Whisky



O filme Whisky, de Pablo Stoll, lança uma dúvida bem prosaica. Que diabos de relação há entre o nome do filme e a estória dos protagonistas Marta, Jacobo Koller e Herman Koller?

Jacobo tem uma pequena confecção de meias no centro de Montevidéu. É um homem solitário, na faixa etária dos 50 anos, que cuidou da mãe doente até o falecimento desta. Na fábrica trabalham apenas 3 mulheres. Dentre elas Marta (interpretada pela ótima Mirella Pascual), a mais velha, é uma espécie de gerente das outras moças. A relação entre Jacobo e Marta é, antes que fria e distante, uma relação de respeito e cordialidade pautada nas pouquíssimas palavras que trocam no decorrer dos dias. Quando Jacobo chega à fabrica, Marta, pontualmente o espera diariamente. Assim como Jacobo, Marta também é uma mulher solitária que afugenta sua condição humana de isolamento numa sala de cinema após a jornada de trabalho. Na manhã seguinte, a cena dela esperando que o patrão chegue em frente a porta da fábrica se repete religiosamente.

Essa rotina quase mecânica muda na ocasião do Matzeiva da mãe de Jacobo pois seu irmão Herman, que vive no Brasil e também tem uma fábrica de meias, chegará para a celebração póstuma. Jacobo então propõe a Marta que ela fique em sua casa nos dias de estada do irmão, simulando que estão casados.

Nesse momento percebemos que o filme se trata de uma ótima comédia de humor seco e cortante, pois no momento da proposta o telefone toca. Jacobo vai atender. Retorna dizendo se tratar de um engano e prosseguindo a coversa. A presença providencial do telefone tocando em momentos centrais da trama se repete comicamente umas duas ou três vezes. Como por exemplo quando Jacobo com certa torpeza lhe dá uma aliança de “casados”. O anel fica grande e cai no chão. Ela imediatamente se abaixa para procurá-lo embaixo da mesa. Jacobo fica estático. Ela encontra o anel e pergunta se a aliança era de sua mãe. Jacobo responde desconcertado que sim. Providencialmente o telefone toca. Jacobo retorna e diz equivocado. E Marta responde como em outras ocasiões... Sí, a veces pasa.

Aos trinta minutos de filme, vem finalmente a resposta. Para que a presença de Marta não levante as suspeitas do irmão, Jacobo providencia que Marta passe uns dias em sua casa e a leva para que tirem uma foto como casados. Nesse momento o nome do filme faz sentido. No estúdio fotográfico eles estão sobre um fundo azul, bem vestidos e constrangidos. O fotógrafo diz, A ver una sonrisita... digan whiskyyyy.... Eles se abraçam de maneira torpe e repetem a palavra whiskyyy mostrando os dentes, simulando um sorriso, sem muito empenho.

Tudo pronto. So falta Herman chegar.

A presença de Herman torna tudo muito mais constrangedor. Os dois irmãos não se viam há anos, não tinham maiores intimidades. Herman é um tipo expansivo e auto-centrado, sua efusividade contrasta com a indiferença de Jacobo a tudo e a todos tornando o filme uma comédia com detalhes brilhantes. Como quando os irmãos, que não se viam há anos, se presenteiam meias. Ou quando vão assistir um jogo de futebol da segunda divisão, do time de Jacobo. Ou quando decidem ir passar uns dias num hotel no balneário de Piriápolis, um local onde os irmãos iam de criança e que se encontra decadente e vazio.

O roteiro do filme, assinado pelo diretor, por Juan Pablo Rebella e Gonzalo Delgado Galiana, tem diálogos econômicos e situações de inisitada originalidade. Eu diria que este é um roteiro muito bem amarrado. A frieza e a parsimônia com que os personagens são apresentados permite a revelação gradual de detalhes de suas personalidades através de pequenos gestos incorporando-os a um sentido mais universal de melancolia e solidão. Além disso é evidente um certo sabor das comédias do romeno Cristi Puiu e do finlandês Aki Kaurismäki em algumas situações do filme.

Uma curiosidade trágica: no dia 7 de julho fará 3 anos que o roteirista Juan Pablo Rebella se matou. Ao lado de seu corpo, em frente ao computador, foi encontrado um revólver calibre 32 e uma garrafa de whisky pela metade.


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