DYONELIO MACHADO

 



Título: Dyonélio Machado

Dimensões: 9x9cm

Técnica: Xilogravura

Data: Junho de 2021

 

Dyonélio Tubino Machado nasceu no Rio Grande do Sul, na cidade de Quirai, fronteira com o Uruguai, a 21 de Agosto de 1895. Filho de Sylvio Rodrigues Machado e da costureira Elvira Tubino Machado. Ainda criança, teve a vida marcada por uma tragédia. O pai, que era despachante aduaneiro na fronteira, foi assassinado quando ele era ainda um menino. Orfão de pai aos sete anos, o menino tinha uma família, agora, arruinada, constituída apenas pela mãe e pelo irmão mais novo Severino. 

Dyonélio nasce durante os anos da instauração da República, entre 1893 e 1895, travou-se cruenta luta entre as facções oligárquicas pelo comando do Estado, à qual se deu o nome de Revolução Federalista. Os republicanos – chimangos – estavam agrupados no Partido Republicano Rio-Grandense (PRR) e os liberais –maragatos -, no Partido Federalista.

Anos mais tarde, Dyonélio explicaria o contexto da morte do pai. Em cheiro de coisa viva: entrevistas, reflexões dispersas e um romance inédito: O estadista. Rio de Janeiro: Graphia, 1995, Dyonélio disse: “Quaraí, é uma cidade de fronteira, com um movimento grande de importação e exportação. Toda a produção de lá tinha vazão pro Uruguai, pois para transportar charque pro Nordeste, passava-se dentro do Uruguai, o que dava margem a mil e uma safadezas.”

Aos oito anos, ele já vendia bilhetes de loteria para ajudar no sustento da casa. E menos de um ano depois do assassinato do pai, outro fato marcante ocorre. Um dia, na rua, encontrou o assassino do pai. O homem queria comprar um bilhete. Esse encontro é narrado pelo próprio escritor: “Não queiram passar pelo momento que passei: negociar com quem me fizera órfão era renegar uma adoração que nada abalaria. Mas trocar por dinheiro os poucos bilhetes de loteria que eu carregava, era obter meio quilo de carne. Cedi. Nossa transação se fez sem palavras. Sabia também o que me esperava em casa: era minha mãe chorando”.

A falta de recursos econômicos, não o impediu de estudar. Matriculou-se e ao irmão menor na recém-aberta Escola de Aurélio Porto. Para pagar a escola para os dois, Dyonélio dava aulas para os meninos das classes mais atrasadas. Com 12 anos, independente e solitário, começou a trabalhar como servente no semanário O Quaraí, o que lhe permitiu conhecer os intelectuais locais. Foi também balconista na livraria de um parente, João Antônio Dias. Não se sabe exatamente quando se tornou Comunista, mas por volta de 1911, aos 15 anos, funda em Quaraí o jornal O Martelo, nome sugestivo e que já demonstrava o seu interesse pelo marxismo.

Aos vinte anos já colaborava com os jornais Gazeta do Alegrete, Correio do Povo, Diário de Notícias e o Diário Carioca, vindo a se casar em 1921, aos 26 anos, com a professora de piano Adalgisa Martins. Três anos mais tarde entra para a Faculdade de Medicina, e ainda durante os estudos publicaria seu primeiro livro, Um Pobre Homem. No início dos anos 1930, o já formado, o Dr. Dyonélio continua com seus hábitos antigos dos chás e chimarrão.

Não gostava de médicos nem de remédios. Quando adoecia só tomava Melhoral, um analgésico e antipirético. E talvez por isso especializa-se em Psiquiatria, rumando para o Rio de Janeiro. Nesse momento iniciava-se um período político e econômico conturbado, na capital e no Brasil. Getúlio Vargas se torna o presidente e permaneceria no poder nos próximos 15 anos.

Durante o período de estudos acadêmicos, escreve em 1933, Uma definição biológica do crime, Um ensaio, parte da tese de doutoramento do autor que foi a precursora da bibliografia freudiana no Rio Grande do Sul. Nesse mesmo período, ainda encontrou tempo para traduzir a obra Elementos da psicanálise, do psicanalista italiano Edoardo Weiss.

No ano seguinte, de volta a sua terra, envolveu-se na greve dos gráficos da Livraria do Globo, por isso, foi preso pela primeira vez, ainda que por pouco tempo, num quartel militar, na Praia de Belas. Como homem de esquerda, tornou-se membro dedicado do Partido Comunista Brasileiro (PCB). Após ser solto, ainda vai para o interior ajudar um familiar doente.

A segunda prisão ocorreu no dia 2 de outubro de 1935. Era uma quarta-feira. Nesse dia, Dyonélio Machado foi detido e levado para a carceragem do quartel do Terceiro Batalhão da Brigada Militar, devido sua participação na paralização dos gráficos do Rio Grande do Sul. Acusado de incitar os trabalhadores, Dyonélio foi enquadrado no artigo 19 da recém criada Lei de Segurança Nacional, instituída durante o governo de Getúlio Vargas. Aliás, ele foi um dos primeiros intelectuais a sofrer nas garras da “Monstruosa” como era chamada a lei que também encarceraria, um ano mais tarde, o alagoano Graciliano Ramos, por anos. Curiosamente, no mesmo dia da prisão, recebe a visita do jovem repórter, Rubem Braga, que registraria dias depois no jornal A Manhã, o recebimento do Prêmio Machado de Assis, em reconhecimento a Os Ratos. O escritor ficaria seis meses nessa prisão até ser transferido para o Rio de Janeiro, amargando um total de 2 anos de reclusão.

Segundo o próprio Dyonélio, a estória de Os Ratos o acompanhava há mais de 9 anos, estava toda em sua cabeça. Nessa época trabalhava em três hospitais. Chegava em casa do trabalho de médico, sentava-se à mesa e punha-se a escrever à mão em folhas de papel. Dormia muito pouco naquelas noites. Mas segundo ele, foram vinte noites mal dormidas. Escreveu Os Ratos em 20 noites. Pela manhã cedo, deixava o que escrevera à noite para que sua mulher fizesse a primeira revisão dos manuscritos. E no mesmo dia a esposa os entregava a uma funcionária empregada da Livraria Globo, a principal de Porto Alegre, e que tinha sido indicada pelo Érico Veríssimo, para o trabalho de datilografia.

O livro, baseado num pesadelo que sua mãe havia lhe contado há anos,  tem um enredo bastante simples, linguagem seca e direta, que muito lembra a de seu companheiro de prisão Graciliano Ramos. Até os anos 1960, o leite era entregue na porta das casas das pessoas. Uma das opções era deixar a garrafa de vidro vazia na porta para que o entregador a trocasse por outra cheia. Funcionava na base de um caderninho: num dia combinado antecipadamente, o leiteiro batia e cobrava os atrasados.

O personagem principal dessa obra é Naziazeno, um funcionário público, que dispões de apenas um dia para pagar uma conta com o leiteiro. Desesperado, chega no trabalho e pensa em pedir um empréstimo com o chefe da repartição. Sem sucesso, recorre ao amigo Duque. Ambos não foram trabalhar naquele dia. A doença do filho o desespera. Precisa conseguir dinheiro para o leite e o tratamento. Angustiado, Naziazeno consegue algum dinheiro emprestado para apostar num cassino. Entre as indecisões de apostar num número ou noutro, acaba ganha quinze mil-réis.  Guarda dez no bolso. Pega cinco, e compra mais fichas, na esperança de multiplicar seus ganhos. Porém, ele perde tudo.

No fim do dia, encontra os amigos Alcides e Duque, e os três procuram casas de agiotas, sem sucesso. Duque convence Alcides, que possui um anel penhorado com um agiota, a reavê-lo e renovar a penhora com outro agiota. Porém, para recuperar o anel, o trio é levado a fazer um outro empréstimo com outro agiota, Mondina.

Com o anel em mãos, Naziazeno e Alcides são instruídos por Duque a procurar Dupasquier, um comerciante de ouro. O dia está quase no fim, o tempo passa, e o leitor não consegue se livrar do efeito psicológico que a angustia do protagonista causa. O conselho de Duque não funciona.  Dupasquier trabalha apenas com venda, não com penhora. Quando finalmente os três conseguem negociar o penhor do objeto, e conseguem o dinheiro, Naziazeno chega em casa, exausto.  

Naziazeno, muito abalado, pensa e repensa o dia que passara, a angústia se torna uma espécie de paranóia e logo passa a ter umas alucinações entranhas com uma ratada. Ouve ruídos vindos da cozinha, entre pratos e panelas. A legião crescente de ratos invadem a casa e roem o dinheiro que obtivera, reduzindo-o a migalhas. E de repente tudo fica em silêncio.

Naziazeno se dá conta que está sentado na cama ao lado de sua mulher, Adelaide. Ele fica assim por horas a fio, até o amanhecer. Naziazeno só dorme após perceber o leite sendo deixado à porta de sua casa.

Em junho de 1937, obteve sua libertação, beneficiado que foi – como tantos outros – pela “Macedada”, nome do então ministro da Justiça Macedo Soares. De volta ao sul, foi a Quaraí (RS) se reunir com a família. Na cidade, passa a ter dificuldades de aceitação por parte da comunidade, em virtude de suas ligações PCB. Antes de se tornar comunista, Dyonélio tivera ligações poliíticas com o Partido Republicano Rio-Grandense (PRR). Ele fora muito amigo do governador Borges de Medeiros, de Protásio Alves e de toda a direção do PRR, além de ser parente do senador Francisco Flores da Cunha. Nessa fase, pós-prisão, a família sobrevivia às custas das aulas de piano ministradas por dona Adalgiza, esposa do escritor.

Após a celebrada recepção de Os Ratos, publica O Louco do Cati, em 1942, que foi mal aceito pelas editoras e critica.  Com o fim da Era Vargas, elege-se deputado estadual nas eleições de 1947, pelo PCB (ainda legalizado). Tornou-se líder desta bancada, na Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul. Mas com o decreto da ilegalidade do Partido, a bancada é cassada e Dyonélio volta a clinicar e militar no jornalismo político.  

Seu reconhecimento somente viria no final dos anos 1970, quando o escritor já tinha 88 anos. Nesse interregno publicou Eletroencefalograma (1944) e tardaria vinte anos para voltar a publicar Deuses Econômicos (1966), Endiabrados (1980), O Sol Subterrâneo (1981), e Ele vem do Fundão (1982).

O “Lobo Solitário” da literatura gaúcha, como o chamou Érico Veríssimo, deixou uma obra composta de 12 romances, um livro de contos, um volume de memórias e vários ensaios. Com uma vida cheia de traumas, prisões, independência e solidão,  faleceu no dia 19 de junho de 1985, no Hospital de Clínicas, em Porto Alegre, em decorrência das complicações de uma cirurgia no fêmur.

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