My Life and Times With Antonin Artaud

Na época de faculdade frequentava muito teatro nos fins de semana. Gerd Borheim dava a dica durante a semana e duros, partiamos para assitir a tudo que fosse barato ou gratis. Ou seja, lugares onde, com todo os respeito, Barbara Heliodora jamais poria os pés. Das montagens de projetos finais das turmas iniversitárias de teatro - da UFRJ, UERJ, Uni-Rio - ao pessoal que orbitava o Teatro do Oprimido, no Pachoal Carlos Magno e o Tá na Rua – na época, ensaiando num daqueles casarios da Lapa. Hoje, olhando-se em retrospectiva, tudo era sofrivel. Mas sempre se tirava algum conhecimento, que se não fosse das peças em si, ao menos aos ensaios dos abertos: Shakespeare, Nelson Rodrigues, Antígona, Vianinha, Valle-Inclán...

Mas por acaso, nunca assisti a uma peça de Artaud. Artaud foi tão importante para o teatro como Stanislavski e Brecht, mas nem tanto por suas obras. O dramaturgo e poeta surrealista criou uma técnica de preparação de palco baseada numa forma diferenciada de atuar. Consistia em imergir o ator num ambiente de criação contínua, com uma impetuosa incessante necessidade de inventar, uma profunda integração com a própria vida, onde segundo sua perspectiva, tudo na vida é cruel causando uma sensação de desconforto constante. Consistia em coisas que hipnotizassem o espectador, sem que nesta hipnose estivessem contidos diálogos entre os personagens, e sim gritos, música, dança, sombra, explosão de luzes e expressão corporal, mais ou menos como nas peças de Gerald Thomas – aliás, agora me lembro, uma predileção do velho Gerd.

O palco seria o local da catarse onde o ator deveria romper com o texto literário, imaginar-se submerso na cena e movimentar-se nesse universo teatral vivo, onde realidade e ficção teriam apenas uma linha tênue de separação. Diga-se de passagem, Artaud definiu essa sua técnica de desvendar os mistérios da alma, como Teatro da Crueldade.

E acabei assistindo um filme experimental de 1993 do diretor francês Gerard Mordillat, 'My Life and Times With Antonin Artaud'. O filme é uma interessante visão biográfica da vida do dramaturgo. Aparentemente simples, o filme, baseado nas anotações do diário de Jacques Prevel, narra a relação de amizade e obsessão deste pela figura de Antonin Artaud, representado pelo inflamável, Sami Frey. O primeiro manifesto do Teatro da Crueldade é lançado por Artaud em 1932, vindo ao prelo em 1938. Mas o filme em si retrata o período posterior à Segunda Grande Guerra quando Artaud recebe alta do sanatório onde permanecia internado para tratamento de suas neuroses, bem como da dependência de laudanum. Retrata um homem de neurônios em chamas, incapaz de se livrar da dependência de da droga, torna-se cada vez mais criativo, paranóico e insano. Mesmo assim segue produzindo.

Já Prevel sofre com sua efemeridade. Dividido entre a vida familiar, a esposa grávida, Roland, a boemia, o filho, a amante Jany, a presença nos cafés, a falta de dinheiro e a temerária aspiração poética. Artaud percebe a ascendência sobre Prevel e joga o jogo. Precisa de laudanum e Prevel pode conseguí-lo – pois Jany, sua amante, que é chegada na substância. Artaud manipula suas amizades como a seus atores no palco. Torna-os objetos, tal como na cena onde ensaia uma atriz, levando-a a repetir a fala inúmeras vezes até a exaustão, até o desespero; ou como na constante guerra contra a esposa de Prevel e o encarceramento de sua vida familiar; ou como na preversa manobra de levá-lo aos editores, mesmo sabendo que sua obra é inconsistente; ou como num dos confrontos com Prevel afirmando que este não passa de um artista poseur.

A certa altura, obviamente, Prevel já não consegue perceber se Artaud, com tanto psicotrópico na cuca, é um hiper-perceptivo está apenas alucinando. De todas as maneiras, é impagável ver Sami Frey atuar e tornar a vida caótica de Artaud mais próxima. Mais interessante ainda é perceber a relação de um prosélito ambicioso e seu proselitista genial - mas com alguma marca do interesse pessoal.

Musica do dia: Wearing and Tearing. Led Zeppelin CD/DA.

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