April


Uma especie de segunda-feira de manhã. Uma cidade antiga desperta lentamente. As janelas dos sobrados vao se abrindo pouco a pouco. Por tras das janelas, os moradores, a maioria deles musicos, despertam a cidade com recitais. Um casal jovem imensamente apaixonado nao consegue encontrar um espaco para namorar, pois ha uma imensa mudanca na cidade. Carregadores passam todo o tempo com moveis e caixas por todos os lugares em que o casal decide pousar organizando a mudanca para um complexo habitacional nas cercanias da pequena cidade. A paixao dos dois eh tamanha que sua energia faz a aguas das torneiras correrem soltas, as bocas do fogao e as lampadas do novo apartamento onde vivem acenderem.

O filme April (1961), de Otar Iosseliani, tem alguns aspectos ainda mais surreais. Apesar do filme de apenas 45 minutos ser quase todo mudo, ha uma sonoplastia estranha. Os instrumentos musicais nao emitem seus sons originais, a agua nao faz ruido de agua saindo da torneira e portas que nao rangem como deveriam ranger, por exemplo. Por esse amor ser tao forte e nao permitir que os instrumentos funcionem e as luzes acendam, a vida cotidiana vai se transformando num tormento. Subitamente, aquilo que parecia um sonho passa a se transformar, sob o mesmo cenario de sons de natureza metalica, num pesadelo.

Otar Iosseliani eh georgiano – por acaso a terra natal de Stalin. Este foi o terceiro filme da carreira de Iosseliani, e um de seus muitos filmes banidos pelas autoridades do Partido Comunista, sob a alegacao de extremo formalismo. Desapontado com as decisoes, decidiu trabalhar embracado por dois anos e depois como metalurgico. Apenas em 1966 retorna a sua carreira, com Falling Leaves, um filme onde o contraste entre os valores tradicionais e modernos esta presente de maneira marcante. Um tanto mais real e oficialesco, e muito menos lirico que Pao de Manuel de Oliveira, Falling Leaves, conta historias estanques ao redor do quotidiano de dois jovens homens, um idealista e outro ambicioso e oportunista, que comecam a trabalhar numa fabrica de vinhos, onde aos poucos o quotidiano dos trabalhadores, que repetem os mesmos gestos mecanicos ao produzir o vinho, mostra a diferenca essencial dos niveis hierarquicos e das herancas filiais. Um filme um tanto longo e desconjuntado que mescla imagens documentais e narrativa filmica, numa gramatica nem sempre compreensivel como em April - uma especie de pequena obra-prima.

"For me, the best film -- the true film -- is the kind which requires no translation."
Otar Iosseliani , Georgian filmmaker

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