3 LiVrOs ParA eNtEnDeR o JorNaLisMo bRaSiLeiRo

Conclui essa semana o que para mim seria a terceira obra de uma trilogia. Para entender a historia do jornalismo brasileiro no ultimo seculo, ou pelo menos nos ultimos 70 anos do seculo XX, seria importante ler cada um dos relatos desses tres livros que possuem altos e baixos, como todas as boas obras, mas que sao fundamentais para ver como o jornalismo brasileiro se assemelha as salsichas. O termino de Chatô, de Fernando Morais, fechou o ciclo e revelou que eh melhor mesmo nao procurar saber como as noticias sao feitas na Terra de Vera Cruz, mundanamente conhecida como Pindorama.

Samuel Weiner, Minha Razao de Viver - Memorias de um reporter
O primeiro eh o de Samuel Weiner, Minha Razao de Viver - Memorias de um reporter. Percebe-se logo de cara que Weiner, em sua auto-biografia, nao teve pudor em sua disposicao a contar tudo. Percorre-se as paginas do livro com a certeza de que a promiscuidade entre os interesses públicos e privados, o tráfico de influências, o fisiologismo político e a corrupção, sao elementos essenciais da pratica jornalistica no Brasil. Dono do "Última Hora", Weiner, um dos mais poderosos jornalistas da história do país, foi amigo e conselheiro de três presidentes da República - Vargas, Jucelino e Goulart, respectivamente - e teve inimigos a potencia de seu calibre. Por sua proximidade ao poder teve acesso a pessoas e ao conhecimento de fatos que os demais mortais so viriam a saber pela leitura de seu jornal. Portanto, na ocasiao da primeira edicao de suas memorias havia duas exigencias expressas pela familia do jornalista. A primeira era a de nao se revelar que realmente Weiner havia nascido na Bessarabia - um lugar perdido entre a Moldavia, Ucrania e Transilvania. A segunda era a de manter a todo o custo o segredo de quem era o homem de confianca no sistema de arrecadacao de dinheiro para financiar o contragolpe preventivo que Goulart planejava nos meses iniciais de 1964. Segundo ele, deveriam esperar 25 anos para que todos os implicados, aliados e inimigos estivessem mortos.

A nova edicao - a que me caiu nas maos na bibilioteca do CCBB, em minha ultima andanca pelo Rio - trouxe novidades. Por exemplo, a comprovacao de que Wainer realmente nao era brasileiro. Nas primeiras paginas ha uma foto dele, ainda crianca no porto de Genova a caminho do Brasil, encostado no ombro do pai. Tambem na nova edicao ha outra revelacao. O advogado Jorge Serpa é citado como o principal articulador do sistema de levantamento de fundos para a tentativa - segundo a versão dos militares, diga-se de passagem, mas diga-se! - de contragolpe arquitetada por Joao Goulart. Por essas e por outras esse livro deve fazer parte dos nossos livrinhos de cabeceira.

O Anjo Pornografico
O segundo livro eh mais ameno mas sem menos revelacoes que o primeiro. Trata-se do Anjo Pornografico, biografia de Nelson Rodrigues escrita por Ruy Castro. No livro fica clara a personalidade reacionaria do escritor, mas tambem a ironia aberta que fez parte mais de seus escritos que de sua vida privada. Seu anti-comunismo ferrenho o tronou por muito tempo o inimigo predileto da esquerda.
Mas o ponto alto do livro eh a estreia de Vestido de Noiva, um marco no teatro nacional - por entrecruzar num palco com tres giraus alucinacao, memoria e realidade. A formula nunca tinha sido pensada no Brasil e era tao revolucionaria que os criticos foram unanimes na sentenca de que aquele seria o marco do teatro brasileiro. Por isso, alguns criticos chegam a afirmar que esta peca era o ajuste de contas com o movimento modernista. O polones Zbigniew Ziembinski comandou a trupe dos Comediantes - de Brutus Pedreira e o desenhista Santa Rosa. (arremedando o Silvio Santos, direi que eu nao vi mas a mae de uma amiga viu e disse que 'aquilo tudo parecia um sonho' [sic]).


A proposito, Nelson Rodigues odiava o teatro de esquerda dos anos 70, em especial O Rei da Vela, célebre peça de Oswald de Andrade. Além de detestar a mistura de política com arte, o dramaturgo alimentava um medo secreto e patologico de que os intelectuais considerassem o teatro engajado uma superação de seu próprio trabalho. Fato eh que apos Vestido de Noiva Nelson Rodrigues nao conseguiria emplacar outra peca tao revolucionaria em termos cenicos. Mas nao apenas a esquerda o via como um verdugo. O problema eh que Nelson Rodriges passou a ser alvo facil tambem da direita. Quando foi apresentado para o general Albuquerque Lima, por exemplo, antigo fã seu, Nelson não contou tempo e, em plena Ditadura Militar, perguntou: "Então por que essa perseguição toda? Por que prenderamo Caetano Veloso e o Gil?". O general não gostou da acolhida e saiu resmungando baixinho.

Nos anos 70, o filho mais novo de Nelson Rodrigues, Nelsinho Rodrigues Filho, foi militar no MR-8 e caiu na clandestinidade. No primeiro encontro que teve com o filho foragido, depois de telefonemas anônimos, para combinar hora e local, e desnecessárias voltas de carro para disfarçar, Nelson falou para o filho que nunca havia passado por uma experiência tão emocionante na vida. "Me sinto num filme", falou. Mas a emocao acabou quando os militares prenderam Nelsinho e o detiveram por longos anos. O pai, ferrenho defensor dos militares, fazia apelos dramaticos na tv para que libertassem o filho, sem receber resposta.

Chatô

O terceiro livro dessa trilogia seria o Chatô, de Fernando Morais. Digamos assim, esta, bem poderia ser a biografia de um homem que reunia a essencia do oportunismo com o senso de oportunidade, onde a etica raramente fazia parte de sua estrategia nos negocios - fossem eles na area industrial, artistica ou jornalistica. Criou o 'Diarios Associados' que em seu auge contou com mais 34 jornais, 36 emissoras de rádio, 18 estações de televisão, uma agência de notícias, uma revista semanal O Cruzeiro, uma mensal A Cigarra, várias revistas infantis e uma editora. Para suas conquistas usou metodos que passavam pela chantagem, extorsao e a calunia contras seus inimigos e opositores. Em decorrencia de tais metodos angareou muitos inimigos. Contra Francisco Matarazzo, por exemplo, que dizia que com ele so com pe no peito e navalha na garganta, Chateaubriand responderia com uma de suas perolas: Responderei com métodos paraibanos, usando a peixeira para cortar mais embaixo.

Na biografia de Assis Chateaubriand fica claro tambem o episodio da luta entre Chatô e Weiner - que na verdade era uma queda de bracos entre Chatô e Vargas -, que teve como testa-de-ferro Carlos Lacerda. A obsessao de Lacerda era tal que este daria um dedo mindinho para ter em mãos a famosa foto de Wainer no porto de Gênova partindo para o Brasil. No início da década de 50, o dono da "Tribuna da Imprensa" liderou, com a iminencia parda de Assis Chateaubriand, proprietário dos "Diários Associados", uma campanha nacional para destruir Wainer, acusando-o de omitir sua verdadeira nacionalidade. Os interesses de Lacerda passavam longe do patriotismo. A bem da verdade devia-se mais ao que Nelson Rodrigues definiu com a frase lapidar que bem podia ter sido criada para o episodio: Nada nos humilha mais do que a coragem alheia. O futuro governador do Estado da Guanabara não engolia o sucesso da "Última Hora". O jornal, impulsionado pelo apoio financeiro do governo Vargas, era um campeao de vendas no inicio dos anos 50. A polêmica acabou em CPI, a primeira instalada no país, e rendeu alguns meses de prisão a Wainer e seu ódio eterno a Lacerda. Mas voltando a Chatô pelas suas posturas favoraveis ao capital estrangeiro tronou-se um aliado importante de homens como, Alexander Mackenzie dono da Light & Power, e de Percival Farqhuar, que o contratra, ainda no primeiro governo de Vargas para tentar recuperar, seus dominos no Port of Para - que mais tarde se tornaria Vale do Rio Doce.

Enfim, dificil eh nao adjetivar - nao as obras mas aos personagens nelas contidos. A tres merecem ser lidas com zelo, atentando sempre para as narinas e tomando todo o cuidado com a higiene das maos apos a leitura. Nao, nao falo da tinta dos diarios, mas do mar de lama que nao se limitava apenas as ruas do Catete...

Musica do dia: My kind of girl. Frank Sinatra.... para amenizar...

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