Contentemo-nos com a Ilusão da Semelhança, porém, em verdade lhe digo, senhor doutor, se me posso exprimir em estilo profético, que o interesse da vida onde sempre esteve foi nas diferenças,
Invernos ou verões, já nem sei mais...
do tempo,desde o inconcebivel
dia inicial do tempo, em que um terrível
Deus prefixou os dias e agonias,
até aquele outro em que o ubíquo rio
do tempo terrenal torne a sua fonte,
que é o Eterno, e se apague no presente,
no futuro, no passado o que agora é meu.
Entre a aurora e a noite está a história universal.
Do fundo da noite vejo a meus pés os caminhos do hebreu,
Cartago aniquilada, Inferno e Glória.
Dá-me Senhor, coragem e alegria
para escalar o cume deste dia."
J.L.Borges
Nota: Lembrança do meu chapa Ednelson Jesus, chapa velho, irmão, comparsa e amigo de anos com quem comparto diferenças, semelhanças e o prazer de cada nota do Coltrane, além das muitas coisas que consigo ver, por ele ter me ensinado a ver certas coisas onde minha torpeza me impede.
Moartea domnului Lăzărescu
O filme classificado como humor negro, é bem mais que isso. Pensado pelo diretor Cristi Puiu como uma tetralogia dos subúrbios de Bucareste, o filme é um retrato do que poderia ser a rede pública do Rio de Janeiro. Quem ja precisou de um Salgado Filho, um Getúlio Vargas ou Miguel Couto, sabe muito bem do que eu estou dizendo. O filme segue a jornada Lăzărescu através da noite e de como ele é levado de um hospital para o outro. Nos primeiros três hospitais, os médicos, depois de muita enrolação, relutantemente aceitam cada um a sua maneira fria e distanciada examinar Lăzărescu. Todos, apesar de considerarem sua condição gravíssima, necessitando de uma cirurga com urgência, recusam-se a mantê-lo em seus hospitais, pois por infelicidade, as vítimas de um grande acidente de ônibus não param de chegas às emergências. Por isso decidem mandá-lo embora. Entretanto, sua saúde se deteriora rapidamente, sua fala falha, balbucia lentamente, seus reflexos diminuem, vai perdendo os movimentos dos membros direitos.
As razões para o descaso vão desde a negligência ao cansaço, ou simplesmente a recusa a atender um velho manguaça. Durante a noite de procura por alguém que o atendesse, sua agonia aumenta. Sua única protetora é a enfermeira que prestou os primeiros socorros, aguentando firmemente todas as humilhações e arrogância dos médicos. Finalmente, no quarto hospital, os médicos aceitam Lăzărescu para uma operação de emergência para remover um coágulo no cérebro. De todas as maneiras, tal como um dos médicos disse, livraria-se do tumor, mas não da cirrose.
Nos extras, Cristi Puiu dá uma entrevista interessantíssima. Segundo ele, o filme foi inspirado intelectualmente na série dos Six Moral Tales do cineasta Eric Rohmer. Na prática, numa experiência pessoal em 2000, quando teve de ser levado às pressas, vomitando sangue, à emergência de um hospital. Seu caso, não fora grave, mas a experiência o marcou com sérias crises de hipocondria. E costurou todos esse fatores com uma notícia de jornais dando conta do abandono de um velho doente pela paramédica que não conseguia um hospital para interná-lo. A paramédica, que abandonou o doente à sua sorte, foi a única condenada num processo de negligência - algo que Puiu recusa-se a aceitar. Daí o filme.
O diretor aceita a tarja preta do humor negro. Aceita mas não concorda, pois suspeito que este seja, sem sentimentalismo barato, um filme de resgate do humanismo. Ou parafraseando Brás Cubas que disse, ainda que de maneira sacana, que seu emplasto era " o alívio da nossa melancólica humanidade" esse filme é de uma maneira bem sacana uma espécie de "alívio para" - e não "de" - "nossa melancólica humanidade".
Música do dia. A Banca do Distinto. Billy Blanco
Dia de Merda
do tempo, desde o inconcebivel
dia inicial do tempo, em que um terrível
Deus prefixou os dias e agonias,
até aquele outro em que o ubíquo rio
do tempo terrenal torne a sua fonte,
que é o Eterno, e se apague no presente,
no futuro, no passado o que agora é meu.
Entre a aurora e a noite está a história universal.
Do fundo da noite vejo a meus pés os caminhos do hebreu,
Cartago aniquilada,Inferno e Glória.
Dá-me Senhor, coragem e alegria
para escalar o cume deste dia."
J.L.Borges
E na gente deu o hábito de se esconder nas trevas, de viajar entre as telas
Não levo muito a sério essas listas, mas fato é que dentre os selecionados neste ano estão - dentro do esquemão americano de cinema - realmente alguns de minha predileção e alguns deles até ja resenhados neste espaço de ilusões: The Asphalt Jungle (1950); A Face in the Crowd (1957); In Cold Blood (1967); The Killers (1946)- baseado num conto do Hemingway e tendo como atriz principal "o mais belo animal do mundo", Ava Gardner, perfeitamente definida por Cocteau, que tomava banhos na piscina da casa cubana de Hemingway nua, deixando-o louco, antes de Sinatra, a quem também deixaria louco poucos anos depois do filme em questão; e o The Pawnbroker (1965) - um dos melhores filmes que já assiti na minha vida, com uma das mais perfeitas atuações de Rod Steiger no papel de um duro sobrevivente do Holocausto e dono de casa de penhores no ghetto de NY, que impõe as mais diversas humilhações aos seus devedores e a seus empregados.
Os outros filmes devem ser importantes por algum outro motivo:
1. The Asphalt Jungle (1950)
2. Deliverance (1972)
3. Disneyland Dream (1956)
4. A Face in the Crowd (1957)
5. Flower Drum Song (1961)
6. Foolish Wives (1922)
7. Free Radicals (1979)
8. Hallelujah (1929)
9. In Cold Blood (1967)
10. The Invisible Man (1933)
11. Johnny Guitar (1954)
12. The Killers (1946)
13. The March (1964)
14. No Lies (1973)
15. On the Bowery (1957)
16. One Week (1920)
17. The Pawnbroker (1965)
18. The Perils of Pauline (1914)
19. Sergeant York (1941)
20. The 7th Voyage of Sinbad (1958)
21. So’s Your Old Man (1926)
22. George Stevens WW2 Footage (1943-46)
23. The Terminator (1984)
24. Water and Power (1989)
25. White Fawn’s Devotion (1910)
Musica do dia. Rosa dos Ventos. Chico
O peso de uma pedra, como se diz
Alguns detalhes tornam sua inutilidade mais complexa. Agladze é um músico jovem e mulherengo, uma espécie de Don Juan moderno, que seduz pelo jogo de seduzir e em seu rastro deixa alguns corações partidos. Nem por isso as mulheres o reprovam. Simplesmente, elas não o levam a sério. Os amigos tampouco. Apesar disso, apesar de levar uma vida boêmia, de ter muitos amigos, é um tanto desconectado com a realidade. O que torna a personagem muito simpática é sua maneira de levar a vida de forma irônica flanando pelas ruas de Tbilisi com um passo bêbado, flertando com as mulheres com um olhar contrito porém sagaz, encontrando-se com amigos distantes da realidade enrijecida e erudita do conservatório. Na orquestra onde toca é um músico que mescla insegurança e displicência. Erra nas marcações da partitura deixando o austero maestro impaciente por conta de sua conduta descuidada. Quando não está no conservatório, esta as voltas com os amigos, namoradas, casos e ex-namoradas. Topógrafos, relojoeiros, vizinhos amantes de futebol e jovens operárias. Esse era o universo de Agladze. A sua conduta profissional, se espelhada em sua vida, revela muito, pois vive sem responsabilidades maiores, ainda sob o teto de um quarto de dormir - que é estúdio, escritório, e quarto de costura já que além de tudo tem dotes de - na casa da mãe.
E foi assim, sem sentido que no dia anterior a sua morte, após visitar seus amigos na relojoaria, pregar um prego na parede para que o relojoeiro pudesse pendurar sua toca; após encontrar-se com uma ex-namorada; após visitar uns vizinhos do apartamento da frente que se reuniram para assistir um jogo, ir até a varanda conversar com o menino com dotes de inventor e olhar pelos telescópio em seu predio os vizinhos, sua casa, sua mãe; retira-se. Aparentemente não se interessa por futebol – um grave erro desse rapaz. Vai para casa. Dorme. Desperta no dia seguinte com a insatisfação cotidiana. Caminha com seu passo bêbado para o seu destino. Flerta com uma moça como se fosse a única. Atravessou a rua com seu passo desconectado. Atravessou a rua entre os carros. E ouve-se o ruído de freios. E acaba no chão como um pacote tímido.
Ou seja, com ou sem destino, morre na contramão atrapalhando o tráfego. Sem dúvida, apesar do tom cômico, um dos filme mais trágicos da juventude de Otar.
Nota. Titulo em francês. "Il était une fois un merle chanteur"
Música do dia. Construção. Chico
Golias – (Davi) = ?
No total, a Faixa de Gaza tem registradas, como refugiadas, 750 mil almas. Estas almas, respectivas a cada corpo, já não recebiam a comida fornecida pelos caminhões de ajuda humanitária das Nações Unidas, retidos pelas autoridades israelenses, desde fins de Novembro. Mas isso são apenas palavras sobre fatos e estatísticas que virão a ser História, e que por ventura esta mesma História, dependendo de quem a escreva, redimirá os algozes de suas responsabilidades históricas, culpando as vítimas por sua falta de sorte. Nesse caso, importante são as imagens...
Os cadáveres de cinco irmãs palestinas de 4 a 17 anos mortas no bombardeio noturno israelense a uma mesquita do campo de refugiados de Yabalia. Publicada no El País - 27-12-2008
Feliz 2009.
Glória a todas as lutas inglórias
No caso do Brasil, é possível obter o nome das embarcações, nome do capitão, ano e porto de saída e porto de destino. Em alguns casos é possível inclusive obter o nome, a idade e a altura do indivíduo.
http://www.slavevoyages.org/tast/index.faces
Sem dúvida, uma contribuição marcante para o que ainda há de vir.
Música do dia. Mestre Sala dos Mares do insuperável Aldir Blanc.
O Homem que Calculava
Nas estatísiticas dos números a frio não incluo os assistidos na tela grande nem os assistidos num canal que faço questão de assinar, o Turner Classis Movies - que os mafiosos da Comcast comandados por Edward G. Robinson fazem questão de me arrancar os olho da cara -, pois aí a média aumentaria. Familiares e amigos dizem que isso é patológico - mas continuam conspiradoramente dando corda, pois acabo de ganhar da megera de minha sogra mais uma assinatura de seis meses do NetFlix de presente de Natal. Agora, tenho direito a 5 filmes em video por semana.
No fundo, eu sei que isso é um problema. O pior é que eles não sabem que muitas vezes acordo no meio da noite para rever muitos destes filmes, repetir as cenas, parar, voltar, atentar para os diálogos, tomar notas... e se sou pego em delito flagrante, finjo, para nao piorar minha situação perante a família, que estou dormindo com a televisão ligada... enfim... agravando ainda mais esse meu problema que tende a piorar em 2009 pois em minha lista consta 475 filmes a serem assistidos ou revistos. Um absurdo. Uma utopia.
1. 71 Fragments of a Chronology of Chance
2. The Death of Mr. Lazarescu
3. Avenue Montaigne
4. Our Town
5. Four Films by Otar Ioselliani: Disc 2
6. Four Films by Otar Ioselliani: Disc 1
7. Rodin: The Gates of Hell
8. Il Grido
9. Famous Authors: John Steinbeck
10. My Life and Times with Antonin Artaud
11. A Brief Vacation
12. The Diving Bell and the Buterfly
13. Tempest
14. The Damned
15. Margarette's Feast
16. The Bicycle Thief
17. Ratatouille
18. The Passenger
19. The Virgin Suicides
20. Sculptures of the Louvre: Disc 1
21. Sculptures of the Louvre: Disc 2
22. Maria Full of Grace
23. Mirror Andrei Rublev
24. The Long, Hot Summer
25. Cars
26. The English Masters: Constable
27. L'Avventura
28. Who's Afraid of Virginia Woolf?
29. Down by Law
30. The Louvre
31. La Notte
32. Umberto D.
33. There Will Be Blood
34. Permanent Vacation
35. The Nude in Art: Disc 2
36. Stranger than Paradise
37. Dead Man
38. Once in a Lifetime
39. Night on Earth
40. Shadows
41. Curb Your Enthusiasm: Season 6: Disc 1
42. Curb Your Enthusiasm: Season 6: Disc 2
43. La Notte
44. Ossessione
45. The Aura
46. 2 Days in Paris
47. Human Nature
48. The Man Who Copied
49. Confessions of a Dangerous Mind
50. Cinema, Aspirins and Vultures
51. Eternal Sunshine of the Spotless Mind
52. Being John Malkovich
53. Durval Discos
54. The Loves of Emma Bardac
55. Story of a Love
Mais Otar
Pastoral conta a historia de um grupo de músicos que por alguma razão burocrática e muito estranha é mandado de Tbilisi para um retiro de veraneio numa comunidade rural. Uma das musicistas do quarteto parece ter alguma relação de parentesco com os donos da casa, dada a calorosa recepção. Parece pois no fim paga pela estada. Na casa habita uma grande familia composta pelos avos, pais e netos.
O calor das boas vindas logo se desfaz, pois por alguma razão a sofisticação da música e dos ensaios, não altera a rotina dos moradores. Estes apenas acham estranha a música, tocada pelo quarteto, que de longe chega aos seus ouvidos, mas seguem suas vidas com a lida do campo, com a ordenha das vacas e o pastoreio das cabras. A azáfama do campo revela que os moradores da vila não tem tempo para aquela estranha e sofisticada música e aos poucos são os músicos que revelam-se envoltos pelas questões locais, como as brigas de vizinhos pelo desvio água que corre num dos córregos de uma propriedade, pela janela que um constrói de frente para a casa do outro, pelos pequenos golpes que um dos vizinhos pobres dá para sobreviver, enfim, pelas questôes cotidianas que fazem realmente sentido para os que vivem ali.
A vida calma, vista pelos visitantes como bucólica, é corroída não por determinação governamental autoritária, mas pelos desentendimentos cotidianos, pelas controvérsias locais, ou mais que isso, simplesmente pelo tempo. A única conexão entre os dois grupos, os moradores e os músicos, é dada pela ação de uma adolescente, um tanto sonhadora, que durante o dia cuida dos irmaos menores da casa e ainda encontra tempo para ler durante a noite e ter aulas de piano. E aos poucos tanto os músicos quanto os expectadores, vamos nos transformando em antropólogos relutantes tentando encontrar os sentidos funcionais da comunidade e do país inteiro na resolução dos pequenos conflitos, que nem de longe tem desfechos sentimentais.
La Pianiste
Seu mundo encantado minuciosamente costurado com ordem, metodo e a falsa sensacao de ascendencia sobre todos que a rodeiam, passa a se desorganizar quando conhece a Walter, um estudante de engenhaira de 17 anos, que presta exames para o conservatorio. Ela se sente atraida por ele, ainda que o interesse juvenil de Walter pareca mais impetuoso que o dela - controlado e indiferente. Perante os pares desmerece as qualificacoes do rapaz, quando este executa obras de Schumann e Schubert inferindo que as pretensoes profissionais do rapaz sao ambiciosas ja que uma carreira profissional de pianista deve se manifestar mais cedo.
Em pouco tempo sua atracao pelo rapaz passa de uma pretensa ascendencia dominante a possessividade e a uma contraditoria relacao de passividade que somente Leopold von Sacher-Masoch explicaria. Essa transformacao fica clara quando conduzida pelo ciume doentio que passa a sentir por Walter Klemmer, poe vidros quebrados no bolso do casado de uma de suas alunas, Anna Schober, por esta contactar Walter numas das audicoes. Quando procurada pela mae da aluna – tao intransigente quanto sua propria mae - , Erika forja compaixao. Consola-a de maneira a nao deixar duvidas sobre seu papel de mentora.
April
O filme April (1961), de Otar Iosseliani, tem alguns aspectos ainda mais surreais. Apesar do filme de apenas 45 minutos ser quase todo mudo, ha uma sonoplastia estranha. Os instrumentos musicais nao emitem seus sons originais, a agua nao faz ruido de agua saindo da torneira e portas que nao rangem como deveriam ranger, por exemplo. Por esse amor ser tao forte e nao permitir que os instrumentos funcionem e as luzes acendam, a vida cotidiana vai se transformando num tormento. Subitamente, aquilo que parecia um sonho passa a se transformar, sob o mesmo cenario de sons de natureza metalica, num pesadelo.
"For me, the best film -- the true film -- is the kind which requires no translation."
Otar Iosseliani , Georgian filmmaker
The Last Days of Judas Iscariot
Fui assistir à peça tal como um viajante medieval: sem guias impressos ou informações prévias sobre o destino. Sabia das informações de praxe sobre o escritor, Stephen Adly Gurgis, e do diretor original, Philip Seymour Hoffman, mas nada sobre John Vreeke, diretor dessa montagem. Importava que Adlly Gurgis é um escritor jovem que escreve há muito para o grupo LAByrinth de NY com incursões na tv e no cinema. Em 2004 ganhou uma bolsa do Sundance Screenwriter’s lab e já escreveu episódios do NYPD Blue e Sopranos. Acho que para mim bastava.
Stephen Adly Gurgis teve uma sacada otima. Como se sabe é mais do que sabido que o texto do era baseado na vida de Judas Iscariotes, um dos escolhidos, um dos 12 apóstolos de Jesus Cristo. Na versão de Stephen Adly Gurgis, Judas, remoido pela consciencia por ter vendido Cristo por 30 moedas de prata, comete suicídio. Morto, aguarda julgamento no purgatório que, à guisa de tribunal, conta com um juiz, Judge Littlefield, a advogada de defesa Fabiana Aziza Cunningham, o promotor Yusef Aziza Cunningham e dez jurados de um juri popular. O cenário todo é adaptado num num tribunal. E a obstinada advogada de defesa Fabiana Aziza Cunningham chegas as raias do descontrole emocional na defesa de seu cliente – que só ela e Borges, que não aparece na peça acreditam se tratar Judas de um inocente.
A montagem é limitada, mas funciona. Cinco jurados sentados frente a frente; o juiz e os dois advogados; Judas no centro do palco; e as aparições eventuais de Satanás. Todos os atores (jurados) trocam papeis o tempo todo. Por exemplo, o personagem de Freud, passa a ser São Tomás, e um soldado romano; Santa Monica – interpretada pela excelente Veronica del Cerro – passa a ser um soldado; e o Juiz Littlefield inverte os papéis com um dos Caifás presentes no julgamento de Jesus organizado pelo Sinédrio. Os papéis e indumentárias são trocados no palco, assim que os atores atravessam o palco e se sentam na cadeira vaga de um dos jurados. Um jogo interessante que funciona bem para um teatro pequeno e um palco de poucos recursos, onde os jogos de luzes fazem recuar a narrativa em flashback par aa infância e juventude de Judas.
Mas a sacada cênica de Stephen Adly vai além. Consiste em mostrar um cara que, antes de se tornar iníquo e infiel, e de ser malhado pela molecada suburbana em Sábado de Aleluia, fora encarregado das financas da trupe que rodeavam Cristo. Como controlava a grana, passou a adquir poder. Mas Stephen Adly mostra também que os fatos não estavam pre-determinados, apesar da rapazeada do grupo já desconfiar dele, Judas, desde a fraqueza demonstrada na cena da unção com óleo perfumado em Betânia, onde o cara provara que estava mais apegado ao dinheiro que os sectos lançavam que às palavras de Cristo, propiamente ditas.
Gastaldi veio ao mangue:ô my god ai, que bode que vai dar...
Giacomo nao tinha sido o primeiro a falar da America. Pierre Decellier, em 1546, ja havia tracado aspectos geograficos e antropologicos da America, mas por pertencer a Escola de Dieppe, a patriotada marota encalacrada nos Institutos Historicos e Goegraficos da Vida o desconsidera - bem como a Giacomo e a Ortelius que somente viria a publicar o seu Mapa da America ou do Novo Mundo em 1587 – valendo para razoes ufanistas apenas as contribuicoes de Diogo Homem, cartografo portugues que trabalhou na Antuerpia e Veneza.
Giacomo era Piamontes e jamais pisou no Brasil. Ate ai tudo bem, pois nao era pratica dos cartografos europeus iram a America, e por isso apareciam os monstros marinhos, os fenomemnos teratologicos de gente comendo gente no sentido lato do termo. Mas o feito do Giacomo foi importante pois publicou em 1965 Nella Stamperia de Giunti, onde entre outros detalhes percebe-se indios trabalhando inocentes, praticando escambo com portugueses voluntariosos, e...
...copulando...
Musica do dia: Mingus samba(Guinga - Aldir Blanc)
Balangandã da baiana...Maracanã do Carvana...deixa a Chiquita bacana voltar!Mane Garrincha sacana...tá bem, nós somos bananas mas não é preciso se embananar.Mingus veio ao mangue:ô my godai, que bodeque vai dar...Mingus com seu somvai botar o mingaua knockdown.Mingus, senta o pauque o pitecantropustem que mamáMamba, Mingus,mani-pi-cao!Mingus me sacudiu:tchan, tchau!Ô, ô, morena faceira,ai, ai, cubana mañera,hoje é do Mingus o meu carnaval.Ai, caboclinha, me aqueçatransforma a quinta e a terçaem feriados, do-Mingus de sol!Ai, que mistura que dá...ôi, zum-zum-zum resedá...Vou com o Mingus e um primo do Neino domingo pra Piabetá.Ai, ai, Iaiá de Ioiô,Mingus te manda um helloJá tomamo umazinhae há o bafo da onça na onda que eu vou...Mamba, Mingus,mani-pi-cao"Mingus samba e pingajazz de coringa na geral!
O ponto em que a vertical de um lugar vai encontrar a esfera celeste acima do horizonte
Retornei a minha mesa. Li um conto. Acho que somente eu, ela e mais uns poucos amigos saberão do que se trata.
Era um rapaz passivo. Aceitava tudo o que vinha dos chefes. Porém, como era bajulador, incomodava.
Cortaram-lhe a língua: deixou de elogiar.
Depois cortaram-lhe os dedos. Deixou de escrever textos laudatórios.
Foi num desses dias que, com a cabeça a bater numa mesa - em código morse - ele disse, para os seus chefes:
Mais uma como essa e perdem um amigo.
(Conto, O Amigo, do livro "O Senhor Brecht" - Gonçalo M. Tavares) Este conto envolvendo o singelo tema do "kiss up, kick down".
Hans Henze
W.H. Auden
Stop all the clocks, cut off the telephone,
prevent the dog from barking with a juicy bone,
silence the pianos and, with muffled drums,
bring out the coffin, let the mourners come.
Let airplanes circle moaning overhead
scribbling on the sky the message: he's dead.
Put crepe-bows round the white necks of the public doves,
let the traffic policemen wear black cotton gloves.
[…]
The stars are not wanted now, put out every one.
Pack up the moon, dismantle the sun.
Pull away the ocean and sweep up the wood.
For nothing now can ever come to any good.
Este poema foi recitado pelo personagem Matthew no filme Four Weddings and a Funeral, exatamente no funeral de Gareth. Um filme bacana, um filme de geração que não deveria ter sido tão banalizado. Quando Quico escreve dando a noticia da morte do Hans Henze, no último sábado, senti uma coisa muito ruim, muito ruim mesmo, uma sensação que a vida é reles pois a mão, débil e senil, que sustenta seu fio não é fiável: treme a todo o instante. E lembrei deste poema.
Ter o Hans ao nosso lado, mesmo que distante, nos fazia bem: Tê-lo vivo nos fazia bem. Antes do ataque cardíaco que o deixou esculhambado e falando mole, sempre nos reuníamos no apartamento do Quico e Hans tinha a incrivel capacidade de transformar nossa atmosfera num daqueles filmes de Denys Arcand, frequentando os mundos de Pedro Juan Gutiérrez.
Com carinho, em memória do nosso amigo Hans Henze, que morreu no ultimo fim de semana no Rio de Janeiro.
Nosferatu
Instruções para não dormir
O pai volta ao trabalho. Recebe um recado para telefonar para sua mãe. A avó do menino, que mora noutro país distante do Brasil, também tinha sofrido um acidente, um corte. Não se aconselha que diabéticos tenham cortes. Liga imediatamente. A mãe atende. A bem da razão, um acidente doméstico não tão simples para um band-aid, não tão grave para uma internação. O filho se sente aliviado pela mãe já ter sido medicada, mas pensa por instante que a vida é uma merda. Trabalha até as 7-8 da noite mas sem muita concentração. As imagens fotográficas o confundem. As pesquisas bibliograficas se tornam inconsistentes e sem sentido.
Ontem: em casa, pela noite, o pai não se contrariou secretamente, como de costume, com a arganaz de nome Mickey. Achou até que aquela era uma grande bobagem de sua parte, afinal o Pateta e o Pato Donald não poderiam ser tão nocivos assim como os descritos no "Para Ler o Pato Donald". Assistiram um pouco de TV juntos. O menino comia feliz uns morangos enquanto assitia a umas animações das músicas do Toquinho. Depois o pai deu uns telefonemas. Sua cabeça doía muito. O menino dormiu.
O pai adormeceu no sofá. Chegou a sentir a esposa grávida desligar o televisor, mas estava exausto. Acordou as 4:30 da manhã com a mesma roupa. O pai normalmente dorme a essa hora, talvez um pouco mais cedo, mas jamais desperta tão cedo. Foi ao quarto do filho e o cobriu, pois fazia frio. Foi para a cozinha, fez um café, voltou para a sala e continuou desempacotando livros. Encontrou e folheou o Angústia, que se encontrava na pilha sobre o Vidas Secas. Torceu a boca ironicamente...
Lembrara-se de Angústia. O personagem era um funcionário público. Um escritor frustrado que descobre-se traído pela noiva com um sujeito eloquente, gordo, suado e de rosto vermelho. Desesperado, o protagonista, do qual o pai não se lembra o nome, começa a desenvolver umas neuroses sociopatas, vivendo num clima de pesadelo constante. Tudo passa a incomodá-lo, desde o miado dos gatos às vozes das pessoas. Tudo basicamente cataliza sua angústia em ter sido deixado de lado.
Num ato reflexo, o pai olha para a caixa. Esquecera-se que tinha o Insônia. Uma edição de 53. Nunca lera Insônia. Justamente, um livrinho de contos bem fininho mas dependendo das circusntâncias não necessariamente inofensivo. Justamente na primeira estória, um homem desperta em meio a delírios no meio da noite com uma pergunta: "Sim ou não?" A dúvida obsessiva o atordoa e confunde, frustrando a vontade de dormir. Justamente quando pensa que se riem dele, apóia o queixo nas munhecas com o cigarro aceso preso aos dentes. O pai procura um cigarro no maço vazio de Benson & Hedges. Fumara dezoito cigarros naquela tarde e noite anteriores. O tic-tac do relógio também estava no livro a matracar. O indivíduo e o personagem o confundiam, numa tênue linha que separava a realidade do que se imagina dela, em terceira pessoa. E eu apenas começara a escrever isso, quando soube que tudo não passou de um susto. Um terrível susto.
Thanksgiving
A casa esteve cheia ontem. Comida medida, familia medida, amigos medidos, criancas desmedidas pela casa e boas conversas. Lembrei-me da casa de meus pais, sempre marcada pelas mesmas caraterísticas, mas com umas peculiaridades. Gente muito diferente vinha almocar no nosso pequeno apartamento, e deixavam-se ficar, e fazia-se café, e tirava-se a mesa do almoço, e lavava-se a louça, e começava-se um carteado que atravessava a tarde e a noite. Os adultos à Brisca, um jogo que em tese, quando jogado em dupla, ganha quem trapaceia mais. As criancas, um jogo menos malicioso: o cinquillo, que nem me lembro mais como se joga. Meus pais tinham amigos interessantes. Um primo de meu pai tinha, quando jovem, um bigodinho de cafetão; outro tivera um bar nas Laranjeiras, dentro do Fluminense; seu irmão casara-se com uma cantora zaragosana que todos chamavam, mesmo depois de velha e casada ha 30 anos, de "puta zaragosana"; um outro amigo, meio mentiroso, estivera na Legião Estrangeira servindo no Marrocos e depois viria a se tornar socialista; outro da Marinha Mercante; e outro estudara para padre e na juventude dividira um quarto com meu pai no lugar mais puro do Rio de Janeiro, na esquina da rua do Lavradio com Men de Sá - isso entre os anos 40 e 50 quando ali frequentavam figuras do calibre de Madame Satã e Aracy de Almeida. O dono do bar do Fluminense morreu. A viúva continuou frequentando a casa. O primo cafageste, solteirão, vive no apartamento, so come frango com batatas e tem uma vida de rei aos seus oitenta anos. Não sei como o velho, falando tão pouco, conseguia orbitar nessa fauna. O fato é que, sob o mesmo teto, todos ali, mesmo que diferentes, riam e voltavam.
Ontem esse gosto nostálgico reverberou aqui com cheiro de uma comida diferente, conversa de parentes, riso de amigos e criancas pela casa. Aliás, neste ano não veio muita gente. E é muito estranho que uma casa de pobre, onde não ha cadeiras suficientes, onde os pratos não formam jogo, os copos de vinho e de àgua acabam sendo os mesmos, onde só ha livros, filmes e discos, seja frequentada por uma fauna - ainda que não tão interessante como a da casa dos velhos - tão diversa, pois vez por outra aparecem um diplomata perdido, um economista pálido, um ex-ministro esquecido. À mesa de hoje não há primos cafagestes, marinheiros, mercenários da étrangère, putas zaragosanas, jogadores trapaceiros, mas quase me passou imperceptível, por serem tão familiares, que sob o mesmo teto, havia ontem um judeu e uma palestina rindo e brindando com a mesma Guaraciaba envelhecida que o Viva me presenteara. A mesa posta, a bebida escolhida, o molho de cerejas, as batatas, a carne, cuja textura e sabor comprovei antes de fatiá-la mas enfim, a não deixar passar em branco, com certa tristeza, que a casa de hoje é bem menos frequentada que a casa dos meus velhos.
Ontem não houve filme. Com a casa calma e em silêncio. Um disco da Olivia Byington cantando a Aracy, bem baixinho, pois a familia, o Gabriel, e os amigos que entornaram demasiado para dirigir, ja dormiam. Me instalei num canto da poltrona, abri dois contos do Cortazar, que já com a casa calma, fui lendo e relendo. O primeiro, eu lera há anos atrás. El Perseguidor. O segundo, acabei lendo pela primeira vez, Las Armas Secretas.
O Perseguidor é um conto interessante. É uma espécie de ode ao Charlie Parker, que na estória se chama Johnny Carter. Não me lembro bem se foi Onésimo, ou se li em algum lugar, que o Gregory Rabassa e o Cortazar, dois apaixonados por jazz, passavam horas falando sobre este conto. Bruno é um crítico musical francês e um fã de Carter, um músico fenomenal mas que vive em situação econômica lamentável. Colaboram para a decadência de Carter suas crises esquizofrênicas, seu caráter irascível, sua dependência de drogas. Mesmo sabendo que Carter se auto-destruía, Bruno, que é um admirador de Carter, apenas tenta narrar esse inacessivel mundo pessoal do músico, sem, a princípio, maiores envolvimentos. O problema que o ambiente nauseante que cerca a vida de Carter, passa por osmose a influenciar a vida de Bruno - que a certa altura se encontra perdido dentre tantas indagações pessoais. A princípio, o biógrafo, sabe que será o maior beneficiário dessa existência de sucesso e degradação na qual Carter imerge. Aos poucos se vê perdido, pois não encontra a chave que defina a genialidade de Johnny Carter, persistindo, como perseguidor, na busca. Um dos melhores de Cortazar.
As Armas Secretas é um conto chocante, pois o Cortazar não abre a guarda. Não torna o protagonista, Pierre, em nenhum momento um tipo atrativo ao leitor. Pierre é um sujeito que sofre de insônias, toma remédios para dormir, receitados pelo amigo Xavier. Pierre e Michele mantém um início de relação conflituosa, pois em sua ansiedade, Pierre não entende a aversão de Michele ao sexo. O jovem questiona-se o tempo todo pro que Michele não o visita em seu apartamento, e consumam de uma vez por todas a bendita cópula. Talvez em decorrência da combinação dos remédios com o conhaque, Pierre tem umas alucinações visuais e auditivas, uns déjà vus estranhos, onde se misturam cenários e palavras que não compreende mas que parecem se remeter, pelo detalhe do corrimão e de uma bola de cristal, recorrentes em seus sonhos, à casa de campo dos pais de Michele. Nesse ambiente de tensão, chegam a casa dos pais de Michele. Lá, Pierre tenta novamente ter sexo com a namorada. Esta o refuta pois sofreu um trauma ao ter sido violada por um soldado alemão, naquele cenário com o qual Pierre havia sonhado e onde realidade e alucinação se confundem. Pierre chega a morder o lábio de Michele, que se tranca no quarto. Pierre a abandona. Enquanto isso, Michele chama a Babete, e outros amigos para que a visitem. Pierre decide retrornar à casa e encontra uma Michele bem mais lívida. Alucinado com as imagens, os sons de canções alemãs, o cenário estranhamente familiar, volta a abusar de Michele.
Mas contado assim, sei que peco por reduzir a complexidade do conto e a comparação entre as casas de meus pais e a minha. Há muito mais detalhes sublimados.
My Life and Times With Antonin Artaud
E acabei assistindo um filme experimental de 1993 do diretor francês Gerard Mordillat, 'My Life and Times With Antonin Artaud'. O filme é uma interessante visão biográfica da vida do dramaturgo. Aparentemente simples, o filme, baseado nas anotações do diário de Jacques Prevel, narra a relação de amizade e obsessão deste pela figura de Antonin Artaud, representado pelo inflamável, Sami Frey. O primeiro manifesto do Teatro da Crueldade é lançado por Artaud em 1932, vindo ao prelo em 1938. Mas o filme em si retrata o período posterior à Segunda Grande Guerra quando Artaud recebe alta do sanatório onde permanecia internado para tratamento de suas neuroses, bem como da dependência de laudanum. Retrata um homem de neurônios em chamas, incapaz de se livrar da dependência de da droga, torna-se cada vez mais criativo, paranóico e insano. Mesmo assim segue produzindo.
A certa altura, obviamente, Prevel já não consegue perceber se Artaud, com tanto psicotrópico na cuca, é um hiper-perceptivo está apenas alucinando. De todas as maneiras, é impagável ver Sami Frey atuar e tornar a vida caótica de Artaud mais próxima. Mais interessante ainda é perceber a relação de um prosélito ambicioso e seu proselitista genial - mas com alguma marca do interesse pessoal.
Musica do dia: Wearing and Tearing. Led Zeppelin CD/DA.
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