Contentemo-nos com a Ilusão da Semelhança, porém, em verdade lhe digo, senhor doutor, se me posso exprimir em estilo profético, que o interesse da vida onde sempre esteve foi nas diferenças,
Choking Man
José é um rapaz calado por natureza, em seu laconismo consome-se, submerso e contrafeito, numa espiral de obsessivos pensamentos contra seu companheiro de trabalho, Jerry, que parece estar sempre meio chapadão e viajando, tentando a seu jeito tornar José um cara mais comunicativo Se no trabalho há esse companheiro supostamente apurrinhando sua vida, em casa a coisa não é melhor. O fantasma de um tio misterioso o assola a todo o momento com sugestões e pensamentos, geralmente confissões mal escondidas, ressentimentos contra os malogros pessoais. Sua incomunicabilidade, levemente autista, é decorrente, no fundo, mais das expressões de demônios interiores que das ameaças reais. A coisa toda só parece mudar um pouco quando a garçonete chinesa Amy é contratada para trabalhar no restaurante. José, ensaia um pequeno vínculo com o mundo exterior. Entretanto, Jerry está ali rondando a moça como uma ameaça ao amor de José. Consumido por uma espécie de paixão morbida pela moça e ódio visceral pelo rapaz, José, como todo o homem que não sabe atacar concatena vinganças. Vislumbra assassinar Jerry.
Todo o filme é um tanto claustrofóbico. As cenas mais angustiantes são exatamente as que o protagonista tenta se comunicar, em vão, num ambiente anglofônico. Ou seja, as cenas em que o protagonista comunica menos em palavras, são as mais expressivas.
Grande Hotel
A belga Lotte Stoops reinventa com elegância o presente e revive imprecisão passado do Grande Hotel, um suntuoso hotel que teve vida curta durante os últimos anos da colonização portuguesa no território africano, mais especificamente na cidade de Beira em Moçambique. O seu documentário sobre uma das mais mal acabadas obras do “poder colonial” português na Africa é um exemplo do muito que nos diz, a brasileiros e moçambicanos, sobres os sentidos da colonização. Uma vez fabulosamente rico, o Grande Hotel, um edifício que é mais uma cidade dentro da cidade, foi um luxuoso hotel foi construído em 1955 pelo empreendedor português Arthur Brandão, numa enorme àrea de 12.000 metros quadrados. Desta cidade e do gigantesco hotel, sobrou apenas um esqueleto, povoado hoje em dia por 3.500 seres viventes que habitam suas ruínas, tentando criar em cada canto um lugar habitável em meios aos escombros e a sujeira. Mais do que um simples documentário sobre a história deste hotel, o filme retrata que nem a megalomania colonial, nem a vaidade ideológica, conseguiram tornar o lugar eficiente.
Mesmo antes do colapso colonial, o hotel ja havia falido pelo fato de que a obra deixou de ser rentável já na planta. Construído em 1955, o hotel ofereceu aos seus residentes este pequeno paraíso em grande dimensões por apenas 11 anos. Com a falência, dez anos antes da queda do sistema colonial, não demorou muito até que as suites se transformassem em lixeiras, as salas de jogo em bordeis e a piscina num pântano. A revolução, e guerra civil, acabou com seu propósito – se é que havia algum. Grande Hotel passou a ser uma grande ruína, e o lugar que, supostamente, uma vez recebeu presidentes, reis, políticos e o mais alto escalão do poder colonial, passou a hospedar trabalhadores, refugiados, conselhos guerrilheiros, prostitutas e fanáticos religiosos.
O luxo desapareceu. O que restou foi sendo dilapidado, roubado e vendido. E nesse processo, tudo passou a ser moeda de troca: azulejos, portas, vitrais, janelas. Hoje em dia, no lugar dos corredores há todo o tipo de comércio e prestação de serviços que vão desde a venda de comida em condições de higiene precária à presença de salões de cabelereiras. E para um lugar onde não há luz, água, saneamento, nem esperança, há uma dinâmica paralela, que Lotte Stoops se esforça em mostrar intercalando os comentários mais non-sense daqueles que viveram e ainda se lembram do hotel, com imagens dessa estranha miséria que gera uma honesta solidariedade.
As passagens onde uma hospede octagenária lembra com ingenuidade e barbárie de uma recepção de casamento, anos após o fechamento do hotel, de um ofical colonial de alta patente portuguesa é impagável sobre o choque de culturas. A pobre mulher diz que a festa tinha sido tão opulenta, que só se lembrava das muitas vezes que fora ao banheiro para forçar o vômito e voltar para o salão para comer tudo de bom que o banquete da festa oferecia. Todo o luxo que habitou aquelas paredes, desapareceu para sempre.
A diretora, além de percorrer todo o edifício e entrevistar os que lá vivem, mostrando o seu quotidiano, teve o cuidado de intercalar comentários bizarros e muitas vezes preconceituosos com a realidade presente das pessoas que vivem lá e se adaptam à adversidade de viver nas ruínas. Algumas imagens muitas vezes reforçam o argumento dos que frequentavam o hotel como hóspedes. Por exemplo, onde um dia foi o centro de conferências hoje temos uma mesquita, e a piscina olímpica, hoje com um resto de àgua verde, serve de lavadouro de roupas e balneário público. Entretanto, os seus atuais habitantes, que por sua capacidade de adaptação e a estranha solidariedade que a adversidade gera, já se consideram “whato munos”, nativos. Com sua capacidade de adaptação criaram seus próprios mecanismos de defesa e vigilância, onde em cada corredor de dez apartamentos há um vigilante. Um destes é Mateus, uma espécie de zelador/síndico do edifício. Segunda geração no prédio, ele é filho de um antigo funcionário do Hotel, ainda do tempo em queo Hotel recebia hóspedes como Kim Novak, alugava seus quartos para ir fazer safaris na Africa.
Música do dia. O Povo no Poder. Azagaia.
Fluminense x Vasco
Nota. Postado 10 minutos antes de começar o Oscar. Que The Artist leve tudo, e que pingue alguma coisa para o Rio, que é um filme chatinho, mas que tem uma trilha sonora boa - apesar do Sergio Mendes.
La Ronde
Logo na primeira cena uma prostituta flerta com um soldado, e na segunda cena uma empregada é seduzida pelo seu patrão. Tudo de maneira muito natural, sem resistências nem grande entusiasmos de ambas as partes, até a cena final com a prostituta voltando à cena. A maneira circular e a transitorialidade das paixões está toda ali em amores passageiros, que duram apenas o que tem para durar. Ophus imprime, através de um narrador onipresente, Walbrook, a cada cena, um fatalismo irônico na narrativa. O Racounter assume várias formas diferentes. Guia pratiamente todas as cenas e introduz as várias intrigas chegando mesmo a filosofar entre as cenas. Não incidentalmente, ele é o próprio operador do carrossel. Algumas cenas são geniais. Algumas vezes quando os encontros amorosos não se realizam por algum motivo, o mestre de cerimônias para a cena e faz reparos no carrossel para que o amor continue girando. As suas criaturas vagam e desconhecem que não passam de atores em cenas criadas por ele próprio e que habitam um palco. Numa outra dimensão, o enredo exige dos atores um exercício de exigente de interpretação, por exemplo, do poeta Barraut que numa das cenas seduz uma jovem e ingênua com uma verborragia e um exagero de gestos e atitudes que adquire uma face quase caricata, e numa outra trava uma pragmática conversação com uma atriz mais velha e temperamental por quem é apaixonado. Com esta, mede as palavras, é um paciente crítico de sua condição, as vezes agitado, mas sempre atordoado com a possibilidade de perdê-la.
Com o filme, Ophus mostra como as referências morais são fajutas, esvaziadas, quando não hipócitas e absurdas, isso muito antes da série Californication! Filme é genial.
Money is not required to buy one necessity of the soul
Os Efeitos Maléficos de Hollywood
Geralmente, eu não era chegado em mulheres do tipo da Ingrid Bergman ou Barbara Stanwick. Muito finas, muito sofisticadas, eu até chegava a cogitar que elas tinham sido feitas mesmo para o Cary Grant – mas obviamente, na época, eu não ficava por aí dizendo essas coisas. Eu nem saberia o que dizer para uma mulher assim. Gostava das barraqueiras, das ciumentas, das possessivas, das mulheres que pudessem ter algum vínculo metafísico com o subúrbio. Tipo... a Elizabeth Taylor em Who’s afraid of Virginia Wolf?, ou o que por tabela seria a Gene Tierney em Leave Her to Heaven. Com elas eu treinava meu Humphrey Bogart. Eu as chamava de angel e precious com um Gauloise no canto da boca – nessa época eu já era professor e entre uma aula e outra, eu fumava quase um maço de Malboro por dia. Elas não entendiam nada e me achavam um cara meio maluco.
Depois eu acabei mudando de bairro e me juntei com uma turma mais prosaica. Éramos eu, Owen Wilson e o Adrian Brondi. Os tipos gostavam de fazer poesia e fumar uns negócios. Eu não. Eu só lia, passava o dia inteiro lendo, assistindo filmes, e as vezes escrevendo ficção. A turma em que eles andavam era meio chata. Um bando de garotos e garotas metidos a intelectuais que ficava lendo Ricoeur, Queneau e Holderin, achando o máximo comunicar coisas que ninguém entendia. Eu estava ali junto com eles, mas no fundo eu os via como num trailer de filme do Billy Wilder.
(Des) proposições para 2012
Nó Górdio do Ed Nódio
Nota: Por falar em Moçambique e em Nós Gordios, o Ednodio Quintero é um escritor venezuelano muito pouco conhecido no Brasil. Nasceu em Las Mesitas (Trujillo), um lugar nos cafundós dos judas dos Andes venezulanos. Tem uma penca de livros publicados. Tem uma penca de frases de efeito - - como esta acima - - espalhadas em contos que andam com um pé fora outro dentro do chamado realismo mágico.
Nota 2: Nunca ouvi falar do cidadão que segura o livro de Ednodio, na foto acima. Lembro-me apenas que quando eu servia mesas num café de Port Bou, encontrei um caderno de apontamentos com letra miúda e frases sem sentido algum. O caderno pertencia a este senhor aí da foto, que o esquecera sobre a mesa. Lembro bem, jamais poderia esquecer daquele rosto, apesar de que à época ser mais magro e ter mais cabelos. Neste dia, minutos antes, ele conversava com um senhor bem mais velho que ele, com entradas bem vincadas no couro cabeludo e de quem apenas sei seu nome, Marcel Duchamps, pelo cartão de crédito do Banco BBV usado para pagar a conta de dois cafés e duas doses de Domecq Carlos I Imperial. Havia um título nas páginas do caderno: Laberinto de Odradeks. E na terceira página do caderno, à minha frente, ao lado do nome Ednodio, atravessado por um risco, há o nome de Hermann Kromberg.
Who's Camus Anyway
O diretor Mitsuo Anagimachi mostrou sem dúvida o totem de uma experiência insular única que combina nuances das pequenas perversidades da vida acadêmica com a experiência individual dos que trabalham na industria cinematográfica. As experiências individuais acabam interferindo na dinâmica do filme. Matsukawa é um jovem diretor que respira cinema, mas sua doce e sufocante namorada, que não entende nada de cinema, apenas se preocupa com uma coisa: casar. Ele se nega, pois só se casaria depois de realizar uma grande obra. Yukari, a namorada obsessiva, diz que se o pegar com outra mulher o mata, e chega a aventar a hipótese de colocar seu esperma num banco – e ele diga-se de passagem aceita com a condição de que ela lhe dê o dinheiro para comprar um Final Cut Pro, um desses softwares de edição da vida. Os companheiros de filmagem não levam a relação a sério, primeiro por que vêem Matsukawa não como um exemplo maior de fidelidade, e segundo por que enxergam a Yukari como uma cópia xerox de Isabelle Adjani em The Story of Adele H.. O professor Najako, que presta orientação aos pupilos, é um personagem à parte. Fascinado por uma jovem estudante, a quem vê passar todos os dias, é apelidado de Aschenbach pelos alunos, o personagem de Morte em Veneza. Aliás o professor, em sua crise da meia idade, protagoniza uma cena da tão ou mais humilhante que a vivida por Aschenbach no filme de Visconti. Sabendo que um de seus estudantes pendurados por nota, é amigo da menina, manipula para que o rapaz propicie um almoço entre os dois, professor e aluna. No final do almoço, após ser sutilmente humilhado pelo casal – que sugere inclusive um ménage à trois, desde que pudessem ganahar uma bolsa de estudos para Paris - , volta para seu escritório dá pra beber.
O filme nos mostra como um filme de baixo orçamento é feito. Tudo começa pelo orçamento, pela seleção dos atores, pelo set mais barato de filmagem, pelo cenário mais barato...enfim, começa não da estória em si, mas das limitações materiais impostas à produção. É como passar a assistir filmes com essa dimensão que nos daria uma noção muito mais real de como se faz cinema – e que os americanos inverteram em nossas cabeças.
O Onze do Nove
Musica do dia: The Man Who Sold the World (David Bowie) - Nirvana CD Unplugged
Kazuo Ishiguro: Cisma de coisas arrumadas.
Música e literatura se encontram indissoluvelmente juntas em Nocturnes, uma coleção de cinco grandes contos de Kazuo Ishiguro. A música na literatura se faz presente em clássicos como em Las Ménades e em El Perseguidor de Cortázar, onde pode-se ouvir claramente Stravinsky e Charlie Parker; ou em muitas estórias de Machado de Assis, que sem certo desdém trata o maxixe e a polca como uma mesmice que nos atropela, mostrando-nos diante do espelho uma imagem senão incômoda, ao menos aflitiva. Se para este é manobra interna de desvio, para outros como Haruki Murakami, Cortázar, Borges e o próprio Ishiguro, a música faz parte do próprio enredo de suas estórias.
Em After Dark, por exemplo, uma das últimas novelas ‘cult’ do ‘cult’ Haruki Murakami, a música perpassa toda a estória, não apenas como um acessório, mas como um condicionante de Mari, uma jovem que ao perder o último trem de Tóquio, tem de passar a noite no bairro boêmio. Sem grande pretensões, Mari pensa em passar a noite num restaurane chamado Denny’s tomando café e lendo seu livro. Ao redor da meia-noite, um músico chamado Takahashi, a quem Mari vira apenas uma vez, quando Takahashi tentara cantar sua irmã Eri, modelo profissional. Esta, enquanto a irmã vaga pelas noite de Tóquio, encontra-se dormindo em seu apartamento. Dentro do sono, estranhos sonhos. Takahashi vai ensaiar com seu grupo, mas promete voltar ao restaurante. Em sua ausência muitas coisas inusitadas acontecem. Kaoru, uma amiga de Takahashi e gerente de um hotel de viração, aparece subitamente pedindo a Mari – quem fala mandarim – que vá com ela até o hotel para traduzir o diálogo com uma prostituta chinesa, vítima de violência de gênero.
Os ambientes e situações que Mari percorre são acompanhados pelo leitor como quem assite um filme, ou como quem está imediatamente atrás de uma câmera onipresente. Além disso, para cada ambiente há uma trilha sonora que quase antecipa o estado anímico da cena que será narrada.
A mesma intervenção melodiosa aparece em diversas circunstâncias nos contos de Ishiguro que, ao contrário do anódino desfecho da citada novela de Murakami, procura na anormalidade e na falta de solução atos definidos. Ishiguro consegue galvanizar em cinco contos, com uma linguagem até um tanto tímida, sem grandes inovações experimentais, temas que exigem do leitor atenção: a promessa da juventude que se perde; o mistério assombroso e decepcionante da alteridade; e os finais ambíguos e sem catarse alguma. Desde o primeiro até o último conto há sempre um sutil jogo de repetições com uma espécie de triângulo, mesmo no último conto onde há apenas dois personagens, um jovem violoncelista e Eloise McCormack, uma misteriosa tutora, mas a sombra do antigo tutor Petrovic, e de Peter, noivo de Eloise, pairam sobre suas cabeças.
Tudo é muito arrumadinho nos contos de Ishiguro. Nota-se que Ishiguro, ou a persona que Ishiguro usa para narrar estas cinco estórias é um tanto conservadora. Bem se percebe que os personagens são sempre pessoas cultas, envolvidas no universo musical, clássico ou popular. Sem alusão a temas conflitivos, o narrador ou até mesmo os protagonistas desprendem a todo o momento uma aborrecida sensação de sinceridade.
Música do dia: 'Five Spot After Dark' - Curtis Fuller's Quintet - From the album 'Blues-Ette' recorded in 1959. Curtis Fuller, trombone; Benny Golson, tenor sax; Tommy Flanagan, piano; Jimmy Garrison, bass.
Caro Francis
A imagem do Francis já velho no Manhattan Connection era uma caricatura gasta do personagem que ele próprio criou para si. Já em meados dos anos 90, Francis passava a imagem de um homem inteligente, arrogante e botocudamente grosseiro. Mas se você pensa que foi sempre assim, esta redondamente certo. O documentário mostra bem, em termos próprios como desde as suas polêmicas críticas teatrais e insultos a Paulo Autran e Tônia Carreiro, até a sua saida do Pasquim, Francis já alimentava essa imagem pública de polemista nem sempre elegante mas incrivelmente engraçado. E um dos seus grandes méritos foi exatamente o de se tornar um fenômeno de comunicação, tanto na palavras escrita como na palavra falada e televisionada, transplantando de um meio para o outro suas características críticas e méritos intelectuais, sempre com uma boa dose bufa.
Se no ambiente público era esse tipo discutível, no ambiente privado, entre amigos, não havia ressalvas. Todos tinham sempre um causo interessantissimo e nunca repetido para contar sobre Francis. Jaguar, se não me engano, certa vez disse que detestava discutir com Francis pois ele sempre escolhia como cenário um taxi sem destino fixo, o que o levava - a Jaguar - sempre a se desconcentrar do bate-boca e desesperar-se com o taxímentro. Lucas Mendes, no documentário, dizendo que certa vez Francis termina um texto, levanta o papel da máquina de escrever com virulência e se vangloria: “nenhum advérbio de modo!” Ou o ataque ao amigo Fausto Wolff, dizendo que um dia escreveria um livro sobre todas as suas ignorâncias. Ou seja, uma figura impagável e divertidíssima. Ou seja, melhorando essa frase, uma figura impagável, por ser cara; incomprável por só trazer problemas; e invendável pois a partir dos anos 90 seu tipo de jornalismo pitoresco, impressionista e irresponsável – criado prêt-à-porter para a televisão - passou a ser um problema para as redações e uma impossibilidade para os canais de TV aberta. Prova disso é que hoje em dia, figuras como Reynaldo Azevedo e Diogo Mainardi transcencem ao espaço das colunas escritas apenas para o universo dos blogues onde encontram o feedback apenas de prosélitos.
O sinal desses tempos que vivemos hoje, é bem mostrado no final do documentários, com a saída de Francis da Folha de São Paulo, sua ida para o Manhattan Connection e sua polêmica com o antigo presidente da Petrobrás Joel Rennó, quando numa edição do programa Manhattan connection, Francis afirmou que os diretores da empresa tinham dinheiro na Suíça, formando “a maior quadrilha que já existiu no Brasil”. Uma absoluta inverdade comparado com os padrões de tamanho, organização e eficiência dos esquemas de corrupção atuais. Mas merecidamente ou não, nesse caso específico, foi processado por tratar uma das empresar mais fortes do Estado brasileiro, bem como a seus gestores, como quem sempre se habituou a tratar a esqueda. E não se deu bem.
O documentário conta ainda com uma irrelevante surreal carta lida pela viúva, sobre a morte de sua gata de estimação, e uma “bombástica” acusação de negligência médica no caso de seu infarte, tratado como bursite ou algo que o valha por insignificante que fosse. Felizmente a viúva trata logo de desmentir o terrível e melancólico fechamento-Conrad Murray-Michael Jackson que Diogo Mainardi calhordamente tenta, com a beneplácito de edição do diretor, imprimir no final. Isso tudo ao som de Wagner.
Música do dia. A Pipa do Vovô não sobe mais. Marchinha de Carnaval.
Ferocidade como entretenimento
Blanche Ebelin-Koning faleceu na quinta-feira. Trabalhei com ela por três anos na Oliveira Lima Library e sempre a admirei, não apenas por sua personalidade forte, mas por sua ironia fina. Catalogadora de livros raros e tradutora, era capaz de ler 7 línguas, incluindo o latim. Nos últimos anos andava a trabalhar numa criteriosa tradução do holandês para o inglês de um livro do historiador e poeta humanista Gaspar Barlaeus.
Barlaeus se propôs a narrar os feitos do conde Maurício de Nassau na obra Rerum per octennium in Brasilia (História dos feitos recentemente praticados durante oito anos no Brasil). As ilustrações do livro são um espetáculo à parte que poucos no mundo tiveram o privilégio de presenciar, até por que deve haver no máximo 5 copias coloridas no mundo - eu conheço 3, incluindo a da Fundação Biblioteca Nacional. Trata-se de 340 páginas e 56 ilustrações, entre elas o retrato de Nassau por Theodor Matham (1605-1660), mapas de George Marcgraf (1610-1644) e gravuras de Frans Post (1612-1680) retratando a paisagem pernambucana, o cotidiano dos escravos, dos engenhos, dos portos e do comércio.
A edição em português, foi organizada em 1940 por Cláudio Brandão e concordo quando Blanche a criticava. É absolutamente ilegível e displicente. Em contrapartida, em sua tradução - sou testemunha - ela preocupava-se em encontrar forma perfeita para o que melhor definisse os nomes de frutas, tipos de armas descritas, os monstros narrados, os nomes dos rios, os nomes dos tubérculos definidos pelos índios, as etnias indígenas, as embarcações, os equipamentos e nós náuticos. Enfim, um trabalho absolutamente impressionante que por vezes me parecia interminável principalmente por sua incansável busca da expressão que melhor traduzisse do holandês - seu idioma nativo - para o inglês - sua língua de uso - com minúcia e destreza as expressões holandesas do século XVII.
Traduzir o texto de um erudito como Barlaeus não é tarefa das mais fáceis. Além de historiador e poeta, Barlaeus foi um teólogo defensor da causa arminianiana, doutrina pela qual os seres humanos são incapazes de fazer qualquer esforço para salvação e que nenhuma obra do esforço humano pode causar ou contribuir para a salvação.
Enfim, em meio a luta para terminar a tradução, na última quinta-feira, Blanche nos deixou. Diagnosticada com um problema numa das válvulas do coração, os médicos lhe deram um ano de vida caso não se operasse. Operou-se e não resistiu. Parece retórico, mas assim com Barleaus ela era uma Humanista plena. Deixou registrado que não queria enterro nem cerimoniais póstumos. Não sei o que fez com a sua pequena casa em Greenbelt. Não sei se acreditava na salvação da carne, na remissão dos pecados, na vida eterna e em todas essas inúmeras bobagens. Provavelmente não, pois doou em vida seu corpo para estudos científicos.
No último ano acompanhei a sua luta, pari passu a sua gradual fragilidade física - para terminar a tradução que tanto a atormentava - certa vez, nuum de nosso almoços confessou que sonhava com pernambuco colonial. Nos últimos anos, andava perdendo muito peso o que lhe acentuava a fragilidade, mas eu não desconfiava dos sempre silenciosos e traiçoeiros problemas cardíacos. Almoçávamos quase todas as semanas pois ela vinha a Library para terminar as inúmeras revisões. Viúva de um economista que trabalhara na ONU, ela nunca tivera filhos. Em fevereiro último estive com ela quase três dias no hospital, pois ela teve um sério problema gástrico... e desde março não tinha notícias dela. Engraçado... semana passada pensei em telefonar, mas a inútil correira do dia-a-dia E recebi a notícia ontem com um choque.
Acompanhei sua luta para terminar esta tradução, tentando conseguir finaciamento e cartas de recomendação com scholars que tinham idade para serem filhos dela, da Library of Congress, para pagar pelas imagens que a biblitoteca detentora da obra somente liberaria mediante pecúlio... e que a editora se recusava a publicar integralmente por tornar a edição do livro muito cara... Blanche literalmente lutou até o fim por este livro. O mais irônico de toda a luta... entregou ao editor a última revisão de sua tradução de Barlaeus duas semanas antes da operação e não chegou a vê-la publicada...
El viaje vertical
Western Crepuscular ou Tráiganme la cabeza de Alfredo García
"El
Jefe" é milionário e “fazendeiro”. Mejicano e cheio
de capangas mejicanos. Certo dia, descobre que sua filha Teresa está
grávida. PQP, pra que? Ora veja você, o cidadão em vez de ficar feliz por ser avô de primeiro
neto, fica furioso. Primeiro, por que a criança vai nascer sem pai, segundo por
que a menina era virgem – veja bem, estamos falando de caras mexicanos, ano de
1974, com outro diapasão que não o seu de século XXI. El Jefe, então, aplica
uns safanões na menina para saber quem seria o pai da criança. Entre uma
bordoada e outra a moça acaba revelando que o pai é o tal do Alfredo Garcia,
justamente o homem que El Jefe tinha preparado para ser seu sucessor – ai você
pensaria… ahh, tá explicado, Freud explica. Você leitor, é um tremendo
babaca, não entende nada de roteiro de Peckinpah,
nem do que é a porra da vida.
Para lavar a honra tanto da filha como de sua película
apassivadora, contrata dois pistoleiros maus e internacionais, que na verdade
encontram-se na outra margem do Rio Grande, e oferece 1 milhão de dólares para
quem trouxer a cabeça do tal Alfredo Garcia.
Dois pistoleiros chegam a um bar do baixo
meretrício mejicano en Ciudad de Méjico, onde encontram o pianista Bennie, e um
ex militar americano que vendo a pinta dos pistoleiros se faz de desentendido.
Eles, os bandoleiros transviados
que eram o bambas lá da zona, oferecem um bom tutu pela
informação do paradeiro de Alfredo Garcia, mas queriam como prova a cabeça de
Garcia. O pianista já andava meio na bronca com Garcia pela folga com a cantora
Elita, seu trelêlê oficial, e fica de dar a resposta aos bandidos.
Bennie vai atrás de Garcia e se certifica que ele estivera com Elita. Mas a cantora
lhe diz que Garcia foi embora para sua cidade no interior do México, onde
sofreu um acidente de carro e morreu.
Mas é claro (!) que Bennie não acredita nessa
estorinha fiada de Elita. E no melhor estilo brasileiro compra um
terçado e parte com Elita rumo à cidade onde Garcia foi enterrado, para
conseguir a prova da morte de Garcia, ou seja, literalmente a cabeça de Alfredo
Garcia.
Mas como isso tudo é uma estória de western pop
crepuscular pensada na cabeça de Peckinpah, o mais gótico dos diretores do
gênero, os assassinos não confiam em Bennie e sem ele saber o seguem até a um
vilarejo no interior do Méjico, onde então ocorrerá a emboscada e a pendenga pendejada
semi-final. Afinal, pensa comigo. Por que eles vão pagar ao cara, se podem
embolsar a grana e ainda matar o infeliz do Bennie, não é mesmo. Isso é Óbvio.
O filme foi um dos mais baratos
do Peckinpah, e justiça seja feita, fez milagres. Fico pensado se o Peckinpah
tivesse metade da grana e dos amigos do Tarantino...
Com orçamento enxugadíssimo e um roteiro barato, não deu
outra, Bennie encontra a sepultura de Alfredo Garcia e ao tentar desenterrá-lo
é atacado pelas costas. Quando desperta, está enterrado. Com muito esforço
consegue se desenterrar, mas constada que sua amante, Elita, enterrada ao seu
lado está morta. Bennie ao ver a sepultura de Garcia aberta, constata que
o corpo não tinha a cabeça, levada enquanto esteve desacordado e então passa a
desconfiar que se os dois assassinos de aluguel o seguiram até aquele fim de
mundo, e levaram a cabeça de Alfredo Garcia, por que a cabeça do morto vale
muito mais na mão dos sicários que na dele.
Enfim, depois tremenda troca de tiros, ele recupera a
cabeça de Garcia e a coloca num saco com gelo e dirige com a cabeça no banco do
lado.
O monólogo de Bennie com a cabeça morta de Alfredo Garcia
é uma cena surreal, mas fantástica. Talvez o ponto alto do filme seja esse diálogo/monólogo
e convívio de Bennie com a cabeça
decepada.
O filme tem várias reviravoltas. Os matadores Sappensly e
Quill acabam fazendo uma emboscada, quando Bennie vai devolver a cabeça à
família de Alfredo Garcia. Quill mata toda a familia de Garcia, mas é morto por
Bennie. Sappensly, desolado como um matador olhando para seu parceiro morto,
diz que não pagará Bennie, e também toma um caroço na cabeça.
E nesse meio tempo, Bennie continua conversando com a
cabeça. Chega ao hotel, lava-a e pretende levá-la ao Jefe, com o pretexto de
receber os US$ 10K. Em meio a mais tiros, Bennie finalmente consegue
o endereço do eL Jefe.
Consegue chegar justo no dia do batizado do rebento. O
Jefe estava até feliz. Bennie se apresenta, entrega a cabeça e relata quantas
pessoas morreram por aquela cabeça. Quando o Jefe diz para ele pegar seu
dinheiro, jogar a cabeça para os porcos, e ir embora, ele lembra que Elita se
incluía naquele monte de mortes em vão, e aí é possível ver como o semblante de
Warren Oates muda ao constatar que tudo aquilo tinha sido em vão.
Aí meu amigo... acho que não era
nem mais o Beniie que estava ali, e sim o Oates, vaqueiro do Kentucky, amigo do
Steve McQueen. Foi tiro pra todo lado. Bennie,
enfurecido, mata um monte de capanga do Jefe.
A mocinha entra com o filho no colo e pede que mate seu
pai. Ele pega a cabeça e vai em direção a porteira da fazenda levando o Jefe,
junto a Teresa.
Chegando na porteira, ele se vira pra Teresa e diz assim
mesmo do jeito que eu estou te falando: “Agora, você cuida
da tua criança, que do teu pai cuido eu…” UAU ! podia terminar ai
né! Mas não…. Isso é um filme de Sam Peckinpah.
Como nesses de mafiosos, traficantes, milicianos, tem
sempre capangas pra caramba, surgiu mais um monte do nada e rasgaram Bennie com
rajadas de metralhadoras.
Nota. Sam Peckinpah já foi partícula apassivadora em
tiranicídia contenda entre meu concunhado e eu. Enquanto eu dizia que o cinema
americano não era autoral. Ou seja, para mim não tinha uma linha de cineastas americanos
que faziam filmes classificáveis, pelo toque de Midas da linha autoral. O
concunhado dizia que havia Peckinpah: "brutalidade mimética, estética da
violência e ódio fiduciário". Dito assim, de maneira tão bonita, pode até
ser isso mesmo.
František Vláčil
A Beleza em sua mais cruel face
Agora, negue se a Beleza não tem uma face cruel. Aahhh... meu bom e velho Marx... "o caminho do inferno está pavimentado de boas intenções"
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Advirto-o a título de informação. Você está entrando na postagem mais visitada deste blog. "Leio os jornais para saber o que eles estão...
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Ele desempenhou papel fundamental na história do cinema nacionale teve em seus braços as atrizes mais gostosas, como Sonia Braga, Kate Lira ...
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Das coisas que se procura em vão na web, nem sempre o que debalde se encontra é o que infrutífero resulta. Por diletantismo apedeuta, própri...