Contentemo-nos com a Ilusão da Semelhança, porém, em verdade lhe digo, senhor doutor, se me posso exprimir em estilo profético, que o interesse da vida onde sempre esteve foi nas diferenças,
Drežnica
Entretanto, através de uma lírica narrativa costurada não só com imagens, mas sensações, reveladas pela memória e pelos sonhos de pessoas que não enxergam Anna Azevedo fez mais. Não sei o que significa o nome, mas a sei que em pouco mais de quinze minutos o curta nos remete de maneira lírica a ambiente e sensações inexplicáveis. Sensações sobre inóspitos lugares, como os dos sonhos que não posso ter. Explico: os sonhos de gente que perdeu a visão narrando seus sonhos. Os depoimentos são inseridos num fluxo de imagens, muitas vezes desconexas, que tal como os sonhos, se fragmentam deixando um vazio entre a imagem e a narrativa. Interessantíssimo, pois nessa viagem onírica da memória, através das narrativas de gente que não vê, descrevendo por exemplo o azul do céu e como o vêem em seus sonhos, o próprio céu adquire um novo tom, mais poético, mais próximo, mais amplo, mais esparamado.
Nota. Ainda nao assisti ao filme Ensaio sobre a Cegueira. Li o livro e adorei, mas espero que o filme seja tão poético quanto esse curta.
Jogo de Cena
Jogo de Cena, de Eduardo Coutinho (Brasil, 2007)
Clifford Geertz, um dos pais da atropologia simbólica, dizia sobre os símbolos: símbolos guiam as ações. De uma certa forma o que Geertz diz é que as pessoas se comunicam e se perpetuam através de formas simbólicas. E a função da cultura é nada mais nada menos que impor um significado a toda a simbologia para que passe a ter sentido e dai se torne compreensível. Eu desconfio que Eduardo Coutinho saiba isso na prática.
O livro de Geertz, The Interpretation of Cultures, deve ter mais de 30 anos e obviamente tem todo aquele jogo de cena da linguagem enfadonha que usa para se defender dos dentes de seus pares, mas o que mais me marcou deste livro é que através de uma prosaica rinha de galos em Bali - e de como os apostadores homens se comportavam ao redor da arena -, Geertz chega a conclusões impressionates sobre as atitudes e as simbologias de toda uma sociedade frente à violência, a corrupção e à política.
Na rinha ocorria, na verdade, um teatro onde os papéis reais de homens reais que jamais poderiam ser encenados na vida real, o eram ali dentro. No fundo, os papéis que os apostadores adquiriam, frente a arena, eram no fundo também um jogo de cena, uma majestosa fabulação da realidade. Weber diria - em relação à ética protestante - que eles, tal como os proselitos protestantes, estavam amarrados às teias de um significado que eles mesmos teceram, a papéis sociais indissociáveis. Jogo de Cena, de Eduardo Coutinho, joga com isso: com peso das imagens.
O Eduardo Coutinho fez um documentário, no meu ponto de vista, profundamente irônico para aqueles que encaram a ficção como algo alheio, ou tão distante da realidade como uma rinha de galos. Atendendo a um anúncio de jornal, oitenta e três mulheres contaram suas histórias de vida no palco do Teatro Glauce Rocha. Vinte e três delas foram selecionadas e filmadas para contar sonhos, saudades, medos e amores. Alguns meses depois, atrizes - umas famosas e outras nem tanto - interpretaram as histórias dessas mulheres.
O resultado foi um documentário conceitual que embaralha o velho adágio da arte imitar a vida – ou vice-versa. Veja bem, não estou dizendo que não exista essa separação entre realidade e ficção. Há. Eu sei, e eu sei que evidentemente o Coutinho sabe que há, pois, veja bem a ironia do Eduardo Coutinho: as mulheres - pessoas e personagens - contam suas estórias de costas do alto do palco para uma platéia vazia. Ou seja, uma ironia séria. Foi uma escolha sacana e bem sacada, eu sei. Vou colocar as mulheres num palco de teatro, sem platéia, para contarem e recontarem suas histórias - pensou Coutinho. Pois eu sei que, eu como documentarista, lido com esse falso compromisso com a exploração do real, com essa ilusão da semelhança o tempo todo - indaga secretamente, Coutinho.
Digo, eu, que é irônico, pois, até a terceira ou quarta história, era evidente quem no palco era a atriz, e quem era a personagem real, a dona da história – primeiro, por que as atrizes eram famosas, voilá, Globais; segundo, pelos cortes dados pelo diretor; e terceiro, por que o próprio diálogo do diretor com as atrizes sobre as dificuldades interpretativas deixavam claro isso. Mas a certa altura, quando as atrizes passam a não ser conhecidas, e os cortes mudam, o expectador deixa de saber quem é a atriz e quem é a personagem real. Esse ponto de inflexão é claro quando a Fernanda Torres e a Andrea Beltrão, quase não conseguem teminar suas interpretações pois percebem que erram seus papéis. Erram pois nos passam a impressão de seus medos, da temeridade de mimetizarem o real, com suas pulsões, não-ditos, traumas, medos e preconceitos na ficção. Essa confusão do expectador é mais evidente quando as histórias passam a se repetir.
A propósito quando Fernanda Torres e a Andrea Beltrão chegam ao palco e expõem seus comentários e dificuldades ao interpretar suas falas fez sentido para mim por que o Coutinho selecionou, para a primeira história, a história de uma atriz de teatro popular, que faz uma pequena interpretação do texto Gota d’àgua. Medéia, sem loucura, num ato de fria e premeditada vingança em relação ao marido, oferece ao infiel Jasão um pedaço de bolo envenenado.
A evocação de Eurípedes, no Doc, me fez lembrar não sei bem por que, mas instantaneamente, do Persona do Bergman. Foi uma livre associação errada, eu sei, pois a Liv Ulman interpretava, na verdade, não Medéia, mas Electra. Entretanto, não pude deixar de fazer a analogia entre a tragédia grega e o jogo de cena criado pelo Eduardo Coutinho. O Documentarista leva ao palco todas aquelas atrizes e mulheres para se perpetuam através de seus arquétipos, dos símbolos que criaram para elas mesmas, sendo mulheres reais, atrizes desconhecidas ou atrizes GLoBais.
O paradoxo que Coutinho cria é tão interessante, que ao final não se sabe quem é a atriz e quem é a mulher real. A escolha das histórias e personagens é tão criteriosa que leva-o a fechar o documentáriocom o depoimento de uma médica, por sinal, uma espécie de versão carnavalesca de uma Clitemnestra irredutível porém auto-inflectiva, no meio da Sapucaí, à procura de Nemo.
http://www.cinemaemcena.com.br/jogodecena/blog.asp
Noel - Poeta da Vila
O Que Há de Ficar
A bela Maria Flor protagoniza uma jovem, provavelmente há anos vivendo fora do país que recém chega à casa de sua infância. No início, quando a câmera focaliza a mala e a cama onde a protagonista sem nome dorme, não fica claro se ela está de partida ou chegada. Aos poucos, com a câmera acompanhando-a em todos os recantos da ampla, vazia e intimista casa, percebe-se que aquela era uma casa que guardava lembranças, nem sempre boas, mas aparentemente mais intensas que as más.
Com muito mais silêncios e vazios que razões narrativas, com delicadeza, o curta focaliza a economia de emoções da protagonista no contato com objetos do passado, os discos, os quadros, o sofá preferido, as fotos escolares, os livros prediletos, a piscina, com os pequenos detalhes guardados nos objetos e lugares da casa.
Vera Holtz é a mãe. Só se sabe isso, de sua breve aparição na casa. Ao visitar a filha, numa escolha difícil, nostalgicamente decidem as duas o que deve ser vendido dos discos e quadros, ou levado.
Pelas razões expostas, Viva, Patricia e eu viemos discutindo no metrô sobre esses espaços vazios deixados propositalmente pelo diretor e roteirista, preenchendo-os com várias hipóteses, e uma plausível é a de que Filha e mãe vivem no exterior ou longe uma da outra, talvez em países diferentes, e decidem se encontrar na casa; e a filha decide vir antes para preparar uma surpresa à mãe, arrumando os móveis numa tentativa de prolongar a sensação de pertencer ainda àquele espaço adiando o que há de perda em qualquer partida. Mas evidentemente, essas hipóteses somente fazem sentido aqui, numa quinta-feira chuvosa e paradoxal, após um curta que fala de saudade e por isso propício ao reencontro com uma grande amiga - que não via há mais de três anos.
Um curta interessante para um mundo tão pequeno!
Antologia das Mensagens Velozes
http://en.wikipedia.org/wiki/Lawrence_Summers
Quando ocupou a sala ao lado da de Dart Wader, no último andar do prédio da H Street, declarou que empresas poluidoras deveriam mesmo ir para paises em vias de desenvolvimento, pois lá os custos sociais seriam menores, já que a mão de obra é mais barata.
Como heitor de Rarvard disse que determinadas funções, como o gerenciamento de alguns endowments estava aquém da capacidade de gestão de uma das professoras. Os inimigos sugeriram por ela se tratar de veterinária e mulher. Os amigos de Larry quiseram emendar o soneto dizendo que ele a chamou de incompetente por ser veterinária e não médica.
Enfim, seja Larry, seja Robert Rubin, parece que voltam mesmo os Chicago Boys. O problema é que para reformular o New Deal, especula-se chamar os caras que o desmontaram... É mais ou menos chamar obsessivo Humbert do Nabokov para levar a Lolita num passeio dominical, ou sendo mais prosaico, chamar o lobo mau para babysitting a chapeuzinho vermelho. Vai ser um desastre!!
Sabendo disso recebi de outra amiga uma mensagem com uma petição contra Summers.
A petition to the Obama transition team against the appointment of LarrySummers
http://action.openleft.com/page/petition/treasury
Em toco o caso, chegou em boa hora a antológica mensagem tão importante quanto a anterior, do meu chapa Wagner, carnavalesco marquiçista, isquerdixta de centro, enxadrista e exímio estrategista na purrinha, lider lumpesino, psicanalista suburbano, ex-braço direito de Jesse Valadão, enfim, um ser que mesmo desprovido de qualquer beleza exterior , ainda guarda no fundo de si algumas qualidades rousseaunianas.
--- Em qua, 12/11/08, Chico escreveu:
De: chico
Assunto: Re: Peço sua atenção para [ ].
Para: academiabrasil@iconoclastia.com
Data: Quarta-feira, 12 de Novembro de 2008, 12:49
Wagner,
Por aqui ha muita esperanca. Mas muita gente anda preocupada, muita gente ja
esta desempregada e parece, segundo os economistas, que a parada toda estoura no
varejo ateh junho do ano que vem. Sinceramente, nao sei se o Obama vai dar
jeito. Mas que eh simbolica, a vitoria dele, eh.
Abraco grande a todos. Chico.
Valeu, Chico!
Quanto a Obama e os caralhos... Acho que estes caras deveriam voltar um pouquinho ao velho Marx, não o político, mas o pensador da economia. Estes caras deveriam ler o "Capítulo 6º; o inédito" e sacar que só quem produz valor é o "trabalho produtivo". O trabalho improdutivo, apenas realiza valores, seja ele o cabeleireiro, o corretor de imóves, o especulador da bolsa. Todos dependem do valor gerado pelo trabalho produtivo!
Mesmo a grana preta q rola nas .com etc é uma parte do valor gerado pelo capital produtivo e entregue a terceiros, quartos etc para que este negocie seus produtos e td aquilo ligado a ele; propaganda, formas de consumo etc...
Portanto, a saída é uma só; 1) fiscalizar as transações no mercado financeiros, de forma q elas não sejam percentualmente superiores a 30% ou menos do que circula de capital geral por trabalho produtivo; 2) Garantir o funcionamento da cadeia produtiva de grande escala; automóvies, informática, navios, etc.... (produção consumidora); 3) Realizar grandes obras de infraestrutura pública para desacelerar o desemprego...; 4) Ampliar o colchão social mínimo (bolsa isso, bolsa aquilo) para o lúmpen e os trabalhadores muito pouco qualificados; 5) diminuir o empréstimo compulsório dos bancos comerciais juntos aos bancos centrais 6) rezar p q Deus nos ampare; 7) Arriar um ebó para tranca-rua abrir os caminhos...
No mais.
Grande abraço e obrigado.
Wagner PP
Nota: Este email foi editado, pois havia muito mais palavras de baixo calão, troca de acusações, infâmias e injúrias.
Una Breve Vacanza
Todos os estágios de sua feminilidade são expostos, independente da dimensão de sua felicidade frágil e por que não dizer, perturbada pela presença do marido. De Sica impõe um diálogo de sombras com o espectador através da alternância de cenários entre os Alpes oníricos ensolarados, a fábrica opressora, e a casa escurecida – onde quase não é possível distinguir os rostos - , compondo nessa reprodução de fragmentos um quadro onde o tema do, voilá, o adultério, esta tão batida carta, é reinventado. Na clínica, reencontra um jovem mecânico que a convidara a um café no dia da consulta, antes da viagem. Clara, uma mulher de invulgar modestia, deixa-se levar pela atração e nós acabamos torcendo por ela quando o drama vira dramalhão e a paixão entra na veia. Supostamente, no filme, que é uma espécie de dramalhão romântico, mas cheio da sensibilidade, De Sicca nega-se à farsa exuberante ou ao drama existencial que, por exemplo, Antonioni enveredou após deixar os neo-realistas. Supostamente, o filme foi baseado no adágio de Appollinaire, “Só na doença, os pobres tem férias” – o que não deixa de ser uma verdade.
E o bom dos filmes do De Sicca é o final: nunca feliz, mas não menos verosímil. Clara, retorna a casa, após ter a alta antecipada pelo médico – resignado, mas sem deixar de ser delicadamente vingativo - que tentara discretamente porém sem sucesso, seduzi-la. A emoção produzida pelo amor dissolvido que sentira por Luigi torna-se evidente, em toda a sua amplidão, na viagem de retorno de trem para casa. De Sica nos deixa a amarga imaginação da extensão das perdas de Clara.
Tudo bem. Acredito que grandes obras literárias ou filmicas não necessitam nem de longe finais nem de longe felizes. Mas o título que o português deu a esta, francamente, é de uma boçalidade hermenêutica: "Amargo Despertar"
Musica do dia. Age Maria (Guinga e Aldir Blanc)
Age, Maria
Le Scaphandre et le Papillon
Ontem lembrei do meu avô, e de muitos outros fatos da infância, e de gente querida que foi ficando para trás...
Julien Schnabel fez um filme belissimo que numa tradução para o português seria mais ou menos “O escafrandista e a borboleta,” baseado na história de Jean-Dominique Bauby, ex-redactor-chefe da revista francesa Elle. Bauby, nascido em 1952, pai de três filhos (Théophile, Céleste e Hortense), era redactor-chefe da revista francesa Elle quando foi vítima de uma doença rara, uma espécie estranha de AVC.
Ao acordar, 20 dias depois, no Hospital Marítimo de Berck-sur-Mer, descobriu que perdera a capacidade de se movimentar e de falar. Lúcido, mas paralisado por completo, podendo respirar, comer por meios artificiais e mover o olho esquerdo, Bauby começa a ditar um livro baseado num sistema de comunicação que consistia em piscar uma vez para dizer sim e duas vezes para dizer não. "Ditando", não apenas palavra por palavra, mas ainda letra por letra, recompôs o livro de sua vida mentalmente.
Tempest
Phillip Dimitrius, John Cassavetes, é um arquiteto que passa pela crise dos 40 anos. Angustiado, sem uma amante, abusando da birita, desinteressa-se da esposa, Gena Rowlands, que obviamente passa a abandona-lo. Apos uma discussao ruim - como sao todas as brigas de separacao - na frente da filha, separam-se. Ele entao decide viajar para a Grecia em busca de suas raizes. A filha adolescente, chata e no atraso, o segue a revelia. Na Grécia, tentando reencontrar suas raízes, conhece Aretha Tomalin, uma mulher misteriosa, cantora de cabaré e se tornam amantes. Sempre tentando fugir da mulher e de seu (dela) amante, por acaso seu antigo patrão, decide se instalar numa ilha deserta. Aretha e a Filha seguem o Préspero. Chegando a ilha encontram esse pastor de ovelhas de nome Kalibanos, Raul Julia – impagável, engraçadíssimo. Bom, Aretha e Phillip são mais ou menos amantes, pois por razões meio doidas, ele declara voto de castidade, enquanto a pobre Aretha, balzaquiana inopinada, insistentemente filmada sem sutien, com uma camisa branca levemente úmida, gradativamente sobre pelas paredes.
O filme tem umas sacadas que só o Cassavetes poderia ter, pois são dele: A insistência de Cassavetes em ser independente e pagar o preco por isso estão la nas criticas sutis a Coppola e Woody Allen - mas o final é algo decepcionante.
Declaração da inutilidade de meu voto
A falta de 3 dias para um fato - que fique claro - não é um fato, pois não se pode fazer do apenas iminente um algo concreto. Mas a ansiedade é tamanha, que me deixei contagiar pela ilusão de que a falta de três dias já é sobranceiramente um evento que sintetiza a esperança no futuro e ao mesmo tempo o medo de que a ilusão perdida numa era perdida aprofunde o fosso do obscurantismo oportunista dessa era, que em três dias terminará.
No fundo, pouco importam os três dias, pois qualquer apedeuta que como eu que tenha lido Robert Dahl ou Lijphart sabe que o voto é irracional e que há sempre algo estranho na estabilidade política de regimes bi-partidarios, como este. Eu, particularmente, não acredito no voto por dois motivos muito mais prosaicos e admito um tanto retóricos: primeiro, pelo total desconhecimento como se constrói a imagem de um candidato a presidente; segundo, pelo fato de que a fé na vitória, assenta-se na defesa emocional de ideologias e valores morais apelativos.
Fato é que há 3 dias das eleições, a minha esperança ainda está no ar. É etérea. Democratas e Republicanos não cantam vitória ainda, por um motivo claro. Sabem que as eleições americanas não são simples. A certeza do futuro não existe. Democratas sabem que levam no voto popular California, NY e outros estados ricos e importantes, mas não sabem se levam os voto colegiado dos delegados de estados da caipirolândia. Ainda paira sobre a cabeça dos Democratas a sina dos 5 votos que faltaram para Gore se eleger no Colégio Eleitoral, mesmo que tivesse conquistado meio milhão a mais no voto popular. Ainda paira sobre a cabeça dos Democratas uma coisa pior, o fantasma da fraude eleitoral baseado nos Southern Sheriffs, nos desdentados do Wall-Mart, na felicidade histérica do Good Morning América da ABC, nas notícias manipuladas da Fox News, no assombro dos fantasmas de Cheney e de Edgar Hoover e nos ativistas cristão-pseudo-fascistas que tentam induzir o voto de americanos ignorantes.
Não sei se já disse que não creio no voto, e o proselitismo, é mais um dos motivos que me levam a desconfiar. E um idiota pode até levantar-se e dizer, o Chico não acredita na Democracia! Não só acredito, como considero-a indispensável para perpetuar os princípios democráticos calcados na justiça, na liberdade, na igualdade e na solidariedade. Ideais vagamente defendidos por Obama. São esses mesmo ideais democráticos que alimentam a minha esperança de que o GOP seja derrotado e com ele o eleitor arquetípico conservador, obeso e branco, religioso e obscuro, que defende os valores da família dentro de seu SUV, opõe-se ao casamento de veados, e ao finaciamento do aborto com recursos públicos – valores que por sinal, são defendidos pela última flor do láscio, a calipígia porém palilógica, Sarah Palin.
Barack Obama pode ser eleito em 3 dias. Se eu votasse, votaria, cético, nele. Cético, pois não acredito na sua proposta de espalhar a riqueza aumentando o imposto dos mais ricos e distribuindo a riqueza aos pobres; não acredito que ele jacksonianamente terminará com a permissividade regulatória, cara a Greenspan e Bush; não acredito que assumindo a presidência - se de fato for eleito e vier a assumir – abandonará as idéias liberais e adotará algumas poucas idéias intervencionistas, tal como Roosevelt fez em 1932, pois quando chegou, este, de alguma maneira, herdou melhores condições que o próximo presidente herdará. Além do mais, há três dias das eleições, não acredito que uma campanha muito mais rica que a de John McCain sustente as promessas eleitorais feitas até agora. Acima de tudo, pelo pouco que vi até agora, não acredito que o desdentado-cristão-pseudo-fascista-conservador-branco-pro-life vote em Obama. Ainda assim, mesmo não tendo todos os dentes bons mas tendo um bom atestado de antecedentes Iluministas, se eu votasse, mesmo não acreditando nos políticos, votaria, cético, em Barack Obama.
Ladrões de Bicicletas
Antonio Ricci é um desempregado, que após meses sem trabalho consegue uma vaga como colador de cartazes. Para preencher a vaga plenamente necessita de uma bicicleta, que encontra-se empenhada a causa de uma avaria sem honra de caução. Maria tem a capacidade de antever as coisas. Possui um sentido prático, buscando uma solução imediata para os problemas.
Imagino que Maria pense, a bicicleta é o meio pelo qual Antonio sustentará sua familia, portanto decide empenhar os lençóis da cama e retira, na mesma loja de penhores, a bicicleta. Empenhando as fronhas pela bicicleta a pindaíba finalmente parece acabar e tudo parece esperançoso e positivo quando Antonio Ricci consegue o emprego onde começaria a trabalhar numa manhã de sábado. Tudo é tão impressionantemente bom que Maria, como boa cética, desconfia. Isso fica claro quando Maria, após retirarem a bicicleta do prego, pede a Antonio que a deixe fazer uma visita a um certo lugar antes de ruamrem para casa. Na parada Maria visita uma vidente (satirizada pelo Woody Alen num de seus filmes do qual não me lembro o nome agora).
Na primeira cena alguns homens se dirigem para um local de um conjunto habitacional em construção na periferia de Roma, onde um funcionário público da agencia de empregos, chama por nomes para o preenchimento de vagas. As vagas ofertadas exigem algum grau de qualificação. Ao ser chamado, Ricci está distante, sentado num canto, quase sem esperanças de conseguir uma vaga de emprego. Ele está desempregado há dois anos. A vaga é de colador de cartazes para os filmes de Hollywood e a condição para que seja preenchida é a de que Antônio tenha uma bicicleta.
Entretanto, enquanto colava cartazes, Ricci tem a sua bicicleta roubada, exatamente no momento em que esta colando o cartaz do filme Gilda, um sucesso em 1946. Este é um filme clássico de Charles Vidor que retrata da história de um jogador inveterado em Buenos Aires. Glenn Ford consegue ascender na vida indo trabalhar num cassino, tornando-se braço direito de um mega-investidor que administra negócios escusos, envolvendo-se com a única mulher que não podeira se envolver: a esposa do patrão, o pitel da Rita Hayworth, sua ex-namorada em tempos imemoriais. De Sica teve uma grande visão com essa cena. Enquanto sua estória falava de um drama real de uma familia rodeada pela miséria e a luta pela sobrevivência, o único trabalho disponível era exatamente o de reproduzir a ilusão de que a indústria do entretenimento podería salvá-los da penúria. Pode não ser uma idéia nova, e mesmo que já tenha sido aventada, nunca é demais lembrar que a restauraçâo da Itália, sob a égide do Plano Marshall, trazia junto o cinema de Hollywood, baseado em comédias e dramas de interiores, sofisticados e distantes das questões sociais, que De Sica retrata bem aqui.
Desesperado, busca apoio da policia e dos amigos e tenta de todas as formas encontrar a bicicleta. Quando chega a casa, sem saber o que fazer, derrotado, Antonio Ricci senta-se desalentado na cama e sem coragem de contar a verdade à esposa e ao filho, diz Bruno que a bicicleta quebrou. Apenas um adendo, de maneira nenhuma, ao menos para mim, o sentimentalismo do filme passa uma imagem de que os filhos e a casa sejam condição desumana para Maria. Ela é uma mulher forte. Há sim um detalhe interessante, quando Antonio diz que ha trabalho para Maria e lhe mostra uma janela na rua. Alguém fecha a janela, impedindo que Maria veja o interior do local de trabalho. Interessante essa metafora. A opressão feminina não estava na casa, mas nas condições sociais impostas – talvez o Paul Auster nao concorde.
Antônio é tomado pelo medo e o filho decide apoiá-lo. Precisa de uma bicicleta para seguir no emprego como colador de cartazes. A estória, acima de tudo, mostra o drama do homem comum, sua existência quase imperceptível, diluída na multidão, visível na indiferença protocolar da policia ao tratar do caso, no encontro fortuito com seminariastas falando alemão. Então a peregrinação em busca da magrela começa levando-o a caminhos e emoções irreconhecíveis até então. Procurando por conta própria, junto ao filho Bruno, Antonio Ricci encontrará o significado da dor, do egoísmo e da angústia pois ao perder a bicicleta, Ricci perdeu a chance de ter sua dignidade resgadada. Nesse momento, o filme envereda por uma espécie de jogo de paradoxos. Antonio busca o amigo Baiocco, chefe de uma trouppe de artistas, em meio a uma reunião de ativistas políticos. Os discursos inflamados por justiça social não o comovem. Seu objetivo é recuperar sua bicicleta. Dirigem-se então à Praça Vitório Emanuel, local da feira de bicicletas. Baioco, Antonio e o filho Bruno chegam na feira de bicicleta na Praça Vittorio. Procuram uma Fides ano 1935. Baiocco sabe que os ladrões desmontam a bicicleta para vendê-las por parte. Por isso devem procurar as partes da bicicleta. Trabalho ingrato este de encontrar e remontar fragmentos perdidos... Enquanto o pai procura pela bicicleta, o filho Bruno, sozinho, vasculha as bancas da feira de bicicletas pelos fragmentos. De repente, o menino é assediado por um homem com toda a pinta de pedófilo, que busca aliciá-lo e o pai repreende-o para que não se afaste dele, o pai.
Eles finalmente desistem de procurar na feira. Uma chuva torrencial cai. Pai e filho se abrigam da chuva repentina numa pequena cobertura de telhado numa casa de esquina. Ao correr para se abrigar, Bruno escorrega e cai. O pai não percebe e não se importar. Quando a chuva passa, o pai avista o ladrão. Pai e filho correm em direção ao mendigo que conversava com o ladrão. O mendigo se nega a revelar o paradeiro do ladrão e é seguido por Antonio e pelo filho. Chegam a uma igreja, onde voluntários prestam serviços aos mendigos: uma barba, dois pais-nossos; um corte de cabelo quarto salve-rainhas... Antonio insiste, mas o mendigo se nega a revelar o paradeiro.
Aos poucos Antonio se descontrola. Aos poucos, o homem normalmente pacato, calado e taciturno, torna-se alheio ao seu entorno. Grita com o filho. Bruno, passa a protagonizar esta alheação atraves de um sentimento de abandono. Mesmo tendo o pai o tempo todo ao seu lado, é uma criança esquecida. Certifica-se disso, quando da iminência da perda do filho - que pensa ter se afogado num rio. Tentando se reconciliar com o filho, e ainda com alguns tostões no bolso, leva-o a um restaurante. O pai mente, tenta ser trasparecer uma felicidade resignada alienando-se da tragédia pessoal. Mas não por muito tempo. Faz cálculos de quanto ganharia como colador de cartazes. Nas mesas ao lado, familias, com perdão da palavra, voilá, burguesas, caricatas. Detalhe: sua mesa é a única que não tem toalha. O filho percebe, mas o pai tenta dissuadi-lo de que o detalhe é inerente à suas condições de vida, às suas roupas, às suas maneiras de falar e comportar-se.
Ao deixarem o restaurante, Antonio decide procurar a vidente a qual criticava. A cena guarda algo de comicidade, mas serve apenas para encadear a cena seguite na qual Antonio finalmente encontra o ladrão. Segue-o até sua casa e envolve-se num imbróglio ao alienar-se do sentido de justiça e acusá-lo pelo crime. Vizinhos e amigos defendem o ladrão – que acaba tendo uma crise providencial e dostoievskiana de epilepsia. É mais uma vez o filho Bruno que introduz o ônus da razão ao chamar um policial que tenta intervir naquilo que poderia ficar pior. O policial indaga sobre as provas e testemunhas que sustentem a grave acusação. Ricci não tem provas de que o jovem de chapéu de alemão seja o criminoso e tenta agredí-lo. Aliás, na acusação e no ato insano, Antônio passou de vítima a culpado das circunstâncias.
É dia de jogo. Um Domingo qualquer. Uma tentativa frustrada. O estacionamento do estádio lotado de bicicletas. A tentação. O destino é cruel. A vida uma m... Fora do estádio. O filho Bruno presencia tudo e pode-se dizer que contribuiu para que ele não fosse preso. Talvez sensibilizado pelas lágrimas do filho, a vitima do furto é dissuadida. A vergonha demove a perda. A então quase perda do filho - quase assediado, quase atropelado, quase afogado – agora, insiste e aprofunda a perda. Bruno chora pela desgraça do pai. Os transeúntes desaprovam o exemplo do pai para o filho. Não entendem. Antônio parece perder o filho. Se perde de si. A derrota se consuma. E eu choro. Confesso: esse filme me emociona.
The Virgin Suicides
Bom, mas acabei assistindo com algum atraso o The Virgin Suicides com o James Woods e Kathleen Turner.... A Sofia Coppola é uma diretora de filmes irregulares e de escolhas históricas de tradição duvidosas, com a de fazer um filme sobre a Maria Antonieta pela ótica do mundo fashion e pueril. Neste The Virgin Suicides, por exemplo, ela transformou a ironia fina e o humor negro contidos no livro homônimo do Eugenides numa estória com cortes meio sem pé nem cabeça mas que vai sendo tocada com destreza. A estória gira em torno das filhas dos Lisbon – um casal católico que zela com a mão-de-ferro estóica pelo hímen de suas crias. Jurei para mim mesmo que não molestaria os valores puritanos (risos) fazendo comentários sujos sobre a beleza das ninfetas, e menos ainda da Kristen Dunst, mas um pai com filhas daquele calibre deve ser, tem que ser, tem que aceitar infelicidade como destino de maneira lacônica (gargalhadas). Pois afinal de contas, um homem tem as filhas mais desejadas pela molecadada onanista da vizinhança, deve sofrer inflexivelmente calado. Na minha opinião só dois atores poderiam encarnar esse papel trágico de maneira cômica: o James Wood e o Steve Buscemi. Deu Wood.
O filme se passa num subúrbio de Detroit nos anos 70. Cecilia, a filha mais nova, tenta o suicídio cortando os pulsos. Sua incompetência acaba transformando a famíla que tenta ser mais aberta. Após a primeira tentativa frustrada, seus pais tentam integrá-las à comunidade fazendo festas em seu basement, regadas a ponche de frutas, músicas chatas e vigilância constante. Porém, Cecilia consegue realizar seu desejo de suicídio com sucesso, se atirando na grade debaixo da janela do quarto, durante uma festa que acontecia no porão. A partir daí o filme vira uma crônica sociológica sobre o suicídio feita pela ótica durkheimninana de uns meninos patetas que circundam a vizinhança da casa dos Lisbon.
Mais adiante, Lux, a mais velha das filhas, se envolve com Trip Fontaine, durante o baile da primavera, perde a virgindade e é abandonada após a festa, no meio do campo de futebol. Ao chegar a casa a repressão dos Lisbon se intensifica. Nesse meio tempo em que, isoladas, sem poder sair, são observadas pelos inocentes garotos do bairro, que se comunicam com elas através de códigos morse de persianas e músicas tocadas pelo telefone, elas decidem se suicidar, cada uma à seu modo. Nesse momento, acabou a história e morreu a vitória.
Eu Apertei a Mão do Paul Auster, Portanto Ele é Real
Um trecho:
"Estou sozinho no escuro, o mundo dá voltas dentro da minha cabeça, enquanto enfrento mais um ataque de insônia, mais uma noite branca neste vasto deserto americano. No andar de cima, minha filha e minha neta estão dormindo em seus quartos, cada uma sozinha. Miriam, de quarenta e sete anos, minha filha única, dorme sozinha há cinco anos, e Katya, de vinte e três, filha única de Miriam, que antes dormia com um rapaz chamado Titus Small, mas Titus morreu e agora Katya dorme sozinha, com o coração partido."
Música do dia: Bachianas No. 5. Egberto Gismonti - Trem Caipira.
Pão e Sonhos
O Financial Times celebrava no caderno de artes os 50 anos de Vertigo – que realmente, é uma das melhores coisas feitas pelo Hitchcock. Na mesma reportagem Nigel Andrews, FT's chief film critic, faz um texto muito mal costurado ligando o lançamento de Vertigo com o lançamento nos EUA do Man on Wire, documentário que mostra a façanha de do francês Philippe Pettit, que cruzou as torres gêmeas do World Trade Center, em 1974, andando sobre uma corda. Na reportagem, o distinto cidadão, diz que o documentário é a imagem espelhada de um presente ao Vertigo.
Com tempo livre para assistir 3 bons docs. Fui assistir a dois documentários do Manuel de Oliveira ( O Pão e o Pintor e a Cidade), e o tal Man on Wire:
Em O Pão (1959, 29 minutos), Manuel de Oliveira mostra o esforço dignificado do homem para produzir o pão, num ciclo que se inicia com a semeação, fecundação, nascimento do trigo, a colheita, o “debulhar o trigo, recolher cada bago do trigo”, ensacamento, transporte do grão, moagem industrial, panificação moderna, distribuição e consumo do pão. Enfim, “forjar no trigo o milagre do pão, e se fartar de pão.” Oliveira, mostra o papel do homem em cada etapa do fabrico do pão, desde a semente até à distribuição. A idéia de que há uma comunicação entre indivíduos afastados no espaço e no tempo, mas que comungam, sem saber, de único elemento: um grão de trigo.
Um documentário que inicia com a imagem de um casamento, simples, sem pompa, de dois componeses. O foco - nas mão brutas e incultivadas do trabalho do cultivo da terra. O corte - para o arado, puxado por um cavalo, sulcando a terra e novamente o foco na mão esquerda do homem, já com a aliança e retornando ao trabalho. A narrativa – feita de imagens encantadoras, como as do moinho meditando àgua em grão e pó, a mulher velha escondendo as medidas de farinha na massa do pão que amassa, na cidade, o menino invejando a vitrine de sonhos, açúcares e cremes, e o padeiro vendendo o pão de porta em porta. Imagens que ainda faziam sentido nos anos 60 e 70 no Brasil.
Um documentário, apesar de extremamente etnográfico, mostrando pelo que indica o sotaque dos diálogos o norte de Portugal, um tratamento sensível, muito poético e com uma oblíqua crítica ao Salazarismo – mas posso estar enganado. Assisti a essa versão curta, predileta do diretor, que termina exatamente com o regresso da semente à terra. Um novo ciclo se inicia: “Afagar a terra, conhecer os desejos da terra, cio da terra, a propícia estação, e fecundar o chão”
Os filmes do Manuel de Oliveira mostram uma superação de nossa trivialidade, revelam que enquanto nos preocupamos em ter expectativas irreais sobre o Homem, enquanto tentamos nos armar de uma ilusão deslumbrante, carente de percepção, sobre o que nos rodeia, percebemos a assombrosa farsa da incompreensão. Por isso ele faz filmes simples, sobre gente simples.
O documentário mostra a actividade fluvial no Rio Douro, na zona ribeirinha da sua cidade natal. Este filme seria o primeiro documentário entre várias primeiras obras que abordariam, de um ponto de vista etnográfico, o tema da vida marítima da costa de Portugal. É especial pois é o primeiro feito em cores pelo diretor. Além disso o som e os ruídos da cidade – altísssimo, as vezes - são quase um elemento autônomo dentro do filme. Uma coisa quase que separada das imagens. Uma espécie de desdobramento, uma sucessiva divisão do olhar que o acto de filmar representa. Algo que encontramos muitas vezes no Win Wenders. Ou seja, repensar a origem daquele ruído e juntá-lo novamente, reconciliando som e imagem.
Man On Wire, muitíssimo diferente dos anteriores, é um doc ótimo. Um dos destaques do festival Sundance 2008, dirigido por James Marsh. É um documentário onde beleza e loucura giram em torno de um sonho que se tornou real. Friamente falando, Philippe Petit parece um lunático que encontrou um monte de outros divertidos maconheiros confessos, para realizar um sonho: caminhar na corda bamba, no topo dos 110 andares, que ligava as torres gêmeas World Trade Center nos idos de 1974.
Marsh vai pouco a pouco construindo a imagem de Philippe Petit como um homem obstinado pelas cordas, que após fazer caminhadas sobre corda na catedral de Notre Dame, em Paris e sobre uma ponte em Sidney, na Austrália, resolveu que World Trade Center seria o seu objetivo maior. Diga-se de passagem, o diretor, abusando de triangulações na narrativa, de idas e vindas ao passado, uso de imagens e jornais da época, consegue mantê-la firme até o final. Começa contando a infância de Philippe Petit e sua compulsão por escaladas, quando as torres se tornaram para ele um objeto de obsessão desde que viu pela primeira vez - ainda quando não haviam sido construídas - numa propaganda de revista na sala de espera do dentista. Passa ao encontro com as figuraças que o ajudariam a se infiltrar e introduzir as cordas e os cabos, no prédio. E termina mostrando que após uma noite insone, aconteceu finalmente a travessia: oito idas e vindas, policiais putos da vida não vendo a hora de pôr as mãos naquele francês maluco que os provocava, ajoelhando-se, deitando-se e fazendo sinais para deleite da patuléia que assistia petrificada lá embaixo. Acho que qualquer americano levemente instruido que assistir a esse filme, deixará por alguns momentos de pensar nos dias do fim do WTC - tema no qual o doc não toca em nenhum momento.
Amamos a vida quando podemos
Dançamos entre dois mártires e no meio deles erguemos um minarete de violetas ou uma palmeira.
Também nós amamos a vida quando podemos.
Ao bicho- da - seda roubamos um fio para tecer o nosso céu e estancar este êxodo.
Abrimos a porta do jardim para que o jasmim saia para a rua como um dia bonito.
Também nós amamos a vida quando podemos.
Na morada que escolhemos, cultivamos plantas vivazes e recolhemos os mortos.
Sopramos na flauta a cor da distância
desenhamos um relincho no pó do caminho.
E escrevemos os nossos nomes
pedra a pedra.
Tu, ó raio, ilumina a nossa noite, ilumina-a um pouco.
Também nós amamos a vida quando podemos.
Mahmud Darwich, poeta palestino, morreu no Texas no último sábado, após uma cirurgia no coração.
http://www.nytimes.com/2008/08/11/world/middleeast/11darwish.html?_r=1&ref=books&oref=slogin
Dos àrabes ainda restam vivos.
Tahar Ben Jelloun. Leaving Tangier, The sand child, This blinding absence of light
Elias Khoury. Gates of the city, Little mountain, The kingdom of strangers
Murilo Mendes
Porque não quis te olhar, ficaste cega.
Sei que esperas por mim
Desde o tempo em que usavas tranças e brincavas com arcos.
Sei que esperas por mim
Como o caminheiro espera a fonte no deserto.
Eu não queria te olhar
Por que me debrucei sobre o mito de outras,
Por que não me sabes dar, ó pobre amiga,
O sofrimento e a angústia que formam as catástrofes.
[…]
Fragmento de poema de Murilo Mendes do livro As Metamorfoses de 1938.
Disgrace
Em meio a esse mundo artificial, Lurie termina mais um de seus relacionamentos descartáveis. Sua “desgraça” começa justamente quando se apaixona e seduz uma de suas estudantes, sem se proteger das consequências desastrosas desse tipo de relação. Sua perspectiva opaca sobre o mundo encontra nova razão na paixão que sente por Melanie Issaks. Em pouco tempo a relação é descoberta pelo namorado da moça e se torna um agravo. Nesse momento o então mundo de funcionalidade compartimentada, sexo hebdomadário e desinteresse metódico pelas circunstâncias à sua volta rui. O escândalo vem a tona e Lurie passa a ter sua reputação abalada preferindo renunciar a seu posto docente à indulgência.
John Constable
John Constable foi um pintor de paisagens do século XIX. Desde os tempos de escola foi um aluno problemático, mas se deu conta bem jovem que, mesmo portando o temperamento irascível, não havia muitos em sua geração que pintassem a natureza. Persistiu na idéia. Em 1799 convenceu então seu pai a mandá-lo para a Royal Academy em Londres para estudar arte. Com a morte do pais, Constable conquistou sua segurança financeira. Com a sacola cheia de dinheiro, foi fácil casar-se com Maria Bicknell contra a vontade do avô da moça. Nesse tempo, uniu então o útilitário ao agradável. E escolheu, então, seu lugar de infância, Suffolk, para transformar sua obsessão em cores e cenários.
Os especialistas dizem que há algo de fresco em seu traço de juventude, mesmo que ao longo dos anos seus céus tenham adquirido um certo peso de realismo sentimental tornando-se mais escuros passando um ar de lamento – principalmente após a morte da esposa. De alguma forma, inovou ao descrever e manipular a pintura da natureza, muito mais que em celebrá-la. Ou seja, segundo a intelligentsia, transcendeu ao meramente pitoresco.
Duas de suas principais obras são Dedham Vale (1802) e The Hay Wain (1821) – com o qual recebeu de Delacroix o premio do Salon de Paris em 1824 - , mas delas não tirou o sustento para o bando de filhos que ia tendo todos os anos. Para sobreviver, pintava retratos, com a certeza de que a herança que o pai lhe deixaria seria suficiente para conseguir o casamento com a mulher que desejasse.
Uma diferença básica entre Constable e Turner, talvez resida no fato de que ao primeiro custou-lhe entender que precisava pintar o épico retratado numa tela imensa. O que se conclui é que foi um pintor irregular. Melancólico, isolado e explosivo com os críticos, criava inúmeros rascunhos. Deixava-os incompletos, sem nunca ter criado uma obra definitiva, de impacto.
Cemitério de Pianos
Ao redor do cemitério giram várias gerações de Lázaros. Francisco é o nome do pai e do filho. O filho corredor que vem a falecer na Olimpíada de Estocolmo de 1912. O pai, um restaurador de pianos, um homem austero, impassível, rígido, que tem o fantasma de um cigano a rondar sua casa, sua vida, seus próprios fantasmas e sua mulher. A narrativa confunde – a propósito, diga-se de passagem - a história do seu neto, que perde o pai no dia do nascimento e a história do seu filho Francisco Lázaro, corredor da maratona dos Jogos Olímpicos de 1912 (onde falece no decorrer da mesma), e dos seus outros três filhos, Marta, Maria e Simão. A saga de Francisco Lázaro e seu sofrimento ao longo da maratona que o levaria à morte é o leitmotif para narrar a história das filhas do patriarca, dos genros, dos netos que vivem num equilíbrio frágil, permeado pelo adultério, e que pode ser rompido a qualquer momento. Sobre esse contexto é narrado o cotidiano das relações familiares com o traço luminoso da vivência diária de várias gerações.
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