American Pastoral

Quem lê Roth, aprende a lê-lo com reverência.

Neste livro, Roth apela para seu alter ego ficcional, Nathan Zuckerman. Desde já digo que é um livro de difícil resumo, por ser uma obre de mestre.

Zuckerman retorna a Newark, onde viveu, e encontra vários de seus companheiros desiteressantes de infância e juventude (por exemplo, Erwin Levine, filhos de 43, 41 e 31. Netos de 9, 8, 3, 1 e 6 semanas...) para um encontro de ex-alunos da escola secundária. Lá, entre outros, está Jerry Levov, irmão de Seymour Levov “o sueco” Levov, o mais destacado dos jovens de então. Zuckerman sabe por Jerry que Seymour Levov morrera pouco tempo antes da reunião. Segundo a imagem que ficara dos anos 60, guardada na memória de todos, Seymour mostrava-se como um atleta exemplar, um filho bom, honesto, um jovem próspero e empreendedor, um exemplo a ser seguido por todos os jovens judeus de New Jersey. Um tipo que além de exemplar foi sortudo. Herdeiro de uma fábrica de luvas, a Newark Maid, erguida do nada por seu pai, ainda de quebra casou-se com Dawn, ex-Miss New Jersey com quem teve uma filha, Meredith. Meredith seria adorável se não tivesse tido uma gagueirinha de infância.

Essa sua Arcádia ecumênica, silogismo de uma nação inteira, ansiada como um eterno dia de Ação de Graças, onde todos comem o mesmo peru, todos riem das mesmas piadas com a boca cheia de mashed potato e gravy escorrendo pelos cantos da boca, e se comportam da mesma maneira, começa a ruir. Começa a ruir exatamente no momento em que aquela menininha encantadora que tentava imitar a voz e os trejeitos de Audrey Hepburn, se torna uma adolescente problemática e emocionalmente instável, e começa a participar ativamente do Weatherman Organization, um movimento que entre 1969 e 1974 mandou pelos ares umas 4 duzias de predios ao redor dos Estados Unidos.

- - Ainda na festa Zuckerman indaga (tradução miserável):
"A filha, que o conduzia para fora da ansiada pastoral americana, era sua antítese e sua inimiga, a fúria, a violência, o desespero de tudo que era contrário à pastoral, a fera americana indígena."

Zuckerman apesar de se apresentar na festa como subdelegado da turma 4B e membro do comitê organizador do baile de gala - sem filhos ou netos e que ha mais de 10 anos havia sofrido uma operação de bypass quíntuplo – não para de pensar na estória contada por Jerry. Zuckerman passa a saber do drama do sueco ao ter a filha foragida e perseguida pela polícia. E decide escrever a história.

- - Num momento de inflexão da estória, Zuckerman, em meio a uma música da reunião começa a divagar, se separa de si "me ausentei da reunião e sonhei..., sonhei uma crônica realista. Começei a contemplar sua vida, não sua vida como um deus ou semi deus, cujos triunfos alguém poderia se regozijar na juventude, mas sua vida como um outro homem qualquer, atacável, e inexplicavelmente como o equivalente do "eis aqui este homem" [...]"

Para construir essa autópsia de Levov, Roth dá voz a Zuckerman na primeira parte, Paraíso Lembrado, mas do capítulo A Caída e o Paraíso Perdido, quem fala é o alter ego um do outro propriamente. Roth narra a história da família de Levov, de como a fábrica foi construída pelo patriarca, de como o sueco tomou os negócios nos punhos prescindindo do irmão – que preferiu tornar-se o oposto do irmão, um cirurgião mulherengo e invejoso, casando-se várias vezes e indo viver em Miami - as consequencias da Guerra do Vietnã.

O inferno de Levov, nas palavras de Zuckerman, começa com uma eternidade de memórias. Zuckerman de repente se sente condenado a recordar e recordar numa sessão de psicanálítica sem fim, e sem catarse possível, onde foi que o sueco Levov errou. Interessante que as ações de Levov, sempre pautadas no bem e na justiça, não bastam para definir sua conduta; o julgamento e a ação dos outros personagens são igualmente decisivos para determinar seus destinos desencantados.

Ao contrário, por exemplo, de sua espécie de discípulo Coetzee, Roth, em sua fúria, não arrasa apenas com seu protagonistas, mas desintegra a todos... como se todos, aos poucos, fossem decaindo moralmente, dissolvidos num ácido comum à todas as bìlis, forçados a perder suas esperanças na vida. Como se qualquer deslumbre fosse no fundo uma farsa por carecer de compreensão. Por exemplo, quando pai e filha se reúnem finalmente em 1973, numa fabrica abandonada, onde a filha vive em condições físicas desumanas, Levov vê seu mundo desabar num poço de desgostos, pois sempre manteve uma remota e idílica idéia sobre a inocência da filha. Merry, numa cena de uma violência incrível, diz ao pai que não havia apenas mandado pelos ares o prédio dos correios local, mas colaborado em inúmeras outras explosões ao redos dos Estados Unidos. Levov, poucas horas depois, numa festa entre amigos surta como nas melhores cenas de Tennessee Williams.

Um livro ótimo já que Roth não apenas não tem pena de seus personagens, como tampouco de seus leitores, pois acima de tudo nos deixar uma incômoda pergunta: Seremos nós verdadeiramente responsáveis pelas pessoas que cativamos?

Outra ótima resenha é a do Barros.
http://barrosbar.blogspot.com/2009/01/philip-roth-pastoral-americana.html

2 comentários:

Alexandre Kovacs disse...

Um livro realmente muito difícil que a sua resenha me fez relembrar com prazer.

Não há como não sentirmos pena do pobre personagem herói "sueco" Levov que vai sendo submetido, juntamente com seu mundo, a um processo de desconstrução (massacre) por Roth que não tem pena de ninguém, diga-se de passagem.

Uma obra que incomoda e deixa marcas, mas não é justamente este (ou deveria ser) o papel da literatura?

ilusão da semelhança disse...

Exatamente Kovacs! Ha estorias que sao simplesmente impossiveis de esquecimento.