Título José Agrippino de Paula
Dimensões: 9x9cm
Data: Dezembro de 2021
Técnica: Xilogravura
Figura de
difícil definição, José Agrippino de Paula e Silva é um desses personagens que
passam pelo cenário cultural de um país, sem que se saiba bem se esteve mais
perto da margem da genialidade ou da porralouquice completa. Nasceu em 13 de junho de 1937. Como filho típico
da classe média paulistana, tinha tudo para dar certo nesses moldes. Filho do advogado
Oscavo de Paula e Silva e da professora Claudemira Vasconcelos, viveu seus
primeiros anos em Itu, no interior do estado. Retornando para São Paulo apenas
em 1942.
José Agrippino fez seus primeiros estudos no
Ginásio do estado, no bairro da Lapa, onde a família morava. Formou-se,
então, no científico em 1955, e no ano seguinte ingressa na Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU/USP). O pai morre quando Agripino tinha 20 anos. O fato
abalou a família profundamente e Agrippino pede uma inexplicável transferência
para a Faculdade Nacional de Arquitetura da Universidade do Brasil no Rio de
Janeiro.
No Rio de Janeiro, envolve-se mais
profundamente com o pessoal do teatro, mesmo que ainda que em São Paulo já começara
uma amizade com o cenógrafo Flávio Império. Na nova faculdade assiste as aulas
do recém chegado ao Brasil, diretor italiano Gianni Ratto. Ratto dividia seu tempo com as aulas de teatro
- nas quais Agrippino se engajou - e as montagens teatrais. Quando em 1959, Agrippino
adapta romance Crime e Castigo, do escritor russo Fiodor
Dostoievski, seu mentor Ratto já trazia na bagagem montagens como Mambembe
de Arthur Azevedo, A Pulga Atrás da Orelha de Georges Feydeau e Ilha
dos Papagaios de Sérgio Tófano
- ambos com Fernanda Montenegro
no elenco; além de Moratória de Jorge de Andrade.
Na
montagem de Crime e Castigo, Agrippino interpreta o protagonista Raskólnikov,
mas também assina a Direção, Montagem e Cenário, no espetáculo que teve palco
no teatro da faculdade, no bairro da Urca. No ano seguinte já formado arquiteto, passa a fazer alguns
trabalhos para a televisão, além de iniciar os rascunhos de Lugar Público
– livro que seria lançado seis anos depois com a orelha assinada por Carlos
Heitor Cony.
Mas a vida adulta de recém formado não foi
generosa nos 5 anos seguintes que passou Rio de Janeiro. Retorna para São Paulo
em 1965, com uma mão na frente outra atrás, no mesmo ano em que é lançado Lugar
Público. Nesse tempo, conhece a coreógrafa Maria Esther Stockler. Mesmo com
os apertos da falta de dinheiro, produz incessantemente nesses cinco anos
seguintes. Mesmo que a qualidade dessa produção seja duvidosa, entre altos e
baixos, Agrippino publica As Nações Unidas em 1966, e no ano seguinte publica
um de seus clássicos o romance PanAmérica. Também é dessa época a fundação
do Grupo Sonda, um misto de grupo de teatro, dança, meditação e porralouquice
que junto a Maria Esther seria o responsável por criar uma órbita de criação
constante, doideiras psicodélicas e inovação estética. Ainda nesse período montaram
Tarzan Tereceiro Mundo, o Mustang Hibernado. Logo depois o casal se muda
para o Rio de Janeiro e começam uma parceria com o grupo de rock Os Mutantes, para
a montagem do espetáculo O Planeta dos Mutantes.
Os
roteiros e enredos, dos livros e dos filmes eram tão loucos que era possível
ver o herói dividir a cena com John Wayne e travar duelo de western, fugir do
Dops, encontra-se com Che Guevara, dar uma trepada com Marilyn Monroe e até
salvar o planeta, que bem podia estar sendo ameaçado por anões verdes que saem
do útero da atriz americana. Se você acha que isso é impossível, até no Cinema,
você está redondamente enganado/a. Este é o enredo de PanAmérica!
Em 1968,
Agrippino dirige o filme Hitler Terceiro Mundo, uma obra completamente
experimental, quase tão sem nexo, quanto as anteriores. O jovem diretor Jorge Bodanzky, que conhecia Agrippino
desde essa época, conta que Agrippino tinhas as idéias, mas não tinha a menor
noção técnica para realizar um filme. Mesmo assim, como tinha simpatizado com
Agrippino e como já frequentava as discussões filosóficas do Sonda, resolveu ajudá-lo
na realização técnica. Bodanzky tinha acabado de voltar da Alemanha onde tinha
ido estudar Cinema no Instituto de Cinema Ulm. No retorno, já havia
trabalhando com o diretor Antunes Filho no filme Compasso de Espera –
que aliás, fora censurado no ano de 1969, sendo liberado apenas 3 anos depois -
e na filmagem da peça Balcão, baseada na obra de Jean Genet, com produção
de Ruth Escobar.
Bodanzky,
apesar de figurar nos créditos do filme como Diretor de Fotografia, junto a
Maria Esther, foram os grandes responsáveis pela conclusão do filme, que
contava com o esforço do pessoal do Grupo Sonda, além de Ruth Escobar, Eugênio
Kusnet e Jô Soares, que já fazia sucesso na televisão com Família Trapo. Jorge
coletava restos de filmes que não tinham sido utilizados em outras montagens,
juntava tudo em sacos pretos e usava-os em sequências curtas na montagem do
filme de Agrippino – prática aliás, muito comum no grupo do Cinema Marginal.
O resultado,
foi um filme esteticamente estranho e aparentemente genial. Com cenas inusitadas, filmadas num necrotério,
com mortos reais, ou com um obeso Jô Soares vomitando – um vômito real - num
restaurante japonês, depois de tanto comer, o filme torna-se um ícone cult da
geração. O filme ainda conta com uma cena onde Hitler dialoga, com um áudio
editado ao contrário, como no som de um disco girado no anti-horário, em que críticos
a consideram genial – mas que de fato, pode ter sido uma afronta do estúdio de
montagem de áudio, por não receber os honorários. Enfim, coisas de Agrippino.
Entre 1969 e 1970, o casal ainda produz o espetáculo
Rito de Amor Selvagem, mas a coisa muda de figura a partir dos anos de
1970. A essa altura, o casal vivia no bairro de classe media alta de Perdizes,
em São Paulo, numa casa imensa. Uma espécie de BBB sem voyeurs, onde rolavam
festas psicodélicas. Por conta da Ditadura, ou não, recebia constantes batidas
policiais. Na casa vivam Agrippino,
Maria Esther e a amiga Maria do Rosário, pivô das brigas constantes do casal. Os
amigos dizem que depois dessas invasões policiais Agripino nunca mais foi o
mesmo, e que seus primeiros sintomas de esquizofrenia aconteceram após esse
episódio dramático. Carlos Heitor Cony, contesta. O escritor afirma que
Agrippino já não era um camarada muito bem da bola na época do lançamento de Lugar
Público. Fato é que numa dessas festas regadas a doideiras e ácidos, Agrippino ouve
uma voz de prisão. Mas nao era dentro de uma viagem. E era real. No dia seguinte vira capa do jornal Última
Hora, numa foto algemado e com olhar de pavor.
Maria Esther, dizem, era uma mulher forte e
decidida, e assim como Agrippino, teve forte influência sobre os tropicalistas.
Caetano Veloso, inclusive, diz em seu livro Verdade Tropical que ela
revolucionou seu gestual cênico no palco, chegando a participar de O Cinema Falado.
O problema é que a barra pesava por conta da Ditadura, e da presença cada
vez mais constante de Maria do Rosário, e eles tiveram que se autoexilar. De repente
Maria Esther aparece com um traveler’s check. Agrippino, Esther e o irmão de Esther, o ator José Ramalho, vão
embora.
Passam a década de 1970 viajando pelo mundo e
produzindo pequenos documentários, com uma câmera super-8. Nessa época, o
escritor dedica-se ao romance Terracéu, sobre o qual há pouquíssimas
informações. Acredita-se inclusive que foi perdido com uma das malas do escritor,
numa passagem por Londres. Enfim, coisa de Agrippino. Passaram por Mali,
Senegal, Marrocos, filmando coreografias de danças rituais, e tudo que aparecia
pela frente.
Mas de onde vinha tanto dinheiro, quando, no
Brasil, eles não tinham sequer dinheiro para produzir seus filmes experimentais?
Simples: Maria Esther, nos anos 1970, além de talentosa coreógrafa,
ainda era a herdeira de um poderoso grupo financeiro, o Banco Haspa, instituição
que iria falir em 1983, mas que nesta época tinha o todo poderoso Delfim Neto como
um dos sócios das contas de poupança. Não se sabe se por medo, ou por uma
estratégia da família de mandar aquela turma estranha para longe, antes que aquilo
pudesse respingar nos negócios, Maria Esther, o irmão e o companheiro, partem
para o Continente Africano, com uma câmera na mão, muitas idéias na cabeça e um
generoso cheque de 5 mil dólares.
Retornaram
ao Brasil indo morar numa praia hippie na Bahia, fora dos holofotes. Ali, ainda produzem o curta Céu Sobre Água,
que foi o último filme do autor, onde Maria Esther aparece em cenas realmente
poéticas, boiando grávida na água. Nessa década Agrippino teve duas filhas,
uma com Maria Esther (Manhã, sim colocou o nome na filha de Manhã) e outra do
relacionamento com justamente Maria do Rosário (Chara, sim Chara, uma analogia
ao nome do cigarro de maconha, chamado “charo”). Pelo abuso de drogas ou não, seus sintomas esquizofrênicos foram
se agravando, e o casamento acabou pouco tempo depois do nascimento da filha do
casal. Cada um foi para seu lado e a menina, ainda pequena foi ser criada pelo irmão
de Agrippino.
Em 1979,
volta a morar com Claudemira, numa convivência muitíssimo difícil, inclusive com
episódios de surtos onde quebrava os objetos da casa e agredia fisicamente a mãe
que vem a falecer 1988, depois do relançamento de PanAmérica e de uma
mostra de filmes realizados por Agrippino. Ambas, as quais, o escritor não
compareceu. Neste mesmo ano foi
lançado um documentário extremamente poético chamado Sinfonia PanAmérica.
Agrippino já alheio a tudo, morando em Embu, se isolava cada vez mais.
Por essas e por outras, importantes escritores
como Nelson Oliveira e até mesmo Sérgio Sant’anna reverenciaram e prestaram constantes homenagens
à obra Lugar Público e a sua reinvenção da narrativa fragmentada do nouveau
roman, pautado no objetivismo e no antipsicologismo dos personagens - sem aquela
narrativa chata que caracteriza o gênero. Sérgio Sant´anna em artigo no Caderno
Mais! do jornal Folha de São Paulo (em fevereiro
de 1997) diz literalmente que a literatura de Agrippino é “exasperadamente reiterativa
e antipsicológica” e se pergunta: “Subliteratura? Não: superliteratura (a
fronteira é tênue, bicho)”
Por essas
e por outras, em Muito dentro da Estrela Azulada, disco de 1978, Caetano
diz indiretamente, claro, que graças a Agrippino, os novos baianos passeiam na garoa
paulista e que as Pan-Américas de Áfricas utópicas, túmulo do samba, mais
possível novo quilombo de Zumbi, mexem fundo naquilo que acontece no seu coração
quando cruza a Ipiranga e a avenida São João. Mais claro que isso, impossível. Ou não.
O chamado “guru do Tropicalismo” já estava
completamente pancado da cabeça, desde a década de 1980. Diagnosticado com
esquizofrenia, se isolou em na cidade de Embu das Artes, distante 22 quilômentros
do Centro de São Paulo. A casa não tinha nem rádio nem televisão - que
o escritor quebrou provavelmente numa neura, na época em que a mãe estava viva.
O escritor passava boa parte do
dia enrolado em trapos e mantas velhas, na varanda de sua casa, olhando para a
rua e escrevendo. Recebia pouquíssimas visitas, um ou outro
documentarista ou estudante de graduação querendo resgatar algo do buraco negro
que se tornou sua cabeça. Escreveu até morrer de infarto, aos 69 anos, em julho
de 2007, deixando 173 cadernos numerados, e um romance inédito, chamado Os
Favorecidos de Madame Estereofônica. Enfim, coisas do Agrippino.
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