Dimensões: 9x9cm
Data: Fevereiro de 2022
Técnica: Xilogravura
Manuel Maria de Barbosa l'Hedois du
Bocage nasceu em Setúbal a 15 de Setembro de 1765. Suas muitas versões
biográficas estão cercadas de prisões, deserções e um certo mistério quanto a
autoria de muitas obras a ele atribuídas. Mas são unanimes e dizer que que foi
possivelmente o maior representante do arcaísmo lusitano.
Antes de continuarmos, uma
advertência: Por ser uma biografia não-autorizada de l'Hedois du
Bocage, teremos, ao longo dessa biografia, muitas palavras de baixo calão.
Portanto, se o leitor quiser interromper aqui a leitura, agradecemos a intenção
recebida até aqui…
Nos primeiros anos, sabe-se que
perdeu a mãe muito cedo e que o pai, um juiz de fora, esteve preso por longos
anos, por, digamos assim, desviar algo de herbário do erário público – ainda
que, digam as más línguas, que andava com gente amiga dos inimigos do Marques
de Pombal, e como diz aquele velho adágio luso “Diz-me com quem andas e eu te
direi que és”, não se sabe exatamente se foi preso por isso ou por aquilo. O
fato é que Manuel Maria era criança quando o pai foi para o xilindró. Na linha
ancestral, nessa que vem antes da escumalha dos parentes diretos, sabe-se que
era neto de almirante. Por parte de mãe, tinha uma fauna hereditária artística
respeitável entranhada nas raízes. A família da mãe vinha dos lados da França.
Sua mãe era segunda sobrinha da célebre poetisa francesa, madame Marie Anne Le
Page du Bocage, tradutora do Paraíso de Milton, imitadora da Morte de
Abel, de Gessner, e autora da tragédia As Amazonas e do poema épico
em dez cantos A Columbiada, que lhe mereceu a coroa de louros de Voltaire
e o primeiro premio da academia de Rouen. Bocage ainda tinha um nobre e uma
freira como padrinhos. Com esse cabedal, o jovem ingressou no exército em 1781
permanecendo por dois anos. Logo seguindo para Lisboa, onde foi admitido na
Escola da Marinha Real, da qual desertou antes do final do curso. Mas essa
coisa de ter ligações com a França, em fins do século XVIII, se me permitem a
licença poética, sempre pode dar merda.
Ainda assim, consta que foi nomeado
Guarda-Marinha por decreto de D. Maria I, A Louca, embarcando em 1786 para
India com uma significante passagens pelo Rio de Janeiro. Com 21 anos, sua fama
de fazedor de versos e poeta, já corria pela boemia lisboeta.
No Brasil, consta no
"Dicionário de Curiosidades do Rio de Janeiro" de A. Campos Da Costa
e Silva, que viveu na atual Rua Teófilo Otoni, no centro da cidade, e que
gostou muito. "Gostou tanto da cidade que, pretendendo
permanecer definitivamente, dedicou ao vice-rei algumas poesias-canção cheias
de bajulações, visando atingir seus objetivos. Sendo, porém o vice-rei avesso a
elogios, e admoestado com algumas rimas de baixo calão, que originaram a famosa
frase: ‘quem tem cu tem medo, e eu também posso errar’. " Sem titubear, o
Vice-rei obrigou-o a prosseguir viagem para as Índias. E se me permitem a
licença poética, este poeta que dizia ser “capaz de foder Lisboa inteira!”,
acatou a ordem do vice-rei e seguiu viagem com seu rabo entre as pernas. Ou refaço
a frase: seguiu viagem com seus “conos e cus feitos num trapo”
Após essa tentativa frustrada de
viver nos trópicos, rumou para India com passagens por Moçambique, Damão e
Macau. E logo depois, frente as inúmeras tentativas de deserção, foi preso pela
inquisição, que apesar de não mais assassinar, a altura dos anos de 1780, ainda
era temida como braço politico do terror.
Pela inquisição seria preso duas
vezes e pela polícia de Lisboa outras tantas, mas dizem que foi justamente no
período de cárcere que Bocage produziu a maioria de seus textos, inclusive os
textos sérios como as traduções e comentários de manuscritos em latim e sua
primeira edição de rimas.
Nos calabouços da Inquisição,
provavelmente, em nome de Deus, comeu o pão que o diabo amassou, pois na década
de 1790, sua produção foi imensa.
Elegia que o
mais ingénuo e verdadeiro sentimento
consagra à deplorável morte do ill.mo e ex.mo sr. D.
José Tomás de Meneses, etc.,1790; Rimas de Manuel Maria de Barbosa du
Bocage, tomo I, 1791; Eufémia ou o triunfo da religião:
drama de Mr. de Arnaud, traduzido em versos portugueses, Lisboa,
1793; Elogio poético à admirável intrepidez, com que em
domingo 24 de agosto de 1794 subiu o capitão Lunardi no
balão aerostático, Lisboa, 1794; As chinelas de Abu-Casem,
conto árabe de 1797; dentre outros.
Ainda nesta década de 1790, foi
convidado a fazer parte da Academia das Belas Letras ou Nova Arcádia, onde
adotou o pseudónimo Elmano Sadino, com o qual já vinha escrevendo desde
1791, por exemplo, Qeixumes do pastor Elmano contra a falsidade da
pastora Urselina. Entretanto, o fescenino e boemio foi acumulando desafetos
como todo o bom desbocado, passando a escrever ferozes sátiras contra os
próprios confrades. Ou seja, não chegou a esquentar os couros das cadeiras na
Nova Arcádia, sendo logo expulso.
Acredita-se que um dos seus
principais rivais intelectuais na “Academia de Belas Artes”, Belchior Curvo
Semedo, articulado com os “moscas”, polícia política regia que prezava pelo
mantenimento do regime em plena turbulência dos ecos da Revolução francesa,
denunciou alguns de seus poemas licenciosos e traduções que circulavam,
inclusive no Brasil. Como tradutor dos Iluministas, não seria difícil
atribuir-lhe outras culpas num tempo de paranóia restauradora e
anti-revolucionária, afinal a denúncia contra o despotismo, o fanatismo
religioso, a hipocrisia do clero, a moral sexual, eram temas recorrentes e
correlatos aos Iluministas. No fundo isso é inveja, só pode ser.
E diga-se de passagem, Lisboa era
dominada por Pina Manique, intendente de polícia e homem de confiança do temido
Marquês de Pombal, o mesmo que em 1797 decretara a prisão de Bocage por ser
“desordenado nos costumes”, Manuel Du Bocage já era uma figura marcada e
conhecida por suas simpatias com as idéias do Iluminismo e figuras como
Voltaire, Rousseau, La Mettrie, Diderot, d’ Alembert.
De 1799 até 1801 Bocage trabalhou
com o Frei José Mariano da Conceição Veloso, um religioso brasileiro bem
conceituado entre a corte e a igreja, que lhe proporcionou ganhar algum
dinheiro com muito trabalho e troca de redução de suas penas. Deste período são
os panfletos:
Sabe-se também que ao longo da vida
foi tradutor com várias versões portuguesas de textos clássicos latinos, entre
os quais se contam autores como Virgílio e Ovídio, caracterizadas pelo rigor e
pela originalidade, atribuídas a Bocage. O mesmo rigor crítico ser também
aplicados às suas traduções da língua francesa de escritores de vertente
“Liberal”, como Voltaire, La Fontaine, Florian, Lacroix, d’Arnaud, Delille e
Castel. De Le Sage, por exemplo, traduziu do francês para o português da
picaresca História de Gil Braz de Santilhana, 1798. Bocage a traduziu até à
página 116 do tomo II, a partir daí passou a ser feita por Luís Caetano de
Campos, pois Bocage brigou com o editor e não quis continuar.
Em 1805 descobriu uma doença
cardíaca com a qual iria sucumbir em cinco anos. Ainda nesse ano
publicou Os improvisos e os Novos improvisos, escritos já
durante a enfermidade. Estes últimos cinco anos, que precederam a sua morte,
foram dolorosos. Pobre e doente, só não se viu completamente desassistido,
graças ao amigo, o dono do café das Parras, no Rossio, José Pedro da
Silva. Este café por muitos anos teve um lugar reservado para Bocage e seus
amigos do Agulheiro dos sábios. Na sua doença, Pedro das Luminárias, como era
conhecido o amigo taberneiro, o auxiliou com doações, dinheiro e ajuda na venda
de seus livros, chegando a pagar as despesas do funeral.
O poeta, que ao longo da História, frequentou mais anedotário que lhe é atribuído, que à sua obra, é hoje um mito. O mito e o anedotário muito se deve aos indispensáveis editores pilantras que, na primeira metade do século XX, sem escrúpulos, foram perpetuando esta fraude, através de edições com poemas e piadas de baixo calão, em sucessivas e de inúmeras tiragens, indo ao encontro da procura assinalável de um público que sempre esteve atrás de uma piada do Bocage. Afinal, junto à dos papagaios, as piada do Bocage, sempre foram as melhores.
Manuel Maria de Barbosa l'Hedois du Bocage morreu em 21 de Dezembro de 1805, em
Lisboa. Vítima de aneurisma da artéria cervical interior do lado
esquerdo, aos 40 anos.