Eu Apertei a Mão do Paul Auster, Portanto Ele é Real


Paul Auster esteve na Politics and Prose na quinta-feira passada para apresentar seu novo livro: Man in the Dark. Auster é um camarada simpático e bem humorado. Assim que chegou fez uma piada indagando, com a voz rascada por anos de nicotina, o que tanta gente fazia ali numa tarde tão ensolarada, perdendo seu tempo para escutar um escritor sombrio. E logo em seguida fez uma leitura de quase uma hora de algumas partes de seu novo livro.
Desta vez o protagonista não é o cão de Timbuktu que narra o definhamento de seu dono. Tampouco, Auster tenta reinventar aspectos da Trilogia de Nova Iorque e de seu protagonista Daniel Quinn. Na Trilogia, Quinn, se me lembro bem, era um homem interessado na vida do escritor Paul Auster e de sua mulher Siri - que na vida real se chama Siri Hustvedt. Sobre ele Auster escreve: " O que interessa sobre as estórias que escreve não tem relação com o mundo, mas com suas outras estórias." Essa confusão meio sacana, proposital e absolutamente atrativa de níveis, protagonistas, antagonistas, e realidade com ficção, também se viu em Leviathan quando Auster introduz as personagens Iris - anagrama de Siri - e o escritor apresentado apenas por P.A..
Desta vez, não. Desta vez, pelo menos que eu me lembre, os personagens não são reinvenções espelhadas. São novos. August Brill é um homem de 72 anos e como outros de seus personagens, um homem solitário, lacônico e ambivalente . O protagonista é um escritor e crítico literário premiado pelo Pulitzer. Sofre de insônias, e enquanto rola na cama, conta a si mesmo histórias tentando esquecer coisas que prefere não lembrar, tais como a perda da mulher. Ora é um velho mágico aposentado, ora um soldado, hora um homem que cresce dentro de um buraco. Interessante: o homem no buraco é Owen Brick, o filho de um mágico que é lançado de sua casa em NY para o meio de uma guerra civil ambientada após o colapso do sistema democrático decorrente da eleição fraudulenta que lançou os Estados Unidos numa guerra após a eleição de George Bush. Nesse cenário, o World Trade Center ainda está lá, as cidades americanas vão sendo abandonadas por uma crise econômica, e a guerra é inevitável.
August Brill, após um acidente que inutilizou uma de suas pernas, está se recuperando na casa da filha em Vermont. Tem por companhia a filha e a neta, uma estudante de cinema que também se recupera do trauma de ter deixado a Escola de cinema em NY, após o acidente do namorado. E tudo se passa numa noite de insônia. Aliás, diga-se de passagem, os diálogos entre o velho e a neta sobre os filmes de sua predileção são um capítulo à parte para quem gosta de cinema e literatura.... Brill e a neta assistem alguns clássicos - Ladrões de Bicicleta, de Vittorio De Sica; A Grande Ilusão, de Jean Renoir; O Mundo de Apu, de Satyajit Ray; e Era Uma Vez Em Tóquio, de Yasujiro Ozu. Auster então faz uma reflexão - a la Saramago em Objeto-Quase - de sobre como, em todos esses filmes, simples objetos inanimados servem para expressar as emoções humanas. Enquanto isso, Owen Brick é resgatado do buraco por um soldado e tem como missão, a partir de agora, assassinar o homem responsável pela perversidade de deixá-lo naquele claustro. O responsável? Se alguém ainda lembra: August Brill.
Nos últimos anos, Auster anda preocupadíssimo com a morte e parece que a temática, apenas a temática, deve girar em torno do Viagens no Scriptorium - um dos mais fraquinhos dele . Mas este, me parece que deve trazer de volta algo do A Trilogia de Nova Iorque".
Bem, de qualquer maneira, vai por mim: tenho quase certeza que Paul Auster existe.

Um trecho:

"Estou sozinho no escuro, o mundo dá voltas dentro da minha cabeça, enquanto enfrento mais um ataque de insônia, mais uma noite branca neste vasto deserto americano. No andar de cima, minha filha e minha neta estão dormindo em seus quartos, cada uma sozinha. Miriam, de quarenta e sete anos, minha filha única, dorme sozinha há cinco anos, e Katya, de vinte e três, filha única de Miriam, que antes dormia com um rapaz chamado Titus Small, mas Titus morreu e agora Katya dorme sozinha, com o coração partido."

Música do dia: Bachianas No. 5. Egberto Gismonti - Trem Caipira.


2 comentários:

Alexandre Kovacs disse...

O trecho que você destacou tem um tom de Coetzee, não acha? Vamos aguardar este lançamento para conferir se Auster conseguirá voltar ao nível da Trilogia. Boa postagem!

ilusão da semelhança disse...

Fala kovacs, sim parece que o o Auster volta com outros personagens. MAs nao sei se volta com a forca do Trilogia, nao.