Contentemo-nos com a Ilusão da Semelhança, porém, em verdade lhe digo, senhor doutor, se me posso exprimir em estilo profético, que o interesse da vida onde sempre esteve foi nas diferenças,
The Brief Wondrous Life of Oscar Wao
Deixe-me ser claro: Um livro que tem como protagonista um adolescente, obeso, mulato, dominicano, onanista, vivendo em Nova Iorque, ruim de jogo comas as mulheres e ainda por cima nerd viciado em ficção científica, tinha tudo para ser um desastre editorial. Brief wondrous life of Oscar Wao de Junot Diaz, não é. Ao contrário. Apesar de não ser uma obra prima, é um livro bem legal. Um livro bacana e cheio de humor, pois o protagonista Oscar carrega consigo uma maldição, o fukú, que afeta a maioria dos dominicanos do sexo macho e que precisam conquistar e ter muitas mulheres para poder conquistar para ter mais mulheres, e assim ter mais mulheres para poder conquistar. O rapaz é simplesmente um fracasso não apenas com as meninas, mas em quase tudo que faz. Uma espécie de inútil na familia. Tão inútil, tão inútil, que, por pena, o deixam em paz.
Ele é um tipo de garoto que treme nas aulas de educação física, não gosta de esportes, mas que usa palavras incrivelmente sofisticadas em conversas com amigos que ele sabe, mal terminarão o estudo secundário - isso o torna estranho até mesmo dentro de seu habitat natural. Uma das máculas em seu curriculum de jovem suburbano de Paterson, New Jersey, é o fato que terminou o High School sem ter nunca tido sexo. Para piorar, até seus amigos mais nerd, tinha conseguido sair com alguma menina. E ele, virgem...
No College, sua irmã Lola e seu namorado Yunior, fazem de tudo para por o pobre Oscar na linha. Pressionam de todo o lado para que ele faça ginástica, coma menos e melhor, se entrose com as meninas.... Yunior é o camarada que finalmente vaticina que Oscar sofre de “a high-level fukú”, ou seja ziquizira da brava e que precisa reverter essa maldita situação que se arrasta em sua família. O problema é que Oscar é um cara tão introspectivo que, ao contrário de lutar, acaba se refugiando na sua solidão e ainda mais em seus livros e em seu universo paralelo.
Mas enganam-se, entretanto, aqueles que pensam ser o livro uma versão latina dos filmes de adolescentes idiotizados nos Colleges. Junot, dá vários cortes na história de Oscar e amplia o foco para as origens da família do jovem, ainda sobre o regime do sanguinário Trujillo.
Junot Diaz contrabalança bem o humor com o drama, especialmente por que por trás da vida dos irmãos Oscar e Lola, há uma mãe latina, autoritária, violenta e compassiva, que aos poucos vai sendo devorada por um câncer e que usa a doença para submeter mais e mais aos filhos – seu único elo com a vida. Aos poucos descobrimos os meandros psicológicos da vida da mãe, Belícia de León, mulher trabalhadora e sempre ausente, e descobrimos mais sobre o pai que nunca apareceu. O pai, que tinha sido torturado pelos algozes de Trujillo enquanto a mãe tinha tivera um caso amoroso justamente com um dos homens próximos de Trujillo, o tal de Gangster, até finalmente ser resgatada por um primo da familia e levada aos Estados Unidos. Descobrimos, então, mesmo que não diretamente, por que Oscar se refugia em seu mundo de ficção científica e sua irmã no universo gótico das letras e da estética do Robert Smith, The Cure - aquele cara esquisitão que nos 80 cantava Boys Don't Cry.
O livro ganhou o Pulitzer de 2008 com uma linguagem que para o nativo americano sem uma noção mínima do espanhol caribenho poderia emperrar a leitura em vários momentos. Poderia, salvo pela habilidade narrativa de Junot. Não deixa de ser surpreendente a subjetividade dessas bancas de jurados - como o Barros apontou bem. E pelo que li pela internet, Junot demorou uns oito anos para terminar o livro. Cheguei ao final do livro com a forte impressão de que o tal do fuku, foi uma sacada genial de Junot Diaz para reinventar uma narrativa romântica. Fuku, uma espécie de revigoramento do mito de Eros e Psique. Ou seja, para ter o amor de Eros, Psique jamais poderia ver seu rosto. Oscar, o protagonista, de certa forma, passando às secas o largo estío da adolescência, sem nunca poder ter visto a cara do amor na sua forma erótica, diga-se de passagem, calejando suas pobres mãos - se é que me faço entender com uso de tão calhorda metáfora - , foi o único que pôde entender de fato que peso os raios do tal de fuku tiveram em sua vida. Enfim, é um livro bem legal, apesar de ser milimetricamente comercial, com todas as questões conceituais que fazem do multi-culturalismo americano babar nas gravatas - e mais importante que tudo, não é uma obra-prima.
Distâncias
A HUMPBACK WHALE
Sábado, 4 de abril de 2009.
O nome Pretória invoca algo poderoso, romano, germânico, quase fascista. A cidade é, na verdade, uma grande fazenda, povoada pelos afrikaners, descendentes dos holandeses que vieram tentar a sorte por aqui a partir do século XVII. Os edifícios são germânicos, imponentes. Não posso afirmar exatamente como era no tempo do apartheid mas hoje, 15 anos depois, posso dizer que a separação racial ainda é total. Posso dizer isso, porque vi, com estes olhos que a terra há de comer, que os brancos têm carrão e os negros pegam ônibus, ou melhor, vans, porque os ônibus demoram muito a passar, sobretudo nos fins de semana. E que se você é branca, sendo ou não afrikaner, tem que pegar táxi. Só que não há táxis. Então você fica com uma sensação de vazio, no meio do caminho.
Nunca parei muito para pensar que eu era branca.
Os negros parecem sentir-se incomodados com uma branquela com cara de afrikanner, mas com um sotaque estranho, que pega a van ou o ônibus deles. Os brancos ficam alarmados com essa gringa com cara de afrikanner que parece querer queimar o filme deles e insiste em demorar a comprar carro próprio. Por que você não pegou um táxi para conhecer o centro da cidade?
- Por que não tem táxi por aqui...
- Então por que você quer conhecer downtown se não há táxi? Espere comprar um carro, ou alguém que leve você. Há muitos estupros na cidade para uma mulher andar sozinha. Onde é que já se viu querer pegar ônibus?
Minha aventura de conhecer o centro da cidade sozinha teve a inestimável ajuda do Lonely Planet e de uma moça de nome Johanna, que trabalha como caixa no supermercado Pick-and-Pay, em frente ao hotel guesthouse de cinco estrelas onde me hospedaram (é melhor você pagar um pouco mais e ficar perto do trabalho, afinal é perigoso andar sozinha à noite, você ainda não tem carro...). Tampouco posso deixar de agradecer ao senhor cowboy “flanelinha branco”, o “car taker”, com cinto e chapéu estilo texanos, que cuida dos carrões dos afrikaners que estacionam em frente ao mall. O car taker também foi útil para que eu aprendesse duas coisas: há brancos classe média baixa por aqui, poucos mas há. E definitivamente não há taxis disponíveis.
- Para ir ao Centro a senhora deve pegar um táxi.
- Aonde?
- Não há nenhum à vista, mas pode ser que apareça algum do outro lado da avenida.
- E se não aparecer nenhum?
Alguns segundos de silêncio.
- Então a senhora vai ter que pegar um ônibus.
Com o estímulo do cowboy cartaker branco afrikaner, dirigi-me à parada de ônibus, onde já estava Johanna, uma negra mais ou menos jovem que trabalhava como caixa no supermercado Pick-and-Pay do outro lado da rua, no bairro mais caro de Pretória. Desconfiada e algo distante, ela me disse que era ali mesmo que passava o ônibus. Tentei ser simpática e fazer algumas perguntas, num inglês não muito claro. Após algum tempo de espera ela me disse que talvez fosse melhor pegar uma van para ir ao centro. Era a primeira vez que ela propunha algo, em nosso curto contato. Até então eu havia perguntado e ela só respondera, respeitosa e desconfiadamente. Entrei com ela na van. Vi que me respeitavam porque eu estava com ela e que fizeram a ela algumas perguntas sobre mim. Perguntei que idioma ela falava com o cobrador. Disse que falava um pouco de afrikaner, mas não muito bem, e tswane. Com o Lonely Planet na mão, perguntei como se lia o nome de Pretória em tswane.
- Tisuana.
Não era difícil de pronunciar. Mostrando o meu mapa de Pretória, perguntei onde ela morava. Não me lembro o nome do local, mas era longe, não estava dentro do mapa.
Passamos por vários bairros caros. Em função das obras para a Copa do Mundo em 2010, a cidade está passando por muitas obras. Ao ver que eu tentava seguir o caminho pelo mapa, Johanna se preocupou em me explicar que estávamos fazendo outros caminhos por conta das obras, mas estávamos indo para o lugar certo, uma linha reta à esquerda no mapa, onde ficava downtown. Vi que ela estava preocupada, cuidando de mim e que a situação era estranha de uma branca na van. Expliquei de onde eu era e ela explicou ao motorista e ao cobrador da van de onde eu era. Paguei a passagem dela, como cortesia. Fiquei com a sensação ruim de que estava comprando os serviços de guia da moça por uma miséria de passagem. Não que ela estivesse me fazendo um favor, ou será que estava me fazendo o favor? Ao chegarmos em Church Square ela desceu comigo, disse que iria tomar outra van para o lugar onde morava. Agradeci, disse que a partir de agora me virava sozinha. Uma última pergunta? Onde está a church, da Church Square? Ela pensou, olhou para os lados, não tinha igreja na Church Square. Fiquei achando que de repente ela havia descido da van só para me acompanhar, ou será que ela teria que trocar de condução mesmo?
Munida do meu guia, andei pelas ruas mais antigas, retíssimas, longas do centro de Pretória. A Church Street, que sai da Church Square, é uma das mais extensas do mundo. Os museus da rua Paul Kruger, líder afrikaner da guerra vermelha – quando mataram 12 mil Zulus e o rio ficou vermelho de sangue– estavam fechados. O antigo Parlamento da Africa do Sul afrikaner estava semi-aberto, a moça que era um misto de segurança e guia me deixou entrar. Perguntei algumas coisas que ela não sabia responder. Disse que aquele edifício fora o primeiro Parlamento da Africa do Sul. Mas a Africa do Sul não existia ainda como país naquela época. As fotos dos parlamentares na paredes são de brancos holandeses afrikaners, sem negros. Mas a guia negra diz que aquele foi o primeiro Parlamento de seu país. Não tinha muita consciência histórica. Tampouco há muitos turistas por ali. Após uma rápida passagem pelo primeiro e segundo andares, pedi para sentar na varanda para ler meu guia e ver para onde teria que me dirigir depois.
- Ok, disse ela, do you have something for me?
Eu não havia pago ingresso para entrar no antigo Parlamento, hoje sede da Prefeitura, mas deveria dar algo a ela. O Lonely Planet não falava nada sobre o velho Parlamento mas dizia quanto custava a entrada para outros museus. Bobeira minha querer visitar algo que não estava indicado no guia, nem era tão bonito assim esse velho Parlamento. A moça tinha feito o favor de abrir o Parlamento que hoje é prefeitura só para mim e eu tinha que pagar a ela alguma coisa. Dei 20 rands, uns dois dólares e meio, e fui atrás dos museus indicados no livro. Queria achar algo que não fosse puro afrikanner. Acabei topando com a Igreja anglicana reformada, que estava em outra rua perto da Church Square. O Lonely Planet explicava: a Igreja havia sido incendidada e reconstruída duas vezes, por isso tinha ido parar em outra rua que não era a Church Square. Fiquei com pena de a Johanna não ter sabido me explicar isso. Dois museus estavam fechados, o African View (parece ser um conjunto de centros culturais interessantes) e o Museu da Polícia (sobre a história do apartheid e da repressão policial). Fechados. Em frente à entrada do Museu da Polícia, com uma sede mais ou menos bonita, havia um montão de caixas de papelão, como se algum mendigo estivesse acampando ali em frente. Tentei entrar por uma lateral mas estava claro que estava fechado. Olhei de novo no guia: from Monday to Saturday, 9pm to 17pm. Eram 2pm ainda. Estranho estar fechado! Seria feriado ainda? Continuei andando tentando achar algo que não fosse só afrikanner. Tomei uma Coca-Cola light, depois um sorvete. Não havia almoçado tampouco tinha fome, devia ser o jet lag.
Fui andando. Não estava lá muito animada com a cidade. Era bonita, praticamente de primeiro mundo, sólida, monumental. Não havia branco algum em volta downtown. Na parte das lojas mais populares da Church Square vi um ou dois, estacionando o carro. São lojas boas, para padrão brasileiro, mas não suficientemente boas para os afrikaners, que têm vida de primeiro mundo. O centrão é Madureira, pra eles. Tentei achar um banheiro, entrei numa loja de roupas, não havia banheiro, saí em seguida. O negro da segurança pediu para olhar minha bolsa. Entrei noutra loja, a mesma coisa. Legal acharem que branco também rouba. Procurei o Mc Donald’s porque lá eu sabia que havia banheiro. A globalização tem lá as suas vantagens.
Continuei andando, tentando seguir o mapa. Pensei que se não conseguisse achar nada legal aberto, pelo menos faria exercício, o sapato não estava machucando, tomava sol, que não estava forte demais, e aprenderia a olhar mapas um pouco mais rápido. Sempre tive um péssimo sentido de orientação. Para saber realmente para onde tinha que ir, eu precisava torcer o livro na direção da rua. Tinha uma visão de mim mesma, nesse dia, especialmente patética: uma branquela no meio de negros, sozinha, em ruas de um centro antigo pouco povoado num dia de sábado, fazendo turismo onde não havia turistas, dando voltas sozinha para posicionar um mapa como se fosse um celular atrás de cobertura, de cabeça pra baixo, de um lado, para outro. Não me perdi muito, porém mais de uma vez desci a rua quando deveria ter subido, e demorei para achar a indicação da Oficina de Turismo que, aliás, foi onde me disseram para visitar o Parlamento, desviando-me do sábio Lonely Planet.
Andando e andando, agora o sapato já começava a machucar um pouco e estava com sede e um pouquinho de fome, cheguei ao Transvaal Museum, que na verdade é um museu antropológico, mas para crianças, com um esqueleto enorme de baleia do lado de fora. Fiquei vendo os diferentes tipos de baleia, a metade do crânio da Mrs. Peels, encontrada nos anos 50 e com mais de 3 milhões de anos de existência, e fiz algumas anotações bizarras:
“Um réptil que retira o seu calor diretamente do sol pode viver só com 10% da comida necessária para um mamífero de tamanho similar. Por essa razão, os répteis podem sobreviver em desertos onde os mamíferos morreriam de fome”.
“Cerca de 80% das calorias que ingerimos são empregadas na manutenção da nossa temperatura corporal em um nível constante”.
“As baleias humpacks produzem os mais longos e variados sons do mundo animal. Pesquisas provaram que essas músicas evoluem com o tempo e todas as baleias na área aprendem as novas seqüências conforme elas vão surgindo. Não se sabe o propósito dessas canções. Essas baleias são muito ativas e podem saltar fora d’ água caindo para trás com um grande splash. A população original de centenas de milhares ficou reduzida a somente 6.000 espécies, devido à caça às baleias.”
Descansei um pouco no museu. Lá só havia crianças e adultos branquinhos alourados de olhos claros, com pais inteligentes e bem-informados. Os negros serviam na portaria, na segurança e no restaurante. Encontrei, sobre uma mesinha, um papel brilhoso com o hino da África do Sul impresso em braille. Ao lado, a biografia do francês Braille, com sua triste história de ter ferido seu próprio olho, aos 3 anos, com uma faca quando queria cortar uma fruta ou algo assim. A ferida infectou e ele ficou cego. Ia para a escola com a irmã, mas como não sabia ler nem escrever, tinha que aprender tudo de cor. Ainda assim era o melhor aluno do colégio. Os pais resolveram mandá-lo para o único colégio de cegos da França. Lá, travou contato com um método militar de leitura cujo objetivo era permitir que os soldados lessem no escuro. Braille aperfeiçoou o método, reduziu-o, se não me engano, a 26 letras e passou a dar aula na escola onde estudava. Com 24 anos adquriu tuberculose – comum naqueles tempos, sobretudo numa escola superlotada, com gentes de todo o país-, e morreu muito cedo.
Fiquei pensando na beleza do hino da Africa do Sul e que o texto do hino em Braille ficaria bonito num quadro emoldurado, como lembrança não sei muito bem do quê. Fiquei pensando que talvez Braille fosse um espírito iluminado que tivesse vindo a este mundo somente para inventar o método de leitura. Fez isso e foi embora. Viver mais para quê, se já tinha cumprido sua missão?
Não sei porque fiz anotações sobre baleias. Talvez porque nunca tenha visto uma. Talvez porque espero ver alguma dia uma. Porque são impressionantes. Porque estava cansada de andar e precisava escrever alguma coisa. Porque as baleias não são afrikanners. Então tomei nota sobre as baleias.
Nota. Tenho muitas vezes a certeza de que sou um cabotino. Mas tenho bons amigos dos quais me orgulho. Estes, vez por outra, me escrevem. Ao mesmo tempo que isso me salva, revela minha personalidade falporria e biltre ao publicar sem atorização suas cartas aqui. Esta por exemplo, foi recebida hoje. Vem de Pretória, Africa do Sul.
Sábado, 4 de abril de 2009.
O nome Pretória invoca algo poderoso, romano, germânico, quase fascista. A cidade é, na verdade, uma grande fazenda, povoada pelos afrikaners, descendentes dos holandeses que vieram tentar a sorte por aqui a partir do século XVII. Os edifícios são germânicos, imponentes. Não posso afirmar exatamente como era no tempo do apartheid mas hoje, 15 anos depois, posso dizer que a separação racial ainda é total. Posso dizer isso, porque vi, com estes olhos que a terra há de comer, que os brancos têm carrão e os negros pegam ônibus, ou melhor, vans, porque os ônibus demoram muito a passar, sobretudo nos fins de semana. E que se você é branca, sendo ou não afrikaner, tem que pegar táxi. Só que não há táxis. Então você fica com uma sensação de vazio, no meio do caminho.
Nunca parei muito para pensar que eu era branca.
Os negros parecem sentir-se incomodados com uma branquela com cara de afrikanner, mas com um sotaque estranho, que pega a van ou o ônibus deles. Os brancos ficam alarmados com essa gringa com cara de afrikanner que parece querer queimar o filme deles e insiste em demorar a comprar carro próprio. Por que você não pegou um táxi para conhecer o centro da cidade?
- Por que não tem táxi por aqui...
- Então por que você quer conhecer downtown se não há táxi? Espere comprar um carro, ou alguém que leve você. Há muitos estupros na cidade para uma mulher andar sozinha. Onde é que já se viu querer pegar ônibus?
Minha aventura de conhecer o centro da cidade sozinha teve a inestimável ajuda do Lonely Planet e de uma moça de nome Johanna, que trabalha como caixa no supermercado Pick-and-Pay, em frente ao hotel guesthouse de cinco estrelas onde me hospedaram (é melhor você pagar um pouco mais e ficar perto do trabalho, afinal é perigoso andar sozinha à noite, você ainda não tem carro...). Tampouco posso deixar de agradecer ao senhor cowboy “flanelinha branco”, o “car taker”, com cinto e chapéu estilo texanos, que cuida dos carrões dos afrikaners que estacionam em frente ao mall. O car taker também foi útil para que eu aprendesse duas coisas: há brancos classe média baixa por aqui, poucos mas há. E definitivamente não há taxis disponíveis.
- Para ir ao Centro a senhora deve pegar um táxi.
- Aonde?
- Não há nenhum à vista, mas pode ser que apareça algum do outro lado da avenida.
- E se não aparecer nenhum?
Alguns segundos de silêncio.
- Então a senhora vai ter que pegar um ônibus.
Com o estímulo do cowboy cartaker branco afrikaner, dirigi-me à parada de ônibus, onde já estava Johanna, uma negra mais ou menos jovem que trabalhava como caixa no supermercado Pick-and-Pay do outro lado da rua, no bairro mais caro de Pretória. Desconfiada e algo distante, ela me disse que era ali mesmo que passava o ônibus. Tentei ser simpática e fazer algumas perguntas, num inglês não muito claro. Após algum tempo de espera ela me disse que talvez fosse melhor pegar uma van para ir ao centro. Era a primeira vez que ela propunha algo, em nosso curto contato. Até então eu havia perguntado e ela só respondera, respeitosa e desconfiadamente. Entrei com ela na van. Vi que me respeitavam porque eu estava com ela e que fizeram a ela algumas perguntas sobre mim. Perguntei que idioma ela falava com o cobrador. Disse que falava um pouco de afrikaner, mas não muito bem, e tswane. Com o Lonely Planet na mão, perguntei como se lia o nome de Pretória em tswane.
- Tisuana.
Não era difícil de pronunciar. Mostrando o meu mapa de Pretória, perguntei onde ela morava. Não me lembro o nome do local, mas era longe, não estava dentro do mapa.
Passamos por vários bairros caros. Em função das obras para a Copa do Mundo em 2010, a cidade está passando por muitas obras. Ao ver que eu tentava seguir o caminho pelo mapa, Johanna se preocupou em me explicar que estávamos fazendo outros caminhos por conta das obras, mas estávamos indo para o lugar certo, uma linha reta à esquerda no mapa, onde ficava downtown. Vi que ela estava preocupada, cuidando de mim e que a situação era estranha de uma branca na van. Expliquei de onde eu era e ela explicou ao motorista e ao cobrador da van de onde eu era. Paguei a passagem dela, como cortesia. Fiquei com a sensação ruim de que estava comprando os serviços de guia da moça por uma miséria de passagem. Não que ela estivesse me fazendo um favor, ou será que estava me fazendo o favor? Ao chegarmos em Church Square ela desceu comigo, disse que iria tomar outra van para o lugar onde morava. Agradeci, disse que a partir de agora me virava sozinha. Uma última pergunta? Onde está a church, da Church Square? Ela pensou, olhou para os lados, não tinha igreja na Church Square. Fiquei achando que de repente ela havia descido da van só para me acompanhar, ou será que ela teria que trocar de condução mesmo?
Munida do meu guia, andei pelas ruas mais antigas, retíssimas, longas do centro de Pretória. A Church Street, que sai da Church Square, é uma das mais extensas do mundo. Os museus da rua Paul Kruger, líder afrikaner da guerra vermelha – quando mataram 12 mil Zulus e o rio ficou vermelho de sangue– estavam fechados. O antigo Parlamento da Africa do Sul afrikaner estava semi-aberto, a moça que era um misto de segurança e guia me deixou entrar. Perguntei algumas coisas que ela não sabia responder. Disse que aquele edifício fora o primeiro Parlamento da Africa do Sul. Mas a Africa do Sul não existia ainda como país naquela época. As fotos dos parlamentares na paredes são de brancos holandeses afrikaners, sem negros. Mas a guia negra diz que aquele foi o primeiro Parlamento de seu país. Não tinha muita consciência histórica. Tampouco há muitos turistas por ali. Após uma rápida passagem pelo primeiro e segundo andares, pedi para sentar na varanda para ler meu guia e ver para onde teria que me dirigir depois.
- Ok, disse ela, do you have something for me?
Eu não havia pago ingresso para entrar no antigo Parlamento, hoje sede da Prefeitura, mas deveria dar algo a ela. O Lonely Planet não falava nada sobre o velho Parlamento mas dizia quanto custava a entrada para outros museus. Bobeira minha querer visitar algo que não estava indicado no guia, nem era tão bonito assim esse velho Parlamento. A moça tinha feito o favor de abrir o Parlamento que hoje é prefeitura só para mim e eu tinha que pagar a ela alguma coisa. Dei 20 rands, uns dois dólares e meio, e fui atrás dos museus indicados no livro. Queria achar algo que não fosse puro afrikanner. Acabei topando com a Igreja anglicana reformada, que estava em outra rua perto da Church Square. O Lonely Planet explicava: a Igreja havia sido incendidada e reconstruída duas vezes, por isso tinha ido parar em outra rua que não era a Church Square. Fiquei com pena de a Johanna não ter sabido me explicar isso. Dois museus estavam fechados, o African View (parece ser um conjunto de centros culturais interessantes) e o Museu da Polícia (sobre a história do apartheid e da repressão policial). Fechados. Em frente à entrada do Museu da Polícia, com uma sede mais ou menos bonita, havia um montão de caixas de papelão, como se algum mendigo estivesse acampando ali em frente. Tentei entrar por uma lateral mas estava claro que estava fechado. Olhei de novo no guia: from Monday to Saturday, 9pm to 17pm. Eram 2pm ainda. Estranho estar fechado! Seria feriado ainda? Continuei andando tentando achar algo que não fosse só afrikanner. Tomei uma Coca-Cola light, depois um sorvete. Não havia almoçado tampouco tinha fome, devia ser o jet lag.
Fui andando. Não estava lá muito animada com a cidade. Era bonita, praticamente de primeiro mundo, sólida, monumental. Não havia branco algum em volta downtown. Na parte das lojas mais populares da Church Square vi um ou dois, estacionando o carro. São lojas boas, para padrão brasileiro, mas não suficientemente boas para os afrikaners, que têm vida de primeiro mundo. O centrão é Madureira, pra eles. Tentei achar um banheiro, entrei numa loja de roupas, não havia banheiro, saí em seguida. O negro da segurança pediu para olhar minha bolsa. Entrei noutra loja, a mesma coisa. Legal acharem que branco também rouba. Procurei o Mc Donald’s porque lá eu sabia que havia banheiro. A globalização tem lá as suas vantagens.
Continuei andando, tentando seguir o mapa. Pensei que se não conseguisse achar nada legal aberto, pelo menos faria exercício, o sapato não estava machucando, tomava sol, que não estava forte demais, e aprenderia a olhar mapas um pouco mais rápido. Sempre tive um péssimo sentido de orientação. Para saber realmente para onde tinha que ir, eu precisava torcer o livro na direção da rua. Tinha uma visão de mim mesma, nesse dia, especialmente patética: uma branquela no meio de negros, sozinha, em ruas de um centro antigo pouco povoado num dia de sábado, fazendo turismo onde não havia turistas, dando voltas sozinha para posicionar um mapa como se fosse um celular atrás de cobertura, de cabeça pra baixo, de um lado, para outro. Não me perdi muito, porém mais de uma vez desci a rua quando deveria ter subido, e demorei para achar a indicação da Oficina de Turismo que, aliás, foi onde me disseram para visitar o Parlamento, desviando-me do sábio Lonely Planet.
Andando e andando, agora o sapato já começava a machucar um pouco e estava com sede e um pouquinho de fome, cheguei ao Transvaal Museum, que na verdade é um museu antropológico, mas para crianças, com um esqueleto enorme de baleia do lado de fora. Fiquei vendo os diferentes tipos de baleia, a metade do crânio da Mrs. Peels, encontrada nos anos 50 e com mais de 3 milhões de anos de existência, e fiz algumas anotações bizarras:
“Um réptil que retira o seu calor diretamente do sol pode viver só com 10% da comida necessária para um mamífero de tamanho similar. Por essa razão, os répteis podem sobreviver em desertos onde os mamíferos morreriam de fome”.
“Cerca de 80% das calorias que ingerimos são empregadas na manutenção da nossa temperatura corporal em um nível constante”.
“As baleias humpacks produzem os mais longos e variados sons do mundo animal. Pesquisas provaram que essas músicas evoluem com o tempo e todas as baleias na área aprendem as novas seqüências conforme elas vão surgindo. Não se sabe o propósito dessas canções. Essas baleias são muito ativas e podem saltar fora d’ água caindo para trás com um grande splash. A população original de centenas de milhares ficou reduzida a somente 6.000 espécies, devido à caça às baleias.”
Descansei um pouco no museu. Lá só havia crianças e adultos branquinhos alourados de olhos claros, com pais inteligentes e bem-informados. Os negros serviam na portaria, na segurança e no restaurante. Encontrei, sobre uma mesinha, um papel brilhoso com o hino da África do Sul impresso em braille. Ao lado, a biografia do francês Braille, com sua triste história de ter ferido seu próprio olho, aos 3 anos, com uma faca quando queria cortar uma fruta ou algo assim. A ferida infectou e ele ficou cego. Ia para a escola com a irmã, mas como não sabia ler nem escrever, tinha que aprender tudo de cor. Ainda assim era o melhor aluno do colégio. Os pais resolveram mandá-lo para o único colégio de cegos da França. Lá, travou contato com um método militar de leitura cujo objetivo era permitir que os soldados lessem no escuro. Braille aperfeiçoou o método, reduziu-o, se não me engano, a 26 letras e passou a dar aula na escola onde estudava. Com 24 anos adquriu tuberculose – comum naqueles tempos, sobretudo numa escola superlotada, com gentes de todo o país-, e morreu muito cedo.
Fiquei pensando na beleza do hino da Africa do Sul e que o texto do hino em Braille ficaria bonito num quadro emoldurado, como lembrança não sei muito bem do quê. Fiquei pensando que talvez Braille fosse um espírito iluminado que tivesse vindo a este mundo somente para inventar o método de leitura. Fez isso e foi embora. Viver mais para quê, se já tinha cumprido sua missão?
Não sei porque fiz anotações sobre baleias. Talvez porque nunca tenha visto uma. Talvez porque espero ver alguma dia uma. Porque são impressionantes. Porque estava cansada de andar e precisava escrever alguma coisa. Porque as baleias não são afrikanners. Então tomei nota sobre as baleias.
Nota. Tenho muitas vezes a certeza de que sou um cabotino. Mas tenho bons amigos dos quais me orgulho. Estes, vez por outra, me escrevem. Ao mesmo tempo que isso me salva, revela minha personalidade falporria e biltre ao publicar sem atorização suas cartas aqui. Esta por exemplo, foi recebida hoje. Vem de Pretória, Africa do Sul.
Entre Portinari e Spellbound
Mister Buddwing, interpretado pelo canastrão James Garner, evoca o mesmo tema da perda da memória que Gregory Peck imprimiu, com muito mais força e talento, em Spellbound. Mister Buddwing desperta certa manhã num banco de praça, no meio do Central Park. Acorda, olha para o céu e percebe que não tem idéia quem é. Está bem vestido, portanto não é um mendigo. Não está de ressaca, portanto não é manguaça. Simplesmente, o homem acorda sem memória. Encontra em seu bolso algumas, diríamos, drageas e um número de telefone. Na mão direita um anel com as iniciais “de G.V.” Vaga desorientado pelas ruas de Manhattan em meio a uma trilha sonora povoada de jazz. Perdido, cria um nome Sam Buddwing inspirado nas asas de um avião e na cerveja, agora brasileira (!), Budweiser. Durante todo o filme, buscando sua identidade, Mister Buddwing acaba encontrando vários tipos esquisitos que alimentam um certo voyeurismo de princípio do espectador. Enfim, o filme é um melodrama meio vulgar sobre um cara com amnésia em meio a uma sociedade mediatizada e massificada, que nem valeria a nota, mas veio a calhar exatamente na mesma noite que terminei um livrinho interessante de Godofredo de Oliveira Neto chamado O Menino Oculto.
Um livrinho interessante e experimental na linguagem, na trama e na forma de narrar. De forma leve, mas sem perder o pulso da linguagem, concilía uma estrutura narrativa de planos múltiplos, mas sem uma cronologia muito bem definida - o que por vezes acaba confundindo o leitor. Mas também não é pra menos... O protagonista Aimoré Seixas é um português que ainda jovem foi morar em Santa Catarina. Aimoré é um pintor de quadros. Mais exatamente: um falsificador de quadros perturbado por delírios e ziquiziras mentais. Com uma suposta inteligência acima da média é capaz de só numa olhadela, absorver os detalhes e copiar telas de grandes pintores brasileiros. Meio que por acaso, acaba se envolvendo com negociantes de quadros falsos, que lhe encomendam uma cópia do Menino Morto, de Portinari. Além dos dotes visuais e perceptivos o cara, que usa as guias de Clio e deve ter batido cabeça para Mnemosine, é capaz de recitar trechos inteiros de autores clássicos do cânone brasileiro. Porém, entretanto, todavia, Aimoré tem um problema. Ele perde a memória num acidente e passa a viver o dilema de identidade... a mesma perda de identidade presente em famosos duplos literários como os de Borges em Borges; como Goliádkin no Duplo ou Pávlovitch em O Eterno Marido Dostoievski; como Mr. Blank nas Viagens do Scriptorium de Paul Auster; ou como recentemente o Indigitado do Cony.
A trama toda se passa numa espécie de hospital, que por vezes se assemelha a um hospital psiquiátrico, onde Aimoré é interrogado - diga-se de passagem, sem reconhecer seus interrogadores - e grava suas inúmeras versões em fitas. No depoimento a um tal de professor Albano, percebe-se certa excêntricidades em Aimoré, que lá pelas tantas já não se sabe se são decorrentes de sua amnésia ou de sua malandragem narrativa, pois o protagonista precisa acima de tudo encobrir o fato de que, malandramente falando, copiou, o mesmo quadro de Portinari para duas quadrilhas de negociantes de obras falsas, embolsando as respectivas granas e pinturas importadas do Doutor Dárdano e do Doutor Orestes.
Aimoré passa a ser ameaçado pelas quadrilhas. Uma delas tenta, usando a cópia do Menino Morto, forjar a documentação referente ao quadro num escritório de Advogados em Boston, pondo em dúvida a autenticidade da obra exposta no Museu de São Paulo. Nesse meio tempo, resistindo à perda de memória e lutando para encontrar sua prórpia identidade, Aimoré deixa a obra encomendada inacabada, gerando toda a procura do livro... pelo quadro, pela identidade, pela memória, pela Ana Perena....
Num fluxo desordenado, nessa procura aleatória, com níveis de memória que dariam um nó na cabecinha do pobre William James, há espaços onde Aimoré preenche com sua consciência seletiva aquilo que a tal memória secundária deixou à deriva. Nesse caminho, Aimoré remonta 3 eixos. Primeiro, a estória do cego Baltazar, na baía da Babitonga, em Santa Catarina, que o conheceu durante a juventude apresentando-lhe um mundo mitológico e cheio de lorotas. Segundo, o encontro com um travesti, a quem assassina violentamente. Terceiro e talvez mais importante na retomada da memória, a relação digamos erótico-horizontal com Ana Perena, cujo desaparecimento o transtorna.
Certamente há uma linha que separa a loucura da sanidade nos depoimentos de Aimoré. Mas ao final do livro percebe-se que, de perto, o cara não é tão anormal e tampouco tão pacada assim. Ele, mesmo que por vezes se perca em suas versões, não apenas as cria de maneira intencional, como nos faz viajar nelas. E nos faz viajar de maneira que tão céticos e perdidos quanto o Albano, que grava os depoimentos, nos quedamos perdidos como leitores, sem saber que desvio tomamos. Pós-moderno? Meio pós-moderno, sim, se essa é a pergunta. Godofredo Neto usa e abusa tanto dos meandros do fluxo de consciência na forma de narrar quanto da cronologia aleatória, da linguagem coloquial e sem meneios, e do sexo (componente mercadológico fundamental para reconquistar a classe média leitora iletrada), pois é disso que o povo gosta. Foi sim uma dupla jogada crítica de Godofredo Neto, pois nas palavras de Aimoré, que se recusa a definir seu trabalho como cópia - mas sim uma recriação -, Godofredo, criando um protagonista, imerso em seu individualismo, assumindo uma personalidade esquizofrênica, rejeitando a definição de falsário ao introduzir pequenas modificações em suas telas, cria paradigmas para a própria auto-afirmação do artista (pintor,escultor ou escritor) num mundo onde Harold Bloom e o pós-modernismo decretaram a falência da originalidade.
Ou seja, John Ballantine tem tudo que Mister Buddwing tem, mas o papel de Aimoré no papel é melhor que o de ambos na telona. Fazer o quê?
Stella
Astrophel and Stella
Peace, I thinke that some giue eare;
Come no more, least I get anger.
Blisse, I will my blisse forbeare;
Fearing, sweete, you to endanger;
But my soule shall harbour there.
Philip Sidney
Peace, I thinke that some giue eare;
Come no more, least I get anger.
Blisse, I will my blisse forbeare;
Fearing, sweete, you to endanger;
But my soule shall harbour there.
Philip Sidney
Enquanto isso, no Oriente Médio...
A edição da Wired deste mês traz uma reportagem fantática e chocante sobre as fotos dos arquivos do The National Museum of Health and Medicine, em Washington DC, relacionadas à II Guerra Mundial. Nesta ai de cima, o cidadão que degusta seu Captain Black pulveriza uma casa na Itália com DDT e querosene em fevereiro de 1945 - esta foi a imagem mais levinha que consegui, já que há outras muito melhores, ou piores, dependendo do ponto de vista.
http://www.wired.com/science/discoveries/multimedia/2009/03/gallery_WWII_photos
Música do dia. Inferno. Nação Zumbi. Disco: Fome de Tudo.
Allegare sine probare et non allegare paria sunt
Inúmeros filmes existem por existir. Rashomon de Akira Kurosawa, não, transcende. Nele há a dimensão de uma grande obra de arte que engloba vários formatos narrativos. O melhor de tudo está contido nele. Cinema, Literatura e História.
A dimensão literária está no argumento já que o filme é baseado em dois contos de Ryunosuke Akutagawa: Rashomon e In a Grove. A estrutura narrativa, absolutamente fantástica e original, na medida que várias testemunhas de um assassinato depõem numa espécie de juízo sobre o crime, sugerindo impossibilidade de obter a verdade sobre o evento da morte do samurai expondo os conflitantes pontos de vista do assassino, da viúva do samurai, e do lenhador que encontrou o corpo. A rara e precisa economia de cenários e a interpretação, ora no local do crime, ora nesta espécie de tribunal, onde as testemunhas falam diretamente para a camera, nos remete a uma peça de teatro transplantada para a tela grande.
A dimensão histórica é um caso a parte, e talvez mais clara em Os Sete Samurais onde o tm alegórico é menos presente que aqui, mas o fato é que o desenvolvimento do Capitalismo na Europa foi totalmente diferente ao do Japão. Enquanto na Europa a construção dos Estados Nacionais fortalece os laços comerciais e capitalistas e o sistema feudal se enfraquece. No Japão a coisa toda foi muito diferente. Em 1600 e alguma coisa, o Clã dos Tokugawas toma o poder feudal no Japão e reinstaura o shogunato concentrado o poder local nas mãos dos Daimiôs. Quando os Shoguns tomam o poder, não só não destituem os Damiôs tradicionais, como fortalecem seus laços com o poder imperial e distribuem terras. O Shogum vive em Edo e o Imperador em Kioto. E pode parecer contaditório para um ocidental, bicho homi e cabra macho pensar que a mulher mais velha de cada Daimiô, reside exatamente em Kioto, no castelo do Imperador, onde periodicamente os Daimiôs, vão ao castelo visitar suas mulheres, pagar os impostos e honrar com os laços feudais, as tais porras de laços sinalagmáticos, aos quais o Hilário Franco Junior sempre se referia e eu nunca entendera.
O Clã dos Tokugawas perdura até a Revolução Meiji – mas isso é outra história. O fato é que em Rashomon, o contexto de honra do shogum, fundamentado historicamente, é posto em jogo quando bandoleiro Tajomaru intercepta o samurai Kanazawa-no-Takehiro que conduzia sua esposa, montada num cavalo branco. A história se desvela em flashbacks em três dimensões a partir do momento em que Tajomaru convence ao samurai que deixe sua rota e vá com ele verificar a localização do esconderijo de espadas ancenstrais. No caminho Tajomaru imobiliza e amarra Kanazawa-no-Takehiro. Tajomaru, bandido safado, pilantra e ignóbil planejava estuprar a patroa do samurai. A princípio, ela tenta se defender, mas quando capturada, submete-se ao malandro na frente do marido. Esses são os elementos genéricos. Agora as dimensões em flashbacks de como tudo aconteceu:
Primeiro, sob uma chuva torrencial de verão, dois homens conversam olhando desolados para a destruição das pagodas a sua volta. Lamentam um acontecimento terrível ao qual ambos estavam ligados. O lenhador conta ao sacerdote a estória sobre como encontrou , três dias atrás, o corpo de um samurai e o chapéu de sua esposa abandonado no caminho. Enquanto o sacerdote conta-lhe que na estrada de Sekiama para Yamashina, vê uma mulher com um chapéu que corresponde a descrição feita pelo lenhador.
A segunda dimesão se dá pela ação dos fatos em si – se é que eles existiram num estado puro.... O filme descreve um estupro da mulher e o assassinato e Kanazawa-no-Takehiro pelo bandoleiro Tajomaru. Através dos relatos contraditórios e divergentes das quatro testemunhas, incluindo o próprio morto através de um médium, a história vai tomando forma. O problema é que cada um tem uma versão para o assassinato.
Finalmente, a terceira dimensão da narrativa está na sacada de Kurosawa em botar um flashback dentro de outro flashback, partindo do princípio que algumas das testemunhas mentem deliberadamente.
As versões sobre o crime.
Após o suposto estupro, coberta de vergonha, Masago, a esposa do samurai, implora ao bandido para duelar até a morte com seu esposo, para que a salve da vergonha. O bandido safado, pilantra e ignóbil, com grandeza de ânimo libertou o samurai para que então ambos pudessem duelar. No depoimento de Tajumaru eles duelam hábil e ferozmente, mas a mulher fugiu. No final da história, Tajumaru é perguntado sobre a adaga possuida pela esposa do samurai. Ele diz que, durante o combate e a fuga esqueceu completamente e que fora uma tolice deixar para trás tão precioso objeto. Mas isso é a versão de Tajumaru.
Masago, alega que depois que depois de estuprada implora a seu marido para que a perdoasse. Ela então o libertou e implorou para que ele a matasse, de modo que ela pudesse ficar em paz. Este simplesmente a olhou com frieza. A expressão penetrou em sua alma e ela implorou mais uma vez para que a matasse, sem prejuízo, e então ela desmaia com a adaga na mão. Ao depertar, encontrou seu marido morto com a adaga cravada no peito. . Mas isso é a versão de Masago.
Kanazawa-no-Takehiro, já morto, então incorpora, no jargão das ciências ocultas, num cavalo. Na cena de alta macumbaria, o samurai alega que após ter sido capturado por Tajumaru, assistir ao estupro e ao pedido de Masago para fugir com Tajumaru, presenciou o pedido de Masago para que Tajumaru matasse o matasse. Tajumaru podia ser bandido safado, pilantra e ignóbil, mas tinha hombridade. Chocado pelo pedido, agarrou-a, deu-a ao samurai para que a julgasse. A mulher fuge. Então Tajumaru liberta o samurai. O samurai então se suicida com sua própria adaga. Mas essa é a versão do cavalo que incorporou o caboclo Kanazawa-no-Takehiro.
Lá pelas tantas, o caboclo Kanazawa-no-Takehiro menciona que alguém removeu a adaga de seu peito. Ao ouvir isso o lenhador fica assustado e alega que o morto estava mentindo, porque ele foi morto por uma espada. Eventualmente, o lenhador volta a depor e afirma que ele mentiu por não queria se envolver, quando de fato, ao vencer o duelo, Tajumaru matou o samurai, uma vez que este tentava fugir para os arbustos. Ao avistar a morte de seu marido, a mulher grita aterrorizada enquento Tajumaru pega a a espada do samurai e saiu da cena mancando. Ou seja, a adaga, a arma do crime, estava lá. E alguém a levou.
Volta-se para a cena final, onde estão o lenhador, o plebeu e o monge. Ouve-se o choro de uma criança. O plebeu então, pega o quimono o rubi que serve de proteção para o bebê na cesta. O lenhador repreende-o, e o plebeu pergunta sobre a adaga da mulher. Este guarda silêncio. O plebeu, sacananmente faz pouco caso da bondade do lenhador e alega que todos os homens são egoístas, agem em proveito próprio e que a mentira e o falso testemunho faz parte da razão humana. Ao pegar o bebê nos braços e prontificar-se a levá-lo para junto dos seus outros seis, o lenhador adquire o beneplácito do monge, mas como diziam os latinos, a moral da história do alegar e não provar é o mesmo que não alegar, fica pairando no ar... pois no fim das contas, quem matou a porra do mané do maldito samurai?!
East of Eden
O português chamou East of Eden, se não me engano de Vidas amargas. O filme de Elia Kazan, a quem já dediquei amargas linhas, é fenomenal. Um novelão da mais alta qualidade. Também não é para menos. O filme é baseado no livro de Steinbeck, A Leste do Eden. Um filme de espírito bem protestante e uma ética do capitalismo manca de uma perna.
Ambientado na região de Monterey, Califórnia, o filme mostra as desavenças de dois irmãos pelo afeto e a atenção de um pai sentimental e hard worker. Os Trask são uma família pecliar composta pelo pai - Adam Trask (Raymond Massey) - e os dois filhos, Aaron (Richard Davalos) e Cal – Caleb - ( James Dean). Adam é um homem religioso e profundamente justo com seus empregados e com os filhos. Aaron é o filho predileto que a exemplo do pai pauta sua vida na devoção fraternal e no senso de resposabilidade herdado do pai.
Os negócios de Adam Trask não vão bem. Após a perda de toda uma colheita numa fracassada tentativa de escoamento, o patriarca perde milhares de dólares. Para ganhar o amor de seu pai e ajudar a fazenda que ameaçada de falir, Cal faz um empréstimo. Cal, um tipo sagaz e meio selvagem, sabe que se os Estados Unidos entrassem na I Guerra Mundial, o preço do feijão subiria. Então, conhecedor de um segredo, que nem pai sem irmão sabiam, Cal procura a mãe, Kate, em seu trabalho. Perdão pelo trocadilho, mas Kate é quenga. Quenga velha. Dona do pedaço, a meretriz e tem o dinheiro que Cal precisa para investir nos mercado de futuros. Apesar de relutante Kate dá, a grana a Cal, pois se sente culpada de ter deixado o marido e os filhos para se tornar empresária.
No meio tempo em que os negócios de Cal vão bem, Abra, namorada de Aaron, começa a se sentir atraída por Cal e o ajuda a preparar uma festa de aniversário para o patriarca. O presente de aniversário é exatamente o pacote de dinheiro que Cal ganhou especulando na bolsa.
E agora uma das cenas entre muitas caras, mais marcantes do cinema. Após Cal explicar a origem do dinheiro, o pai se recusa a recebê-lo justificando que aquele dinheiro havia sido ganho em cima da desgraça de trabalhadores e produtores como ele. Cal não entende e começa a chorar acreditando que esta recusa é mais uma das humilhações que o pai lhe impõe por seu temperamento irascível. James Dean simplesmente mata a pau nessa interpretação. Uma daquelas cenas onde se tem a certeza que aquele cidadão é um grande ator.
O que se segue, é novelão. Cal vai chorar no quintal. Abra o segue e o consola. Quando Aaron chega e a proíbe de falar com Cal, este, tomado de ira, pede que Aaron o siga. Ambos vão ao bordel, onde Cal apresenta a Aaron sua mãe. O choque leva Aaron a beber e se alistar no exército. O pai, vendo a ruína iminente do filho, tem um ataque cardíaco. De volta a casa, Cal visita o pai no seu quarto. Cal, sem obter reação do pai, pensa que é mais uma vez recusado, mas logo em seguida, com a intervenção de Abra, volta ao quarto e consegue ouvir as palavras do pai pedindo para que o filho dispensasse a enfermeira intransigente e cuidasse dele. Um novelão bíblico sim, mas um filme emocionante.
Musica do dia: Lucas - Marco Antonio Araujo(Melhor guitarrista brasileiro de todos os tempos)
Os Vencedores
Best Picture
Slumdog Millionaire
Christian Colson
Best Foreign Language Film
Departures - Japan
Yojiro Takita
Best Documentary Feature
Man on Wire
Simon Chinn
Directing
Best Director
Danny Boyle
Slumdog Millionaire
Acting
Best Actor in a Leading Role
Sean Penn
Milk
Best Actress in a Leading Role
Kate Winslet
The Reader
Best Actor in a Supporting Role
Heath Ledger
The Dark Knight
Best Actress in a Supporting Role
Penélope Cruz
Vicky Cristina Barcelona
Writing
Best Writing - Original Screenplay
Dustin Lance Black
Milk
Best Writing - Adapted Screenplay
Simon Beaufoy
Slumdog Millionaire
Nota 1: Perdi várias oportunidade de assitir Slumdog Millionaire. Pensei que fosse Bollywood... pelo que vi ontem, minha intuição pode não estar enganada.
Nota 2: Man on Wire. Melhor, sem dúvida.
Nota 3: Sean Penn. Melhor ator. Para mim sempre o melhor, desde Mystic River. Mas neste ano quem deveria ter levado era Richard Jenkins no papel de Walter Vale em The Visitor.
Nota 4:
Zebra, Slumdog Millionaire. Indicado para 10 estatuas, levou 8.
Decepção, The Curious Case of Benjamin Button. Indicado para 13, levou 3.
Música do dia:
Un español habla de su tierra
Las playas, parameras
al rubio sol durmiendo,
los oteros, las vegas
en paz, a solas, lejos;
los castillos, ermitas,
cortijos y conventos,
la vida con la historia,
tan dulces al recuerdo.
Ellos, los vencedores
caínes sempiternos,
de todo me arrancaron.
Me dejan el destierro.
Una mano divina
tu tierra alzó en mi cuerpo
y allí la voz dispuso
que hablase tu silencio.
Contigo solo estaba,
en ti sola creyendo;
pensar tu nombre ahora
envenena mis sueños.
Amargos son los días
de la vida, viviendo,
sólo una larga espera
a fuerza de recuerdos.
Un día, tú ya libre
de la mentira de ellos,
me buscarás. Entonces
¿qué ha de decir un muerto?
Luis Cernuda
Versión de Paco Ibáñez
Slumdog Millionaire
Christian Colson
Best Foreign Language Film
Departures - Japan
Yojiro Takita
Best Documentary Feature
Man on Wire
Simon Chinn
Directing
Best Director
Danny Boyle
Slumdog Millionaire
Acting
Best Actor in a Leading Role
Sean Penn
Milk
Best Actress in a Leading Role
Kate Winslet
The Reader
Best Actor in a Supporting Role
Heath Ledger
The Dark Knight
Best Actress in a Supporting Role
Penélope Cruz
Vicky Cristina Barcelona
Writing
Best Writing - Original Screenplay
Dustin Lance Black
Milk
Best Writing - Adapted Screenplay
Simon Beaufoy
Slumdog Millionaire
Nota 1: Perdi várias oportunidade de assitir Slumdog Millionaire. Pensei que fosse Bollywood... pelo que vi ontem, minha intuição pode não estar enganada.
Nota 2: Man on Wire. Melhor, sem dúvida.
Nota 3: Sean Penn. Melhor ator. Para mim sempre o melhor, desde Mystic River. Mas neste ano quem deveria ter levado era Richard Jenkins no papel de Walter Vale em The Visitor.
Nota 4:
Zebra, Slumdog Millionaire. Indicado para 10 estatuas, levou 8.
Decepção, The Curious Case of Benjamin Button. Indicado para 13, levou 3.
Música do dia:
Un español habla de su tierra
Las playas, parameras
al rubio sol durmiendo,
los oteros, las vegas
en paz, a solas, lejos;
los castillos, ermitas,
cortijos y conventos,
la vida con la historia,
tan dulces al recuerdo.
Ellos, los vencedores
caínes sempiternos,
de todo me arrancaron.
Me dejan el destierro.
Una mano divina
tu tierra alzó en mi cuerpo
y allí la voz dispuso
que hablase tu silencio.
Contigo solo estaba,
en ti sola creyendo;
pensar tu nombre ahora
envenena mis sueños.
Amargos son los días
de la vida, viviendo,
sólo una larga espera
a fuerza de recuerdos.
Un día, tú ya libre
de la mentira de ellos,
me buscarás. Entonces
¿qué ha de decir un muerto?
Luis Cernuda
Versión de Paco Ibáñez
La Fleur du Mal
La Fleur du Mal é um filme de Claude Chabrol (2002) que explora ambição e corrupção num molde de romance policial, com um final de resultado duvidoso. Mas, pode parecer antagônico, apesar de tudo, um ótimo filme.
François Vasseur retorna de anos de estudos em Chicago para sua casa em Bourdaux, e percebe que desde sua partida pouca coisa mudou. Seu pai continua administrando sua farmácia e sua madrasta, Anne Charpin-Vasseur, decide concorrer às eleições municipais.
Vista de fora, uma família repeitável. Anne Charpin-Vasseuré viúva com uma filha e uma tia. Gérard Vasseur é igualmente viúvo, com um filho pródigo que estuda em Chigago. Ambos viúvos e desepedidos. Michèle e François são jovens e com coisas mal resolvidas no passado, portanto logo quando chega, François já reiniciam a relação adormecida com sua meia irmã, Michèle, sob a proteção ou negligência da velha tia de Michèle, Line. Incesto? Na cabeça de Nelson Rodrigues, Michèle e François estariam num joguinho de amarelinha.
Enfim, vista de fora, uma família repeitável. Mas, como sempre, não é bem assim, não. Por trás desta fotografia de uma moderna família burguesa há esqueletos bem guardados no armário que no decorrer da narrativa a velha tia de Michèle, vai desvendando em fragmentos de flashbacks que remontam a Vichy e ao assassinato do pai.
Para arruinar a trajetória política de Anne, alguém circula um panfleto indicando um escândalo familiar dos bravos. Tia Line estará arrependida de ter matado seu pai, um simpatizante Nazi, que fora responsável pela morte de seu único irmão? Havia sido prudente que Anne e Gérard tivessem se casado tão rápido após a morte de ambos consortes?
Estas são apenas duas perguntas chaves com que Chabrol abre La Fleur du Mal, seu filme de número, sei lá... 230... 395... Fato é que aos qause oitenta anos, o homem anda afiado, fazendo filmes tão bons quanto aqueles da New Wave. Nomeadamente, Le Beau Serge, Les Cousin, La Femme infidèle, La Ceremonie, La Rupture, Les Biches.
Todos os elementos de um filme policial estão ai: a chantagem, uma carta, um autor desconhecido, uma mulher política e ambiciosa, uma velha guardiã de segredos, dois jovens cheios de tesão... mas fica faltando algo no final. O climax da narrativa é meio fraco, uma espécie de vício cartesiano impede que a cena da morte acidental do padrasto flua. Gérard Vasseur, após a vitória política da consorte, chega a casa só e embiritado. Cabeça inchada, libido solta, decide molestar a enteada. Esta saca de um abajour e dá-lhe uma p... na cabeça do manguaça. Este cai no chão morto. Michèle, deseperada, corre para pedir ajuda a tia. Esta, por sua vez, ajuda à sobrinha a ocultar o cadáver no quarto de cima – a cena das duas arrastando o cadáver escada acima, não é original, não é sequer verossimil, mas guarda algo de cômico, sem dúvida. Daí para os dez minutos finais, o filme se perde num non-sense absoluto. O filho chega e recebe a morte do pai como se nada tivesse acontecido, a velha decide assumir a cupla do assassinato, quando a polícia chegar, enquanto os convivas, festejando a vitória de Anne chegam aos gritos de alegria.
Música do dia. Cavalo Ferro. Ednardo. Disco: Meu Corpo Minha Embalagem, Todo Gasto na Viagem
François Vasseur retorna de anos de estudos em Chicago para sua casa em Bourdaux, e percebe que desde sua partida pouca coisa mudou. Seu pai continua administrando sua farmácia e sua madrasta, Anne Charpin-Vasseur, decide concorrer às eleições municipais.
Vista de fora, uma família repeitável. Anne Charpin-Vasseuré viúva com uma filha e uma tia. Gérard Vasseur é igualmente viúvo, com um filho pródigo que estuda em Chigago. Ambos viúvos e desepedidos. Michèle e François são jovens e com coisas mal resolvidas no passado, portanto logo quando chega, François já reiniciam a relação adormecida com sua meia irmã, Michèle, sob a proteção ou negligência da velha tia de Michèle, Line. Incesto? Na cabeça de Nelson Rodrigues, Michèle e François estariam num joguinho de amarelinha.
Enfim, vista de fora, uma família repeitável. Mas, como sempre, não é bem assim, não. Por trás desta fotografia de uma moderna família burguesa há esqueletos bem guardados no armário que no decorrer da narrativa a velha tia de Michèle, vai desvendando em fragmentos de flashbacks que remontam a Vichy e ao assassinato do pai.
Para arruinar a trajetória política de Anne, alguém circula um panfleto indicando um escândalo familiar dos bravos. Tia Line estará arrependida de ter matado seu pai, um simpatizante Nazi, que fora responsável pela morte de seu único irmão? Havia sido prudente que Anne e Gérard tivessem se casado tão rápido após a morte de ambos consortes?
Estas são apenas duas perguntas chaves com que Chabrol abre La Fleur du Mal, seu filme de número, sei lá... 230... 395... Fato é que aos qause oitenta anos, o homem anda afiado, fazendo filmes tão bons quanto aqueles da New Wave. Nomeadamente, Le Beau Serge, Les Cousin, La Femme infidèle, La Ceremonie, La Rupture, Les Biches.
Todos os elementos de um filme policial estão ai: a chantagem, uma carta, um autor desconhecido, uma mulher política e ambiciosa, uma velha guardiã de segredos, dois jovens cheios de tesão... mas fica faltando algo no final. O climax da narrativa é meio fraco, uma espécie de vício cartesiano impede que a cena da morte acidental do padrasto flua. Gérard Vasseur, após a vitória política da consorte, chega a casa só e embiritado. Cabeça inchada, libido solta, decide molestar a enteada. Esta saca de um abajour e dá-lhe uma p... na cabeça do manguaça. Este cai no chão morto. Michèle, deseperada, corre para pedir ajuda a tia. Esta, por sua vez, ajuda à sobrinha a ocultar o cadáver no quarto de cima – a cena das duas arrastando o cadáver escada acima, não é original, não é sequer verossimil, mas guarda algo de cômico, sem dúvida. Daí para os dez minutos finais, o filme se perde num non-sense absoluto. O filho chega e recebe a morte do pai como se nada tivesse acontecido, a velha decide assumir a cupla do assassinato, quando a polícia chegar, enquanto os convivas, festejando a vitória de Anne chegam aos gritos de alegria.
Música do dia. Cavalo Ferro. Ednardo. Disco: Meu Corpo Minha Embalagem, Todo Gasto na Viagem
Mirror
Tarkovsky é, como num sobrescrito de João Cabral, simultaneamente, a dureza e a fruição contidas na pedra e na poesia... Mirror é um filme de 1975 e pelo que dizem, o mais autobiográfico desse cineasta que conheço pouco, aliás. Aliás conheço pouco do cinema russo, pois tenho muita dificuldade em acompanhar um filme de onde me escapam as nuances da língua, o oceano de detalhes que ela agrega à imagem em movimento, seu peso, sua riqueza inesgotável, sua força.
O filme não tem um roteiro aparente. Aliás, não recomendo este filme para os habituados ao cinema padrão calcado nas poucas noções de Syd Field e muito voluntarismo. Mirror não esta pautado numa história linear, na ação,nos personagens de contorno digerível e de final redondo, conclusivo e satisfatório. Ou seja, um filme para quem aprecia poesia. Um filme para quem aprecia a poesia sem palavras. Na razão inversa da poesia contruida de images, nesse filme, a poesia surge das palavras.
Todo ele é recortado por reminiscências, imagens oníricas e a costura recorrente dos poemas de seu pai, o poeta Arseni Tarkovski. Em Mirror o narrador vê sua mulher como a continuação de sua mãe, porque os erros se repetem. A repetição dos erros pessoais é uma lei, e a experiência não se transmite. Sabe-se que nele interagem três tempos. Um tempo pretérito pré-guerra, provavelmente ao redor dos anos 30, um tempo que se passa na Guerra, e um tempo do pós-guerra, já nos anos 1960. Além disso o filme se divide em quinze segmentos.
Da colcha de retalhos, fiz um exercício execrável. Tentei alinhavar as 15 sequências do filme. Eu sei que ao racionalizá-lo cometo algo bárbaro...
i.
O filme começa com uma sequência de um jovem num treinamento com uma fonoaudióloga, já numa insinuação de que a falta de palavras contidas na frase "I can speak," revela uma quebra, ausência ou a prescindívelnecessidade de uma narrativa linear, já que ao longo da história tudo se revela como um sonho, uma espécie de memória fragmentada do passado. (cenas em preto e branco)
Música: J. S. Bach, Das Orgelbüchlein No. 16, "Das alte Jahr vergangen ist."
ii.
Pré-guerra nos anos 30 (cenas coloridas)
Maria está sentada numa cerca de madeira. Olha o horizonte. Está de costas para a câmera. Fuma. Um homem se aproxima. O narrador anuncia em off que alí naquela casa costumava a passar as férias de verão com a família. O homem que se aproxima é um médico. Pede um cigarro, senta na cerca junto a Maria e emenda uma conversa um tanto aleatória. A cerca se rompe e os dois caem no chão. O homem começa a rir do absurdo daquela situação o que leva Maria a desconfiar de sua sanidade. Ela cita o Ward 6, uma estória de Checkov, onde um médico, Ragin, investiga as causas da loucura na própria prática violenta de tratar a loucura. Na verdade, ela pergunta indiretamente se o médico é são. Ele rebate dizendo que Checkov inventou aquilo tudo, implicando que o sofrimento de Ragin e a ambição de Khobotov, em provar que o primeiro sofria de distúrbios mentais era pura ficcção. O médico então a deixa e Maria o vê partir.
iii. pre-guerra
Noite. Interior: uma criança na cama. Maria lava seu cabelo com a ajuda de seu marido. Ela se encaminha para o espelho e se vê como uma ansiã.
iv.
O telephone toca. A camera focaliza um apartamento na cidade. Alexei conversa com sua mãe. Liza, com quem ela trabalhou na casa editorial acaba de morrer.
v.
pre-guerra
Maria tem pressa. Sob a chuva, caminha para a editorta para conferir as provas de um erro que havia cometido. Em sua mesa ela conversa com sua colega Liza, a quem confidencia que suspeita de ter cometido um erro e se riem do episódio. Nesse momento, chega um homem, supostamente o supervisor. Maria se levanta e vai tomar um banho. Antes de partir, Liza diz a Maria que esta se parece com Maria Timofeyeva, irmã do capitão Lebyadkin, dos Demônios de Dostoievski.
Continua...
O filme não tem um roteiro aparente. Aliás, não recomendo este filme para os habituados ao cinema padrão calcado nas poucas noções de Syd Field e muito voluntarismo. Mirror não esta pautado numa história linear, na ação,nos personagens de contorno digerível e de final redondo, conclusivo e satisfatório. Ou seja, um filme para quem aprecia poesia. Um filme para quem aprecia a poesia sem palavras. Na razão inversa da poesia contruida de images, nesse filme, a poesia surge das palavras.
Todo ele é recortado por reminiscências, imagens oníricas e a costura recorrente dos poemas de seu pai, o poeta Arseni Tarkovski. Em Mirror o narrador vê sua mulher como a continuação de sua mãe, porque os erros se repetem. A repetição dos erros pessoais é uma lei, e a experiência não se transmite. Sabe-se que nele interagem três tempos. Um tempo pretérito pré-guerra, provavelmente ao redor dos anos 30, um tempo que se passa na Guerra, e um tempo do pós-guerra, já nos anos 1960. Além disso o filme se divide em quinze segmentos.
Da colcha de retalhos, fiz um exercício execrável. Tentei alinhavar as 15 sequências do filme. Eu sei que ao racionalizá-lo cometo algo bárbaro...
i.
O filme começa com uma sequência de um jovem num treinamento com uma fonoaudióloga, já numa insinuação de que a falta de palavras contidas na frase "I can speak," revela uma quebra, ausência ou a prescindívelnecessidade de uma narrativa linear, já que ao longo da história tudo se revela como um sonho, uma espécie de memória fragmentada do passado. (cenas em preto e branco)
Música: J. S. Bach, Das Orgelbüchlein No. 16, "Das alte Jahr vergangen ist."
ii.
Pré-guerra nos anos 30 (cenas coloridas)
Maria está sentada numa cerca de madeira. Olha o horizonte. Está de costas para a câmera. Fuma. Um homem se aproxima. O narrador anuncia em off que alí naquela casa costumava a passar as férias de verão com a família. O homem que se aproxima é um médico. Pede um cigarro, senta na cerca junto a Maria e emenda uma conversa um tanto aleatória. A cerca se rompe e os dois caem no chão. O homem começa a rir do absurdo daquela situação o que leva Maria a desconfiar de sua sanidade. Ela cita o Ward 6, uma estória de Checkov, onde um médico, Ragin, investiga as causas da loucura na própria prática violenta de tratar a loucura. Na verdade, ela pergunta indiretamente se o médico é são. Ele rebate dizendo que Checkov inventou aquilo tudo, implicando que o sofrimento de Ragin e a ambição de Khobotov, em provar que o primeiro sofria de distúrbios mentais era pura ficcção. O médico então a deixa e Maria o vê partir.
iii. pre-guerra
Noite. Interior: uma criança na cama. Maria lava seu cabelo com a ajuda de seu marido. Ela se encaminha para o espelho e se vê como uma ansiã.
iv.
O telephone toca. A camera focaliza um apartamento na cidade. Alexei conversa com sua mãe. Liza, com quem ela trabalhou na casa editorial acaba de morrer.
v.
pre-guerra
Maria tem pressa. Sob a chuva, caminha para a editorta para conferir as provas de um erro que havia cometido. Em sua mesa ela conversa com sua colega Liza, a quem confidencia que suspeita de ter cometido um erro e se riem do episódio. Nesse momento, chega um homem, supostamente o supervisor. Maria se levanta e vai tomar um banho. Antes de partir, Liza diz a Maria que esta se parece com Maria Timofeyeva, irmã do capitão Lebyadkin, dos Demônios de Dostoievski.
Continua...
O Homem do Ano
Talvez pouca gente tenha percebido que Érica (viúva de Suel), depois de ir viver com Máiquel (assassino de Suel), ao abandoná-lo pela primeira vez deixa na mesa da sala, sobre o bilhete de despedida, uma capa de dvd do filme Wild at Heart - capa esta que é filmada de cabeça para baixo. Ninguém precisa saber que Nicolas Cage sempre teve uma fixação mórbida por Elvis. Disso todo mundo sabe. Chegou a casar com a filha do homem. Mas isso é o que menos importa. No filme, Sailor e Lula, fogem da perseguição da mãe dela e iniciam uma viagem pelo sul dos Estados Unidos. No bilhete, Érica deixa claro que Cledir, esposa de Máiquel, tem de sair da vida deles. Como? Se você já leu Rubão Fonseca, suspeitará como Cledir desaparece da vida dos dois.
O Homem do Ano é um filme bom, sem intelectualismos. Funciona na tela. Talvez melhor que o livro o Matador, de Patricia Melo. Talvez por ter roteiro chancelado pelo velho Rubem Fonseca. Talvez. O filme tenta mostrar de maneira didática a realidade das milícias, da privatização da segurança pública, dos currais eleitorais, da irracionalidade da violência, e da ascenção de um Zé Mané burro, psicótico e semi-analfabeto à categoria de anti-herói. Até aí, tudo bem, um filme convincente. O problema é que com esses elementos, podia ter sido um filme perturbador, mas não foi, pois a narrativa original do livro é muito linear - isso eu já tinha percebido em outros dois livros de Patricia Melo, Elogio da Mentira e Inferno.
Entretanto, o roteiro é bem amarrado e a atuação de Murilo Benício e Claudia Abreu exemplares. Máiquel, personagem interpretado por Benício, é um camarada atormentado com sua Moira. Tenta mudar seu destino o tempo todo, mas após ter tido o cabelo descolorado, cada vez se afunda mais e mais na sua sina de matador. Aliás, Murilo Benício, incorporou perfeitamente o personagem. Abstêmio com Síndrome de Tourette, anti-evangélico, cabelo oxigenado, moralista e bebedor de coca-cola quente - Rubão só bebe Coca quente - , com um porco de estimação no sobrado de Caxias e desovando seus corpos em Campos Elísios - pelo menos pelas cenas externas da passarela da estação de trem, e pelo lugar da desova ali perto da parte de trás da Reduc em Jardim Primavera. Enfim, Máiquel é tipo complexo, contraditório e irracional. Porém, me passou a impressão de um criminoso dos anos 70.
Pois no fundo, acho que falar tanto de violência, arrancá-la das páginas do O Dia e do Extra e estilizá-la na tela, banalizou tudo. Tudo mesmo. Quando Fonseca escrevia sobre isso nos anos 70, era tudo ainda meio pitoresco. A polícia era pública, a segurança privada, mas com outro nome: milícia tinha nome de Scuderie Le Cocq, Mariel Moryscotte e Mão Branca. E Hannah Arendt não estava brincando quando em "Eichmann em Jerusalém" cunhou o conceito de Banalidade do Mal. Pois veja bem, dê uma arma e poder a um bunda mole, coloque-o agindo individualmente dentro das regras corrompidas e imorais, mas impedindo-o que racionalize sobre seus atos, e você terá o superlativo de um Máiquel, ou seja, um Eichmann. Ou melhor, o Minimo Múltiplo Comum do Eichmann, o Máiquel. A morte hoje já não é mais como aquela da Patrulha da Cidade, da Rádio Tupi, apesar de mórbida, era divertida. Hoje não. Banalizou tudo. Tudo mesmo. Perdeu a graça.
Mas voltando ao filme, a 'sacada' rapidíssima do filme do David Lynch, sobre o bilhete de despedida, naquele sobrado da Baixada, ficaria totalmente sem sentido - já que Máiquel não fala inglês e mal lê português - se o Herique Fonseca não tivesse dado à cena a velocidade que merece tonando o detalhe imperceptível quase imperceptível. Talvez pouca gente tenha percebido. Se não percebeu o detalhe, deixa estar. Melhor assim. Pois os diretor contornou bem o fato de que uma das melhores coisas na contrução psicológica dos personagens criados por seu pai, Rubem Fonseca, é a imersão do personagem na sua circunstância social. Imagina se alguém mais percebe esse detalhe...um cara suburbano, da Baixada, ou uma namorada evangélica e viciada em Almanaque Abril assitindo filme de David Lynch... puf...
http://ilusaodasemelhanca.blogspot.com/2006/04/melhores-frases-do-rubem-fonseca.html
Cabaret Mineiro
A dançarina espanhola de Montes Claros
dança e redança na sala mestiça.
Cem olhos morenos estão despindo
seu corpo gordo picado de mosquito.
Tem um sinal de bala na coxa direita,
o riso postiço de um dente de ouro,
mas é linda, linda, gorda e satisfeita.
Como rebola as nádegas amarelas!
Cem olhos brasileiros estão seguindo
o balanço doce e mole de suas tetas...
De todos os poemas inesquecíveis do Drummond, eu poderia citar vários: Poema das sete faces (Vai, Carlos - seu imprestável e biriteiro! Ser gauche na vida), Congresso Internacional do Medo, Atriz (sosbre a morte da Cacilda Becker), Procura da Poesia...
Mas, Cabaret Mineiro, é simples, mundano, poético e sem firulas. So o Drummond poderia, na equação perfeita que soma William Burroughs, Herberto Helder e T. S. Eliot - dar-nos ( como diz o Alfredo Bosi ) o coeficiente de solidão.
dança e redança na sala mestiça.
Cem olhos morenos estão despindo
seu corpo gordo picado de mosquito.
Tem um sinal de bala na coxa direita,
o riso postiço de um dente de ouro,
mas é linda, linda, gorda e satisfeita.
Como rebola as nádegas amarelas!
Cem olhos brasileiros estão seguindo
o balanço doce e mole de suas tetas...
De todos os poemas inesquecíveis do Drummond, eu poderia citar vários: Poema das sete faces (Vai, Carlos - seu imprestável e biriteiro! Ser gauche na vida), Congresso Internacional do Medo, Atriz (sosbre a morte da Cacilda Becker), Procura da Poesia...
Mas, Cabaret Mineiro, é simples, mundano, poético e sem firulas. So o Drummond poderia, na equação perfeita que soma William Burroughs, Herberto Helder e T. S. Eliot - dar-nos ( como diz o Alfredo Bosi ) o coeficiente de solidão.
Je t'aime John Wayne
Não sei bem se por nunca ter ido muito com a cara do Wayne, se por ter gostado muito do Auto dos Danados do Lobo Antunes, ou se por gostar do cinema francês, eu tenha curtido tanto Je t'aime John Wayne – curta metragem dirigido por Toby MacDonald e escrito por Luke Ponte, da coleção Cinema 16. É um curta ótimo. É uma paródia do filme de Jean-Luc Godard, À bout de souffle.
O ator Kris Marshall tenta ser Jean Paul Belmondo – o ator de Breathless. No filme de Godard Belmondo é Michel, um cara fora da lei que atira em dois policiais e tenta ser um espécie de Humphrey Bogart, imitando seus trejeitos e modos de falar. Fugitivo e sem dinheiro, vagando pelas ruas de Paris, pede ajuda a Patricia, sua namorada americana, estudante de jornalismo e vendedora do jornal New York Herald Tribune. Enquanto Michel pensa o tempo todo em fugir para a Itália, Patricia tem sonhos românticos e por isso o denuncia à polícia com medo que ele se fosse deixando-a grávida.
No curta de Toby MacDonald, Kris Marshall se define como Belmondo vivendo em Paris. Se vê como Belmondo desde a primeira cena, quando sonha com um beijo e é despertado pelo relógio. Na frente do espelho, escovando os dentes e fumando, se auto-define como um desviado, hipócrita, sujo, imoral e irracional. Por fim, quando se vê à frente do espelho, finalmente, como John Wayne, o telefone toca. A mensagem é uma frase de John Wayne: “Monte nessa merda de cavalo ou eu o expulsarei da cidade.” Após o bip a mensagem. É sua mãe deixando uma embaraçosa mensagem de mãe na secretária eletrônica: “Meu filhinho, tire essa mensagem da secretária. Isso é um pouco estranho.” (cena impagável). Tal como o dentista Nuno de Auto dos Danados, que na Revolução dos Cravos, prestes a fugir com a família pela fronteira da Espanha tem alucinações com o ator Edward G. Robinson. O protagonista pensa ser o ator francês Belmondo, incorporando ora sua cafajestice - de maneira engraçadíssima – ora a dureza do John Wayne.
Outra cena impagável quando ele, esperando a irmã mais nova para levá-la ao cinema, encontra-a com namorado. Quando indagado pela irmã se a mãe não lhe dissera, ele desconversa mantendo a face de durão em direção ao menino. Na saída do cinema vê um casal. O britânico acha o filme detestável. Belmondo o puxa. Olha-o de cima abaixo. Dá-lhe um soco. Vira-se para a moça e diz que ela teria de vir com ele, pois ele tem um Alfa-Romeo! A narrativa escrita não comporta o peso das imagens do filme ou a expressão do ator Marshall, com sua cara de quelônio cômicamente fumando todo o filme... enfim, um bom curta. Cowboy por cowboy sou mais o Gary Cooper em High Noon, muito mais o Clint Eastwood em Man with no Name.
O ator Kris Marshall tenta ser Jean Paul Belmondo – o ator de Breathless. No filme de Godard Belmondo é Michel, um cara fora da lei que atira em dois policiais e tenta ser um espécie de Humphrey Bogart, imitando seus trejeitos e modos de falar. Fugitivo e sem dinheiro, vagando pelas ruas de Paris, pede ajuda a Patricia, sua namorada americana, estudante de jornalismo e vendedora do jornal New York Herald Tribune. Enquanto Michel pensa o tempo todo em fugir para a Itália, Patricia tem sonhos românticos e por isso o denuncia à polícia com medo que ele se fosse deixando-a grávida.
No curta de Toby MacDonald, Kris Marshall se define como Belmondo vivendo em Paris. Se vê como Belmondo desde a primeira cena, quando sonha com um beijo e é despertado pelo relógio. Na frente do espelho, escovando os dentes e fumando, se auto-define como um desviado, hipócrita, sujo, imoral e irracional. Por fim, quando se vê à frente do espelho, finalmente, como John Wayne, o telefone toca. A mensagem é uma frase de John Wayne: “Monte nessa merda de cavalo ou eu o expulsarei da cidade.” Após o bip a mensagem. É sua mãe deixando uma embaraçosa mensagem de mãe na secretária eletrônica: “Meu filhinho, tire essa mensagem da secretária. Isso é um pouco estranho.” (cena impagável). Tal como o dentista Nuno de Auto dos Danados, que na Revolução dos Cravos, prestes a fugir com a família pela fronteira da Espanha tem alucinações com o ator Edward G. Robinson. O protagonista pensa ser o ator francês Belmondo, incorporando ora sua cafajestice - de maneira engraçadíssima – ora a dureza do John Wayne.
Outra cena impagável quando ele, esperando a irmã mais nova para levá-la ao cinema, encontra-a com namorado. Quando indagado pela irmã se a mãe não lhe dissera, ele desconversa mantendo a face de durão em direção ao menino. Na saída do cinema vê um casal. O britânico acha o filme detestável. Belmondo o puxa. Olha-o de cima abaixo. Dá-lhe um soco. Vira-se para a moça e diz que ela teria de vir com ele, pois ele tem um Alfa-Romeo! A narrativa escrita não comporta o peso das imagens do filme ou a expressão do ator Marshall, com sua cara de quelônio cômicamente fumando todo o filme... enfim, um bom curta. Cowboy por cowboy sou mais o Gary Cooper em High Noon, muito mais o Clint Eastwood em Man with no Name.
Todos os Nomes
“Todos os Nomes” é um romance com cheiro de papel velho. A estória de um escriturário de cartório, um Zé, um José de nome José. Solteirão, solitário, investigativo e mais que tudo imaginativo, Sr. José é de um tipo introspectivo que para se afugentar da modorrenta monotonia de seu dia-a-dia na Conservatória Geral começa a acumular fichas com verbetes de pessoas famosas. A Conservatória Geral, como diz o nome em termos próprios, uma espécie do que se conhece no Brasil como Cartório, tem uma arquitetura idealmente similar a do centro comercial da Caverna. Tem algo a meio caminho do Panóptico de Bentham e do puxadinho de meia àgua no Amarelinho de Irajá, já que os funcionários, tal como diplomatas, adidos e outros tipos estacionados no serviço público, vivem em apartamentos funcionais, vivendas simples, rústicas, construídas no exterior, ao longo das paredes laterais. As casas dispunham de duas portas. Uma porta normal que dava para a rua e uma porta adicional que se comunica com o prédio principal, por onde os funcionários entram e pegam no batente.
Certa noite, por puro acaso, Sr. José decide entrar na nave principal – ele adquire a chave da nave principal pervertendo as regras da Conservatória. Encontra a ficha de uma mulher desconhecida e decide investigar algo mais de sua vida. Descobre que a ficha que cai-lhe nas mãos é de uma mulher de trinta e seis anos. Nos averbamentos somente constam um casamento e um divórcio. Os motivos para investigar a vida daquela mulher específica não são óbvios, mas em se tratando de um tipo de personalidade tão peculiar, não nos atrevemos a perguntar, ainda que a pergunta permaneça incomodando o leitor atento o tempo todo. Munido de dados básicos, José passa a investigar por conta própria a vida da tal mulher, abandonando as fichas das celebridades. Tal como um detetive, a investigação de José transgride as regras básicas do respeito ao anonimato da mulher, rompendo as rígidas normas da Conservatória.
O senhor José é um homem de 52 anos. Suas semelhanças com o Raimundo Silva, do História do Cerco de Lisboa, não param por ai. Se por um lado o revisor dos textos, Raimundo, decide, a partir de um NÃO adicionado no documento, mudar toda a história de Portugal, o nosso José, a seu modo, passa também a mostrar o absurdo da burocracia que nos devora lentamente, imperceptívelmente, a partir do verbete sobre a vida de uma mulher desconhecida cujo nome consta nos registros da Conservatória. Um simples verbete.
A princípio percebe-se que no trabalho, assim como na vida, José é um tipo introspectivo e solitário, com algo de crédulo. Sua submissão não é apenas à grande estrutura burocrática imposta pela Conservatória, mas a sua própria ética de trabalho: interna e vocacional. Com tal propensão, Sr. José chega a ponto de nunca ficar doente, nunca faltar e principalmente, nunca desobedecer as ordens de superiores. Ou seja, um homem que tem tudo para chegar longe, ou nunca sair do lugar, pois essa assiduidade não se traduz em adulação. Não foi o outro Chico que disse, vence na vida quem diz sim?
Tal como dito, o Sr. José, amanuense e auxiliar de escrita, parte à procura de uma mulher desconhecida de maneira peculiar. Homem das antigas, prefere começar pelas beiras, por baixo, desde o local de nascimento, passando pela escola, passando por uma madrinha ansiã. Seu roteiro de busca começa pelo endereço que consta na certidão de nascimento da mulher. Sem sucesso, vai ao endereço contido em sua ficha de dados, indaga os vizinhos sobre o possível paradeiro da antiga moradora. Chega até a madrinha da mulher desconhecida, chamada apenas "a senhora do rés-do-chão", que lhe sugere o óbvio: procurar na lista telefônica. José rejeita tal opinião e decide procurar na escola onde ela estudara.
Certa noite, por puro acaso, Sr. José decide entrar na nave principal – ele adquire a chave da nave principal pervertendo as regras da Conservatória. Encontra a ficha de uma mulher desconhecida e decide investigar algo mais de sua vida. Descobre que a ficha que cai-lhe nas mãos é de uma mulher de trinta e seis anos. Nos averbamentos somente constam um casamento e um divórcio. Os motivos para investigar a vida daquela mulher específica não são óbvios, mas em se tratando de um tipo de personalidade tão peculiar, não nos atrevemos a perguntar, ainda que a pergunta permaneça incomodando o leitor atento o tempo todo. Munido de dados básicos, José passa a investigar por conta própria a vida da tal mulher, abandonando as fichas das celebridades. Tal como um detetive, a investigação de José transgride as regras básicas do respeito ao anonimato da mulher, rompendo as rígidas normas da Conservatória.
O senhor José é um homem de 52 anos. Suas semelhanças com o Raimundo Silva, do História do Cerco de Lisboa, não param por ai. Se por um lado o revisor dos textos, Raimundo, decide, a partir de um NÃO adicionado no documento, mudar toda a história de Portugal, o nosso José, a seu modo, passa também a mostrar o absurdo da burocracia que nos devora lentamente, imperceptívelmente, a partir do verbete sobre a vida de uma mulher desconhecida cujo nome consta nos registros da Conservatória. Um simples verbete.
A princípio percebe-se que no trabalho, assim como na vida, José é um tipo introspectivo e solitário, com algo de crédulo. Sua submissão não é apenas à grande estrutura burocrática imposta pela Conservatória, mas a sua própria ética de trabalho: interna e vocacional. Com tal propensão, Sr. José chega a ponto de nunca ficar doente, nunca faltar e principalmente, nunca desobedecer as ordens de superiores. Ou seja, um homem que tem tudo para chegar longe, ou nunca sair do lugar, pois essa assiduidade não se traduz em adulação. Não foi o outro Chico que disse, vence na vida quem diz sim?
Tal como dito, o Sr. José, amanuense e auxiliar de escrita, parte à procura de uma mulher desconhecida de maneira peculiar. Homem das antigas, prefere começar pelas beiras, por baixo, desde o local de nascimento, passando pela escola, passando por uma madrinha ansiã. Seu roteiro de busca começa pelo endereço que consta na certidão de nascimento da mulher. Sem sucesso, vai ao endereço contido em sua ficha de dados, indaga os vizinhos sobre o possível paradeiro da antiga moradora. Chega até a madrinha da mulher desconhecida, chamada apenas "a senhora do rés-do-chão", que lhe sugere o óbvio: procurar na lista telefônica. José rejeita tal opinião e decide procurar na escola onde ela estudara.
Esse impulso incontrolável pela descoberta de algo sobre a vida da moça tira-lhe o sono, e o faz perseguir um labirinto confuso dentro e fora da sua cabeça. Certas horas Saramago faz crer que o seu protagonista sofre de alguma demência obsessiva, desfazendo-a logo, tal como Dostoievski o faz, nas páginas seguintes, por algum episódio errático e inusitado imposto pelo acaso, ou pela providência burocrática da Conservatória Geral. Faz-nos perguntar sobre onde está a anormalidade, se em nós leitores que cremos no mundo que vemos, se em José em sua busca absurda e inexplicável, ou se no mundo em que vivemos. A pergunta não é tão retórica frente as situações insólitas que cercam a investigação. Uma delas é a série de desencontros impostas à procura de José. A propósito, sua procura se concentra em quatro lugares kafkanianos: A Conservatória, onde estão divididas as fichas dos vivos e dos mortos; a cidade onde sempre chove; a escola onde até então José acreditasse que a mulher tivesse apenas estudado na infância; e finalmente o mais obvio de todos, o cemitério.
Como dito, a narrativa percorre quatro grandes espaços: a Conservatória, a cidade, a escola e o cemitério. Ou labirintos. No último, José constata que o objeto que o levou à tamanha transformação não existe. A mulher desconhecida está morta. Suicidara-se poucos dias antes. A procura por ela, então, tornaria-se inútil, caso José fosse um conformista e Saramago um escritor qualquer. Ao contrário, a insistência na procura torna-se insana, pois decide continuar procurando elementos de sua vida e de sua morte, esquecendo-se ou ignorando volutariamente a rigorosa obediência às normas da Conservatória. Deixa a barba por fazer, descuida-se da limpeza do seu quarto e cogita até uma possível paixão imaginária e irreal pela mulher que sabe-se agora ser professora de matemática, funcionária da escola onde José fora procurá-la como aluna e suicida.
O tom alegórico de boa parte destes espaços percorridos por José está em sua estrutura labiríntica, no tom pesado de uma cidade onde sempre chove, no jogo de desvelamento e ocultamento, no absurdo do cotidiano, no uso de imagens do inconsciente que perpassam pesadelos e monstros mitológicos jogando com a temerária idéia não da morte em si, mas com a idéia cruel que a morte traz a iminência do desaparecimento, do esquecimento. Alegorias como as de que uma vez dentro do recinto da Conservatoria Geral, apenas é possível retornar à sua saída ou ao presente com o fio de Ariadne amarrado ao pé. A idéia do labirinto transcorre em todo o romance. A Conservatória é um labirinto de arquivos e gavetas onde, para penetrar nos seus corredores, é necessário desenrolar um fio de Ariadne. Outro labirinto maior é o cemitério onde o Sr. José vai procurar, quase no final da estória, o túmulo da mulher desconhecida. É absurdo cogitar isso, mas Saramago nos induz a pensar que enquanto o cemitério é o labirinto dos mortos, a Conservatória é o labirinto dos vivos e dos mortos. Nos induz de maneira um tanto estranha, mas eficiente, do ponto de vista narrativo. No cemitério, o maior dos labirintos, o Sr. José caminha por longas horas em sua solitária busca. Cansa-se e adormece. Tem um sonho. "sonho estranho, enigmático." Desperta "angustiado, alagado de suor." Sonha com um pastor de ovelhas que zela pelos mortos, uma espécie de Omulu, que eventualmente muda os números das tumbas.
Como dito, a narrativa percorre quatro grandes espaços: a Conservatória, a cidade, a escola e o cemitério. Ou labirintos. No último, José constata que o objeto que o levou à tamanha transformação não existe. A mulher desconhecida está morta. Suicidara-se poucos dias antes. A procura por ela, então, tornaria-se inútil, caso José fosse um conformista e Saramago um escritor qualquer. Ao contrário, a insistência na procura torna-se insana, pois decide continuar procurando elementos de sua vida e de sua morte, esquecendo-se ou ignorando volutariamente a rigorosa obediência às normas da Conservatória. Deixa a barba por fazer, descuida-se da limpeza do seu quarto e cogita até uma possível paixão imaginária e irreal pela mulher que sabe-se agora ser professora de matemática, funcionária da escola onde José fora procurá-la como aluna e suicida.
O tom alegórico de boa parte destes espaços percorridos por José está em sua estrutura labiríntica, no tom pesado de uma cidade onde sempre chove, no jogo de desvelamento e ocultamento, no absurdo do cotidiano, no uso de imagens do inconsciente que perpassam pesadelos e monstros mitológicos jogando com a temerária idéia não da morte em si, mas com a idéia cruel que a morte traz a iminência do desaparecimento, do esquecimento. Alegorias como as de que uma vez dentro do recinto da Conservatoria Geral, apenas é possível retornar à sua saída ou ao presente com o fio de Ariadne amarrado ao pé. A idéia do labirinto transcorre em todo o romance. A Conservatória é um labirinto de arquivos e gavetas onde, para penetrar nos seus corredores, é necessário desenrolar um fio de Ariadne. Outro labirinto maior é o cemitério onde o Sr. José vai procurar, quase no final da estória, o túmulo da mulher desconhecida. É absurdo cogitar isso, mas Saramago nos induz a pensar que enquanto o cemitério é o labirinto dos mortos, a Conservatória é o labirinto dos vivos e dos mortos. Nos induz de maneira um tanto estranha, mas eficiente, do ponto de vista narrativo. No cemitério, o maior dos labirintos, o Sr. José caminha por longas horas em sua solitária busca. Cansa-se e adormece. Tem um sonho. "sonho estranho, enigmático." Desperta "angustiado, alagado de suor." Sonha com um pastor de ovelhas que zela pelos mortos, uma espécie de Omulu, que eventualmente muda os números das tumbas.
Penso: em várias religiões, profanar os campos sagrados dos mortos dá uma encrenca danada no além. Saramago vai ao limite para provar-nos o caos onde estamos imersos. Nas palavras do pastor: "Se for certo, como é minha convicção, que as pessoas se suicidam porque não querem ser encontradas, [ assim ], ficaram definitivamente livres de importunações."
Chega-se ao fim do livro sem saber específicamete os motivos que levaram José a investigar a vida daquela mulher. Mas, a essa altura pouco importa, pois já estamos perdidos no meio do labirinto contruído por Saramago. Após a experiência surreal, de volta à Conservatória Geral tenta retomar suas atividades. Ali, constata a cumplicidade do Conservador Geral às suas aventuras. Este lhe devolve a chave que permite o livre acesso ao grande prédio. O chefe reconhecia o absurdo onde estavam ambos imersos e talvez por isso, recentemente, sem explicações maiores, tal como no Livro de Areia de Borges, o Conservador ordenou aos funcionários a junção dos arquivos dos mortos e dos vivos, sem qualquer distinção. O chefe sabia de tudo, das visitas à casa da “senhora do rés-do-chão", à casa dos pais da moça, das investigações.... Nesse ponto o chefe da Conservatória e o pastor agem de maneira semelhante... José então pega a sua lanterna, ata o fio de Ariadne ao tornozelo e dirige-se para a escuridão dos arquivos.
Chega-se ao fim do livro sem saber específicamete os motivos que levaram José a investigar a vida daquela mulher. Mas, a essa altura pouco importa, pois já estamos perdidos no meio do labirinto contruído por Saramago. Após a experiência surreal, de volta à Conservatória Geral tenta retomar suas atividades. Ali, constata a cumplicidade do Conservador Geral às suas aventuras. Este lhe devolve a chave que permite o livre acesso ao grande prédio. O chefe reconhecia o absurdo onde estavam ambos imersos e talvez por isso, recentemente, sem explicações maiores, tal como no Livro de Areia de Borges, o Conservador ordenou aos funcionários a junção dos arquivos dos mortos e dos vivos, sem qualquer distinção. O chefe sabia de tudo, das visitas à casa da “senhora do rés-do-chão", à casa dos pais da moça, das investigações.... Nesse ponto o chefe da Conservatória e o pastor agem de maneira semelhante... José então pega a sua lanterna, ata o fio de Ariadne ao tornozelo e dirige-se para a escuridão dos arquivos.
Um livro que nos fará pensar duas vezes antes de entrar num cartório. Voilá caro K.
Música do dia. Everytime we say goodbye. John Coltrane. My Favorite Things
Achado
Pesquisa - Paulo Mendes Campos
A gaivota determinada mergulha na água
Verde. Há um tempo para o peixe
E um tempo para o pássaro
E dentro e fora do homem
Um tempo eterno de solidão.
Muitas vezes, fixando o meu olhar no morto,
Vi espaços claros, bosques, igapós,
O sumidouro de um tempo subterrâneo
(Patético, mesmo às almas menos presentes)
Vi, como se vê de um avião,
Cidades conjugadas pelo sopro do homem,
A estrada amarela, o rio barrento e torturado,
Tudo tempos de homem, vibrações de tempo,
[ vertigens.
Senti o hálito do tempo doando melancolia
Aos que envelhecem no escuro das boîtes,
Vi máscaras tendidas para o copo e para o tempo.
Com uma tensão de nervos feridos
E corações espedaçados.
Se acordamos, e ainda não é madrugada,
Sentimos o invisível fender do silêncio,
Um tempo que se ergue ríspido na escuridão.
Cascos leves de cavalos cruzam a aurora.
O tempo goteja
Como o sangue.
Os cães discursam nos quintais, e o vento,
Grande cão infeliz,
Investe contra a sombra.
O tempo é audível; também se pode ouvir a
[ eternidade.
Revirando velhos discos descobri um sem data. A capa de Athos Bulcão e poesias declamadas por Vinicius de Moraes e Paulo Mendes Campos. O achado da semana. O resto é cotidiano, contas, pressas, despedidas, OSs, nas palavras do próprio Mendes Campos... "O mundo, companheiro, de certo, não é um desenho de metafísicas magníficas, como imaginei outrora, mas um desencontro de frustrações em combate."
A gaivota determinada mergulha na água
Verde. Há um tempo para o peixe
E um tempo para o pássaro
E dentro e fora do homem
Um tempo eterno de solidão.
Muitas vezes, fixando o meu olhar no morto,
Vi espaços claros, bosques, igapós,
O sumidouro de um tempo subterrâneo
(Patético, mesmo às almas menos presentes)
Vi, como se vê de um avião,
Cidades conjugadas pelo sopro do homem,
A estrada amarela, o rio barrento e torturado,
Tudo tempos de homem, vibrações de tempo,
[ vertigens.
Senti o hálito do tempo doando melancolia
Aos que envelhecem no escuro das boîtes,
Vi máscaras tendidas para o copo e para o tempo.
Com uma tensão de nervos feridos
E corações espedaçados.
Se acordamos, e ainda não é madrugada,
Sentimos o invisível fender do silêncio,
Um tempo que se ergue ríspido na escuridão.
Cascos leves de cavalos cruzam a aurora.
O tempo goteja
Como o sangue.
Os cães discursam nos quintais, e o vento,
Grande cão infeliz,
Investe contra a sombra.
O tempo é audível; também se pode ouvir a
[ eternidade.
Revirando velhos discos descobri um sem data. A capa de Athos Bulcão e poesias declamadas por Vinicius de Moraes e Paulo Mendes Campos. O achado da semana. O resto é cotidiano, contas, pressas, despedidas, OSs, nas palavras do próprio Mendes Campos... "O mundo, companheiro, de certo, não é um desenho de metafísicas magníficas, como imaginei outrora, mas um desencontro de frustrações em combate."
Agora falando sério, preferia não falar nada que distraísse o sono difícil...
Carlos Marques, A.K.A. Karl Marx, dizia que a consciência da necessidade torna o homem livre. Nessa lógica, por razões menos econômicas que de prioridades, já não sou assinate da The Economist há pelo menos 6 meses. Tenho-a no trabalho.
Qual não foi minha surpresa ontem ao receber no correio um pequeno livrinho com a chancela da The Economist chamado “Pocket World in Figures. 2009 Edition.” Um livrinho cheio de estatísticas inúteis, frias e algumas, vez por outra, incômodas.
Maior Economia do Mundo
Estados Unidos
Japão
Alemanha
China
Reino Unido
10. Brasil
Qualidade de Vida (Desenvolvimento Humano)
Noruega
Australia
Canada
Irlanda
Brasil não aparece entre os 60 seguites
Balança de Pagamentos
Maiores ‘surpluses’
1. China
2. Japão
3. Alemanha
4. Arábia Saudita
5. Rússia
6. Noruega
23. Brasil
Agricultura
Maiores Produtores
Cereais
1. China
2. Estados Unidos
3. India
4. Brasil
Carne
1. China
2. Estados Unidos
3. Brasil
Trigo
1. União Européia
2. China
3. India
4. Estados Unidos
Açúcar
1. Brasil
2. India
3. União Européia
Sementes Oleaginosas
1. Estados Unidos
2. Brasil
3. Argentina
Consumidor de Petróleo
1. Estados Unidos
2. China
3. Rússia
4. India
11. Brasil
Maiores Reservas de Petróleo
1. Arábia Saudita
2. Irã
3. Iraque
4. Kwait
5. Emirados Àrabes
6. Rússia
7. Venezuela
8. Líbia
Educação
Primária (porcentagem). Números que excedem 100% são computados para crianças crianças fora do grupo de Educação Primária, que ainda patinam na fase primária.
1. Gabão 152
2. Serra Leoa 147
3. Ruanda 140
4. Madagascar 139
5. Brasil 137
Highest Tertiary Enrolment. Este item inclui o investimento global em educação incluindo formação técnica e Universidade.
1. Grécia
2. Finlandia
3. Coréia do Sul
4. Cuba
5. Eslovênia
6. Estados Unidos
7. Dinamarca
Performace dos Estudantes
Nível de leitura
1. Coréia do Sul
2. Finlândia
3. Hong Kong
4. Canada
Matemática
1. Finlândia
2. Hong Kong
3. Coréia do Sul
Ciências
1. Finlândia
2. Hong Kong
3. Canada
Nóbeis
Paz
1. Estados Unidos 18
2. Reino Unidos 11
3. França 9
Economia
1. Estados Unidos
2. Reino Unido
3. Noruega
Medicina
1. Estados Unidos
2. Reino Unido
3. Alemanha
Literatura
1. França
2. Estados Unidos
3. Reino Unido
4. Alemanha
5. Suécia
6. Italia e Espanha
8. Noruega Polonia Russia
Consumidores de Cinema. Total de visitantes.
1. India
2. China
3. Estados Unidos
20. Brasil
Ben-Hur, Titatic e Lord of the Rings foram os filmes que ganharam mais Oscáres na história da Academia.
Poema Didático. Paulo Mendes Campos
[...]
Sem compreender que pelo simples teorema do egoísmo a vida enganou a vida, o homem enganou o homem. Por isso, agora, organizei o meu sofrimento ao sofrimento de todos. Se multipliquei minha dor, também multipliquei minha esperança.
[...]
Qual não foi minha surpresa ontem ao receber no correio um pequeno livrinho com a chancela da The Economist chamado “Pocket World in Figures. 2009 Edition.” Um livrinho cheio de estatísticas inúteis, frias e algumas, vez por outra, incômodas.
Maior Economia do Mundo
Estados Unidos
Japão
Alemanha
China
Reino Unido
10. Brasil
Qualidade de Vida (Desenvolvimento Humano)
Noruega
Australia
Canada
Irlanda
Brasil não aparece entre os 60 seguites
Balança de Pagamentos
Maiores ‘surpluses’
1. China
2. Japão
3. Alemanha
4. Arábia Saudita
5. Rússia
6. Noruega
23. Brasil
Agricultura
Maiores Produtores
Cereais
1. China
2. Estados Unidos
3. India
4. Brasil
Carne
1. China
2. Estados Unidos
3. Brasil
Trigo
1. União Européia
2. China
3. India
4. Estados Unidos
Açúcar
1. Brasil
2. India
3. União Européia
Sementes Oleaginosas
1. Estados Unidos
2. Brasil
3. Argentina
Consumidor de Petróleo
1. Estados Unidos
2. China
3. Rússia
4. India
11. Brasil
Maiores Reservas de Petróleo
1. Arábia Saudita
2. Irã
3. Iraque
4. Kwait
5. Emirados Àrabes
6. Rússia
7. Venezuela
8. Líbia
Educação
Primária (porcentagem). Números que excedem 100% são computados para crianças crianças fora do grupo de Educação Primária, que ainda patinam na fase primária.
1. Gabão 152
2. Serra Leoa 147
3. Ruanda 140
4. Madagascar 139
5. Brasil 137
Highest Tertiary Enrolment. Este item inclui o investimento global em educação incluindo formação técnica e Universidade.
1. Grécia
2. Finlandia
3. Coréia do Sul
4. Cuba
5. Eslovênia
6. Estados Unidos
7. Dinamarca
Performace dos Estudantes
Nível de leitura
1. Coréia do Sul
2. Finlândia
3. Hong Kong
4. Canada
Matemática
1. Finlândia
2. Hong Kong
3. Coréia do Sul
Ciências
1. Finlândia
2. Hong Kong
3. Canada
Nóbeis
Paz
1. Estados Unidos 18
2. Reino Unidos 11
3. França 9
Economia
1. Estados Unidos
2. Reino Unido
3. Noruega
Medicina
1. Estados Unidos
2. Reino Unido
3. Alemanha
Literatura
1. França
2. Estados Unidos
3. Reino Unido
4. Alemanha
5. Suécia
6. Italia e Espanha
8. Noruega Polonia Russia
Consumidores de Cinema. Total de visitantes.
1. India
2. China
3. Estados Unidos
20. Brasil
Ben-Hur, Titatic e Lord of the Rings foram os filmes que ganharam mais Oscáres na história da Academia.
Poema Didático. Paulo Mendes Campos
[...]
Sem compreender que pelo simples teorema do egoísmo a vida enganou a vida, o homem enganou o homem. Por isso, agora, organizei o meu sofrimento ao sofrimento de todos. Se multipliquei minha dor, também multipliquei minha esperança.
[...]
A filha do piloto japonês( para Matsuo B.)
O piloto japonês preparava-se para o seu vôo derradeiro; ao contrário do que muitos haviam feito, despediu-se da família com estreitos abraços e lágrimas japonesas e visíveis. Crê-se que chegou a dizer:
Bem, é certo que não voltarão a ver-me!
A filha mais nova, a que menos chorava, respondeu:
Em sonhos hei-de sempre voltar a ver-te, pai.
O piloto japonês sorriu.
Ondjaki, E se Amanhã o Medo.
Carlos e Onésimo já tinham me falado dele, mas grata foi a descoberta. O escritor angolano Ondjaki deve andar pela casa dos trinta e poucos, e já tem uma penca de bons livros publicados. Grande parte de suas referências e epígrafes são de escritores, poetas e letristas de música brasileiros. Seus contos, no livro "E se Amanhã o Medo," mescla algo de fábula com hiperrealismo, como no caso do protagonista do conto "A Confissão do Acendedor de Candeeiros," um velho, que acende os lampiões da cidade e que por sua idade avançada sabe que não durará muito, mas lá pelas tantas diz...
"Durante minha vida acendi candeeiros pela simples poesia desse gesto, sendo, cada chama, um poema que eu escrevia para quem passava."
"Quando olho o céu, lhe vejo assim pintalgado de brilhos, indago-me: e eu, quem me acendeu sempre, enquanto acendi estrelas aqui na terra?"
Música do dia. Zé Inácio - por Paulo Flores
O piloto japonês preparava-se para o seu vôo derradeiro; ao contrário do que muitos haviam feito, despediu-se da família com estreitos abraços e lágrimas japonesas e visíveis. Crê-se que chegou a dizer:
Bem, é certo que não voltarão a ver-me!
A filha mais nova, a que menos chorava, respondeu:
Em sonhos hei-de sempre voltar a ver-te, pai.
O piloto japonês sorriu.
Ondjaki, E se Amanhã o Medo.
Carlos e Onésimo já tinham me falado dele, mas grata foi a descoberta. O escritor angolano Ondjaki deve andar pela casa dos trinta e poucos, e já tem uma penca de bons livros publicados. Grande parte de suas referências e epígrafes são de escritores, poetas e letristas de música brasileiros. Seus contos, no livro "E se Amanhã o Medo," mescla algo de fábula com hiperrealismo, como no caso do protagonista do conto "A Confissão do Acendedor de Candeeiros," um velho, que acende os lampiões da cidade e que por sua idade avançada sabe que não durará muito, mas lá pelas tantas diz...
"Durante minha vida acendi candeeiros pela simples poesia desse gesto, sendo, cada chama, um poema que eu escrevia para quem passava."
"Quando olho o céu, lhe vejo assim pintalgado de brilhos, indago-me: e eu, quem me acendeu sempre, enquanto acendi estrelas aqui na terra?"
Música do dia. Zé Inácio - por Paulo Flores
O homem de palavras
O discurso político eficiente, requer retórica própria. E a persuasão é uma regra básica da retórica. Aristóteles sabia disso e nos ensinou uma palavra mágica, Ethos, para definir a parte da retórica que estabelece a bona fides do orador, seja ele político ou não. Assim sendo, o camarada pode escolher caminhos diametrais para ser persuasivo, usando o Logos, o Pathos, ou ambos. Ou seja, um exemplo literário claro, já que no estamos falando de outra coisa, poderia ser expresso de três formas: Ethos ( compre meu livro por que me chamo XYZ); Logos ( compre meu livro, leia-o, pois nele há uma estória que pode te dizer algo); Pathos (compre meu livro, mesmo que não o leias, caso contrário torço o pescoço do teu bigglesworth). Evidentemente que estes caminhos são diametrais porém não excludentes.
Pode ser ilusão, mas em termos de discursos, as semelhanças entre Obama e Kennedy foram comentadas durante as eleições americanas. O poder da retórica dos dois foi alvo de comparações e, justamente, por esta capacidade de argumentar não necessariamente se tornaram presidentes, mas sem dúvida políticos notórios. Tenho 4 sisos há quase 20 anos, e não sou ingenuo em afirmar presidentes se sustentam simplesmente pela força da retórica até por que as biografias pesam e pesam muito. Há diferenças. Kennedy era filho de um especulador imobiliário em NYC, de um prevaricador que por tráfico de influências fechava negócios milionários e lavava a grana em ramos da metalurgia, importação de àlcool durante a Prohibition, e filmes para Hollywood. Quando Jack assumiu o poder, estima-se que a fortuna do pai beirava os 400 milhões de dólares. Obama é filho de universitários, um queniano e uma americana. Isso explicaria muito de sua trajetória se ele continuasse sendo apenas um advogado de direitos civis, ou apenas um brilhante e dedicado presidente de Harvard. Mas não, o camarada tornou-se aos 34 anos escritor sensível com Dreams of My Father, presidente e mito aos quarenta e poucos anos.
No nível retórico, estou sinceramente curioso para ouvir as palavras de Obama em seu discurso de posse já que os discursos de posse imprimem as marcas pessoais dos presidentes. Como se fossem os selos que suas administrações mostrarão. Portanto, são diferentes dos discuros de camapanha. Até por que o discurso de campanha é um, o discurso inaugural é outro, e os discursos no poder são outros – estes sim diametralmente diferentes dos dois anteriores. Analisar os discursos de posse dos presidentes pode ser diletantismo mas é um exercício interessante. Kennedy disse em 1961:
“[...] não perguntem o que o seu país pode fazer por vocês, perguntem o que vocês podem fazer por seu país. Cidadãos do mundo, não perguntem o que os Estados Unidos podem fazer por vocês, e sim o que podemos fazer juntos pela liberdade"
Estes eram tempos de Eisenhower, da Guerra Fria, da neurose anti-comunista. Os americanos ainda não tinham ido para o Vietnã e a política da Détente nem era sonho.
Eu ainda podia citar mais dois exemplos de discursos clássicos recentes. Um deles o de Reagan em 1981: "Na atual crise, o Estado não é a solução para nosso problema; o Estado é o problema". Estes eram tempos da Dama de Ferro, monetarismo, fim dos programas socias, da Guerra nas Estrelas, da onda New Wave e de muitas outras coisas esquisitas.
Ainda nessa linha poderiamos citar o discurso de posse deste que sai – o qual me recuso pronunciar o nome. Em sua segunda posse, em 2005 disse:
"A política dos Estados Unidos é apoiar a expansão dos movimentos e instituições democráticas em todos os países e culturas, com o objetivo último de pôr fim à tirania em nosso mundo[...]"
“[...] pois enquanto regiões inteiras do planeta fervilharem em ressentimento e tirania inclinadas a ideologias que alimentam o ódio e perdoam o assassinato, a violência gerará e multiplicará seu poder destrutivo, cruzará as mais defendidas fronteiras e representará sempre uma ameaça mortal. Existe apenas uma força na história capaz de pôr fim ao reino do ódio e do ressentimento, de expor as pretensões dos tiranos e recompensar as esperanças das pessoas decentes e tolerantes, e é a força da liberdade humana[…]”.
Estes foram tempos de torturas de Abu Ghraib televisionadas, relatórios falsos na Assembléia Geral da ONU televisionados, enforcamento de tiranos televisionados, e uma grande apatia por parte dos telespectadores. Um Logos sem Ethos. Um Pathos com o Logos de manipular as emoções da audiência.
Em poucas horas Obama fará seu discurso de posse. Vai dar tudo certo. Eu também hope .
Pode ser ilusão, mas em termos de discursos, as semelhanças entre Obama e Kennedy foram comentadas durante as eleições americanas. O poder da retórica dos dois foi alvo de comparações e, justamente, por esta capacidade de argumentar não necessariamente se tornaram presidentes, mas sem dúvida políticos notórios. Tenho 4 sisos há quase 20 anos, e não sou ingenuo em afirmar presidentes se sustentam simplesmente pela força da retórica até por que as biografias pesam e pesam muito. Há diferenças. Kennedy era filho de um especulador imobiliário em NYC, de um prevaricador que por tráfico de influências fechava negócios milionários e lavava a grana em ramos da metalurgia, importação de àlcool durante a Prohibition, e filmes para Hollywood. Quando Jack assumiu o poder, estima-se que a fortuna do pai beirava os 400 milhões de dólares. Obama é filho de universitários, um queniano e uma americana. Isso explicaria muito de sua trajetória se ele continuasse sendo apenas um advogado de direitos civis, ou apenas um brilhante e dedicado presidente de Harvard. Mas não, o camarada tornou-se aos 34 anos escritor sensível com Dreams of My Father, presidente e mito aos quarenta e poucos anos.
No nível retórico, estou sinceramente curioso para ouvir as palavras de Obama em seu discurso de posse já que os discursos de posse imprimem as marcas pessoais dos presidentes. Como se fossem os selos que suas administrações mostrarão. Portanto, são diferentes dos discuros de camapanha. Até por que o discurso de campanha é um, o discurso inaugural é outro, e os discursos no poder são outros – estes sim diametralmente diferentes dos dois anteriores. Analisar os discursos de posse dos presidentes pode ser diletantismo mas é um exercício interessante. Kennedy disse em 1961:
“[...] não perguntem o que o seu país pode fazer por vocês, perguntem o que vocês podem fazer por seu país. Cidadãos do mundo, não perguntem o que os Estados Unidos podem fazer por vocês, e sim o que podemos fazer juntos pela liberdade"
Estes eram tempos de Eisenhower, da Guerra Fria, da neurose anti-comunista. Os americanos ainda não tinham ido para o Vietnã e a política da Détente nem era sonho.
Eu ainda podia citar mais dois exemplos de discursos clássicos recentes. Um deles o de Reagan em 1981: "Na atual crise, o Estado não é a solução para nosso problema; o Estado é o problema". Estes eram tempos da Dama de Ferro, monetarismo, fim dos programas socias, da Guerra nas Estrelas, da onda New Wave e de muitas outras coisas esquisitas.
Ainda nessa linha poderiamos citar o discurso de posse deste que sai – o qual me recuso pronunciar o nome. Em sua segunda posse, em 2005 disse:
"A política dos Estados Unidos é apoiar a expansão dos movimentos e instituições democráticas em todos os países e culturas, com o objetivo último de pôr fim à tirania em nosso mundo[...]"
“[...] pois enquanto regiões inteiras do planeta fervilharem em ressentimento e tirania inclinadas a ideologias que alimentam o ódio e perdoam o assassinato, a violência gerará e multiplicará seu poder destrutivo, cruzará as mais defendidas fronteiras e representará sempre uma ameaça mortal. Existe apenas uma força na história capaz de pôr fim ao reino do ódio e do ressentimento, de expor as pretensões dos tiranos e recompensar as esperanças das pessoas decentes e tolerantes, e é a força da liberdade humana[…]”.
Estes foram tempos de torturas de Abu Ghraib televisionadas, relatórios falsos na Assembléia Geral da ONU televisionados, enforcamento de tiranos televisionados, e uma grande apatia por parte dos telespectadores. Um Logos sem Ethos. Um Pathos com o Logos de manipular as emoções da audiência.
Em poucas horas Obama fará seu discurso de posse. Vai dar tudo certo. Eu também hope .
Ansiedade da Influência
A revista Granta 104, vem com este número todo dedicado ao tema da paternidade. Num dos artigos, um fantástico e emocionante de Siri Hustvedt, falando das complexidades das relações familiares e da fragilidade de crescer como mulher mesmo sendo oriunda de uma família liberal de Minnesota. Fala abertamente dos paradoxos sobre a educação de sua filha com Paul Auster - o que nos faz parecer um pouco como o Daniel Quinn - , sem panfletismo tampouco proselitismos feministas. Ela escreve tão bem, que deixa-nos uma sensação de placidez sem perder a força feminina.
Eventualmente tentarei traduzir alguns trechos. Por agora, um video do Auster lendo seu último livro, onde a culpa sobre a qualidade da imagem e do audio é toda minha.
Eventualmente tentarei traduzir alguns trechos. Por agora, um video do Auster lendo seu último livro, onde a culpa sobre a qualidade da imagem e do audio é toda minha.
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