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The Squid and the Whale

Tanto se fala do filme que envolve Lula, acabei assitindo um bom filme chamado The Squid and the Whale. Em meados de 1980, Bernard, professor universitário e supostamente um escritor brilhante, é casado com Joan. O casal tem dois filhos Walt, um adolescente, e Frank, recém chegado na puberdade. É uma típica família de classe média urbana americana. Os pais eloquentes, dialógicos, lidos... e os filhos com os mesmos problemas de todos os filhos adolescentes. Ou seja, tudo vai mais ou menos bem, tudo é mais ou menos sublimado, até que Joan decide se separar de Frank.

Recapitulando, vai mais ou menos bem, tudo é mais ou menos sublimado, até que Joan decide se tornar escritora e passa a adquirir relativo sucesso, enquanto Bernard amarga o posto de Creative Writting Professor num College. Bernard não suporta o sucesso da mulher e para acabar de entornar o caldo, Joan passa a sair com vários vizinhos e amigos – sem obviamente Bernard saber.

O roteiro é excelente. A composição que dá voz a cada um dos personagens. Sendo assim, a princípio, o filho mais velho é quem mais ou menos quem encarna as desilusões de todos com o Bernard. A princípio, Bernard era o modelo de pai para o filho, intelectual, snob, racional e ponderado. Na briga dos pais é Walt quem fica do lado do pai, enquanto para Frank Bernard ainda é a imagem de Creonte. Gradualmente, com a convivência, este vai se dando conta que o pai é uma pessoa mesquinha, ciumenta e egosísta. A descoberta é dolorosa para o rapaz e acontece de maneira inusitada. Para o pequeno Frank as coisas tampouco são boas. O menino começa a beber e a presenciar cenas da mãe com o namorado, seu professor de tênis. 

Walt compõe músicas e toca violão. A canção que ele compõe para sua apresentação na escola , descobre-se depois, que é Roger Waters. Plágio e puritanismo não combinam mesmo em Manhattan. A farsa é descoberta e a orientadora educacional o encaminha a um terapista, achando que o rapaz anda mal da cabeça. Nesse meio tempo o pai, acaba se envolvendo com uma de suas estudantes, pela qual Walt também tem uma queda – chegando a deixar a namoradinha na esperança de que a namorada do pai lhe desse uma chance. Na frente do analista, Walt não está muito a fim de falar. O analista insiste. Walt conta uma estória sem pé nem cabeça sobre uma visita com sua mãe ao Museu de História Natural, quando ele tinha seis anos. No Museu havia uma enorme baleia devorando uma lula gigante. Contando a estória Walt se dá conta de que era a mãe que sempre estava com ele e consequententemente se dá conta de algo mais problemático que era a eterna ausência de um pai que ao sempre racionalizar cada passo de sua família acabou criando filhos sem muita conexão com o mundo. Se dá conta da  ausência paterna em momentos fundamentais de sua vida. O analista não entende nada da estória,  e só Walt e cada espectador do filme se dão conta do ápice da estória. A partir deste momento, Walt passa a encarar o pai com outros olhos e tudo piora quando pega Bernard forçando uma barra com a aluninha. Enfim, um filme bom com uma estória e roteiro bem amarrados. Eh filme que vale a pena ser assistido, pois fala de separação, ciúmes, filhos, guarda de filhos, recomeços e todas as mesquinharias que afloram na separação, mas sem as velhas conclusões pré-fabricadas.  Pois no fundo, a grande sacada deste drama-comédia se centra na idéia de que  mesmo que Bernad e Joan tenham se separado, não significa que nada deu certo Joan, Bernard,Walt e Frank.

A propósito, a dupla de direção e produção Noah Baumbach e Wes Anderson ainda vai dar muito o que falar. Só para citar dois filmes que a dupla tocou: The Royal Tenenbaums e The Life Aquatic with Steve Zissou. The Squid and the Whale chegou a ser indicado para o Oscar de melhor roteiro. Mas era 2006, ano de Little Miss Sunshine, e ficou imbatíble.

Aliás, hoje é dia de Fellini de quem falo pouco, pois do sagrado é melhor mantê-lo. Se vivo, faria 90 anos.
Música do dia. La Strada. Nino Rota

Alexander Nevsky




Eisenstein foi um grande diretor. Produziu uns quatro ótimos filmes até 1927 (nominadamente A Greve, Outubro: os dez dias que abalaram o mundo; incluo o Que viva México e o inigualável O Encouraçado Potemkin), nesse meio tempo foi para Hollywood onde conheceu Chaplin e tentou fazer alguns filmes com os suínos capitalistas bebedores de coca-cola. Mas sua carreira não decolou por motivos que intuo estarem relacionados com a mitologia em torno a seu nome.


Depois dessa fase, Eisenstein virou um daqueles diretores com o que eu chamo de Complexo de Norma Desmond. Ou seja, funciona sem audio. Prova disso é o seu Alexandre Nevsky, que revi há poucos dias para refrescar a memória. Revi, por que há dias atrás me caiu nas mãos uma transcrição de um dos discursos do nosso Guia Genial dos Povos, de novembro de 1941. Meses antes, em junho, a Alemanha, no contexto da Operação Barbaroxa,  atacara a União Soviética, anexando parte do territorio polones, na esfera de influência russa desde 1939. A Alemanha supostamente era signatária do pacto Pacto Molotov-Ribbentrop de não-agresssão, mas o rompeu corda dando o primeiro passo para a derrota.

No tal discurso, o grande Stalin, Guia Genial dos Povos, falava para o Conselho do Povo na Praça Vermelha. Evocava, neste que seria o 24 aniversário da Revolução de 1917, os tempos mais difíceis, como em 1918, no primeiro aniversário da Revolução, quando ¾  de todos domínios russos estavam nas mãos de intervencionistas; quando tinham perdido a Ucrânia, o Cácaso, a Asia Central, os Urais, a Sibéria,  e o este distante; quando nao tinha a Red Squad nem a Red Brigade. Era 14 Estados conta a Russia. [sic]

O estrategista falava: […] Hunger and poverty reign in Germany. In four and half months of war, Germany has lost four and a half million soldiers. Germany is bleeding white; her manpower is giving out. A spirit of revolt is gaining possession not only of the nations of Europe under the German invaders’ yoke, but of Germans themselves, who see no end to the war.

E fechava com a evocação que me fez rever este filme de Eisenstein:
Be worthy of this mission! Let many images of our great ancestors  - - Alexander Nevsky, Dimitri Donskoi, Kusma Minin, Dmitri Pzharski, Alexander Suvorov, Mikhail Kutuzov inspire you in this war!
Let the victorious banner of the great Lenin fly over our heads!
Utter destruction to the German invaders!
Death to the German armies of occupation!
[…]

Minha ignorância sobre a história russa é brutal, mas no fim do discurso Stalin evoca o príncipe Alexander Nevsky, um herói russo da alta idade média  – lembrei na hora do filme do Eisenstein que assisti na época de faculdade.

Muitos dizem que o filme de Eisenstein era propaganda anti-nazista de Estado. Há algo sim. Alexander Nevsky é o grande líder que atende os anseios da população de Novgorod para que este expulse os Cavaleiros Teotónicos. O maniqueísmo é evidente. O bispo dos Cavaleiros Teotônicos, usava claramente uma suástica. Os cavaleiros Biotônico Fontoura, são barbudos e maus, e em contrapartida os russos são bons e dignos de atitudes grandiosas. Prova disso é que os Teotônicos, comandados por Hermann von Balk, o Grão mestre da Ordem Teotônica, são aprisionados por um Alexander após perderem a batalha sobre as águas geladas do Lago Chudskoe e  recebem o beneplácito de Alexander, que liberta os prisioneiros e deixa o povo deliberar sobre o destino do general inimigo. A patuléia, evidentemente, opta pelo linchamento.

O filme pode até ter sido usado como propaganda pelo DIP de Stalin, mas cronologicamente o filme é terminado antes do Pacto Molotov-Ribbentrop. Das duas uma, ou Eisenstein tinha poderes premonitórios, ou tinha informação privilegiada sobre as cláusulas secretas do acordo que envolviam a Polônia.

Em todo o caso, é impressionante como nada empolga nesse filme de culto a personalidade. O roteiro, apesar de bom é ufanista. O audio horrível. As legendas, requerem quase um exercício de intuição metafísica do primata que decide assitir este filme. A edição patética. Nem sequer a música de Sergei Prokofiev empolga. Evidentemente, que eu digo isso por que eu não vivo na Rússia de Stalin. Eu lá sô bobo!

Música do dia: Piano Concerto No. 3 in C major, Op. 26  
http://www.youtube.com/watch?v=M47voXICiNg


Ma Nuit Chez Maud

O engenheiro Jean-Louis, interpretado por Jean-Louis Trintignant, chega a cidade de Clermond-Fernand para trabalhar na filial da Michelin, depois de alguns anos trabalhando no Canadá. Católico praticante, numa missa passa fixar sua atenção numa devota e decide, do nada, que ela será sua mulher. Na cena seguinte encontra a um velho amigo, Vidal, um comunista esquisito pracaramaba, que combina numa fórmula mágico realista Marx com Pascal. Percebendo-o sozinho na cidade, o amigo Vidal o convida a passar a noite de natal na casa da amiga Maud. Maud é mulher independente, divorciada, com uma filha, e sem grandes restrições à entrega a novas relações. Vidal, la pelas tantas, já com alguns drinques a mais na cachola, decide ir embora deixando Jean-Louis em casa de Maud com a noite e as promessas em aberto.

Este é o terceiro dos seis contos morais de Eric Rohmer. E basicamente a cena em que Vidal deixa o protagonista no apartamento de Maud representa o ponto de inflexão dos contos morais. Um homem, apaixonado por uma mulher, que encontra-se e passa tempo com uma segunda mulher extremamente atraente trocando confidências, mas com que não consegue superar a barreira platônica da contemplação. Neste ambiente estóico, o mais interessante em Rohmer, neste e nos outros contos morais,  é a possibilidade de colocar quatro personagens articulados, interesantes, educados, vulneráveis e totalmente livres. A única objeção é como irão desempenhar suas identidades afetivas. Rohmer é um cineasta realista, trata os personagens como invenções sem pretensão, ainda que algumas vezes os diálogos reenforcem algum ar de artificialismo, já que falamos de personagens um tanto reais. Há algo relativamente probo nos desfechos que Rohmer dá a seus contos morais.  Como por exemplo, no final, após cinco anos desde a última vez que encontrara Maud,  chega a praia com sua esposa e um fliho pequeno e a encontra fortuitamente. Conversam brevemente sobre generalidades. Despedem-se e ele corre em direção ao mar. Há algo que não me agrada em Rohmer e que certamente tem alguma relação com sua forma de fazer arte, concentrando-se  mais na tentativa de transmitir a compreensão ao sentimento. Salvo ledo engano, essa negação epicurista é de uma caretice cretina.



Françoise Fabian

389 Miles


389 milhas são 626.034816 quilômetros. Isso foi o que percorreu o rapaz Luis Carlos Davis para realizar um documentário chamado 389 Miles: “Living the Border, que assisti ontem.

O jovem diretor, Luis Carlos, nasceu na fronteira dos Estados Unidos com o México, em Ambos Nogales e conhecendo essas duas realidades compôs seu primeiro documentário com o que há de mais característico das duas culturas, por um lado o fascínio que o americano tem pelas road trips e, por outro, o drama de milhões de imigrantes ilegais que atravessam a fronteira americana com o México ao longo de suas 389 milhas.

O documentário não é uma obra prima mas é interessante como forma de exibir as imagens e as estórias das jornadas de milhares de seres humanos que cruzam a fronteira do México com os Estados Unidos. Imagens que muitas vezes apenas lemos nos jornais. Figuras, tais como coiotes, polleros, contrabandistas, que conhecemos pelos seus substantivos e nada mais. Estórias de sobrevivência, de tráfico humano, de estupro e corrupção em ambos lados da fronteira.

A milha um da viagem começa em Douglas no Arizona, onde um agente de la Migra, Patrulha Fronteiriça, apreende dois imigrantes ilegais, um do México e outro da Costa Rica. Este vê uma mulher andando por perto e de forma espontânea e sarcasticamente avisa ao agente e sugere a ele "fazê-la", ou seja, estuprá-la. Um dos pontos altos do doc é a entrevista com um coiote, um indivíduo que atravessa a gente, suborna a polícia e trata de toda a precária infra-estrutura para o cruzamento da fronteira. Um desses homens pode fazer de 200.000 a meio milhão de dólares ao ano – um salário que nem CEO de muita companhia consegue fazer.

389 Milhas: "Living the Border" é uma jornada humana, uma história documentada pelo diretor Luis Carlos Freitas, que cresceu à sombra da fronteira entre o México e Arizona. Ela apresenta a vida, a cru diários de seres humanos comprometidos economicamente, e as potenciais recompensas para aqueles que os exploram. Não existe um lado puramente bom ou ruim, só a parede de aço ou um fio de arame farpado enferrujado e complexa teia de emoções humanas e as questões por eles forjaram a sobrevivência, o tráfico humano, o estupro, a corrupção, o mal ea graça em muitos disfarces. O uso de uma câmera discreta permite que as personagens a falar, simplesmente, honestamente e com dignidade, não importa qual a sua posição sobre a imigração poderia ser. Juntos, eles formam um complexo mosaico humano que vai além do actual debate sobre imigração para explorar as relações humanas forjadas pela fronteira, de um sentimento de um bairro comum em toda a vedação, aos residentes fronteiriços, para vigilante patrulhamento policial ao longo da fronteira, em uma tentativa para selá-lo, os ativistas de ambos os lados da fronteira que estão tentando ajudar os imigrantes em situação irregular em sua jornada dura, traiçoeira e imprevisível. Às vezes a fronteira é pouco visível, apenas uma cerca de arame farpado. Às vezes, é uma parede de aço formidável.

A milha 389 termina em San Luis, Sonora, México em um acampamento de migrantes em um local remoto do deserto onde estão instaladas centenas de maquiladoras, um lugar remoto e de passagem, onde as pessoas esperam para atravessar a fronteira. O documetário é bem preciso em não acompanhar nenhuma história pessoal em particular - me parece que este foi um dos cuidados tomados pelo rapaz - , e consistente em concentrar-se na fronteira em si, nessa marca muitas vezes invisível que desliza no chão e atravessa várias histórias que a costuram em idas esperançosas e retornos deportados, a linha divisória que mostra um mundo pequeno em todos os sentidos.

Uóli



Por força das circunstâncias tenho assistido muitos filmes infantis. È preciso dizer que, gosto de crianças, tolero animais domésticos e urbanos, e não gosto de filmes infantis. Entretanto, WALL.E é um filme direfente. Um filme que me cativou, não por sua sentimentalidade exagerada, mas por sua mensagem subliminar.

Wall.E é um Waste Allocation Load Lifter - Earth Class. Pra resumir, é um sucateiro nos moldes dos antigos burros-sem-rabo que viamos pela cidade puxando uma carroça cheio de entulhos. Wall.E é um robô que compacta lixo, pois a Terra se tornara inabitável a existência humana. Os humanos, que nela habitavam, foram enviados a uma espécie de cruzeiro de luxo interespacial, Axiom, onde a combinação de baixa gravidade e ociosidade transformou seus permanenentes passagerios em paródias preguiçosas deles mesmos em sua obesidade constrangedora. Vários Wall.Es faziam o serviço de coleta e compactação do lixo deixado para trás pelos antigos habitants da terra. O problema é que sem manutenção, sem um óleo aqui, uma correia dentada alí, uma chaveta mal instalada acolá, ou um ajuste na correia dentada, os próprios robôs foram virando sucata, e restou apenas o nosso Wall.E para fazer todo o serviço.

Para começar, Wall.E não se trata de um boneco nos moldes de Pinocchio, em sua ânsia em adquirir forma humana. Wall.E é um robô e ponto. Como robô, não percebe que é solitário. No entanto, seu senso de solidão é um tanto estranho pois sem perceber-se só, já que é um robô, possui um estranho sentido de ausência e passa a colecionar compulsivamente objetos dessa antiga civilização, como lâmpadas, telas de computador, correias, video-cassetes, fitas K7, enfim tudo que encontra pela frente em sua forma petrificada. Não se dá conta de seu fetichismo, na medida em que os artifatos humanos, mais que o valor utilitário de seu uso, revelam um senso de conexão com o passado.

Essa solidão de Wall.E é algo sintomático. Wall.E não fala – a propósito nos primeiros 45 minutos de filme não há sequer um diálogo. Como nos melhores filmes de Lon Chaney, mesmo não tendo a capacidade de diálogo, Wall.E tem uma face expressiva dominada por dois bióculos que tem a capacidade de expressar espanto, alegria, desconfiança e tristeza. Como diria Hannah Arendt, citando Platão, os olhos como janelas da alma.

Mas esse seu isolamento muda quando chega à Terra EVE - Extreterretrial Vegetation Evaluator. Eve chega e transforma a realidade de Wall.E e vice-versa. Ela é só bussiness. Chega para coletar alguma espécie de vida vegetal e reportar a Axiom. Quando encontra Wall.E sua vida também muda pois ele mostra-lhe um outro mundo possível. Um mundo meio remendado, meio aos trancos e barrancos, sequioso de mudanças, mas que funciona e acima de tudo delineia as feições e as cores distintas, mais imprecisas, mais poluídas, da alteridade.

On the Waterfront

Mesmo sabendo que o poço é bem fundo, desconfio há muito tempo a que a delação seja uma das piores coisas da alma humana, e é por isso, confesso, que sempre tive problemas com o enredo do filme On the Waterfront. Terry Malloy, interpretado por Marlon Brando, trabalha no porto de Hoboken em New Jersey, região predominantemente dominada por irlandeses e italianos até pocos anos atrás. O sindicato de estivadores é controlado por Johnny Friendly, um advogado corrupto, e por Charley Malloy, irmão de Terry.

Um dos estivadores que passara a denunciar as atividades ilegais do sindicato, Pop Doyle, é assassinado pelos capangas de Charley Malloy. Edie Doyle, irmã do morto, pede a Terry ajuda para encontrar os culpados. O problema é que Terry colaborara com a captura do irmão de Edie. Com a cara mais dura que alto grau de dureza Rockwell e a consciência pesando mais que liga de molibdênio, Terry promete ajudá-la e decide procurar o Padre Barry que o força a entregar os culpados as autoridades. Ou seja, por amor, Terry que é tão mafioso quanto os outros, decide dar combate a toda a corrupção que campeia a ação do sindicato. Ou seja, um novelão onde certamente Terry, voilá, na minha psicanálise de banca de jornal, podia bem ser o alter ego do Kazan.


Mas reconheço que o breve monólogo do Marlon Brando venceria qualquer Oscar ainda hoje.


“Remember that night in the Garden? You came down to my dressing room and you said 'kid, this ain't your night. We're going for the price on Wilson'... You was my brother, Charlie. You shoulda looked out for me a little bit so I wouldn't have to take them dives for the short-end money. I coulda had class. I coulda been a contender. I coulda been somebody, instead of a bum. Which is what I am. Let's face it.”

Whisky



O filme Whisky, de Pablo Stoll, lança uma dúvida bem prosaica. Que diabos de relação há entre o nome do filme e a estória dos protagonistas Marta, Jacobo Koller e Herman Koller?

Jacobo tem uma pequena confecção de meias no centro de Montevidéu. É um homem solitário, na faixa etária dos 50 anos, que cuidou da mãe doente até o falecimento desta. Na fábrica trabalham apenas 3 mulheres. Dentre elas Marta (interpretada pela ótima Mirella Pascual), a mais velha, é uma espécie de gerente das outras moças. A relação entre Jacobo e Marta é, antes que fria e distante, uma relação de respeito e cordialidade pautada nas pouquíssimas palavras que trocam no decorrer dos dias. Quando Jacobo chega à fabrica, Marta, pontualmente o espera diariamente. Assim como Jacobo, Marta também é uma mulher solitária que afugenta sua condição humana de isolamento numa sala de cinema após a jornada de trabalho. Na manhã seguinte, a cena dela esperando que o patrão chegue em frente a porta da fábrica se repete religiosamente.

Essa rotina quase mecânica muda na ocasião do Matzeiva da mãe de Jacobo pois seu irmão Herman, que vive no Brasil e também tem uma fábrica de meias, chegará para a celebração póstuma. Jacobo então propõe a Marta que ela fique em sua casa nos dias de estada do irmão, simulando que estão casados.

Nesse momento percebemos que o filme se trata de uma ótima comédia de humor seco e cortante, pois no momento da proposta o telefone toca. Jacobo vai atender. Retorna dizendo se tratar de um engano e prosseguindo a coversa. A presença providencial do telefone tocando em momentos centrais da trama se repete comicamente umas duas ou três vezes. Como por exemplo quando Jacobo com certa torpeza lhe dá uma aliança de “casados”. O anel fica grande e cai no chão. Ela imediatamente se abaixa para procurá-lo embaixo da mesa. Jacobo fica estático. Ela encontra o anel e pergunta se a aliança era de sua mãe. Jacobo responde desconcertado que sim. Providencialmente o telefone toca. Jacobo retorna e diz equivocado. E Marta responde como em outras ocasiões... Sí, a veces pasa.

Aos trinta minutos de filme, vem finalmente a resposta. Para que a presença de Marta não levante as suspeitas do irmão, Jacobo providencia que Marta passe uns dias em sua casa e a leva para que tirem uma foto como casados. Nesse momento o nome do filme faz sentido. No estúdio fotográfico eles estão sobre um fundo azul, bem vestidos e constrangidos. O fotógrafo diz, A ver una sonrisita... digan whiskyyyy.... Eles se abraçam de maneira torpe e repetem a palavra whiskyyy mostrando os dentes, simulando um sorriso, sem muito empenho.

Tudo pronto. So falta Herman chegar.

A presença de Herman torna tudo muito mais constrangedor. Os dois irmãos não se viam há anos, não tinham maiores intimidades. Herman é um tipo expansivo e auto-centrado, sua efusividade contrasta com a indiferença de Jacobo a tudo e a todos tornando o filme uma comédia com detalhes brilhantes. Como quando os irmãos, que não se viam há anos, se presenteiam meias. Ou quando vão assistir um jogo de futebol da segunda divisão, do time de Jacobo. Ou quando decidem ir passar uns dias num hotel no balneário de Piriápolis, um local onde os irmãos iam de criança e que se encontra decadente e vazio.

O roteiro do filme, assinado pelo diretor, por Juan Pablo Rebella e Gonzalo Delgado Galiana, tem diálogos econômicos e situações de inisitada originalidade. Eu diria que este é um roteiro muito bem amarrado. A frieza e a parsimônia com que os personagens são apresentados permite a revelação gradual de detalhes de suas personalidades através de pequenos gestos incorporando-os a um sentido mais universal de melancolia e solidão. Além disso é evidente um certo sabor das comédias do romeno Cristi Puiu e do finlandês Aki Kaurismäki em algumas situações do filme.

Uma curiosidade trágica: no dia 7 de julho fará 3 anos que o roteirista Juan Pablo Rebella se matou. Ao lado de seu corpo, em frente ao computador, foi encontrado um revólver calibre 32 e uma garrafa de whisky pela metade.


Les Amants


Jeanne Tournier, é uma mulher, apesar de reservada, que não mostra rasgos de convencionalismo. E a esposa de um diretor de um importante jornal de Dijon. O marido, Henri Tournier, é um workaholic, um cidadão tenso, nervoso, que dispensa pouco ou nenhum tempo à esposa, e quando o faz é apenas para lhe cobrar e demandar.


Jeanne, enquando o marido trabalha, dá umas escapadas para Paris durante o dia para passear tempo com a amiga Maggy com Raoul, seu amante jogador de pólo. Numa dessas escapadas, o carro de Jeanne quebra no meio do caminho, e então a providencial ajuda de um jovem estudante, Bernard, chega. O problema é que o favor se torna um estorvo, pois Bernard tinha uma série de visitas a fazer na cidade e não poderia levá-la a seus compromissos com Maggy. Conclusão, Jeanne chega atrasada para o jantar em sua casa, onde estão a sua espera Maggy e Raoul. No fim das contas, descobre-se que Bernard é filho de um amigo do marido de Maggy. Durante a noite em que todos dormem na casa, ainda no jantar, o marido pergunta qual são os planes de Jeanne para o dia seguinte. Ela, evasiva e sem cuidado, diz que são de estar com ele. Raoul tenta por todos os meios estar com Jeanne em sua própria casa, entretanto ela diz que é perigoso. Desce à bilbioteca, onde todos deixaram Bernard escutado uma sonata. Chegando lá, nesta cena decisiva, não o encontra. Desliga, então o disco da turntable, recolhe sua gravata e seu paletó, pousados numa gaveta e vai ao bar misturar à guisa de um bom rabo de galo, uns drinques. Encosta o copo com gelo na testa à guisa de esfriar a cabeça, vai até a porta em estilo francês, cheia de janelinhas quadriculadas. Olha para fora. Está impaciente. Tenta matar uma mosca sem sucesso. Abre a porta e começa a caminhar lentamente pelo exterior da casa, divagando em pensamentos - nestes momentos, ela fala em terceira pessoa, como se Jeanne fosse uma outra - , quando Bernard lentamente a segue. Ela se assusta. A câmera foca no rosto de Jeanne mostrando que ela se excita com a inesperada presença de Bernard. Ri nervosa e dissimula. Ela passa a andar de maneira teatral, como se o instigasse a seguí-la. Olha levemente para trás para certificar-se que ele segue. Ela esta confusa, passa a mão pelo rosto como limpando-o da dúvida. Bernard inicia um diálogo pueril sobre como deve ser om viver numa casa daquelas. Um diálogo dispensável, mas que quebra tensão da cena, mas que termina com um poema declamado por ambos, a noite é bela, a noite é uma mulher. Passam a noite num pequeno barco o resto da noite juntos. Toda a sequência, com seus silêncios, crises e diálogos internos de Jeanne, os dois na pequena canoa a deriva no meio de um lago, é de uma beleza impressionante. Na manhã seguinte, cansada do marido autoritário, e do ridículo amante, Jeanne parte com Bernard para uma nova vida, chocando a todos.

Louis Malle não é bem considerado um fruto da Nouvelle Vague, exatamente por que não é lá muito intransigente com os modelos do cinema estabelecido, tampouco usa diálogos inesperados ou rompe com a linearidade narrativa. Mas nesse seu segundo filme mais comercial, apelando para algum erotismo velado, feito diga-se de passagem quando ele tinha 25 anos, a parsonagem Jeanne é uma espécie de Madame Bovary pós-moderna, uma Capitolina sem véu e sem olhos de ressaca, sem o benefício da dúvida. De alguma maneira, Malle fez desse filme, um ponto fora da curva revolucionária da Nouvelle Vague, uma obra clássica, elegante e impressionantemente moderna sobre a frustração ou ao menos o desejo inancançável da verdade entre dois amantes. Usando da escandalização moral, tentou mostrar a verdade como uma virtude ambígua, especialmente no final quando o carro de Bernard e Jeanne deixa a cidade, e ela, num de seus diálogos internos, já não está certa de seu passo, mas nem por isso se arrepende.

Little Children

O filme trata da vida suburbana americana num estilo de drama psicológico. Duas pessoas casadas tem um caso amoroso. Um pervertido ronda a vizinhança. Um ex-policial não larga o pé do pervertido. Enfim, um filme com pitadas de todos os problemas que aterrorizam o subúrbio americano: adultério e perversão (e drogas, mas essas não estão nesse filme).

Sarah Pierce (Kate Winslet), casada com Richard (Gregg Edelman), vive no monótono e impressionantemente interiorano subúrbio americano. Ex-feminista e militante, sem em ter mais o que fazer com suas horas livres do dia, leva sua filhinha Lucy a uma pequena pracinha perto de sua casa para que a menina possa brincar com as outras ciranças. Sarah nunca consegue aderir plenamente à conversa com outras mães que falam de filhos, dos utensílios domésticos que incluem seus maridos gordos, da dedicação heróica aos filhos e das insatisfações sexuais decorrentes de fazerem sexo com a mesma pessoa por anos. Bom, certo dia, surge no parquinho Brad Adamson (Patrick Wilson) e seu filho Aaron. Brad que já estivera no parque anteriormente, mas Sarah não o vira, e tinha sido apelidado pelas mulheres como "rei do baile de formatura".

A ‘comissão suspiradora de mães frustradas’, nem sequer sabe o nome do homem, mas ficam alimentando uma esperança que ele apareça. Belo dia Brad aparece e fica empurrando o seu guri no balanço como quem não quer nada. Sara vai até o balanço e fica empurrando sua menina como quem não que nada, mas puxa uma conversa com Brad. Resumindo a estória. Brad é frustrado por ter terminado a faculdade de Direito e não ser capaz de passar em duas tentativas no BAR Examination – sem esse exame o cara não pode exercer a profissão. Ele fica o dia todo em casa, cuidando do filho, enquanto e mulher, infeliz com o casamento e com a vida, trabalha como diretora de documentários paraa rede pública de televisão, PBS. Ou seja, a Amélia sustenta a casa.

Sarah não trabalha, mas é frustrada com o casamento e a própria vida em comum. Ela que fora uma estudante feminista militante, encontra-se agora casda com um marido workaholic que nas horas vagas frequenta sites de muita sacanagem pornográfica, comprando calcinhas usadas – sim, o capitalismo chegou a tal ponto que é ou não é muita sacanagem esse negócio de vender calcinha usada. Certo dia é inevitável. Ela pega o malandro, eufemisticamente com a boca na botija, na frente do computador, ou melhor, onanisticamente com as mãos na botija. Fica p... diz poucas e boas, mas continua casada...

Nesse meio tempo, Ronald "Ronnie" James McGorvey, que havia sido preso exibindo suas ‘coisas’ para um menor, retorna para o bairro, deixando todos os moradores apavorados. Brad é convidado por Larry Hedges, um ex-policial, para fazer parte da comissão de moradores contra a presença de "Ronnie". "Ronnie" é um cara tão anormal que consegue sair com uma outra mulher, assim como ele cheia de problemas, e põe por terra o velho adágio de que há sempre um sapato velho para um pé doente, e acaba se masturbando dentro do carro, na frente dela, que desconsolada, chora.

Sarah Pierce e Brad Adamson, então começam um romance, num dia de chuva, os filhos molhados, vão dormir na casa de Sara, no meio do dia. No basement o casal começa os movimentos iniciais de lesco-lesco. Daí par a frente...

Como uma estória dessas termina? Nada bem, apesar do final ser surpreendente e conciliador para todos, menos para Brad Adamson que leva realmente a pior nisso tudo. O filme foi baseado no livro homônimo de Tom Perrota. Não li este livro especificamente, mas o filme me lembrou o Mystic River de Dennis Lehane.

East of Eden



O português chamou East of Eden, se não me engano de Vidas amargas. O filme de Elia Kazan, a quem já dediquei amargas linhas, é fenomenal. Um novelão da mais alta qualidade. Também não é para menos. O filme é baseado no livro de Steinbeck, A Leste do Eden. Um filme de espírito bem protestante e uma ética do capitalismo manca de uma perna.

Ambientado na região de Monterey, Califórnia, o filme mostra as desavenças de dois irmãos pelo afeto e a atenção de um pai sentimental e hard worker. Os Trask são uma família pecliar composta pelo pai - Adam Trask (Raymond Massey) - e os dois filhos, Aaron (Richard Davalos) e Cal – Caleb - ( James Dean). Adam é um homem religioso e profundamente justo com seus empregados e com os filhos. Aaron é o filho predileto que a exemplo do pai pauta sua vida na devoção fraternal e no senso de resposabilidade herdado do pai.

Os negócios de Adam Trask não vão bem. Após a perda de toda uma colheita numa fracassada tentativa de escoamento, o patriarca perde milhares de dólares. Para ganhar o amor de seu pai e ajudar a fazenda que ameaçada de falir, Cal faz um empréstimo. Cal, um tipo sagaz e meio selvagem, sabe que se os Estados Unidos entrassem na I Guerra Mundial, o preço do feijão subiria. Então, conhecedor de um segredo, que nem pai sem irmão sabiam, Cal procura a mãe, Kate, em seu trabalho. Perdão pelo trocadilho, mas Kate é quenga. Quenga velha. Dona do pedaço, a meretriz e tem o dinheiro que Cal precisa para investir nos mercado de futuros. Apesar de relutante Kate dá, a grana a Cal, pois se sente culpada de ter deixado o marido e os filhos para se tornar empresária.

No meio tempo em que os negócios de Cal vão bem, Abra, namorada de Aaron, começa a se sentir atraída por Cal e o ajuda a preparar uma festa de aniversário para o patriarca. O presente de aniversário é exatamente o pacote de dinheiro que Cal ganhou especulando na bolsa.

E agora uma das cenas entre muitas caras, mais marcantes do cinema. Após Cal explicar a origem do dinheiro, o pai se recusa a recebê-lo justificando que aquele dinheiro havia sido ganho em cima da desgraça de trabalhadores e produtores como ele. Cal não entende e começa a chorar acreditando que esta recusa é mais uma das humilhações que o pai lhe impõe por seu temperamento irascível. James Dean simplesmente mata a pau nessa interpretação. Uma daquelas cenas onde se tem a certeza que aquele cidadão é um grande ator.

O que se segue, é novelão. Cal vai chorar no quintal. Abra o segue e o consola. Quando Aaron chega e a proíbe de falar com Cal, este, tomado de ira, pede que Aaron o siga. Ambos vão ao bordel, onde Cal apresenta a Aaron sua mãe. O choque leva Aaron a beber e se alistar no exército. O pai, vendo a ruína iminente do filho, tem um ataque cardíaco. De volta a casa, Cal visita o pai no seu quarto. Cal, sem obter reação do pai, pensa que é mais uma vez recusado, mas logo em seguida, com a intervenção de Abra, volta ao quarto e consegue ouvir as palavras do pai pedindo para que o filho dispensasse a enfermeira intransigente e cuidasse dele. Um novelão bíblico sim, mas um filme emocionante.

Musica do dia: Lucas - Marco Antonio Araujo(Melhor guitarrista brasileiro de todos os tempos)

La Fleur du Mal

La Fleur du Mal é um filme de Claude Chabrol (2002) que explora ambição e corrupção num molde de romance policial, com um final de resultado duvidoso. Mas, pode parecer antagônico, apesar de tudo, um ótimo filme.

François Vasseur retorna de anos de estudos em Chicago para sua casa em Bourdaux, e percebe que desde sua partida pouca coisa mudou. Seu pai continua administrando sua farmácia e sua madrasta, Anne Charpin-Vasseur, decide concorrer às eleições municipais.

Vista de fora, uma família repeitável. Anne Charpin-Vasseuré viúva com uma filha e uma tia. Gérard Vasseur é igualmente viúvo, com um filho pródigo que estuda em Chigago. Ambos viúvos e desepedidos. Michèle e François são jovens e com coisas mal resolvidas no passado, portanto logo quando chega, François já reiniciam a relação adormecida com sua meia irmã, Michèle, sob a proteção ou negligência da velha tia de Michèle, Line. Incesto? Na cabeça de Nelson Rodrigues, Michèle e François estariam num joguinho de amarelinha.

Enfim, vista de fora, uma família repeitável. Mas, como sempre, não é bem assim, não. Por trás desta fotografia de uma moderna família burguesa há esqueletos bem guardados no armário que no decorrer da narrativa a velha tia de Michèle, vai desvendando em fragmentos de flashbacks que remontam a Vichy e ao assassinato do pai.

Para arruinar a trajetória política de Anne, alguém circula um panfleto indicando um escândalo familiar dos bravos. Tia Line estará arrependida de ter matado seu pai, um simpatizante Nazi, que fora responsável pela morte de seu único irmão? Havia sido prudente que Anne e Gérard tivessem se casado tão rápido após a morte de ambos consortes?

Estas são apenas duas perguntas chaves com que Chabrol abre La Fleur du Mal, seu filme de número, sei lá... 230... 395... Fato é que aos qause oitenta anos, o homem anda afiado, fazendo filmes tão bons quanto aqueles da New Wave. Nomeadamente, Le Beau Serge, Les Cousin, La Femme infidèle, La Ceremonie, La Rupture, Les Biches.

Todos os elementos de um filme policial estão ai: a chantagem, uma carta, um autor desconhecido, uma mulher política e ambiciosa, uma velha guardiã de segredos, dois jovens cheios de tesão... mas fica faltando algo no final. O climax da narrativa é meio fraco, uma espécie de vício cartesiano impede que a cena da morte acidental do padrasto flua. Gérard Vasseur, após a vitória política da consorte, chega a casa só e embiritado. Cabeça inchada, libido solta, decide molestar a enteada. Esta saca de um abajour e dá-lhe uma p... na cabeça do manguaça. Este cai no chão morto. Michèle, deseperada, corre para pedir ajuda a tia. Esta, por sua vez, ajuda à sobrinha a ocultar o cadáver no quarto de cima – a cena das duas arrastando o cadáver escada acima, não é original, não é sequer verossimil, mas guarda algo de cômico, sem dúvida. Daí para os dez minutos finais, o filme se perde num non-sense absoluto. O filho chega e recebe a morte do pai como se nada tivesse acontecido, a velha decide assumir a cupla do assassinato, quando a polícia chegar, enquanto os convivas, festejando a vitória de Anne chegam aos gritos de alegria.

Música do dia. Cavalo Ferro. Ednardo. Disco: Meu Corpo Minha Embalagem, Todo Gasto na Viagem

O Homem do Ano


Talvez pouca gente tenha percebido que Érica (viúva de Suel), depois de ir viver com Máiquel (assassino de Suel), ao abandoná-lo pela primeira vez deixa na mesa da sala, sobre o bilhete de despedida, uma capa de dvd do filme Wild at Heart - capa esta que é filmada de cabeça para baixo. Ninguém precisa saber que Nicolas Cage sempre teve uma fixação mórbida por Elvis. Disso todo mundo sabe. Chegou a casar com a filha do homem. Mas isso é o que menos importa. No filme, Sailor e Lula, fogem da perseguição da mãe dela e iniciam uma viagem pelo sul dos Estados Unidos. No bilhete, Érica deixa claro que Cledir, esposa de Máiquel, tem de sair da vida deles. Como? Se você já leu Rubão Fonseca, suspeitará como Cledir desaparece da vida dos dois.

O Homem do Ano é um filme bom, sem intelectualismos. Funciona na tela. Talvez melhor que o livro o Matador, de Patricia Melo. Talvez por ter roteiro chancelado pelo velho Rubem Fonseca. Talvez. O filme tenta mostrar de maneira didática a realidade das milícias, da privatização da segurança pública, dos currais eleitorais, da irracionalidade da violência, e da ascenção de um Zé Mané burro, psicótico e semi-analfabeto à categoria de anti-herói. Até aí, tudo bem, um filme convincente. O problema é que com esses elementos, podia ter sido um filme perturbador, mas não foi, pois a narrativa original do livro é muito linear - isso eu já tinha percebido em outros dois livros de Patricia Melo, Elogio da Mentira e Inferno.

Entretanto, o roteiro é bem amarrado e a atuação de Murilo Benício e Claudia Abreu exemplares. Máiquel, personagem interpretado por Benício, é um camarada atormentado com sua Moira. Tenta mudar seu destino o tempo todo, mas após ter tido o cabelo descolorado, cada vez se afunda mais e mais na sua sina de matador. Aliás, Murilo Benício, incorporou perfeitamente o personagem. Abstêmio com Síndrome de Tourette, anti-evangélico, cabelo oxigenado, moralista e bebedor de coca-cola quente - Rubão só bebe Coca quente - , com um porco de estimação no sobrado de Caxias e desovando seus corpos em Campos Elísios - pelo menos pelas cenas externas da passarela da estação de trem, e pelo lugar da desova ali perto da parte de trás da Reduc em Jardim Primavera. Enfim, Máiquel é tipo complexo, contraditório e irracional. Porém, me passou a impressão de um criminoso dos anos 70.

Pois no fundo, acho que falar tanto de violência, arrancá-la das páginas do O Dia e do Extra e estilizá-la na tela, banalizou tudo. Tudo mesmo. Quando Fonseca escrevia sobre isso nos anos 70, era tudo ainda meio pitoresco. A polícia era pública, a segurança privada, mas com outro nome: milícia tinha nome de Scuderie Le Cocq, Mariel Moryscotte e Mão Branca. E Hannah Arendt não estava brincando quando em "Eichmann em Jerusalém" cunhou o conceito de Banalidade do Mal. Pois veja bem, dê uma arma e poder a um bunda mole, coloque-o agindo individualmente dentro das regras corrompidas e imorais, mas impedindo-o que racionalize sobre seus atos, e você terá o superlativo de um Máiquel, ou seja, um Eichmann. Ou melhor, o Minimo Múltiplo Comum do Eichmann, o Máiquel. A morte hoje já não é mais como aquela da Patrulha da Cidade, da Rádio Tupi, apesar de mórbida, era divertida. Hoje não. Banalizou tudo. Tudo mesmo. Perdeu a graça.

Mas voltando ao filme, a 'sacada' rapidíssima do filme do David Lynch, sobre o bilhete de despedida, naquele sobrado da Baixada, ficaria totalmente sem sentido - já que Máiquel não fala inglês e mal lê português - se o Herique Fonseca não tivesse dado à cena a velocidade que merece tonando o detalhe imperceptível quase imperceptível. Talvez pouca gente tenha percebido. Se não percebeu o detalhe, deixa estar. Melhor assim. Pois os diretor contornou bem o fato de que uma das melhores coisas na contrução psicológica dos personagens criados por seu pai, Rubem Fonseca, é a imersão do personagem na sua circunstância social. Imagina se alguém mais percebe esse detalhe...um cara suburbano, da Baixada, ou uma namorada evangélica e viciada em Almanaque Abril assitindo filme de David Lynch... puf...

http://ilusaodasemelhanca.blogspot.com/2006/04/melhores-frases-do-rubem-fonseca.html

Je t'aime John Wayne

Não sei bem se por nunca ter ido muito com a cara do Wayne, se por ter gostado muito do Auto dos Danados do Lobo Antunes, ou se por gostar do cinema francês, eu tenha curtido tanto Je t'aime John Wayne – curta metragem dirigido por Toby MacDonald e escrito por Luke Ponte, da coleção Cinema 16. É um curta ótimo. É uma paródia do filme de Jean-Luc Godard, À bout de souffle.

O ator Kris Marshall tenta ser Jean Paul Belmondo – o ator de Breathless. No filme de Godard Belmondo é Michel, um cara fora da lei que atira em dois policiais e tenta ser um espécie de Humphrey Bogart, imitando seus trejeitos e modos de falar. Fugitivo e sem dinheiro, vagando pelas ruas de Paris, pede ajuda a Patricia, sua namorada americana, estudante de jornalismo e vendedora do jornal New York Herald Tribune. Enquanto Michel pensa o tempo todo em fugir para a Itália, Patricia tem sonhos românticos e por isso o denuncia à polícia com medo que ele se fosse deixando-a grávida.

No curta de Toby MacDonald, Kris Marshall se define como Belmondo vivendo em Paris. Se vê como Belmondo desde a primeira cena, quando sonha com um beijo e é despertado pelo relógio. Na frente do espelho, escovando os dentes e fumando, se auto-define como um desviado, hipócrita, sujo, imoral e irracional. Por fim, quando se vê à frente do espelho, finalmente, como John Wayne, o telefone toca. A mensagem é uma frase de John Wayne: “Monte nessa merda de cavalo ou eu o expulsarei da cidade.” Após o bip a mensagem. É sua mãe deixando uma embaraçosa mensagem de mãe na secretária eletrônica: “Meu filhinho, tire essa mensagem da secretária. Isso é um pouco estranho.” (cena impagável). Tal como o dentista Nuno de Auto dos Danados, que na Revolução dos Cravos, prestes a fugir com a família pela fronteira da Espanha tem alucinações com o ator Edward G. Robinson. O protagonista pensa ser o ator francês Belmondo, incorporando ora sua cafajestice - de maneira engraçadíssima – ora a dureza do John Wayne.

Outra cena impagável quando ele, esperando a irmã mais nova para levá-la ao cinema, encontra-a com namorado. Quando indagado pela irmã se a mãe não lhe dissera, ele desconversa mantendo a face de durão em direção ao menino. Na saída do cinema vê um casal. O britânico acha o filme detestável. Belmondo o puxa. Olha-o de cima abaixo. Dá-lhe um soco. Vira-se para a moça e diz que ela teria de vir com ele, pois ele tem um Alfa-Romeo! A narrativa escrita não comporta o peso das imagens do filme ou a expressão do ator Marshall, com sua cara de quelônio cômicamente fumando todo o filme... enfim, um bom curta. Cowboy por cowboy sou mais o Gary Cooper em High Noon, muito mais o Clint Eastwood em Man with no Name.

E na gente deu o hábito de se esconder nas trevas, de viajar entre as telas

O pai do [ me nego ao adjetivo ] que sai, criou em 1988 o National Film Preservation Act. Por ele a Biblioteca do Congresso, em nome de seu diretor, James H. Billington, seleciona anualmente os 25 filmes cultural e esteticamente relevantes para a história do cinema. Neste ano a lista completou 500 filmes.

Não levo muito a sério essas listas, mas fato é que dentre os selecionados neste ano estão - dentro do esquemão americano de cinema - realmente alguns de minha predileção e alguns deles até ja resenhados neste espaço de ilusões: The Asphalt Jungle (1950); A Face in the Crowd (1957); In Cold Blood (1967); The Killers (1946)- baseado num conto do Hemingway e tendo como atriz principal "o mais belo animal do mundo", Ava Gardner, perfeitamente definida por Cocteau, que tomava banhos na piscina da casa cubana de Hemingway nua, deixando-o louco, antes de Sinatra, a quem também deixaria louco poucos anos depois do filme em questão; e o The Pawnbroker (1965) - um dos melhores filmes que já assiti na minha vida, com uma das mais perfeitas atuações de Rod Steiger no papel de um duro sobrevivente do Holocausto e dono de casa de penhores no ghetto de NY, que impõe as mais diversas humilhações aos seus devedores e a seus empregados.

Os outros filmes devem ser importantes por algum outro motivo:

1. The Asphalt Jungle (1950)
2. Deliverance (1972)
3. Disneyland Dream (1956)
4. A Face in the Crowd (1957)
5. Flower Drum Song (1961)
6. Foolish Wives (1922)
7. Free Radicals (1979)
8. Hallelujah (1929)
9. In Cold Blood (1967)
10. The Invisible Man (1933)
11. Johnny Guitar (1954)
12. The Killers (1946)
13. The March (1964)
14. No Lies (1973)
15. On the Bowery (1957)
16. One Week (1920)
17. The Pawnbroker (1965)
18. The Perils of Pauline (1914)
19. Sergeant York (1941)
20. The 7th Voyage of Sinbad (1958)
21. So’s Your Old Man (1926)
22. George Stevens WW2 Footage (1943-46)
23. The Terminator (1984)
24. Water and Power (1989)
25. White Fawn’s Devotion (1910)

Musica do dia. Rosa dos Ventos. Chico

O Homem que Calculava

Desde fins junho assisti em video uns 55 títulos no NetFlix - incluindo filmes, documentários, series e pelos ossos do ofício, filmes infantis. Alguns foram revistos repetidamente, mas pouco importa, pois em números frios a média é de quase um filme a cada 3 dias. Foram mais ou menos uns 70 filmes. 70 filmes. Um a cada três dias. É pouco, mesmo considerando que dormindo uma media de 5 horas por noite, tendo um trabalho de 8-9 horas diárias, e ainda reservando tempo para minhas leituras, considero pouco, pois a meta era o de um filme por dia e um livro a cada 4 dias.

Nas estatísiticas dos números a frio não incluo os assistidos na tela grande nem os assistidos num canal que faço questão de assinar, o Turner Classis Movies - que os mafiosos da Comcast comandados por Edward G. Robinson fazem questão de me arrancar os olho da cara -, pois aí a média aumentaria. Familiares e amigos dizem que isso é patológico - mas continuam conspiradoramente dando corda, pois acabo de ganhar da megera de minha sogra mais uma assinatura de seis meses do NetFlix de presente de Natal. Agora, tenho direito a 5 filmes em video por semana.

No fundo, eu sei que isso é um problema. O pior é que eles não sabem que muitas vezes acordo no meio da noite para rever muitos destes filmes, repetir as cenas, parar, voltar, atentar para os diálogos, tomar notas... e se sou pego em delito flagrante, finjo, para nao piorar minha situação perante a família, que estou dormindo com a televisão ligada... enfim... agravando ainda mais esse meu problema que tende a piorar em 2009 pois em minha lista consta 475 filmes a serem assistidos ou revistos. Um absurdo. Uma utopia.



1. 71 Fragments of a Chronology of Chance
2. The Death of Mr. Lazarescu
3. Avenue Montaigne
4. Our Town
5. Four Films by Otar Ioselliani: Disc 2
6. Four Films by Otar Ioselliani: Disc 1
7. Rodin: The Gates of Hell
8. Il Grido
9. Famous Authors: John Steinbeck
10. My Life and Times with Antonin Artaud
11. A Brief Vacation
12. The Diving Bell and the Buterfly
13. Tempest
14. The Damned
15. Margarette's Feast
16. The Bicycle Thief
17. Ratatouille
18. The Passenger
19. The Virgin Suicides
20. Sculptures of the Louvre: Disc 1
21. Sculptures of the Louvre: Disc 2
22. Maria Full of Grace
23. Mirror Andrei Rublev
24. The Long, Hot Summer
25. Cars
26. The English Masters: Constable
27. L'Avventura
28. Who's Afraid of Virginia Woolf?
29. Down by Law
30. The Louvre
31. La Notte
32. Umberto D.
33. There Will Be Blood
34. Permanent Vacation
35. The Nude in Art: Disc 2
36. Stranger than Paradise
37. Dead Man
38. Once in a Lifetime
39. Night on Earth
40. Shadows
41. Curb Your Enthusiasm: Season 6: Disc 1
42. Curb Your Enthusiasm: Season 6: Disc 2
43. La Notte
44. Ossessione
45. The Aura
46. 2 Days in Paris
47. Human Nature
48. The Man Who Copied
49. Confessions of a Dangerous Mind
50. Cinema, Aspirins and Vultures
51. Eternal Sunshine of the Spotless Mind
52. Being John Malkovich
53. Durval Discos
54. The Loves of Emma Bardac
55. Story of a Love

La Pianiste


Erika eh uma balzaquaquiana professora de piano. Rigida e refem de um pretenso conservadorismo criado em parte pela aura de pianista classica num conservatorio de musica vienense, sente um secreto prazer em torturar psicologicamente seus pupilos. Usa seu poder para manipular alunos adolescentes inseguros. Ironicamente, perto de 40 anos ainda vive com a mae, por quem sente uma raiva impotente, que misturada ao temor torna a relacao das duas uma convivencia azeda e explosiva que lhes transforma a indole. Sexualmente, se satisfaz colecoes de revistas que para seu mundo seriam proibidas, com idas furtivas a cabines de filme porno e passeios a pe por cines drive-in a procura de distracoes voyeristas.

Seu mundo encantado minuciosamente costurado com ordem, metodo e a falsa sensacao de ascendencia sobre todos que a rodeiam, passa a se desorganizar quando conhece a Walter, um estudante de engenhaira de 17 anos, que presta exames para o conservatorio. Ela se sente atraida por ele, ainda que o interesse juvenil de Walter pareca mais impetuoso que o dela - controlado e indiferente. Perante os pares desmerece as qualificacoes do rapaz, quando este executa obras de Schumann e Schubert inferindo que as pretensoes profissionais do rapaz sao ambiciosas ja que uma carreira profissional de pianista deve se manifestar mais cedo.

Em pouco tempo sua atracao pelo rapaz passa de uma pretensa ascendencia dominante a possessividade e a uma contraditoria relacao de passividade que somente Leopold von Sacher-Masoch explicaria. Essa transformacao fica clara quando conduzida pelo ciume doentio que passa a sentir por Walter Klemmer, poe vidros quebrados no bolso do casado de uma de suas alunas, Anna Schober, por esta contactar Walter numas das audicoes. Quando procurada pela mae da aluna – tao intransigente quanto sua propria mae - , Erika forja compaixao. Consola-a de maneira a nao deixar duvidas sobre seu papel de mentora.

No frigir dos ovos, Walter Klemmer, como todo o bom adolescente, eh um rapaz fissurado na professora enigmatica. A professora, sexualmente reprimida, tem uma longa lista de exigencias sadicas e masoquistas expressas por carta ao rapaz, que comeca a desconfiar de sua sanidade e se decepciona, desistindo da relacao. Ela insiste, procura-o, e na hora da cama – ou do vestiario de hoquey – nada pintou direito. No novo encontro, Klemmer invade o apartamento da moca, espanca a mae, violenta e humilha a filha. Ela sente que a realidade eh um pouco diferente daquela que assiste nas cabines de filmes ‘proibidos’. Um filme que combinaria mais com uma trilha de Wagner ou Xitaozinho e Chororo, mas como foi Schubert, pareceu-me ateh nem tao violento quanto vulgar. No final, a trilha sonora eh o que importa.
Musica do dia: Tom Waits. Bottom Of The World. Orphans: Brawlers

April


Uma especie de segunda-feira de manhã. Uma cidade antiga desperta lentamente. As janelas dos sobrados vao se abrindo pouco a pouco. Por tras das janelas, os moradores, a maioria deles musicos, despertam a cidade com recitais. Um casal jovem imensamente apaixonado nao consegue encontrar um espaco para namorar, pois ha uma imensa mudanca na cidade. Carregadores passam todo o tempo com moveis e caixas por todos os lugares em que o casal decide pousar organizando a mudanca para um complexo habitacional nas cercanias da pequena cidade. A paixao dos dois eh tamanha que sua energia faz a aguas das torneiras correrem soltas, as bocas do fogao e as lampadas do novo apartamento onde vivem acenderem.

O filme April (1961), de Otar Iosseliani, tem alguns aspectos ainda mais surreais. Apesar do filme de apenas 45 minutos ser quase todo mudo, ha uma sonoplastia estranha. Os instrumentos musicais nao emitem seus sons originais, a agua nao faz ruido de agua saindo da torneira e portas que nao rangem como deveriam ranger, por exemplo. Por esse amor ser tao forte e nao permitir que os instrumentos funcionem e as luzes acendam, a vida cotidiana vai se transformando num tormento. Subitamente, aquilo que parecia um sonho passa a se transformar, sob o mesmo cenario de sons de natureza metalica, num pesadelo.

Otar Iosseliani eh georgiano – por acaso a terra natal de Stalin. Este foi o terceiro filme da carreira de Iosseliani, e um de seus muitos filmes banidos pelas autoridades do Partido Comunista, sob a alegacao de extremo formalismo. Desapontado com as decisoes, decidiu trabalhar embracado por dois anos e depois como metalurgico. Apenas em 1966 retorna a sua carreira, com Falling Leaves, um filme onde o contraste entre os valores tradicionais e modernos esta presente de maneira marcante. Um tanto mais real e oficialesco, e muito menos lirico que Pao de Manuel de Oliveira, Falling Leaves, conta historias estanques ao redor do quotidiano de dois jovens homens, um idealista e outro ambicioso e oportunista, que comecam a trabalhar numa fabrica de vinhos, onde aos poucos o quotidiano dos trabalhadores, que repetem os mesmos gestos mecanicos ao produzir o vinho, mostra a diferenca essencial dos niveis hierarquicos e das herancas filiais. Um filme um tanto longo e desconjuntado que mescla imagens documentais e narrativa filmica, numa gramatica nem sempre compreensivel como em April - uma especie de pequena obra-prima.

"For me, the best film -- the true film -- is the kind which requires no translation."
Otar Iosseliani , Georgian filmmaker

My Life and Times With Antonin Artaud

Na época de faculdade frequentava muito teatro nos fins de semana. Gerd Borheim dava a dica durante a semana e duros, partiamos para assitir a tudo que fosse barato ou gratis. Ou seja, lugares onde, com todo os respeito, Barbara Heliodora jamais poria os pés. Das montagens de projetos finais das turmas iniversitárias de teatro - da UFRJ, UERJ, Uni-Rio - ao pessoal que orbitava o Teatro do Oprimido, no Pachoal Carlos Magno e o Tá na Rua – na época, ensaiando num daqueles casarios da Lapa. Hoje, olhando-se em retrospectiva, tudo era sofrivel. Mas sempre se tirava algum conhecimento, que se não fosse das peças em si, ao menos aos ensaios dos abertos: Shakespeare, Nelson Rodrigues, Antígona, Vianinha, Valle-Inclán...

Mas por acaso, nunca assisti a uma peça de Artaud. Artaud foi tão importante para o teatro como Stanislavski e Brecht, mas nem tanto por suas obras. O dramaturgo e poeta surrealista criou uma técnica de preparação de palco baseada numa forma diferenciada de atuar. Consistia em imergir o ator num ambiente de criação contínua, com uma impetuosa incessante necessidade de inventar, uma profunda integração com a própria vida, onde segundo sua perspectiva, tudo na vida é cruel causando uma sensação de desconforto constante. Consistia em coisas que hipnotizassem o espectador, sem que nesta hipnose estivessem contidos diálogos entre os personagens, e sim gritos, música, dança, sombra, explosão de luzes e expressão corporal, mais ou menos como nas peças de Gerald Thomas – aliás, agora me lembro, uma predileção do velho Gerd.

O palco seria o local da catarse onde o ator deveria romper com o texto literário, imaginar-se submerso na cena e movimentar-se nesse universo teatral vivo, onde realidade e ficção teriam apenas uma linha tênue de separação. Diga-se de passagem, Artaud definiu essa sua técnica de desvendar os mistérios da alma, como Teatro da Crueldade.

E acabei assistindo um filme experimental de 1993 do diretor francês Gerard Mordillat, 'My Life and Times With Antonin Artaud'. O filme é uma interessante visão biográfica da vida do dramaturgo. Aparentemente simples, o filme, baseado nas anotações do diário de Jacques Prevel, narra a relação de amizade e obsessão deste pela figura de Antonin Artaud, representado pelo inflamável, Sami Frey. O primeiro manifesto do Teatro da Crueldade é lançado por Artaud em 1932, vindo ao prelo em 1938. Mas o filme em si retrata o período posterior à Segunda Grande Guerra quando Artaud recebe alta do sanatório onde permanecia internado para tratamento de suas neuroses, bem como da dependência de laudanum. Retrata um homem de neurônios em chamas, incapaz de se livrar da dependência de da droga, torna-se cada vez mais criativo, paranóico e insano. Mesmo assim segue produzindo.

Já Prevel sofre com sua efemeridade. Dividido entre a vida familiar, a esposa grávida, Roland, a boemia, o filho, a amante Jany, a presença nos cafés, a falta de dinheiro e a temerária aspiração poética. Artaud percebe a ascendência sobre Prevel e joga o jogo. Precisa de laudanum e Prevel pode conseguí-lo – pois Jany, sua amante, que é chegada na substância. Artaud manipula suas amizades como a seus atores no palco. Torna-os objetos, tal como na cena onde ensaia uma atriz, levando-a a repetir a fala inúmeras vezes até a exaustão, até o desespero; ou como na constante guerra contra a esposa de Prevel e o encarceramento de sua vida familiar; ou como na preversa manobra de levá-lo aos editores, mesmo sabendo que sua obra é inconsistente; ou como num dos confrontos com Prevel afirmando que este não passa de um artista poseur.

A certa altura, obviamente, Prevel já não consegue perceber se Artaud, com tanto psicotrópico na cuca, é um hiper-perceptivo está apenas alucinando. De todas as maneiras, é impagável ver Sami Frey atuar e tornar a vida caótica de Artaud mais próxima. Mais interessante ainda é perceber a relação de um prosélito ambicioso e seu proselitista genial - mas com alguma marca do interesse pessoal.

Musica do dia: Wearing and Tearing. Led Zeppelin CD/DA.

Drežnica

Drežnica é um curta muito interessante de Anna Azevedo todo construído com imagens Super 8, onde a falta constante de foco permite-nos apenas vislumbrar as cenas de uma festas de aniversário, umas paisagens supostamente americanas, e a travessias de uma mulher num navio de nome Drežnica. Isso mesmo, exatamente: uma espécie de sonho onde as imagens não se conectam.

Entretanto, através de uma lírica narrativa costurada não só com imagens, mas sensações, reveladas pela memória e pelos sonhos de pessoas que não enxergam Anna Azevedo fez mais. Não sei o que significa o nome, mas a sei que em pouco mais de quinze minutos o curta nos remete de maneira lírica a ambiente e sensações inexplicáveis. Sensações sobre inóspitos lugares, como os dos sonhos que não posso ter. Explico: os sonhos de gente que perdeu a visão narrando seus sonhos. Os depoimentos são inseridos num fluxo de imagens, muitas vezes desconexas, que tal como os sonhos, se fragmentam deixando um vazio entre a imagem e a narrativa. Interessantíssimo, pois nessa viagem onírica da memória, através das narrativas de gente que não vê, descrevendo por exemplo o azul do céu e como o vêem em seus sonhos, o próprio céu adquire um novo tom, mais poético, mais próximo, mais amplo, mais esparamado.

Nota. Ainda nao assisti ao filme Ensaio sobre a Cegueira. Li o livro e adorei, mas espero que o filme seja tão poético quanto esse curta.

O Que Há de Ficar

O Que Há de Ficar é um curta fresco do diretor Felipe Continentino que assisti ontem. Fresco pois parece que depois do Festival do Rio 2008, este é o segundo lugar onde o doc é exibido. Pode ser impressão minha, pode ser até pretenso de minha parte pensar que o Felipe Continentino teve algumas sacadas boas de Bergman - algo do Persona - e de Antonioni (especialmente contidas no céu de nuvens, as visões repetidas da piscina e no passarinho de madeira na varanda deixando-se ao movimento do vento) estão ali, controladas para o tempo certo de um curta, numa narrativa linear porém atravessada de não-ditos.

A bela Maria Flor protagoniza uma jovem, provavelmente há anos vivendo fora do país que recém chega à casa de sua infância. No início, quando a câmera focaliza a mala e a cama onde a protagonista sem nome dorme, não fica claro se ela está de partida ou chegada. Aos poucos, com a câmera acompanhando-a em todos os recantos da ampla, vazia e intimista casa, percebe-se que aquela era uma casa que guardava lembranças, nem sempre boas, mas aparentemente mais intensas que as más.

Com muito mais silêncios e vazios que razões narrativas, com delicadeza, o curta focaliza a economia de emoções da protagonista no contato com objetos do passado, os discos, os quadros, o sofá preferido, as fotos escolares, os livros prediletos, a piscina, com os pequenos detalhes guardados nos objetos e lugares da casa.

Vera Holtz é a mãe. Só se sabe isso, de sua breve aparição na casa. Ao visitar a filha, numa escolha difícil, nostalgicamente decidem as duas o que deve ser vendido dos discos e quadros, ou levado.

Pelas razões expostas, Viva, Patricia e eu viemos discutindo no metrô sobre esses espaços vazios deixados propositalmente pelo diretor e roteirista, preenchendo-os com várias hipóteses, e uma plausível é a de que Filha e mãe vivem no exterior ou longe uma da outra, talvez em países diferentes, e decidem se encontrar na casa; e a filha decide vir antes para preparar uma surpresa à mãe, arrumando os móveis numa tentativa de prolongar a sensação de pertencer ainda àquele espaço adiando o que há de perda em qualquer partida. Mas evidentemente, essas hipóteses somente fazem sentido aqui, numa quinta-feira chuvosa e paradoxal, após um curta que fala de saudade e por isso propício ao reencontro com uma grande amiga - que não via há mais de três anos.

Um curta interessante para um mundo tão pequeno!