Eu?

Tudo não passa de uma grande Ilusão equívoco. Já escrevi às partes litigantes, esclarecendo que Miguel não sou eu, nem eu sou você, nem nós somos quem pensamos ser, e que acima de tudo, depois de ler a Artaud e Beckett, eu realmente não sou eu. Enfim, de minha parte, inopinado, os perdões de prache pelo estelionato equivocado.



Peace

Não pretendo contestar a opinião da Academia. Acredito na separação entre o Estado e a Igreja. Acredito na civilização e no Ocidente, pois sinceramente, prefiro viver no Ocidente e por que foi nele que aprendi as parcas e contraditórias noções Iluministas. Mas a filha do Will Smith – que pela cara, não entendia nada do que o discursante falava - dormia enquanto, a certa altura, a Princesa Magdalena apertou a mão do consorte, e assoou o nariz. Não sabiamos que estava chorando.




A patuléia, evidentemente, a malta aplaudiu quando foi dito, “we lose ourselves when we compromise the very ideals that we fight to defend,” mas eu vi com os olhos que a terra há de comer a hesitação do Secretário da Academia, que engolia em seco e mostrava com olhos relutantes a besteria que fizeram ao nomear o puérpere Nobel da Paz. Os pormenores lhe escaparam e ele se deu conta tarde demais pois a pessoa que recebeu o Nobel desse ano, ainda que tenha evocado a Liga das Nações, a Convenção de Genebra e a Cruz Vermelha, fez um discurso duro e usou a palavra Diplomacia apenas uma vez. Preferiu desviar das razões do Just War para enfatizar uma tal de  Just Peace. Por quê? Simples. O discurso da justificação moral da guerra não foi um discurso  para o mundo e sim o de um presidente  que, pressionado pela direita feroz,  já dá sinais de fraqueza perante seu povo. Ora, caso contrário, não justificaria a violência com a retórica do princípio da auto-defesa, que serve, nas atuais circunstâncias, aos que já estão armados. E bem armados no sentido lockeano.  Just War  para mim tem o odor similar do caldo requentado do Preemptive strike.




O Secretário e a Comissão julgadora da Academia não sabiam disso? Logicamente que sabiam. E é bem verdade que o Nobel da Paz, ou seja, a pessoa agraciada com o Prêmio Nobel da Paz,  chegou ao poder não com a promessa de acabar com a Guerra, é bem verdade.  Mas, com a vaga promessa de tornar o mundo mais justo perante o mundo sem regras criado por seu antecessor. Entretanto,  não o fez.....




Foi lúcido, entretanto, ele, inopinado, ter evocado Kant ao dizer que há duas verdades irreconciliáveis em sua ação política para a Guerra: A Necessidade da Guerra x A Guerra como Expressão da Decadência Humana. A diferenciação serviu para ilustrar a angústia e o peso de decisões difíceis. Sua decisão de enviar mais tropas para o Afeganistão. Uma decisão que no fim das contas não apaga as evidências contidas nos fatos.


Evidências: Passou um ano. A retórica bondosa e evangelista continua. Não há um acordo mínimo para a violência entre Israel e as autoridades palestinas. A América Latina continua sendo nada para governos Democratas – vide Honduras. O Afeganistão agoniza com a chegada, hoje, de mais 7 mil soldados da OTAN - 30 mil no total. Guantanamo não fechou, e se fechar só muda de CEP,  pois os suspeitos de terrorismo continuarão presos sem a protecção da lei e à margem dos tribunais. Ou seja, tudo do mesmo.





Por fim, entre enganos e arrependimentos, o discurso agradará certemente aos cientistas politicos, com a frase: “The non-violence practiced by men like Gandhi and King may not have been practical or possible in every circumstance, but the love that they preached – their faith in human progressmust always be the North Star that guides us on our journey. O discurso também agradou a plebe presente que aplaudia entusiasmada, fez tremer as princezinhas e dormir os bois e as crianças. Mas não havia nada de ingenuidade, pois mirando em Clausewitz, acertou em cheio no bom senso.  Fidel pode não estar totalmente enganado....pois afinal  não foi Cesar quem proclamou a Paz através da Vitória?





Fogo Amigo

 E por falar em filmes...


Ponto 
Artigo de Cesar Benjamin
Sexta-feira, Novembro 27, 2009

"Os filhos do Brasil"
A PRISÃO na Polícia do Exército da Vila Militar, em setembro de 1971, era especialmente ruim: eu ficava nu em uma cela tão pequena que só conseguia me recostar no chão de ladrilhos usando a diagonal. A cela era nua também, sem nada, a menos de um buraco no chão que os militares chamavam de "boi"; a única água disponível era a da descarga do "boi". Permanecia em pé durante as noites, em inúteis tentativas de espantar o frio. Comia com as mãos. Tinha 17 anos de idade.
Um dia a equipe de plantão abriu a porta de bom humor. Conduziram-me por dois corredores e colocaram-me em uma cela maior onde estavam três criminosos comuns, Caveirinha, Português e Nelson, incentivados ali mesmo a me usar como bem entendessem. Os três, porém, foram gentis e solidários comigo. Ofereceram-me logo um lençol, com o qual me cobri, passando a usá-lo nos dias seguintes como uma toga troncha de senador romano.
Oriundos de São Paulo, Caveirinha e Português disseram-me que "estavam pedidos" pelo delegado Sérgio Fleury, que provavelmente iria matá-los. Nelson, um mulato escuro, passava o tempo cantando Beatles, fingindo que sabia inglês e pedindo nossa opinião sobre suas caprichadas interpretações. Repetia uma ideia, pensando alto: "O Brasil não dá mais. Aqui só tem gente esperta. Quando sair dessa, vou para o Senegal. Vou ser rei do Senegal".
Voltei para a solitária alguns dias depois. Ainda não sabia que começava então um longo período que me levou ao limite.
Vegetei em silêncio, sem contato humano, vendo só quatro paredes -"sobrevivendo a mim mesmo como um fósforo frio", para lembrar Fernando Pessoa- durante três anos e meio, em diferentes quartéis, sem saber o que acontecia fora das celas. Até que, num fim de tarde, abriram a porta e colocaram-me em um camburão. Eu estava sendo transferido para fora da Vila Militar. A caçamba do carro era dividida ao meio por uma chapa de ferro, de modo que duas pessoas podiam ser conduzidas sem que conseguissem se ver. A vedação, porém, não era completa. Por uma fresta de alguns centímetros, no canto inferior à minha direita, apareceram dedos que, pelo tato, percebi serem femininos.
Fiquei muito perturbado (preso vive de coisas pequenas). Há anos eu não via, muito menos tocava, uma mulher. Fui desembarcado em um dos presídios do complexo penitenciário de Bangu, para presos comuns, e colocado na galeria F, "de alta periculosia", como se dizia por lá. Havia 30 a 40 homens, sem superlotação, e três eram travestis, a Monique, a Neguinha e a Eva. Revivi o pesadelo de sofrer uma curra, mas, mais uma vez, nada ocorreu. Era Carnaval, e a direção do presídio, excepcionalmente, permitira a entrada de uma televisão para que os detentos pudessem assistir ao desfile.
Estavam todos ocupados, torcendo por suas escolas. Pude então, nessa noite, ter uma longa conversa com as lideranças do novo lugar: Sapo Lee, Sabichão, Neguinho Dois, Formigão, Ari dos Macacos (ou Ari Navalhada, por causa de uma imensa cicatriz que trazia no rosto) e Chinês. Quando o dia amanheceu éramos quase amigos, o que não impediu que, durante algum tempo, eu fosse submetido à tradicional série de "provas de fogo", situações armadas para testar a firmeza de cada novato.
Quando fui rebatizado, estava aceito. Passei a ser o Devagar. Aos poucos, aprendi a "língua de congo", o dialeto que os presos usam entre si para não serem entendidos pelos estranhos ao grupo.
Com a entrada de um novo diretor, mais liberal, consegui reativar as salas de aula do presídio para turmas de primeiro e de segundo grau. Além de dezenas de presos, de todas as galerias, guardas penitenciários e até o chefe de segurança se inscreveram para tentar um diploma do supletivo. Era o que eu faria, também: clandestino desde os 14 anos, preso desde os 17, já estava com 22 e não tinha o segundo grau. Tornei-me o professor de todas as matérias, mas faria as provas junto com eles.
Passei assim a maior parte dos quase dois anos que fiquei em Bangu. Nos intervalos das aulas, traduzia livros para mim mesmo, para aprender línguas, e escrevia petições para advogados dos presos ou cartas de amor que eles enviavam para namoradas reais, supostas ou apenas desejadas, algumas das quais presas no Talavera Bruce, ali ao lado. Quanto mais melosas, melhor.
Como não havia sido levado a julgamento, por causa da menoridade na época da prisão, não cumpria nenhuma pena específica. Por isso era mantido nesse confinamento semiclandestino, segregado dos demais presos políticos. Ignorava quanto tempo ainda permaneceria nessa situação.
Lembro-me com emoção -toda essa trajetória me emociona, a ponto de eu nunca tê-la compartilhado- do dia em que circulou a notícia de que eu seria transferido. Recebi dezenas de catataus, de todas as galerias, trazidos pelos próprios guardas. Catatau, em língua de congo, é uma espécie de bilhete de apresentação em que o signatário afiança a seus conhecidos que o portador é "sujeito-homem" e deve ser ajudado nos outros presídios por onde passar.
Alguns presos propuseram-se a organizar uma rebelião, temendo que a transferência fosse parte de um plano contra a minha vida. A essa altura, já haviam compreendido há muito quem eu era e o que era uma ditadura.
Eu os tranquilizei: na Frei Caneca, para onde iria, estavam os meus antigos companheiros de militância, que reencontraria tantos anos depois. Descumprindo o regulamento, os guardas permitiram que eu entrasse em todas as galerias para me despedir afetuosamente de alunos e amigos. O Devagar ia embora.
*
São Paulo, 1994. Eu estava na casa que servia para a produção dos programas de televisão da campanha de Lula. Com o Plano Real, Fernando Henrique passara à frente, dificultando e confundindo a nossa campanha.

Nesse contexto, deixei trabalho e família no Rio e me instalei na produtora de TV, dormindo em um sofá, para tentar ajudar. Lá pelas tantas, recebi um presente de grego: um grupo de apoiadores trouxe dos Estados Unidos um renomado marqueteiro, cujo nome esqueci. Lula gravava os programas, mais ou menos, duas vezes por semana, de modo que convivi com o americano durante alguns dias sem que ele houvesse ainda visto o candidato.

Dizia-me da importância do primeiro encontro, em que tentaria formatar a psicologia de Lula, saber o que lhe passava na alma, quem era ele, conhecer suas opiniões sobre o Brasil e o momento da campanha, para então propor uma estratégia. Para mim, nada disso fazia sentido, mas eu não queria tratá-lo mal. O primeiro encontro foi no refeitório, durante um almoço.

Na mesa, estávamos eu, o americano ao meu lado, Lula e o publicitário Paulo de Tarso em frente e, nas cabeceiras, Espinoza (segurança de Lula) e outro publicitário brasileiro que trabalhava conosco, cujo nome também esqueci. Lula puxou conversa: "Você esteve preso, não é Cesinha?" "Estive." "Quanto tempo?" "Alguns anos...", desconversei (raramente falo nesse assunto). Lula continuou: "Eu não aguentaria. Não vivo sem boceta".

Para comprovar essa afirmação, passou a narrar com fluência como havia tentado subjugar outro preso nos 30 dias em que ficara detido. Chamava-o de "menino do MEP", em referência a uma organização de esquerda que já deixou de existir. Ficara surpreso com a resistência do "menino", que frustrara a investida com cotoveladas e socos.

Foi um dos momentos mais kafkianos que vivi. Enquanto ouvia a narrativa do nosso candidato, eu relembrava as vezes em que poderia ter sido, digamos assim, o "menino do MEP" nas mãos de criminosos comuns considerados perigosos, condenados a penas longas, que, não obstante essas condições, sempre me respeitaram.

O marqueteiro americano me cutucava, impaciente, para que eu traduzisse o que Lula falava, dada a importância do primeiro encontro. Eu não sabia o que fazer. Não podia lhe dizer o que estava ouvindo. Depois do almoço, desconversei: Lula só havia dito generalidades sem importância. O americano achou que eu estava boicotando o seu trabalho. Ficou bravo e, felizmente, desapareceu.

*
Dias depois de ter retornado para a solitária, ainda na PE da Vila Militar, alguém empurrou por baixo da porta um exemplar do jornal "O Dia". A matéria da primeira página, com direito a manchete principal, anunciava que Caveirinha e Português haviam sido localizados no bairro do Rio Comprido por uma equipe do delegado Fleury e mortos depois de intensa perseguição e tiroteio. Consumara-se o assassinato que eles haviam antevisto.

Nelson, que amava os Beatles, não conseguiu ser o rei do Senegal: transferido para o presídio de Água Santa, liderou uma greve de fome contra os espancamentos de presos e perseverou nela até morrer de inanição, cerca de 60 dias depois. Seu pai, guarda penitenciário, servia naquela unidade.

Neguinho Dois também morreu na prisão. Sapo Lee foi transferido para a Ilha Grande; perdi sua pista quando o presídio de lá foi desativado. Chinês foi solto e conseguiu ser contratado por uma empreiteira que o enviaria para trabalhar em uma obra na Arábia, mas a empresa mudou os planos e o mandou para o Alasca. Na última vez que falei com ele, há mais de 20 anos, estava animado com a perspectiva do embarque: "Arábia ou Alasca, Devagar, é tudo as mesmas Alemanhas!" Ele quis ir embora para escapar do destino de seu melhor amigo, o Sabichão, que também havia sido solto, novamente preso e dessa vez assassinado. Não sei o que aconteceu com o Formigão e o Ari Navalhada.

A todos, autênticos filhos do Brasil, tão castigados, presto homenagem, estejam onde estiverem, mortos ou vivos, pela maneira como trataram um jovem branco de classe média, na casa dos 20 anos, que lhes esteve ao alcance das mãos. Eu nunca soube quem é o "menino do MEP". Suponho que esteja vivo, pois a organização era formada por gente com o meu perfil. Nossa sobrevida, em geral, é bem maior do que a dos pobres e pretos.

O homem que me disse que o atacou é hoje presidente da República. É conciliador e, dizem, faz um bom governo. Ganhou projeção internacional. Afastei-me dele depois daquela conversa na produtora de televisão, mas desejo-lhe sorte, pelo bem do nosso país. Espero que tenha melhorado com o passar dos anos.

Mesmo assim, não pretendo assistir a "O Filho do Brasil", que exala o mau cheiro das mistificações. Li nos jornais que o filme mostra cenas dos 30 dias em que Lula esteve detido e lembrei das passagens que registrei neste texto, que está além da política. Não pretende acusar, rotular ou julgar, mas refletir sobre a complexidade da condição humana, justamente o que um filme assim, a serviço do culto à personalidade, tenta esconder.

CÉSAR BENJAMIN, 55, militou no movimento estudantil secundarista em 1968 e passou para a clandestinidade depois da decretação do Ato Institucional nº 5, em 13 de dezembro desse ano, juntando-se à resistência armada ao regime militar. Foi preso em meados de 1971, com 17 anos, e expulso do país no final de 1976. Retornou em 1978. Ajudou a fundar o PT, do qual se desfiliou em 1995. Em 2006 foi candidato a vice-presidente na chapa liderada pela senadora Heloísa Helena, do PSOL, do qual também se desfiliou. Trabalhou na Fundação Getulio Vargas, na Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, na Prefeitura do Rio de Janeiro e na Editora Nova Fronteira. É editor da Editora Contraponto e colunista do Jornal Folha de São Paulo.


Contra Ponto

Artigo de José Arbex Júnior

A César o que é de César
Não por acaso, a Folha de S. Paulo cedeu o espaço todo pedido por Benjamin. Cederia mais, se necessário fosse. Benjamin conhece a teoria marxista e sabe, com Gramsci, que a mídia dos patrões é o verdadeiro organizador coletivo, é o grande partido do capital. Triste é o fato de ele ter arregaçado as mangas para trabalhar por tal partido. E pior: Benjamin sabe que o falso paralelo que tentou traçar entre os predadores das prisões da ditadura e o prisioneiro Lula seria muito mais verdadeiro se, no lugar de Lula, ele colocasse os donos dos jornais para os quais hoje escreve.

Por José Arbex Jr., jornalista e escritor*, na revista Caros Amigos
Quando comecei a ler o já famoso texto de César Benjamin: “Os filhos do Brasil”, publicado pelo jornal Folha de S. Paulo em 27 de novembro, fiquei orgulhoso de ser da esquerda. E mais ainda: de ter compartilhado com o autor do texto alguns momentos emocionantes de nossa luta comum, como o final da marcha do MST para Brasília, em 1997, quando me encontrei pessoalmente com ele, pela primeira vez. Os parágrafos iniciais do texto são primorosos. Muito bem escritos, compõem uma narrativa densa, sedutora, que vai criando no leitor uma vontade de querer saber mais sobre uma história que nunca foi contada direito: a história da ditadura militar, dos porões, das torturas, das prisões, dos seres humanos condenados à ignomínia. Benjamin soube retratar com grande humanidade os seus companheiros temporários de cela. Resgatou-lhes a história, a identidade, a face profundamente humana.
Mas aí, veio a facada, o golpe inesperado, a decepção, a tristeza profunda. Benjamin relatou, no mesmo texto, uma conversa supostamente mantida com Luís Inácio Lula da Silva, em São Paulo, em 1994, durante a campanha à Presidência do Brasil. Lula teria “confessado”, então, entre amigos, que, na prisão, tentou seduzir, sem sucesso, um militante de uma organização de esquerda. Benjamin faz uma comparação entre o assédio descrito por Lula e o temor que ele mesmo, Benjamin, sentiu, quando preso, de ser “currado” por outros detentos.
Não entendi nada. Li de novo, reli, tentei buscar alguma ironia oculta, algo que justificasse, no plano do próprio texto, o absolutamente injustificável paralelo entre estupradores que pululam nas prisões brasileiras – em geral, seres humanos reduzidos a condições quase completamente animalescas pelo próprio sistema carcerário, e/ou por uma vida anterior mergulhada na mais profunda miséria econômica, ideológica e afetiva – e Lula, que não estuprou ninguém, mas que, supostamente, comentou ter sentido o desejo de manter relações sexuais com um companheiro de cela que não cedeu aos seus desejos. Não quis acreditar que alguém dotado com os recursos intelectuais de Benjamin, adquiridos ao longo de sua longa história de luta pela liberdade e pela dignidade humana, pudesse cair em um pântano tão sórdido e profundo. Mas não encontrei nada no texto de Benjamin que permitisse uma interpretação positiva. Ou melhor: encontrei “o” nada: o vazio absoluto; vazio de sentido, o vazio da total falta de perspectivas, o vazio de um rancor desmedido.
(Antes de prosseguir, esclareço logo: não sou e nunca fui “lulista”; não sou mais, já fui petista; não simpatizo com a maioria das medidas de governo adotadas por Lula, e por isso sou totalmente favorável à crítica de esquerda ao seu governo. Mais precisamente, creio que Lula pode e deve ser criticado por aquilo que fez, mas acho muito estranho ele ser atacado por aquilo que NÃO praticou.)
Vamos agora considerar, por um segundo, que Lula realmente fez o que supostamente disse ter feito. Isto é, que em dado momento tentou seduzir – seduzir, note bem, não estuprar — o colega de cela. E daí? O que se pode concluir disso? Qual seria, nesse caso, o crime de Lula? O exercício, o desejo da homossexualidade? Estaremos, então, diante de um texto homofóbico?
Ainda segundo o próprio Benjamin, como já observado, Lula teria comentado o caso numa roda de amigos. Estamos, então, diante de um gravíssimo precedente, aberto pelo próprio Benjamin. De hoje em diante, todos teremos que suspeitar dos nossos amigos, teremos que nos policiar para que nossas palavras não sejam, eventualmente, atiradas contra nós por algum “traíra”, algum “dedo duro”, algum “cagueta”, algum Judas, algum oportunista que resolva tirar proveito de uma situação de cumplicidade. Revivemos, então, a era da delação (Premiada? Que o prêmio, no caso, teria sido pago a Benjamin?), a era da intriga, da fofoca, da futrica, da artimanha, da safadeza. Que vergonha! (Isso tudo me faz lembrar a famosa oração de Marco Antônio, no brilhante texto de Shakespeare: “Poderoso César, terás então descido a tão baixo nível?”).
Benjamin utilizou a imprensa dos patrões para atacar um expoente do movimento de esquerda do Brasil. Claro, claro, claro: sempre se pode alegar que Lula não é de esquerda, como ele mesmo já disse e como eu, pessoalmente, avalio. Mas há um abismo entre considerações de caráter individual, feitas por indivíduos privados e isolados, ou mesmo por grupos e seitas, e a realidade política concreta, historicamente determinada pela luta de classes. No contexto brasileiro, em que as alternativas concretas ao governo Lula (e à sua imagem refratada Dilma Rousseff) são figuras sinistras como as de José Serra e Aécio Neves, Lula surge como um expoente à esquerda do espectro político, com algumas conseqüências importantes para a luta de classes na América Latina: por exemplo, a condução exemplar do governo brasileiro no caso de Honduras (embora feiamente chamuscada pelo desastre no Haiti), a recusa em avalizar o acordo das bases militares estadunidenses com a Colômbia e a denúncia permanente do bloqueio de Cuba. Para não mencionar o fato de que a figura de Lula, malgré lui même, inspira movimentos de resistência ao capital em todo o mundo. Disso não se conclui, automaticamente, que a esquerda deva, necessariamente, apoiar o governo Lula, ou mesmo apostar na eleição de Dilma. Ao contrário, deve aproveitar as contradições, os paradoxos e as ambigüidades para fortalecer o seu próprio campo. Mas Benjamin preferiu fortalecer as correntes representadas pelo jornal dos campos Elíseos.
Não por acaso, a Folha de S. Paulo cedeu o espaço todo pedido por Benjamin. Cederia mais, se necessário fosse. Benjamin conhece a teoria marxista e sabe, com Gramsci, que a mídia dos patrões é o verdadeiro organizador coletivo, é o grande partido do capital. Triste é o fato de ele ter arregaçado as mangas para trabalhar por tal partido. E pior: Benjamin sabe que o falso paralelo que tentou traçar entre os predadores das prisões da ditadura e o prisioneiro Lula seria muito mais verdadeiro se, no lugar de Lula, ele colocasse os donos dos jornais para os quais hoje escreve.
Todo o encanto produzido pelos primeiros parágrafos do texto de César Benjamin foi transformado em fel a partir do momento em que se instaurou a delação, o oportunismo, o absurdo. Lula não estuprou o seu companheiro de cela, mas Benjamin violentou, com alto grau de sadomasoquismo, a própria consciência e uma história repleta de glórias. Requiescate in pace.
*José Arbex Jr. é autor do excelente livro “Showrnalismo – a notícia como espetáculo”, dentre outros.


Música do dia. Profecia Final (ou No mais Profundo). Cordel de Fogo Encantado


Adeus povo, adeus árvores adeus campos
Aceitai minha despedida
Fico governando essa zona de cá por inteiro até a ponta dos trilhos em Rio Branco
e o senhor por sua vez governa
do Rio Branco até a pancada do mar
Espinhos soltos no chão
Mistérios presos no ar
Não desejei carregar esse cajado infinito
Anuncio a tua vinda
No silêncio dos cocões
Já vou, meu primeiro trago
Longe da terra primeira
A nitidez se acentua
O nevoeiro se engole
Minhas raízes caminham

Herdeiros do fim do mundo
Queimai vossa história tão mal contada

No mais profundo riacho seco
Na mais alta casa do mundo
Na vastidão do teu olho
Na pancada do segundo
Suor de santa vela acesa
A língua hóstia consagrada
Sangue vinho do meu peito
Pés andor da dor cansada


Fora das Margens




Programa de Rádio de Ophir, um de meus amigos mais talentosos. Arranjador e maestro, Ophir estuda piano desde os 5 anos de idade e recentemente teve aulas - e brigas - com Michael Finnissy. Está terminando um doutorado na University of Southampton, já passou pelo The Royal Conservatory em Haia e pela The Guildhall School of Music and Drama in London. Em todo o caso, na minha opinião, não precisa de vida acadêmica para nada. Está muito bem onde está, transmitido seu programa de rádio via internet e produzindo composições sem parar, ultrapassando o limite da margem do papel. Na última vez que nos vimos, em Bruxelas, o cara sentou ao piano e tocou música brasileira a noite toda. Literalmente, pois deixamos o bar as seis da manhã, quando o cruzamento do santo do Sinatra com o Fred Astaire baixou num inglês magricela e narigudo que resolveu nos alugar, bravos biriteiros. Só para constar, as preferências do Ophir vão de Jacques Brel, Montiverdi e Sibelius a Tom Jobim - evidentemente -, Tom Zé - para ele um gênio - e Egberto Gismonti.

Elegy


Isso de assistir ao filme sem ler o livro é um problema. Assitir um filme ruim sobre um excelente escritor é pior ainda. Ontem assisti Elegy, um filme de Isabel Coixet. Bem que minha consciência me dizia... rapaz, não faça isso... mas não, o cidadão COM O LIVRO EM CASA, decide ASSISTIR A PORCARIA DO FILME. ANTES DE LER O LIVRO! (alguém me disse um dia que escrever em Caps Lock conota insatisfação... acho que é isso).

O filme trata da adaptação de "The Dying Animal”, de Philip Roth. (Favor, ver a resenha do Alexandre Kovacs). Roth revivera neste livro David Kepesh, personagem que já fizera parte de dois de seus livros da década de 1970. Kepesh é um homem culto, na faixa dos 60 anos, que leva uma confortável vida de divorciado. Vive em Manhattan como escritor, crítico e professor universitário requisitado para programas de televisão e rádio. Apesar de seu verniz intelectualizado, Kepesh é um tipo que se cerca de um universo de relativo encapsulamento sentimental. A relação com o filho médico, inconformado com a comodidade do pai, é abrasiva pois o filho se recusa a admitir que o pai, livre das responsabilidades familiares possa viver sem culpa. Com Carolyn – aliás Patricia Clarkson! - , sua amante por mais de 20 anos, mantém uma relação de se reduz à cama. Com seu amigo, o poeta George O'Hearn, mantém uma relação utilitária de camaradagem de botequim, sem que isso implique em maiores compromentimentos intelectuais.
Tudo esta ordenado em compartimentos até que, eis que surge de repente Consuela Castillo, interpretada por Penélope Cruz. A moça jovem, culta e por cima de arriba cubana (!), vira a cabeça de Kepesh a ponto deste, pressionado por aquele papo-pra-boi-dormir de que a Consuela é moça séria parará-pão-duro, quase embarca nessa estória.

Há evidenteente alguns aspectos que condizem como o que esperaria de um protagonista de livro de Roth. Neste, no David Kepesh da tela há a culminação de um tom que já se pressente em outras obras do autor. É de certo um demolidor do establishment conservador, mas sua ação me passou  mais a impressão de um ser auto-centrado em seu mundo academicista que um inconveniente propriamente dito – apesar da cena em que sutilmente destrói o amigo George O'Hearn, em pleno habitat intelectual,  frente a um auditório inteiro.  Enfim, não me deixou a sensação de limite do intolerável vista e sentida nos protagonista de Pastoral Americana, e muito menos de um David Lurie.

O grande problema. O grande problema, para além de NÂO TER LIDO O LIVRO, é que na tela a atuação Ben Kingsley me pareceu auto-indulgente em demasia para um sexagenário tipicamente predador, cínico e viciado em sexo. Afinal, Kepesh não perde em momento algum sua aura professoral, de superior conhecedor do espaço e tempo que habita, do seu – voilá – habitus envolto em altos valores culturais ao som de Satie e das Diabelli Variations de Beethoven. Sendo assim, alguma coisa não se encaixou. Algo ficou de fora. Talvez o tempo da narrativa. Ora, não ficou muito claro para mim como Consuela, que a princípio era apenas mais uma de suas conquista de colecionador, consegue torcer a tal ponto cabeça de Kepesh tornando-o um obsessivo ciumento. Logo ela, Consuela, que me pareceu extremamente passiva e sofisticada.... E nem estou me referindo àquela remissão meio calhorda do final com a notícia do câncer, que no fundo Roth botou ali para o leitor sentir pena do "compassivo" Kepesh – mas o que estou dizendo, eu NÂO LI O LIVRO?

E para terminar... Deixo a pergunta que não quer calar... Como é que a dona Isabel Coixet escolhe para o papel de um autêntico americano novaiorquino o Ben Kingsley? Até uma criança de 5 anos sabe que um cidadão com a cara do Mahatma Gandhi não pode ser personagem de Philip Roth! Até o Danny De Vito se saíria melhor...

Enfim, parafraseando o Drummond, de tudo sempre fica um pouco... é sempre bom admirar os detalhes da beleza da Patricia Clarkson.

O Bom Velhinho

Ainda não li. Sei que, pelo que andei deletreando na crítica, o livro não é dos melhores, mas por precaução e higiene é melhor não confiar nos críticos. Por esse trecho abaixo, já sei que o protagonista aparece de passagem no conto Belinha de Ela e Outras Mulheres. Mas e daí? Lerei. Por pura reverência.




A Arte de Andar nas Ruas do Rio de Janeiro.
http://www.oseminaristaolivro.com.br/default2.asp

Shhh!

Da série de marcadores... Não tenho nada a postar...

Deixo um blog absolutamente aprazível de se ver: O Silêncio dos Livros.  Para quem gosta de ler, o que fascina nestas fotos e pinturas é a radical banalidade do cotidiano de seus leitores retratados. Nas milhares de páginas que lemos, há, inevitavelmente, a concomitante construção cuidadosa de imagens que se  formam em nossas cabeças, e a abstração de nós mesmos enquanto as formamos. Interessante que só nos damos conta disso, quando nos deparamos com imagens como esta...



Escolhi a imagem Walter Benjanim pela dificuldade que sempre se bateu para definir essa paz silenciosa dos fatos, a razão misteriosa da História. Entre ele e o livro, nesta imagem, imagino eu, há uma óbvia intimidade. Eu diria mesmo uma comunhão de entrega e desconfiança. Foi Benjamin que me ensinou com extrema delicadeza a desconfiar de tudo e acautelar-me apenas do silêncio.
Músicas do dia. Os Silêncios de  Arnaldo Antunes e Madredeus


Walter Benjamin, que se preparava para emigrar para a América, suicidou-se na fronteira franco-espanhola. Várias razões o levaram a isso. A Gestapo confiscara o seu apartamento em Paris, que continha a sua biblioteca (conseguira fazer sair da Alemanha «a metade mais importante») e muitos dos seus manuscritos; tinha bons motivos para se preocupar também com o destino dos outros manuscritos que, graças aos bons ofícios de Georges Bataille, tinham sido colocados na Biblioteca Nacional antes da sua fuga de Paris para Lourdes, na França não ocupada. Como iria ele viver sem a sua biblioteca, como podia ganhar a vida sem a vasta colecção de citações e excertos que se encontrava entre os seus manuscritos? Além disso, nada o atraía na América, onde, conforme costumava dizer, provavelmente ninguém saberia o que fazer dele além de o passearem pelo país inteiro, exibindo-o como o «último europeu». Mas a causa imediata do suicídio de Benjamim foi um azar verdadeiramente excepcional. Nos termos do armistício entre a França de Vichy e o Terceiro Reich, os refugiados da Alemanha hitleriana - les réfugiés provenant d’Allemagne, como eram oficialmente designados em França - corriam o risco de serem repatriados, o que presumivelmente só aconteceria no caso de se tratar de opositores políticos. Para salvar esta categoria de refugiados - que, sublinhe-se de passagem, nunca incluiu a massa apolítica dos judeus que mais tarde vieram a revelar-se os mais ameaçados de todos - os Estados Unidos tinham distribuído um certo número de vistos de emergência através dos seus consulados na França não ocupada. Graças aos esforços do Instituto, em Nova Iorque, Benjamim foi um dos primeiros a receber um desses vistos em Marselha. Obteve também rapidamente um visto de trânsito espanhol que lhe permitia chegar a Lisboa e embarcar aí num navio. Não dispunha, no entanto, do visto de saída francês, que nesse tempo ainda era necessário e que o Governo francês, ansioso por agradar à Gestapo, invariavelmente negava aos refugiados alemães. Em geral, isto não representava um obstáculo intransponível, pois era bem conhecida uma entrada relativamente curta e não dfícil de percorrer a pé, que atravessava a montanha até Port-Bou e que a polícia de fronteiras francesa não guardava. Ainda assim, para Benjamin, que aparentemente sofria de problemas cardíacos, a mais breve caminhada constituía um esforço enorme, e ele deve ter chegado absolutamente exausto. O pequeno grupo de refugiados em que se integrava atingiu o posto fronteiriço espanhol e soube aí que a Espanha fechara a fronteira nesse mesmo dia e que os funcionários da alfândega não aceitavam vistos emitidos em Marselha. Os refugiados teriam que regressar a França pelo mesmo caminho no dia seguinte. Durante a noite Benjamin pôs termos à sua vida, e os funcionários, impressionados com o suicídio, autorizaram os seus companheiros a seguir viagem até Portugal. Algumas semanas mais tarde, o embargo aos vistos foi revogado. Um dia antes, Benjamin teria passado a fronteira sem dificuldades; um dia depois já se saberia em Marselha que nesse momento não era possível atravessar a Espanha. Só naquele dia era possível a catástrofe.

 
Walter Benjamin, um dos "Homens de Tempos Sombrios", de Hannah Arendt

Grândola, Vila Morena

Zeca Afonso cantou essa canção pela primeira vez em Santiago de Compostela, em 1972. Dois anos depois a música serviria de senha para a Revolução dos Cravos. 


Toda a vez que ouço a música me emociono verdadeiramente.

The Examiner

Uma nova batalha começa para o Nobel Obama. O vespeiro se chama política imigratória, que é sempre a carta na manga dos conservadores para agitar as vespas da xenofobia. Tirar do banho-maria a legislação imigratória americana, que vem sendo requentada desde a era Bush, vai ser um dos desafios do presidente... do presidente que promete...


A legislação imigratória é o passo seguinte que os conservadores querem concatenar, através de lobbies e analistas políticos desonestos, para bloquear no Senado as negociações para a reforma da saúde. Mas o que uma coisa tem com a outra? Simples. Os conservadores argumentam que Obama usa clichés do credo social-democrata, que obviamente não se ajustam à tradição liberal americana, para minar as bases de sustentação da tradição liberal americana. Pode até ser. Mas como esse argumento é um tanto vago e impreciso, argumentam que a dívida pública já ultrapassa 12 trilhões de dólares e que o sistema de saúde almejado por Obama e pelos democratas, onera ainda mais os cofres públicos. O fato é que tal política  favorecerá uma faixa social com renda familiar de 30 a 50 mil dólares anuais. Nesta faixa de renda se incluem os imigrantes (legais ou ilegais, com mão de obra especializada ou não...).

Não custa perceber o porquê do embaraço de Obama com o Nobel nas mãos. E olha que nem estamos falando de política externa, ainda.

Um artigo do de hoje do The Examiner, um jornal local de circulação livre apenas nos arredores da capital de Vanuatu,  muito me deixou intrigado sobre os propósitos deste tal de M.B., autor do artigo.




Is Congress, behindhand on Barack Obama's deadlines on health care and cap-and-trade legislation, and flummoxed by the failure of the stimulus package to hold unemployment below 10.2 percent, prepared to address the immigration issue next year?

Homeland Security Secretary Janet Napolitano says it better be. The current situation, she told the Center for American Progress on Nov. 13, "is simply unacceptable." We need a "three-legged stool," with provisions to strengthen enforcement, legalize some illegal immigrants and improve "legal flows for families and workers."

This sounds a lot like the comprehensive legislation, backed by the Bush administration, that never came to a vote in the Republican House in 2006 and was rejected by the Democratic Senate in 2007. But, as Napolitano correctly noted, the facts on the ground have changed in the last two years.

Ironically, the push for legalization in 2006-07 resulted instead in stronger enforcement measures. Some 600 miles of border fence have been built, the Border Patrol has been vastly expanded and the E-Verify system for determining whether job applicants are legally in the country has shown its worth.

It's probably not a coincidence that Arizona, where E-Verify is most widely used and where Napolitano used to be governor, had a statistically significant drop in its foreign-born population percentage in 2007-08. The Obama administration may be skinning back on some enforcement procedures. But states and localities are moving forward and the momentum seems to be toward stricter enforcement of existing law.

Even more important, the flow of immigrants into the United States is slowing dramatically, and may be reversing. The Pew Hispanic Center notes that the number of immigrants from Mexico in 2008-09 is down three-quarters from four years before. The Center for Immigration Studies estimates that the number of illegals in the U.S. declined by 1.7 million, or 14 percent, in 2007-08. Government figures show that border apprehensions, a statistic that is often taken as a proxy for illegal crossings, fell 23 percent in 2008-09 from the previous year and was only one-third the number in the peak period of 2000-01.

Those numbers obviously reflect a response to deep recession as well as the effects of tougher enforcement. They suggest a much smaller immigration flow and significant reverse migration back to countries of origin in the years ahead.

The 2006 and 2007 comprehensive immigration packages were premised on different facts. An approach more in line with current realities comes from a bipartisan panel assembled by the Brookings Institution and Duke University's Kenan Institute.

The Brookings/Kenan panel would provide for legalization of less than half of current illegals, with stringent requirements and only after stepped-up workplace enforcement provisions reach stated levels of use and effectiveness. Technology should allow programs like E-Verify to screen job applicants for legal status in a way that was promised but never delivered by previous immigration laws.

In addition, the Brookings/Kenan panel urges a sharp reduction in the number of green cards for relatives beyond the nuclear family of current legal residents and a sizable increase in admissions of high-skill immigrants. This is the approach taken, with good results, by Canada and Australia, which liberalized their immigration laws after our 1965 law opened the floodgates.

These proposals address the political reality that any new immigration bill must have bipartisan support, because the issue poses dangers for both Democrats and Republicans.

Conditioning legalization on more effective enforcement procedures could give Democrats cover from attacks for supporting amnesty. They could argue, accurately, that enforcement has become more effective and that they voted to make it even tougher.

Changing admissions requirements from favoring extended family members to favoring high-skill immigrants could give Republicans cover from charges that they are anti-immigrant. They could argue that, in a time of high and extended unemployment, it makes sense to switch from admitting job seekers to admitting job creators.

The 1965 and 1986 laws resulted in a large illegal immigrant population because they promised things that proved beyond the capacity of government to deliver. Now that a combination of public indignation and high-tech ingenuity have increased government's enforcement capacity, and while the inflow of immigrants is slowing and an outflow of illegals may be accelerating, we may have reached a point when we can put in place immigration laws with enforceable limits and that encourage an influx of the kind of immigrants we need most. Can Congress act?

M. B. The Examiner's senior political analyst, can be contacted at xxx@washingtonexaminer.com. His columns appear Wednesday and Sunday, and his stories and blog posts appear on ExaminerPolitics.com.

Nosso Grão Mais Fino


Vim considerando, ao ler 'Nosso grão mais fino' que quem gosta de ler um livro com um lápis na mão, sublinhando, como eu, belas passagens, para refletí-las a posteriori quando a memória falha, terminará este livro com a sensação de que tudo é intenso na beleza rara e enigmática da escrita de José Luiz Passos. Neste livro, episódios fictícios se mesclam a outros - tais como a passagem do Zeppelin por Recife, que presumo terem realmente acontecido, haja vista as constantes alusões que o texto faz a detalhes que seriam não de todo impossível inventados por um bom manipulador de palavras como Luiz Passos é - e extravazam a capacidade simplesmente inventiva que a ficção comporta. E uma tendência, grata, da literatura atual vista já vista em Jose Luis Peixoto

'Nosso grão mais fino' centra-se na estória de Vicente Campelo e Ana Corama, dois ex-amantes que reencontram-se após longos anos de separação. Ainda que centre seu foco sobre dois personagens somos temporariamente convidados a seguir as ações da memória dos amantes supostamente incestuosos, já que não necessariamente eram relativos sanguíneos. Quando eram jovens suas vidas tomaram rumos distintos. Ana casou-se e tornou-se escritora de livros infantis. Vicente vagou pelo mundo. Agora, quando ela vive um casamento em ruínas, ambos se reencontram e tentam dar sentido às memórias do passado. Memória muitas vezes dolorosas como as da morte do pai de Ana na ocasião da passagem do Zepelim por Recife, quando ele sem razões aparentes, comete suicídio atirando-se do dirigível. Nesse exercício mnemônico de acerto de contas com o passado Vicente também tenta reconstruir a memória de sua decadente família de usineiros. Tudo, a começar pelo título, gira em torno ao processo de fabricação do açúcar, tão intensivamente injusto quanto aquele retratado nas vigorosas páginas de Casa Grande e Senzala ou nas metódicas descrições de Stuart B. Schwartz. Em tudo que circunda a usina – mesmo que o leitor jamais tenha pisado numa, como é meu caso - há algo de familiar e estranho na continuidade da força patriarcal. A paisagem canavieira e o laboratório são o pano e fundo para várias estórias rememoradas e complexa história de paixão entre Vicente e Ana onde a dissolução familiar é apenas um apêndice.

Talvez seja um livro, que em minha modesta opinião, esforce-se por criar referências aos amantes que serviram de modelo demorando-se as vezes em algumas cenas e sendo bastante breve em outras – como por exemplo a cena do suicídio de Dahirou. É uma narração que varia entre uma terceira pessoa onipresente e ao menos duas primeiras pessoas. Nos primeiros capítulos, de fato o leitor se sente confuso com a vozes, mas aos poucos vai se familiarizando com as de Vicente e Ana que vão tomando conta da narrativa, e que de fato são distintas em estilo e propósitos.

Apesar de notar que houve a franca intenção de me levar a visitar a consciência dos personagens, suas culpas, seus arrependimentos, suas lutas internas contra a atração incontrolável de um pelo outro, achei insatisfatória a insistência na taxação do affair entre Vicente Campelo e Ana Corama como um incesto. Passos evoca até mesmo Asmodeu para nos convencer do tabu. Por outro lado, este é um livro que põe em xeque qualquer tentativa de crítica, pois é necessário ao leitor contorná-la dela com extrema cautela. Não é um livro fácil, não há didatismos fáceis nas imagens e metáforas. Há nelas sim, uma fascinante pluralidade, uma abiguidade, uma lúdica riqueza que algumas vezes podem até se perder por excesso, mas jamais por imprecisão. Há poucos dias encontrei uma resenha na internet onde o resenhador dizia...”Há sempre uma palavra sobrando: uma mulher não arranha as costas do amante - ela arranha "a pele que lhe recobre as costas". O leitor será capaz de adivinhar o que é a "cicatriz do canal por onde saciou a primeira fome apegada ao fôlego do simples cordão torcido e vigoroso"? É apenas uma perífrase barroca para dizer "umbigo". Poderia até concordar, caso não tivesse acabado de ler há poucos dias um livro de Philip Roth onde o protagonistas não fazia cerimônias, não se perdia nas tais perífrases barrocas alusivas para definir sua predileção pelo esfíncter da modelo dinamarquesa com quem se casou. Tudo bem, é Roth, mas há outras maneiras de velar e desvelar. A opção do Luiz Passos foi acertada do ponto de vista estético e narrativo. Primeiro, por que narrar é um exercício constante. Segundo por que escrever literatura requer um exercício constante de linguagem.

Se não fosse por essa opção, não teríamos trechos belos como este:

Ana Corama me olha com sua visão agravada por olheiras lilases. Seu cabelo espaventoso recusa trégua. Diante dela sou eu quem se emaranha pelos sortilégios que armam à sua volta uma impressão de densa maciez [...].

Por fim, não vou entrar nas análises sobre se a obra é regionalista, se tem ecos de Freyre ou a densidade de uma prosa anti-cabralina, se a linguagem é experimental, ou se os personagens são plausíveis, pois isso é assunto para a intelligentsia. Termino o livro com a impressão de um amargor, alguma coisa de aspereza mesmo em seus grãos mais finos.

Whatever Works


Dizer que este é o filme mais auto-biográfico de Woody Allen, pode ser um exagero. Desde a década de 1960, o homem já dirigiu e escreveu mais de 40 filmes. Impossível que em cada um deles não tivesse deixado sua marca. Este último é meio decepcionante, mas o problema é que quando penso no “infeliz que deu certo” - como definiu-o brilhantemente Millor Fernandes - tenho sempre em mente Annie Hall, Manhattan e Zelig.


O enredo é bastante simples. Boris Yellnikoff, representado pelo excelente comediante Larry David, é um homem solitário e misantropo que por pura casualidade começa um romance com uma jovem do sul chamada Melodie – interepretada por Evan Rachael Wood. Boris é, segundo ele próprio, um gênio incompreendido que quase ganhou o Nobel em Física. Em sua arrogância, Boris compra-se pelo que vale e vende-se pelo que pensa que vale. O problema é que vive no prejuizo. Além disso, Boris é hipocondríaco e sofre que crises de pânico no meio da noite. Numa dessas crises tentou se suicidar se atirando de uma janela, por isso claudica. A partir do encontro de Boris e Melodie, a vida do cientista não se trasnforma nem para melhor nem para pior, mas há uma reação em cadeia, quase física ao redor dele. Melodie, que chega a se casar com Boris, encontra um outro homem. A mãe, Marieatta, conservadora e evangélica, que chega para resgatar a filha, acaba virando uma fotógrafa famosa e vivendo com dois amantes. O pai, tão evangélico como a mãe descobre que é gay, arruma um chapa e vai abrir um brechó no Chelsea. Quase previsível. Tudo morno.

Mas, lógico há cenas engraçadas. Uma pessoa mal-humarada tem sempre algo de caricato: Boris dando aulas de xadrez para crianças é algo impagável; tentando explicar coisas para uma Melodie, burrinha como uma porta; a sogra em franco bombardeio contra o casamento – mesmo depois de ter se “liberado geral” para os amigos de Boris.
No entanto, as tiradas de Allen, ditas por Larry David, tornam-se artificiais pois nem Larry David é ator, nem o que Allen escreve lhe cai bem – eu tenho uma teori de que os papéis se encaixam nos atores e não os atores escolhem os papeis. Para quem não sabe, Larry David criou uma das melhores série americanas dos últimos tempos – não, não falo de Sienfield, série da qual nem gostei tanto, falo de Curb your Enthusiasm. Na série representava um personagem chamado Larry David, um homem que se mete numa série de situações embaraçosas criadas por ele próprio. Ou seja, interpreta ele mesmo em frases curtissimas. O que um dia ja me fascinou pela verborragia de Woody Allen, parece agora que não passa de piadas requentadas e com jeito de que já vi em algum lugar, além de ser interpretada por um ator especialistas em sketches. Alias, diga-se de passagem o papel tinha sido desenhado para Zero Mostel.

É exagero dizer que é um filme auto-biográfico por dois motivos. Primeiro, a diferença de idade entre Boris e Melodie não é explorada em nenhum momento, apenas no fim da relação quando ela o troca por um valete de sotaque britânico ou australiano. Segundo, por que, com a chegada de Marietta a estória deixa de enfocar Boris, para falar dos amigos, da ex-sogra...enfim, de tudo, menos de Boris, ou de Allen, como queiram...
Em whatever works, quase nada deu certo nem o esquema de mockumentary.  Por isso ainda fico com Annie Hall, Manhattan, Hanna e suas irmãs e Zelig.


 

Everyman


Não quero divagar sobre o fascínio que Roth exerce, ao narrar fatos tão prosaicos na vida de um homem comum. Mesmo escrevendo um livro apenas razoável - que passa longe da temática da tensão entre as duas américas que o destacou. O livro começa com o enterro do homem sem nome, que poderia ser qualquer homem, pois seguindo a lógica de que a morte iguala todos, o protagonista só pode se chamar Everyman....

Around the grave in the rundown cemetery were a few of his former advertising colleagues from New York, who recalled his energy and originality and told his daughter, Nancy, what a pleasure it had been to work with him. There were also people who'd driven up from Starfish Beach, the residential retirement village at the Jersey Shore where he'd been living since Thanksgiving of 2001-the elderly to whom only recently he'd been giving art classes. And there were his two sons, Randy and Lonny, middle-aged men from his turbulent first marriage, very much their mother's children, who as a consequence knew little of him that was praiseworthy and much that was beastly and who were present out of duty and nothing more. His older brother, Howie, and his sister-in-law were there, having flown in from California the night before, and there was one of his three ex-wives, the middle one, Nancy's mother, Phoebe, a tall, very thin whitehaired woman whose right arm hung limply at her side. When asked by Nancy if she wanted to say anything, Phoebe shyly shook her head but then went ahead to speak in a soft voice, her speech faintly slurred. "It's just so hard to believe. I keep thinking of him swimming the bay-that's all. I just keep seeing him swimming the bay." And then Nancy, who had made her father's funeral arrangements and placed the phone calls to those who'd showed up so that the mourners wouldn't consist of just her mother, herself, and his brother and sister-in-law. There was only one person whose presence hadn't to do with having been invited, a heavyset woman with a pleasant round face and dyed red hair who had simply appeared at the cemetery and introduced herself as Maureen, the private duty nurse who had looked after him following his heart surgery years back. Howie remembered her and went up to kiss her cheek.

Na cerimônia, após as elegias de praxe, quando os poucos amigos e familiares lançam as últimas pás de terra sobre o caixão o narrador começa a contar a estória deste herói diferente. Everyman começa com a morte de um homem sem nome e termina com uma ladainha sobre o definhamento senil, o pior dos castigos que as Moiras nos destinam. Mesmo tergiversando e escrevedo sobre temas tão... mórbidos, Roth é ainda o velho Philip Roth. Quando li algumas resenhas sobre o livro, diziam ser Everyman um livro baseado num poema medieval... suspeito que Everyman pode ser qualquer homem por outras razões. Everyman é o nome da joalheria de seu pai erguida após a II Guerra num lugar de New Jersey chamado Elizabeth. Nunca chegou a ser um império a tal joalheria, pois a clientela era composta pelos Bruttis, sporchis e cattivis, por operários e estivadores dos portos de Jersey. Na verdade, o pai nunca se preocupara com as idéias de grandeza. Preocupava-se em fazer amigos, em vender a crédito fácil anéis de noivados com pequenos diamantes, tendo como único prazer ver os filhos crescerem, e ser chamado para os casamentos dos noivos para quem vendia suas jóias. Um homem que fazia da amizade um bem. Sua preocupação era dar aos filhos o exemplo. Os dois irmãos, portanto, como era de se esperar seguiram caminhos opostos. Um, tornou-se banqueiro, outro, nosso Everyman, ainda que não tão bem sucedido economicamente como o irmão, tornou-se publicitário famoso e realizado na profissão.

Sabe-se também que por suas, vamos dizer assim urgências sexuais, pôs por terra três casamentos - e nesse ponto se parece muito com Alex Portnoy e a Jerry Levov, personagem secundário de Pastoral Americana. É um tipo paranóico e hipocondríaco que desde pequeno entra e sai de hospitais passando por cirurgia que vão desde uma hérnia aos 9 anos à uma série de pontes safena já na idade adulta. Em tempo, hodiernamente – eta palavrinha escrota -, um tipo que representa um pesadelo ao bloco “obamacare” no Congresso (risos).

Em suma, Philip Roth insiste no tema do envelhecimento e das urgências sexuais na terceira idade. Cá pra nós uma temática meio recorrente em suas linhas ultimamente. Nesse mesmpo caminho, mantém um leve aroma presente nos livros anteriores ao idealizar a infância e ver na imagem paterna a figura do herói, e na figura do irmão uma espécie de espector protetor que causa conforto inveja ao protagonista. Agora, acrescenta um novo componente, o tema da proximidade da morte. E parece que o principal motivo que levou ao escritor que já passa dos 70 anos a escrever essa obra foi a sucessiva perda de amigos, dentre eles Saul Bellow. Inclusive, o primeiro capítulo foi escrito no dia seguinte ao funeral, onde estavam presentes o próprio Roth e Leon Wieseltier, editor literário da New Republic e amigo de Bellow.
http://www.nytimes.com/2006/04/25/books/25roth.html

O livro é uma espécie de exercício de meditação sobre a morte, e as vezes se torna meio maçante pois na tentativa de escapar do aspecto metafísico da finitude, Roth passa a descrever a morte, e o medo da morte, como um drible na dicotomia entre Tânatos e Eros, realcionando-a a algo essencialemente físico adscrito à mesa de operações. Há uma generalização exagerada na série de inúmeras intervenções cirúrgicas pelas quais o protagonista é obrigado a se submeter. Entretanto, Roth tem uma capacidade incrível de manter o fio da narrativa teso ao retratar um protagonista que chega à terceira idade solitário e frustrado, e com isso sutilmente esmagar qualquer ilusão sobre as opções que uma pessoa toma na vida, mesmo as mais banais como a de ter um caso com uma modelo sueca, sentir inveja dos companheiros de trabalho, mentir para a esposa, ou mesmo tomar um copo d´água.

Enfim, um livro que tenta nos convencer que morremos todos os dias e só nos não nos damos conta disso.

Música do dia. Carmem. Egberto Gismonti. Música de Sobrevivência.

UTNE

Revista diferente, irônica e ao mesmo tempo séria. Supostamente uma das melhores revistas da imprensa alternativa de Vanuatu. Encontrei uns números hoje na casa de um amigo, folheei e já trouxe uns 5 números antigos comigo. A tiragem é baixa, mais ou menos uns 2000 exemplares por mês, já que supostamente é uma revista para yuppies que se importam com algo no mundo.

No número desse mês dalailama está na capa apenas como eufemismo para mostrar uma lista de 50 pessoas que hoje pegam no pesado para mudar o mundo. A lista começa com o poeta Christian Bök, passando pela ativista Noah Baker que trabalha com ajuda humanitária no Iraque, a Bob Stein co-fundador do Institute for Future of the Book, e terminando a lista com Patricia van Nispen diretora da ILA Microjustice for All.

Além da lista, no mesmo número uma repostagem ótima sobre os médicos que participaram das tortura em abugraibe forjando laudos e prontuários de presos.

Recomendo. As reportagens são curtas, objetivas e bem escritas.

O Ator

Pensei em mentir, pensei em fingir,
dizer: eu tenho um tipo raro de,
estou a beira,

embora não aparente. Não aparento?
Providências: outra cor na pele,
a mais pálida; outro fundo para a foto:

nada; os braços caídos, um mel
pngente entre os dentes.
Quanto à tristeza

que a distância de você me faz,
está perfeita, fica como está: fria,
espantosa, sete dedos

em cada mão. Tudo para que seus olhos
vissem, para que seu corpo
se apiedasse do meu e, quem sabe,

sua compaixão, por um instante,
transmutasse em boca, a boca em pele,
a pele abrigando-nos da tempestade lá fora.

Daria a isso o nome de felicidade,
e morreria.
Eu tenho um tipo raro.

Eucanaã Ferraz. Cinemateca. 2008.

Muros

Lendo essa reportagem da BBC, nesta semana - onde sobra até para o Rio de Janeiro - , chego a uma conclusão gravíssima... somos todos figurantes de uma promessa sem premissas. Quem não se lembra no final da década de 80 de Reagan desafiando Gorbachev, Tear down this wall!. Vivemos a segunda metade do século XX forçados a pensar que aquele muro construído em 1961 representava a opressão. O problema é se dar conta do engano tarde, tão tarde.



http://news.bbc.co.uk/2/hi/in_depth/world/2009/walls_around_the_world/default.stm

Matias na Cidade

“Por que é que não consigo viver feito os demais?
Entre albums de famílias, bens, trens, mobília e paz”
Matias na Cidade é o primeiro livro de Alexandre Porto. Um livro ágil e veloz que narra em terceira pessoa quatro dias da vida de Matias Grappeggia. O livro nos fala de um homem aparentemente bem-sucedido, aparentemente bem casado, pais de dois filhos e que considera sua vida uma vida aparentemente equilibrada. Em suma, um homem de classe média, visível em qualquer grande centro urbano. Visto de longe, Matias inspira confiança em cada passo. Sua segurança se confunde com arrogância numa carreira profissional onde alcançou o ápice. Mas as coisas não são bem como parecem. Certo dia o protagonista desperta num quarto de motel, nu, sem dinheiro e sem memória imediata. Desde esse fatídico dia Matias torna-se um homem angustiado e aflito com a iminente perda de memória, e ao despertar após quase trinta horas de sono, tenta a todo o custo, sem sucesso, lembrar da prostituta com quem passara a noite.

Ao acorda nauseado, vomitando, mas não necessariamente bêbado, decide procurar Henrique, o médico e amigo, para uma bateria de exames detalhados a saber se havia sido intoxicado. Nesses dias passa por uma via crucis pessoal. Imagina-se gravemente doente, fragilizado, desconhece-se, definha por dentro com a sua própria condição, certifica-se que seu casamento é uma falácia e em meio ao suspense de quem seria aquela mulher misteriosa do motel, busca obsessivamente por respostas, por uma cura talvez.

Aos poucos descobrimos nos detalhes de sua vida que Matias é um cidadão desencantado com a promessa de estabiliade e felicidade conjugal. Uma pessoa distante no trato com a família, com os amigos - que apenas aparecem para fins utilitários ou políticos -, e com os empregados. Nos detalhes. No sexo. Nos detalhes do sexo com a esposa, após um jantar na casa de amigos. Na impaciência. Na relação distante com o filhos e netos. Na distância. No detalhe do bilhete deixado para a mulher anunciando que iria fazer um checkup...

“S.
Vou fazer uns exames para o meu check-up e passarei a noite na clínica do Henrique. Voltarie amanhã de manhã. Não se preocupe, não é nada sério. Beijo, M.”


Nos pequenos detalhes, em tudo arde as imagens de um para o outro. Assim, sem mais, Matias procura constantemente outras mulheres. Procurando o tempo todo encontrar alguém que bastasse para ele povoar sua solidão, luta paradoxalemente contra a falência dos planos de juventude. A infelicidade conjugal não é uma arma para ferir a mulher, ao contrário, é a maneira que Matias encontra para manter convívio com Susana, sua esposa. No convívio dos dois não há o demoronamento das grandes crises, nem a violência das grande discussões. Ele nem sequer cogita em momento algum deixá-la, e vice-versa. Nenhum dos dois quer ir embora com asco, sem olhar para trás, preferindo a hipótese de que, como diria Lygia Fagundes Telles, o amor apodreça e se torne insuportável seu cheiro. Preferem a hipocrisia da família tradicional brasileira: marido, esposa, dois filhos e respectivos amantes. Tudo em nome da paz conjugal.

Em realidade, a esse pântano conjugal agregam-se outros mistérios no decorrer dos três dias restantes. Matias descobre-se só em seu universo de conforto e consumo onde o que o incomoda de fato é a cor e o modelo de seu carro. Os resultados dos exames parciais não revelam grande coisa. Os exames finais, o autor não nos permite saber aumentando ainda mais a incógnita sobre as neuroses de Matias. Susana descobre-se grávida já perto da menopausa. No enterro de Matias, constam apenas os dois filhos e os netos, Susana, e alguns poucos.

Last but not least, encerro fazendo beiçinho literário de crítico sapiente da Folha Ilustrada dizendo que a terceira pessoa é artifício seguro que o narrador usa para manter a distância tácita entre o desprezo e a compaixão por um protagonista ‘galinha’, hipocondríaco e solitário. Artifício eficiente, também, para exibir o fio condutor do enredo relacionando as personagens a um único vínculo, e por isso talvez apresentando-as um tanto estanques, de fato, como se fossem apenas acessórios da órbita de Matias. Certamente há algum deslize para o pseudolírico nas últimas passagens quando tenta chegar a casa de Orlanda na periferia para o batizado da neta da empregada e pára inopinadamente numa birosca para tomar uma cerveja e jogar sinuca com um desconhecido. Lá encontra uma balconista de com quem transa naquela tarde esquecendo-se de todos os demais compromissos - sem dúvida uma cena inverossímil. Pergunto. Houve ou não certo exagero nessa última possibilidade de felicidade romântica? Alexandre Porto certamente diria que não. Eu acho que sim, que ele aliviou a barra do seu protagonista. Enfim...
Há de se ler, Matias na Cidade!
Nota. Esse livro vira filme. Anotem.
Música do dia. Tarzan, Filho do Alfaiate. Noel Rosa.

Versos de Vida y Muerte


H.aruzei ha-h.ayim ve-ha-mavet

Uns dias após a Organização de Direitos Humanos Anistia Internacional (AI) acusar o governo de Israel de negar aos palestinos o acesso livre à água potável, termino de ler a tradução espanhola de H.aruzei ha-h.ayim ve-ha-mavet de Amos Oz.

Versos de vida y muerte é uma novela onde nada é o que parece ser. O livro inicia com um narrador, que é um escritor, prestes a dar mais uma conferência onde imagina que o público exigirá dele frases de efeito, explicações precisas sobre a alma humana, exposições de seus métodos de trabalho... enfim tudo sobre o que ele não está absolutamente interessado em falar. Na tentativa de postergar o encontro, o autor dá voltas antes de chegar a conferência, e enquanto senta num bar e sorve um café, imagina que as pessoas à sua volta são personagens, tão ficcionais quanto suas próprias invenções. Sem dúvida uma novela muito mais leve, mas nao menos envolvente que A Tale of Love and Darkness, onde narra em forma auto-biogr’afica sua infância em Jerusalem ainda sobre o fim do Mandato Britânico sobre a Palestina e desemboca no fim tragico e chocante que é o livro.

Em Versos de vida y muerte as personagens captadas pela câmera do autor representam figuras urbanas, ao menos me pareceu, com aparência distinta diante da sociedade, mas com dramas e conflitos comuns a qualquer ser humano. Dramas que muitos tentam esconder dentro dos armários ou debaixo dos tapetes. Dessa maneira, no perfil destes é delineada uma temáticas universal, os jogos de poder entre duas pessoas inteligentes, entre um homem mais velho e experiente e uma mulher mais jovem, solitária e fragilizada. Dentre os personagens secundários que vão se formando em sua imaginação, está a garçonete Riki; dois amigos anciãos que sentem a falta do agonizante amigo Ovadia Hazzam; um redundante e infeliz jovem poeta chamadoYuval Dahán Dotán; sua musa inspiradora, uma amante da cultura Miriam Nehorait, a qual as crianças da rua a chamam de Miriam A Terrivel; um jovem da platéia que ironiza uma de suas perguntas, e por fim o próprio mediador da conferência. Para cada qual ele vai criando uma estória, medos, crenças, uma identidade própria e um destino inalienável. Na conferência, que não dura muito, felizmente, falaria de Zefaniah Bet Halahmi, um poeta já falecido que ainda em vida, ainda no tempo do processo de formação do Estado, escrevia para o jornal Davar Hashavwa sobre temas da atualidade tais como a imigração, os campos de refugiados, a conquista do deserto, os incidentes fronteiriços, o terrorismo. Mas o que fascinava o autor em Zefaniah Bet Halahmi era sua obra em si, Versos de Vida e Morte. Na saída de uma conferência da qual não esperava lá grande coisa, encontra Ruhele Reznick, uma mulher real, uma jovem solitária e pouco atrativa que vive com um gato chamado Joselito. O narrador é um homem separado já duas vezes e Ruhele, que apresenta um fresco semblante desprovido de defesas. A ligação entre os dois, em meio a vacilações por parte de Ruhele , acontece intensamente, pois ela revela que conhecera o poeta Zefaniah Bet Halahmi, quando este frequentava a casa de sua família. Podería-se falar muito mais da relação intelectualizada que ambos alimentam um pelo outro. Ela pelo autor famoso que decide abordá-la, e ele pela jovem entusiasta. Mas o narrador é um caso à parte. Cria e se compadece de suas criaturas, por duvidar o tempo inteiro se si, de sua competência como narrador. Prova disso é a primeira página da novela, onde o narrador desenlaça uma série de questionamentos sobre a autenticidade do ato de escrever. Oz põe em cheque aquela velha ladainha que encontramos em algumas entrevistas de escritores, geralmente jovens, que falam da sinceridade e do sofrimento do ato, como se o sofrimento implicasse na sinceridade. Oz ri – imagino. Uma novela de imagens belas que duvido recomendar aos menos sensíveis.

Ano Grotowski



O último número da American Theatre Magazine traz uma reportagem especial sobre um dos diretores de teatro mais importantes e erráticos da segunda metade do século XX: o polonês Jerzy Grotowski. Mais conhecido como o inventor do Teatro Pobre, Grotowski, defendia uma forma de interepretação baseado no trabalho psiquico do ator, mais ou menos como Stanislavski postulara em seu livro A Construção da Personagem. Há certo exagero em afirmar que Grotowski privilegiava a expressão corporal sobre a palavra, o cenário, o figurino, visando o diálogo direto com o público. Há muito exagero, alimentado diretamente pelo próprio diretor que tornava seus retiros com os atores, exercícios quase tção dolorosos quanto os que Artaud proporcionava.

A UNESCO definiu 2009 como o Ano Grotowski. E eu modestamente muito recomendo o documentário With Jerzy Grotowski, Nienadowka 1980 e as partes de Devising Teatre: A Practical and Theoretical Handbook de Alison Oddley, sobre o diretor.

Música do Dia. Yo-yo Ma. Obrigado Brazil. Bodas de Prata & Quatro Cantos ( Gismonti)