O homem de palavras

O discurso político eficiente, requer retórica própria. E a persuasão é uma regra básica da retórica. Aristóteles sabia disso e nos ensinou uma palavra mágica, Ethos, para definir a parte da retórica que estabelece a bona fides do orador, seja ele político ou não. Assim sendo, o camarada pode escolher caminhos diametrais para ser persuasivo, usando o Logos, o Pathos, ou ambos. Ou seja, um exemplo literário claro, já que no estamos falando de outra coisa, poderia ser expresso de três formas: Ethos ( compre meu livro por que me chamo XYZ); Logos ( compre meu livro, leia-o, pois nele há uma estória que pode te dizer algo); Pathos (compre meu livro, mesmo que não o leias, caso contrário torço o pescoço do teu bigglesworth). Evidentemente que estes caminhos são diametrais porém não excludentes.

Pode ser ilusão, mas em termos de discursos, as semelhanças entre Obama e Kennedy foram comentadas durante as eleições americanas. O poder da retórica dos dois foi alvo de comparações e, justamente, por esta capacidade de argumentar não necessariamente se tornaram presidentes, mas sem dúvida políticos notórios. Tenho 4 sisos há quase 20 anos, e não sou ingenuo em afirmar presidentes se sustentam simplesmente pela força da retórica até por que as biografias pesam e pesam muito. Há diferenças. Kennedy era filho de um especulador imobiliário em NYC, de um prevaricador que por tráfico de influências fechava negócios milionários e lavava a grana em ramos da metalurgia, importação de àlcool durante a Prohibition, e filmes para Hollywood. Quando Jack assumiu o poder, estima-se que a fortuna do pai beirava os 400 milhões de dólares. Obama é filho de universitários, um queniano e uma americana. Isso explicaria muito de sua trajetória se ele continuasse sendo apenas um advogado de direitos civis, ou apenas um brilhante e dedicado presidente de Harvard. Mas não, o camarada tornou-se aos 34 anos escritor sensível com Dreams of My Father, presidente e mito aos quarenta e poucos anos.

No nível retórico, estou sinceramente curioso para ouvir as palavras de Obama em seu discurso de posse já que os discursos de posse imprimem as marcas pessoais dos presidentes. Como se fossem os selos que suas administrações mostrarão. Portanto, são diferentes dos discuros de camapanha. Até por que o discurso de campanha é um, o discurso inaugural é outro, e os discursos no poder são outros – estes sim diametralmente diferentes dos dois anteriores. Analisar os discursos de posse dos presidentes pode ser diletantismo mas é um exercício interessante. Kennedy disse em 1961:


“[...] não perguntem o que o seu país pode fazer por vocês, perguntem o que vocês podem fazer por seu país. Cidadãos do mundo, não perguntem o que os Estados Unidos podem fazer por vocês, e sim o que podemos fazer juntos pela liberdade"


Estes eram tempos de Eisenhower, da Guerra Fria, da neurose anti-comunista. Os americanos ainda não tinham ido para o Vietnã e a política da Détente nem era sonho.

Eu ainda podia citar mais dois exemplos de discursos clássicos recentes. Um deles o de Reagan em 1981: "Na atual crise, o Estado não é a solução para nosso problema; o Estado é o problema". Estes eram tempos da Dama de Ferro, monetarismo, fim dos programas socias, da Guerra nas Estrelas, da onda New Wave e de muitas outras coisas esquisitas.

Ainda nessa linha poderiamos citar o discurso de posse deste que sai – o qual me recuso pronunciar o nome. Em sua segunda posse, em 2005 disse:


"A política dos Estados Unidos é apoiar a expansão dos movimentos e instituições democráticas em todos os países e culturas, com o objetivo último de pôr fim à tirania em nosso mundo[...]"


“[...] pois enquanto regiões inteiras do planeta fervilharem em ressentimento e tirania inclinadas a ideologias que alimentam o ódio e perdoam o assassinato, a violência gerará e multiplicará seu poder destrutivo, cruzará as mais defendidas fronteiras e representará sempre uma ameaça mortal. Existe apenas uma força na história capaz de pôr fim ao reino do ódio e do ressentimento, de expor as pretensões dos tiranos e recompensar as esperanças das pessoas decentes e tolerantes, e é a força da liberdade humana[…]”.



Estes foram tempos de torturas de Abu Ghraib televisionadas, relatórios falsos na Assembléia Geral da ONU televisionados, enforcamento de tiranos televisionados, e uma grande apatia por parte dos telespectadores. Um Logos sem Ethos. Um Pathos com o Logos de manipular as emoções da audiência.

Em poucas horas Obama fará seu discurso de posse. Vai dar tudo certo. Eu também hope .

2 comentários:

Barros (RBA) disse...

Chico,
Excelente artigo!
Não tenho tanta esperança quanto você. Em geral na política, acabamos nos decepcionando quando a hora da verdade chega. A retórica se mostra apenas como um belo embrulho de presente, que não condiz com o conteúdo.

ilusão da semelhança disse...

Caro Barros, eu tampouco tenho muita esperança, especialmente pensado em termos historicos. Mas os anos da admnistracao anterior foram tao nefastos e o cara ja chega ao poder encapsulado.

Rapaz eu escrevi isso no sabado pela tarde, mas esqueci de postar a coisa (ainda estou engatinhando nesse negocio de blog). Nem tinha ideia do que ele ia dizer...mas vendo-o ontem discursando, percebo que ele tem todas as armas da retorica. Vamos ver na hora da verdade!