduziu", ele garante. Essa união rendeu, além dos dois filhos, uma prisão, por falta de pagamento de pensão alimentícia. Foram oito dias em cana, mas nada que PEREIO já não conhecesse. Entre brigas em sets de filmagens, uma honestidade mordaz sobre seus colegas e um relacionamento longo, tortuoso e público com a cocaína, ele se firmou como um dos mais malditos artistas brasileiros.
Para a entrevista de PLAYBOY, PEREIO recebeu o editor Jardel Sebba na Toca da Raposa por duas vezes, ambas de manhã bem cedo, antes de subir até o quintal de seu amplo e confuso apartamento térreo. Na primeira, com um uísque; na segunda com um café. Na primeira, estava agitado, preocupado com uma viagem ao Rio que havia acabado de ser desmarcada, fumando um cigarro atrás do outro. Demorou a se sentir confortável. Na segunda, a do café, ele já havia comprado e lido o jornal e, bem mais tranqüilo, quis acompanhar um pedaço do jogo Inglaterra x Paraguai na Toca, antes de subir para a entrevista. "Eu torço pela Argentina", cochichou. Tem até explicação: ele nasceu na cidade gaúcha de Alegrete, na fronteira com o país de Carlitos Tevez. Mas a melhor maneira de entender sua torcida é perceber que, quando se trata de Paulo César PEREIO, nada pode ser óbvio. Seu bordão, "porra", que serve quase como vírgula para suas frases, foi repetido 67 vezes ao longo de mais de cinco horas de conversa. Alguns deles você confere aqui.
PLAYBOY Você contracenou em cenas quentes com algumas das mulheres mais gostosas do Brasil: Vera Fischer, Sonia Braga, Vera Gimenez, todas no auge. E sempre disse que não comeu nenhuma delas. Que história é essa?PAULO CÉSAR PEREIO Nunca comi mulher nenhuma por ela ter feito uma cena comigo. Nunca caí nessa armadilha banal, imbecil. Não seria por isso que eu comeria uma mulher, seria falta de respeito comigo. Eu reverencio essas mulheres, não as jogo no lixo. Não tirei casquinha, acho que a coisa funciona de outra maneira. E quando fiz Eu te Amo [com Vera Fischer e Sonia Braga], estava apaixonadíssimo pela Cissa. Porra, estou apaixonado por uma mulher e vou comer outra porque tive a chance?
PLAYBOY E hoje, você está namorando?PEREIO Não, acabo de sair de uma relação muito boa, muito confortável. Só entrei em pânico porque a moça queria casar e ter filhos. Era uma namorada muito legal e, quando terminou, me senti me devendo um pouco, sabe? Não era muito convencional, ela tinha a casa dela, o carro dela, a vida dela, e eu a minha.
PLAYBOY Você está sexualmente abstêmio atualmente?PEREIO Não, eu tenho visitas. Tenho uma vida sexual regular. Sexo é fundamental, sempre foi. Com 15, 16 anos eu batia p(*)ta o dia inteiro. Com a idade fica menos impositivo. Com o tempo você dá mais valor ao carinho, não tem tanta urgência em ejacular, sabe segurar, pensa também na parceira. Até porque a coisa é reflexiva.
PLAYBOY Então você ainda tem noite, álcool e mulheres no cotidiano?PEREIO É parecido com a coisa de estar no palco e gostar de estar no palco. Fui um grande jogador de sinuca, por exemplo. Enjoei uma época, meu jogo caiu, mas agora jogo sempre, pela volúpia de jogar. De festa eu não gosto muito, vou a certos lugares, mas prefiro ir sozinho. Inclusive ando sozinho no meio da p(*)ria. Agora quero freqüentar um salão de barbeiro que é 24 horas, cuja clientela é quase toda de travecos, p(*) e cafetões. Me sinto em casa. Tem muito marginal, em todos os sentidos, econômico, social, que me reconhece, fala: "Olha lá o PEREIO". E eu lido bem com isso. Geralmente é chato, mas você tem de aprender a lidar com isso.
PLAYBOY E isso é bom ou ruim?PEREIO Eu acho bom. Teve um período da minha vida que, p(*) que pariu, o pau mandava mais que tudo. Já aconteceu cada coisa...
PLAYBOY Já experimentou remédio contra impotência?PEREIO Já, o Viagra, o Cialis e o Levitra. Por indução da namorada, aquela coisa de vamos lá agora. Esse Levitra dá um surto de paudurescência razoável.
PLAYBOY Você passou a década de 90 longe da mídia. Isso mexeu com a sua cabeça de alguma forma?PEREIO Não, porque na verdade eu que fugi, estava muito drogado. Achei que tinha de cair fora, então fui para Goiás, para uma cidadezinha pequena, longe de tudo, que não tinha nem caixa de banco. Apaixonei-me por aquele lugar, pagava 70 reais de aluguel numa casinha com pomar, e estava a 90 quilômetros do aeroporto. Cobrava 4 mil reais por uma locução, fazia e voltava para lá para viver como um rei por um bom tempo. Até juntei grana. Porque onde eu morava antes, bicho, era só sair de casa que caía alguma coisa na minha mão.
PLAYBOY Por que aliar a carreira de ator à de entrevistador no Sem Frescura?PEREIO Houve uma reformulação no Canal Brasil, que estava indo para o buraco. O Paulo Mendonça, meu amigo, assumiu o canal e me chamou. Ele teve a idéia do meu programa, e chamou também o Selton Mello, o Paulo Betti, a Angela Ro Ro. O programa do Selton se chama Tarja Preta. Acho que não tem ninguém no Brasil mais tarja preta do que eu. Então o Paulinho deu esse nome, Sem Frescura, para sacanear a Leda Nagle, que fazia o Sem Censura. Ela não gostou, parece, o que eu achei muito bom, porque nunca fui muito com a cara dela...
PLAYBOY E o seu jeito esculachado de entrevistar dá audiência?PEREIO Quando dava entrevistas nos programas do Jô Soares e do Abujamra, eu percebi que todo cara que vinha me entrevistar estava brifado. Alguns até tinham uma equipe que ligava antes perguntando coisas da minha vida, para o cara meio que se proteger, já saber as coisas que ia falar. No programa da Luciana Gimenez começaram a me perguntar sobre as entrevistas que eu havia dado e, em uma, eu disse que não casaria mais, se tivesse de fazer isso de novo seria com um homem. Aí um cara só queria saber se eu pretendia dar o c(*) ou não! Fato é que conviver com homem é muito mais fácil que com mulher, mas não precisa f(*), claro. A Luciana me censurou, e eu expliquei a ela que a palavra vinha do latim, que significava cavucar, mas se ela quisesse eu poderia falar por elipse, estrangular o pele vermelha, afogar o ganso, molhar o biscoito. Aí ela perguntou o que era uma elipse... Teve uma opinião bacana, não lembro de quem, que dizia que o programa do PEREIO era bom porque era um troço que parecia que ia dar tudo errado e, no final, não dava errado. Mas em alguns momentos deu errado, sim. Teve um cara que eu comecei a enjoar dele no meio da conversa. Eu olhava para a terceira câmera e fazia aquela cara de "porra, que saco". Na entrevista do [Ivald] Granato, eu dormi.
PLAYBOY Você mora sozinho. Sente-se um homem sozinho hoje?PEREIO Não, eu tenho uma certa rotina. Compro jornal de manhã, tomo uma vitamina de frutas, porque estou querendo emagrecer. Faço o meu macarrãozinho ao pomodoro com o molho que compro ali na padaria. Eu gosto de cozinhar, me acalma, e sempre busco novos gostos. Isso só veio com a idade, eu não tinha a mínima idéia nem de como fervia água, mas aos poucos peguei gosto e comecei a me obstinar. Gosto de ficar o dia inteiro em casa, leio pra c(*), adoro ver os noticiários da televisão. Às vezes saio à noite, mas não muito. Não gosto muito de recebernem empregada. Tem uma senhora que vem uma vez por semana e deixa as coisas em ordem, e eu procuro manter essa ordem.
PLAYBOY Você vai ganhar um documentário, o PEREIO Eu te Odeio. Muita gente já te esculhambou nas gravações?PEREIO A idéia do documentário, que foi minha, surgiu para botar as pessoas me esculhambando oficialmente. E é engraçado porque houve uma resposta negando financiamento que falava em nome do respeito ao mito PEREIO, do cinema e das artes brasileiras, que queriam sacanear com aquele projeto. Mas a idéia foi minha! Não sei quem já gravou depoimento. Parece que teve uma empregada que me esculachou legal. Falou aquelas m(*) domésticas, de chegar bêbado em casa e quebrar a porta. O que aconteceu foi que o casamento com a Cissa deu certo uma época, depois não mais. E mais tarde a separação não deu certo, a gente estava separado e morria de tesão. Esse foi o pior período. E nessa fase o que aconteceu de m(*) não está no gibi, de ela trancar a porta da casa, eu ir lá e quebrar a porta na porrada. Sou um cara muito performático, hooligan mesmo. O que já me quebrei todo de porrada não é brincadeira. Já bati e apanhei muito, acho que apanhei mais do que bati. Não sei brigar.
PLAYBOY Já bateu em alguém famoso, além do diretor Ipojuca Pontes, naquele entrevero no Festival de Gramado, em 1979?PEREIO O Ipojuca Pontes sempre foi um Ipojegue. Sofria de todos os sintomas da síndrome da burrice, e era cãozinho da Tereza Rachel, que, por sua vez, era uma pessoa detestável. Eu não sou bom de briga, mas tenho impulsos de avançar, de quebrar tudo. Em geral me f(*). Poucos dias atrás fiz uma m(*). Um cara organizou um livro que era uma coletânea de textos e pediu para que eu lesse um trecho num recital junto com outras pessoas. Preparei uma coisa legal, esperei a minha vez e fiz uma performance. Levantei a bola, botei uma puta azeitona na empada do cara. Depois teve uma comemoração num restaurante japonês, e eu nem queria ir, mas fui. Lá, o cara começou a implicar comigo. Quando perguntei da grana que ele tinha me prometido pelo trabalho, ele continuou me cortando. Eu falei que, se a mãe dele não o tinha educado, que ele receberia educação na cadeia. Ele me mandou tomar no (*). Eu falei que era no (*) da mãe dele, e nessa hora me tiraram de lá. A porta do restaurante era fina, eu detonei ela. Isso faz uma semana. Para você ver que eu ainda faço m(*).
PLAYBOY Isso tudo contribui para uma certa mitologia do personagem PEREIO, que você parece gostar de cultivar...PEREIO Por isso que não sou muito de outros personagens, acho que a minha pessoa é mais interessante que qualquer personagem. Repito o PEREIO porque ele é um cara performático. E o meu texto é, freqüentemente, melhor que os textos que me dão.
PLAYBOY Mas você não teve medo de ser esquecido nesse tempo?PEREIO Não, justamente porque o que fez diferença foi que construí muito bem essa mitologia. Foi uma coisa mais ou menos pensada. Existem normas de comportamento para vencer na vida, como decorar texto direitinho, e eu não consigo decorar texto que eu não gosto. O verbo decorar tem a ver com coração, em inglês é by heart. Existe um regulamento para o sujeito que quer construir uma carreira, e eu nunca me comportei segundo ele.
PLAYBOY Mas essa mitologia mais ajudou ou atrapalhou?PEREIO Não sei, mas serviu para que pudesse ficar três, quatro anos fora de combate e não ser esquecido. Declaro sinceramente que o reconhecimento nunca me serviu, sempre gostei mais do exercício da arte dramática, de uma busca minha, pessoal, do que do aplauso. A minha grande volúpia sempre foi estar no palco, nunca a de receber crítica favorável.
PLAYBOY Mas a Sonia Braga já declarou que, no fundo, você é um fofo. PEREIO É uma boa jogada, né? Não sou cafajeste, de jeito nenhum. Mas até que é uma estratégia interessante. Citando Maquiavel, "o mau inteirinho e de uma vez só, e o bem aos poucos, em doses homeopáticas". Essa mitologia do machão é um troço esquisito. Você sabe muito bem que, quando está a fim de uma mulher, não a ganha coçando o saco ou escarrando. A minha maneira de não ser um sujeito escroto é cultivar um sofisticadíssimo senso de escrotidão. Interiormente, não tenho nenhuma rigidez afetiva, pelo contrário, tenho até uma certa obesidade afetiva. Talvez essa rigidez que passo seja uma espécie de filtro para também não ficar aberto a qualquer um que chega. Eu sou composto de uma grande fragilidade.
PLAYBOY Mas perdeu trabalhos por causa da mitologia?PEREIO Sim, mas, por outro lado, me livrou de fazer coisas que não queria. Por exemplo, se você está duro e te oferecem uma nota que vai quebrar um galhão para fazer algo que você não quer, é bem possível que você aceite. Já me ofereceram muita coisa. A assessoria de relações públicas da Presidência da República queria que eu fizesse anúncios, em março de 1974, cuja assinatura era "março, dez anos construindo o Brasil". Fiquei a fim pra c(*), mas não dava. Teve outra que queriam que fosse Papai Noel num outdoor. Também não dava.
PLAYBOY Você foi fiel nos casamentos?PEREIO Quando era mais guri, não era exatamente infiel, mas tinha tesão em muitas mulheres.
PLAYBOY E celebrava os atos?PEREIO Na medida do possível. Mas não era infidelidade. É que fidelidade não estava no contrato. Só com a maturidade que comecei a achar que isso era um bom negócio. Que, numa relação, é possível cultivar uma certa unidade. Eu tenho uma tendência mimética, se começar a andar com jogador de futebol, daqui a pouco estou de chuteira; se começar a fazer teatro com uma turma tal, eu dou uma certa aboiolada. Por isso, dedico minha vida a cultivar a minha unidade.
PLAYBOY Esse aborto teve algum reflexo na sua vida?PEREIO Só numa relação muito tempo depois, com uma moça que tentou ter filhos, mas já havia feito vários abortos. Ela fez todos os exames e não havia nada que indicasse que ela não poderia ter filhos novamente, então se levantou uma suspeita a meu respeito. O que bati de p(*)ta em laboratório... É uma situação meio esquisita, você chega lá, a moça te dá um frasquinho, te indica um banheirinho. Tive de fazer isso três vezes, até levei uma PLAYBOY Mas você já havia sido militante do Partidão, ou seja, sua relação com a esquerda é antiga, certo?PEREIO Quando eu era guri. Eu era romântico, sabe? Ia nas reuniões, mas não prestava muita atenção. Ia para comer as mulherzinhas, porque as comunistas davam. Fui membro do Partidão, assinei ficha, e fui filiado ao PDT também, tinha uma relação com o Brizola desde a Cadeia da Legalidade.
PLAYBOY Mas você votou no Lula?PEREIO Votei. Nunca havia ganho uma eleição na vida, essa foi a primeira. Meu primeiro voto foi no [Marechal Henrique] Lott, estava louco para votar no Jânio [Quadros], mas naquele tempo eu era vassalo de Moscou e a ordem era votar no Lott. Fiquei um tempo sem votar em ninguém por preguiça, desinteresse. E nunca acreditei no Lula. A minha trajetória não é muito diferente da dele, nasci na fronteira com a Argentina e não fiz o primário, me alfabetizei sozinho. Nunca gostei muito de estudar, mas sempre acreditei no conhecimento. Sempre li muito, inclusive com certa disciplina. Esse elogio à ignorância do Lula me é repugnante.
PLAYBOY Como chegaram a você na Operação Bandeirantes?PEREIO Os caras tinham meu telefone no aparelho, eles me achavam meio porra-louca, mas confiavam em mim. Eu também tinha ligações via mulher com um daqueles movimentos de 1968. Veio uma francesinha para cá e me apaixonei por ela. Lembro que cometi certos heroísmos, mas só para me exibir para a moça. Sempre se confundiram na minha cabeça o patriotismo, o heroísmo e o erotismo. Freqüentemente eu me engajava num movimento porque tinha uma mulher que eu queria comer, e também por sentimentos românticos.
PLAYBOY Quanto tempo ficou preso?PEREIO Uns sete, oito dias. Era ali na [rua] Tutóia, eles colocavam um capuz na gente enquanto era conduzido. Sentei pelado na cadeira do dragão, uma cadeira de metal que tinha fiozinhos que foram enfiados nos meus dedos, e um cara ficava segurando o aparelho de choque de maneira que eu o visse. Senti que ele não estava muito a fim de usá-lo. Os policiais ficavam me fazendo pressão, que nem aqueles babacas do programa da Luciana Gimenez. Chegaram a me pendurar pelado, mas o cara não me deu o choque. Eu até pedi, "me dá logo esse troço, porra", mas ele não deu. Tinha um cara da Aeronáutica, um da Polícia Marinha e um capitão do Exército. O chefe era o major Valdir, os sargentos eram Guimarães, não tinham nome, e tinha um capelão, bichona, que me deu uma Bíblia. Com frio, rasgava a Bíblia e me agasalhava com ela.
PLAYBOY Falando em cana, a Cissa Guimarães mandou te prender por falta de pagamento de pensão alimentícia...PEREIO [interrompendo] Aquilo foi ciúme de útero. Você pode chifrar uma mulher à vontade que ela tira de letra, mas ela não suporta ciúme de útero. Eu nem estava casado com ela, mas fiz um filho em outra mulher, e tinha acabado de sair de um acidente que me quebrou toda a cara. Quando saí dessa história, estava sem um puto por causa da operação. A Cissa ficou sabendo e me botou em cana pedindo 30 mil dólares. Ela sabia que eu não tinha como pagar. No dia de visita dos presos, e tinha cela com até 150 caras, tinha mais jornalista para me entrevistar do que visita para os outros . Saquei que a Cissa tinha a chave da cadeia, e só falei bem dela, disse que ela tinha toda a razão. Ela sempre teve bronca de escreverem o nome dela errado, Cissa com cedilha. Numa das entrevistas, falei: "É Cissa com dois esses, bota aí que eu estou dizendo isso". Nesse dia ela mandou me soltar.
PLAYBOY Nos anos 80, deram uma batida num apartamento de um traficante, você chegou logo depois, e quando perguntaram o que você tinha ido fazer lá, você disse: "Vim comprar cocaína". Não é dar muito mole?PEREIO Perguntaram e eu disse: "Vim comprar cocaína". Se tivesse ido à farmácia, teria ido comprar remédio. Foi igual a quando bati o carro no morro, virado, ao meio-dia. O que fui fazer lá? Vou dizer o quê? Fui ver a empregada... Porra, conta outra!
PLAYBOY Mas você já começou no cinema arrumando confusão, em Os Fuzis...PEREIO O problema ali é que a gente ia filmar em dez semanas e acabou durando seis meses. Acabou o dinheiro, precisava ter sol, seca, todo mundo se desentendeu nesse set. Ficamos seis meses convivendo sem filmar.
PLAYBOY E como foi a convivência com o Nelson Rodrigues?PEREIO Quando eu era casado com a Neila, ele escreveu uma peça para ela, O Anti-Nelson Rodrigues. Eu dirigi e atuei. Fui bem amigo dele. O Nelson era um sujeito muito interessante, ia pro meu camarim tomar cafezinho loucamente e fumar escondido da irmã. Era um homem riquíssimo interiormente, não bebia nada, molhava os lábios com um pouquinho de champanhe. Tinha dois motoristas, não dirigia, e duas secretárias, quase todos bolivianos. Ele não enfiava a mão no bolso, era uma das secretárias que pegava as coisas para ele.
PLAYBOY Mas não houve problemas de origem, filmes ruins, notas frias, subvenções do Estado a fundo perdido?PEREIO Entrar num discurso estetizante é muito difícil. Mas observo que 99% do que vem do cinemão americano é m(*). E é receita. Limite é um filme do c(*), até hoje é um dos melhores filmes feitos no mundo. O outro que o Mário Peixoto quis fazer, não deixaram. O Cangaceiro também. Por que não ser tira uma c(*) de cópias e distribui no mundo inteiro?
PLAYBOY Você esperava mais dele?PEREIO Nunca levei fé. Celso Furtado, quando foi ministro da Cultura, tinha uma verba de 0,03% da receita do Estado. E não vá querer comparar Celso Furtado com Gilberto Gil...
PLAYBOY Por fim, qual seria o epitáfio perfeito de Paulo César PEREIO?PEREIO "Next week I'll get organized." Ou então uma frase que disse para a Cissa quando ela me deu um pontapé nos colhões e, para justificar, disse: "Mas é porque eu te amo". Então me ama menos. "Me amem menos" seria um bonito epitáfio.
Paulo Francis
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