El viaje vertical é um livro de Enrique Vila-Matas que fala com boa dose de humor e uma certa dose de absurdo dos dilemas da terceira idade... vamos dizer assim...
Mayol é um homem dos que se pode dizer já ter conquistado muita coisa na vida. Empresário, catalão, nacionalista moderado, dono de uma agência de seguros, bem estabelecido, com filho criados, netos, esposa, alguns bons amigos do poker... enfim, um tipo que se poderia dizer de-bem-com-a-vida.
Tudo vai bem, até o dia em que a mulher, Júlia, o expulsa de casa poucos dias depois de celebrarem as Bodas de Ouro. Motivo: prosaico: a mulher não o aguenta mais. A notícia é dada assim do nada com a esposa na cozinha descascando as ervilhas para o almoço. Começa então um momento crucial da existência do protagonista Federico Mayol. Mayol descobre que a vida não é nada do que imaginava. Tenta se aconselhar com os filhos. Um dos filhos, o que admnistra a agência de seguros, anda em crise existencial no casamento, sem tempo ou paciência, e por razões óbvias não pode consolar o pai. A relação conflituosa com o outro filho, o artista da família, é um capítulo à parte.
Aturdido, Mayol vai ao único lugar onde um homem sem respostas deve sempre ir. Vai ao bar encontrar com os amigos que não necessariamente são os mais sensíveis, não necessariamente são os mais hábeis, não necessariamente, são os mais competentes mas assim como os analistas sempre podem nos mostrar novas, ainda que inúteis, perspectivas. Um dos amigos o aconselha a uma viagem. Uma viagem a um lugar desconhecido, inóspito, inusitado. Mayol vaga pelas ruas da velha Barcelona sem saber bem para onde ir ou o que fazer. Então, entre uma taça e outra de vinho Oporto, decide.
Mas antes de dar o passo decisivo, tenta se aconselhar com os filhos. Um dos filhos, o que admnistra a agência de seguros, anda em crise existencial no casamento e por razões óbvias não pode consolar o pai. A relação conflituosa com o outro filho, o artista da família, é um capítulo à parte e algo que nos leva a boas gargalhadas. O filho é pintor. Sente desprezo pela falta de cultura do pai, que com dinheiro e tempo poderia ter polido os espírito, lido mais. O pai, igulamente, sente desprezo pelas alma nefelibata e descentrada do filho. As cenas e os diálogos entre os dois são algo impagável. A certa altura o filho diz: “Mira, papá. Tú y yo somos igualitos. Sentido de humor, inteligencia, imaginación. Como dice un amigo mío, sólo nos diferenciamos en la cultura. Yo tengo, tú no mucha.” E mais adiante: “Pues que por mucho que te duela, yo tengo cierta genialidad. Y tu eres un simple merluzo.” Há ainda uma outra cena impagável em que Mayol aparece encharcado de chuva na casa do filho e ele lhe dá uma capa de chuva. Absorto por um quadro que não consegue conceber, assim que vê o pai com a tal capa diz-lhe que ele se parece a Kim Novak!
Risadas garantidas à parte, Mayol compra uma passagem para Oporto. O avião sairia em três dias, tempo suficiente para arrumar as malas, despedir-se dos filhos e pensar na nova identidade que passaria a assumir, pois decidira que junto à decisão de se tornar um novo homem numa terra estranha, decidira mudar!
Dentre outras situações inusitadas, antes de embarca num avião com destino a Oporto, descobre que no mesmo vôo está a seleção nacional portuguesa de hoquei sobre patins que acaba de perder um jogo decisivo contra a seleção da Espanha. Todos de cabeça cheia e Mayol, tentando agora em vão fazer novos amigos.
Sem dúvida, o constante diálogo entre Mayol, um homem arrogante mas de vida simples, com os “intelectuais” que o cercam mostra que, mais que o próprio sentido da viagem, este é o ponto alto deste livro. Sua viagem de auto-descoberta, cheia de pequenas loucuras, absurdos, encontros impossíveis e desencontros factíveis, e até mesmo avisos do destino nada tem de espiritual e em nada se assemelha a uma descoberta de grandes revelações. Ao contrário, a cada novo encontro o protagonista sente-se mais inculto. Seu próprio sentido de humor o faz ver a cultura é uma sucessão de improvisos – vide o exemplo do próprio filho – que geram o êxito. Ou seja, me parece que para o protagonista de Vila-Matas não existem as regras, nem a disciplina, nem o método.
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