Elegy


Isso de assistir ao filme sem ler o livro é um problema. Assitir um filme ruim sobre um excelente escritor é pior ainda. Ontem assisti Elegy, um filme de Isabel Coixet. Bem que minha consciência me dizia... rapaz, não faça isso... mas não, o cidadão COM O LIVRO EM CASA, decide ASSISTIR A PORCARIA DO FILME. ANTES DE LER O LIVRO! (alguém me disse um dia que escrever em Caps Lock conota insatisfação... acho que é isso).

O filme trata da adaptação de "The Dying Animal”, de Philip Roth. (Favor, ver a resenha do Alexandre Kovacs). Roth revivera neste livro David Kepesh, personagem que já fizera parte de dois de seus livros da década de 1970. Kepesh é um homem culto, na faixa dos 60 anos, que leva uma confortável vida de divorciado. Vive em Manhattan como escritor, crítico e professor universitário requisitado para programas de televisão e rádio. Apesar de seu verniz intelectualizado, Kepesh é um tipo que se cerca de um universo de relativo encapsulamento sentimental. A relação com o filho médico, inconformado com a comodidade do pai, é abrasiva pois o filho se recusa a admitir que o pai, livre das responsabilidades familiares possa viver sem culpa. Com Carolyn – aliás Patricia Clarkson! - , sua amante por mais de 20 anos, mantém uma relação de se reduz à cama. Com seu amigo, o poeta George O'Hearn, mantém uma relação utilitária de camaradagem de botequim, sem que isso implique em maiores compromentimentos intelectuais.
Tudo esta ordenado em compartimentos até que, eis que surge de repente Consuela Castillo, interpretada por Penélope Cruz. A moça jovem, culta e por cima de arriba cubana (!), vira a cabeça de Kepesh a ponto deste, pressionado por aquele papo-pra-boi-dormir de que a Consuela é moça séria parará-pão-duro, quase embarca nessa estória.

Há evidenteente alguns aspectos que condizem como o que esperaria de um protagonista de livro de Roth. Neste, no David Kepesh da tela há a culminação de um tom que já se pressente em outras obras do autor. É de certo um demolidor do establishment conservador, mas sua ação me passou  mais a impressão de um ser auto-centrado em seu mundo academicista que um inconveniente propriamente dito – apesar da cena em que sutilmente destrói o amigo George O'Hearn, em pleno habitat intelectual,  frente a um auditório inteiro.  Enfim, não me deixou a sensação de limite do intolerável vista e sentida nos protagonista de Pastoral Americana, e muito menos de um David Lurie.

O grande problema. O grande problema, para além de NÂO TER LIDO O LIVRO, é que na tela a atuação Ben Kingsley me pareceu auto-indulgente em demasia para um sexagenário tipicamente predador, cínico e viciado em sexo. Afinal, Kepesh não perde em momento algum sua aura professoral, de superior conhecedor do espaço e tempo que habita, do seu – voilá – habitus envolto em altos valores culturais ao som de Satie e das Diabelli Variations de Beethoven. Sendo assim, alguma coisa não se encaixou. Algo ficou de fora. Talvez o tempo da narrativa. Ora, não ficou muito claro para mim como Consuela, que a princípio era apenas mais uma de suas conquista de colecionador, consegue torcer a tal ponto cabeça de Kepesh tornando-o um obsessivo ciumento. Logo ela, Consuela, que me pareceu extremamente passiva e sofisticada.... E nem estou me referindo àquela remissão meio calhorda do final com a notícia do câncer, que no fundo Roth botou ali para o leitor sentir pena do "compassivo" Kepesh – mas o que estou dizendo, eu NÂO LI O LIVRO?

E para terminar... Deixo a pergunta que não quer calar... Como é que a dona Isabel Coixet escolhe para o papel de um autêntico americano novaiorquino o Ben Kingsley? Até uma criança de 5 anos sabe que um cidadão com a cara do Mahatma Gandhi não pode ser personagem de Philip Roth! Até o Danny De Vito se saíria melhor...

Enfim, parafraseando o Drummond, de tudo sempre fica um pouco... é sempre bom admirar os detalhes da beleza da Patricia Clarkson.

2 comentários:

Alexandre Kovacs disse...

Chico, antes de mais nada obrigado pela citação, foi um grande prazer encontrar o meu nome no meio de uma resenha sua.

Não entendo como você conseguiu ainda não ler este livro! Já que, da minha parte ainda não assisti ao filme (minha falha confesso, será medo da decepção?) fico com a sua opinião que é sempre definitiva em termos de cinema.

Sabe que, assim como você, eu sempre achei a escolha do Ben Kingsley absurda para o papel!

ilusão da semelhança disse...

Bom, em primeiro lugar, meu chapa, voce eh uma referencia pra mim! Afinal, o que nos leva a insistir, senao pos essa troca de ideias.

Pois eh, ainda nao li. E provavelmente nao lerei por uma razao pessoal. Quando leio o livro e depois assisto o filme, posso meio que vislumbrar as cenas, os dialogos....e os proprios personagens, seus rostos, expressoes... Imagino que com voce tambem aconteca isso.

Agora que ja assiti o filme parece que os personagens ja tem a cara daqueles atores especificos. Isso quebra um pouco da magia da palavra escrita.

Enfim, eh por ai.

Abraco grande, Chico.