A montagem de “The Last Days of Judas Iscariot”, em cartaz no Forum Theater, é prova da maturidade do teatro de linguagem ágil na área do drama bíblico, pois é fácil lembrar o quanto um espetáculo com esse grau de exigência pode incorrer em tendência a pasteurização e a banalidade.
Fui assistir à peça tal como um viajante medieval: sem guias impressos ou informações prévias sobre o destino. Sabia das informações de praxe sobre o escritor, Stephen Adly Gurgis, e do diretor original, Philip Seymour Hoffman, mas nada sobre John Vreeke, diretor dessa montagem. Importava que Adlly Gurgis é um escritor jovem que escreve há muito para o grupo LAByrinth de NY com incursões na tv e no cinema. Em 2004 ganhou uma bolsa do Sundance Screenwriter’s lab e já escreveu episódios do NYPD Blue e Sopranos. Acho que para mim bastava.
Stephen Adly Gurgis teve uma sacada otima. Como se sabe é mais do que sabido que o texto do era baseado na vida de Judas Iscariotes, um dos escolhidos, um dos 12 apóstolos de Jesus Cristo. Na versão de Stephen Adly Gurgis, Judas, remoido pela consciencia por ter vendido Cristo por 30 moedas de prata, comete suicídio. Morto, aguarda julgamento no purgatório que, à guisa de tribunal, conta com um juiz, Judge Littlefield, a advogada de defesa Fabiana Aziza Cunningham, o promotor Yusef Aziza Cunningham e dez jurados de um juri popular. O cenário todo é adaptado num num tribunal. E a obstinada advogada de defesa Fabiana Aziza Cunningham chegas as raias do descontrole emocional na defesa de seu cliente – que só ela e Borges, que não aparece na peça acreditam se tratar Judas de um inocente.
A montagem é limitada, mas funciona. Cinco jurados sentados frente a frente; o juiz e os dois advogados; Judas no centro do palco; e as aparições eventuais de Satanás. Todos os atores (jurados) trocam papeis o tempo todo. Por exemplo, o personagem de Freud, passa a ser São Tomás, e um soldado romano; Santa Monica – interpretada pela excelente Veronica del Cerro – passa a ser um soldado; e o Juiz Littlefield inverte os papéis com um dos Caifás presentes no julgamento de Jesus organizado pelo Sinédrio. Os papéis e indumentárias são trocados no palco, assim que os atores atravessam o palco e se sentam na cadeira vaga de um dos jurados. Um jogo interessante que funciona bem para um teatro pequeno e um palco de poucos recursos, onde os jogos de luzes fazem recuar a narrativa em flashback par aa infância e juventude de Judas.
Mas a sacada cênica de Stephen Adly vai além. Consiste em mostrar um cara que, antes de se tornar iníquo e infiel, e de ser malhado pela molecada suburbana em Sábado de Aleluia, fora encarregado das financas da trupe que rodeavam Cristo. Como controlava a grana, passou a adquir poder. Mas Stephen Adly mostra também que os fatos não estavam pre-determinados, apesar da rapazeada do grupo já desconfiar dele, Judas, desde a fraqueza demonstrada na cena da unção com óleo perfumado em Betânia, onde o cara provara que estava mais apegado ao dinheiro que os sectos lançavam que às palavras de Cristo, propiamente ditas.
A experiência não é catártica como no conto de Borges Tres versiones de Judas, onde uma das versões dá conta que Judas é o verdadeiro salvador da humanidade – por ter tornado Cristo o traído, já que aquele também renunciara à glória, à honra, à paz e ao reino dos céus. Stephen Adly Gurgis recua. Torna o final, um final banal, com Judas encontrando um personagem secundário num bar, o alcoólatra Butch Honeywell, que se lamenta por ter deixado sua vida familiar escapar-lhe pelas mãos ao trair sua mulher e suas filhas, e consequentemente ter se entregue à birita. Ou seja, uma liçãozinha de moral básica sobre a prescindibilidade dos julgamentos: sejam eles grandiosos como o daqueles que julgaram Judas, ou elementares como aqueles que julgam o infeliz do Honeywell. Mas de tudo, o final é o que menos importa.
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