Disgrace


David Lurie tem 52 anos, dois divórcios, uma filha que vive no interior, uma vida confortável de um homem de classe média e uma carreira de professor universitário na Technical University in Cape Town numa era pós-apartheid, entre mediana e medíocre. Suas aulas são um mero trâmite burocrático. Seus alunos desinteressados. Seus colegas de trabalho, figuras funcionais que cumprem atividades maquinais: incluindo o preenchimento de atas, presença nas reuniões de departamento, o lançamento de notas e mesmo as demonstrações de amizade. Dentro deste mundo isolado e vazio, Lurie administra sua vida e suas carências da melhor maneira possível. Frequenta uma prostituta todas as quintas-feiras e continua ensinando porque – segundo diz - é assim que ganha a vida; e também porque - com a maior das ironias diz que - aprende a ser humilde em meio à mediocridade.

Em meio a esse mundo artificial, Lurie termina mais um de seus relacionamentos descartáveis. Sua “desgraça” começa justamente quando se apaixona e seduz uma de suas estudantes, sem se proteger das consequências desastrosas desse tipo de relação. Sua perspectiva opaca sobre o mundo encontra nova razão na paixão que sente por Melanie Issaks. Em pouco tempo a relação é descoberta pelo namorado da moça e se torna um agravo. Nesse momento o então mundo de funcionalidade compartimentada, sexo hebdomadário e desinteresse metódico pelas circunstâncias à sua volta rui. O escândalo vem a tona e Lurie passa a ter sua reputação abalada preferindo renunciar a seu posto docente à indulgência.

Rechaçando a falsa moralidade de todos e rechaçado por todos pela sua suposta falta de conduta, após a comissão de ética kafkaniana, formada à guisa inquisitorial, Lurie decide visitar a filha Lucy que vive numa fazenda em Eastern Cape. Lurie ignora os valores e códigos de comportamento do interior pós-apartheid. Despreza a vida campestre. Subestima as opções de sua filha (a plantação, a criação de cães, a desproteção da vida na qual vive), não aprova sua relação homosexual com Helen que a abandonara naquele meio do nada, mas mesmo assim decide passar uma temporada com a filha numa tentativa de resgate de algo. É uma relação estranha. Distanciada. Lucy em momento algum o chama de pai e acrescenta à sua vontade de pai de permanecer ali com uma especie de grande 'whatever.' Mas isso ainda não é o fundo do poço da desgraça. Num certo dia, ele e sua filha são atacados por três homens quando retornam para casa com os cães. São violentados. Ainda que Coetzee omita a palavra 'rape', dá indícios que ambos foram estuprados, mas apenas ele queimado. Quando os bárbaros vão embora, Lurie finalmente descobre o que, tragicamente, aconteceu com sua filha. Pai e filha iniciam, então, um jogo de máscaras, ao omitir a violação de ambos na versão contada à polícia. Confuso, David se revolta, mas logo entende o que a filha quer dizer.

Nesse momento, tendo tendo sido reduzido a um algoz de cães, imagina que a desgraça o persegue, que será uma marca que ele carregará, que será uma punição para quem até então não se abalava por nada, nem mesmo quando viu sua reputação jogada na lama em função de um escândalo sexual. Esse é o momento quando descobre que um dos autores do ataque, Pollux, é do círculo de relações de Petrus, uma espécie de protetor da filha. Nesse momento, desesperado frente à passividade da filha grávida de um estupro, frente convicção da filha em permanecer no mesmo local dos algozes, frente a possibilidade de Lucy se tornar a terceira mulher de Petrus e passar automaticamente ao guarda-chuvas de sua proteção... David Lurie se certifica de que a desgraça talvez o persiga. Coetzee, por sua vez, insinua que ela existe para aqueles que se sentem punidos. De todas as formas, nunca se sabe.

John Constable

Não sei por que insisto, mas assisti a mais um documentário sobre arte. Não sei por que insisto na ideia de assistir documentarios mal produzidos.

John Constable foi um pintor de paisagens do século XIX. Desde os tempos de escola foi um aluno problemático, mas se deu conta bem jovem que, mesmo portando o temperamento irascível, não havia muitos em sua geração que pintassem a natureza. Persistiu na idéia. Em 1799 convenceu então seu pai a mandá-lo para a Royal Academy em Londres para estudar arte. Com a morte do pais, Constable conquistou sua segurança financeira. Com a sacola cheia de dinheiro, foi fácil casar-se com Maria Bicknell contra a vontade do avô da moça. Nesse tempo, uniu então o útilitário ao agradável. E escolheu, então, seu lugar de infância, Suffolk, para transformar sua obsessão em cores e cenários.

Os especialistas dizem que há algo de fresco em seu traço de juventude, mesmo que ao longo dos anos seus céus tenham adquirido um certo peso de realismo sentimental tornando-se mais escuros passando um ar de lamento – principalmente após a morte da esposa. De alguma forma, inovou ao descrever e manipular a pintura da natureza, muito mais que em celebrá-la. Ou seja, segundo a intelligentsia, transcendeu ao meramente pitoresco.

Duas de suas principais obras são Dedham Vale (1802) e The Hay Wain (1821) – com o qual recebeu de Delacroix o premio do Salon de Paris em 1824 - , mas delas não tirou o sustento para o bando de filhos que ia tendo todos os anos. Para sobreviver, pintava retratos, com a certeza de que a herança que o pai lhe deixaria seria suficiente para conseguir o casamento com a mulher que desejasse.

Uma diferença básica entre Constable e Turner, talvez resida no fato de que ao primeiro custou-lhe entender que precisava pintar o épico retratado numa tela imensa. O que se conclui é que foi um pintor irregular. Melancólico, isolado e explosivo com os críticos, criava inúmeros rascunhos. Deixava-os incompletos, sem nunca ter criado uma obra definitiva, de impacto.

Cemitério de Pianos


É curioso que o livro de Luis Peixoto sobre um tal cemitério de pianos me tenha sido dado a ler, faz pouco tempo, pelo meu chapa Carlos Quiroga. Ao contrário de outros, Carlos, em Santiago, parece não querer interferir nos nossos pensamentos. No máximo sugere. Ele mais funcionava como um amigo mais velhom, sem ceder à vaidade acadêmica de conduzir as opiniões. Com total despretensão, está sempre disposto a ouvir uma frase que um de nós tente construir, de modo a deixá-la fluir e captar-lhe dialética a simplicidade sucinta. No último papo que tivemos pelas ruas molhadas de Santiago, ele me presenteou o livro do Luis Peixoto. Disse-me apenas que era para ser lido com atenção. Achei por bem seguir seu conselho. Não me arrependi.

O cemitério de pianos é uma sala fechada dentro de uma carpintaria em Benfica. Um local onde descansam pianos e memórias de vários tipos, e de onde sairão as peças de reposição para que outros pianos sejam restaurados.

Ao redor do cemitério giram várias gerações de Lázaros. Francisco é o nome do pai e do filho. O filho corredor que vem a falecer na Olimpíada de Estocolmo de 1912. O pai, um restaurador de pianos, um homem austero, impassível, rígido, que tem o fantasma de um cigano a rondar sua casa, sua vida, seus próprios fantasmas e sua mulher. A narrativa confunde – a propósito, diga-se de passagem - a história do seu neto, que perde o pai no dia do nascimento e a história do seu filho Francisco Lázaro, corredor da maratona dos Jogos Olímpicos de 1912 (onde falece no decorrer da mesma), e dos seus outros três filhos, Marta, Maria e Simão. A saga de Francisco Lázaro e seu sofrimento ao longo da maratona que o levaria à morte é o leitmotif para narrar a história das filhas do patriarca, dos genros, dos netos que vivem num equilíbrio frágil, permeado pelo adultério, e que pode ser rompido a qualquer momento. Sobre esse contexto é narrado o cotidiano das relações familiares com o traço luminoso da vivência diária de várias gerações.
Usando das idas e vindas na história, da narração fragmentada – bem ao gosto pós-moderno -, do tema da morte, Peixoto, ao contrário do que se esperaria, não aponta para um fim. Com seus fragmentos, costura mais uma síntese que uma ruptura concentrando-se na quase banalidade do cotidiano. E a estratégia que usa para costurá-la está na voz que dá aos vários personagens que se reconstroem uns nos outros. Peixoto é hábil ao dar voz a cada personagem. A capacidade de narrar os fatos sob uma perspectiva plausível e dando um diferente ponto de vista para sua própria história, tendo denominador comum o amor idealizado por cada um deles aos Lázaros, pai e filho. Esse mesmo cotidiano é permeado pelos extremos da monotonia de uma terça-feira e dos ruídos familiares de uma manhã de domingo, com a família na casa, as crianças a correr e a matriarca a cozinhar. Tal como no neo-realismo italiano, ou melhor dizendo, numa tomada de Visconti, os acontecimentos narrados pelo Peixoto dosam o silêncio e a sonoridade de um piano. Dosam a delicadeza, por onde se equilibra, e a mecânica com que, muitas vezes, é conduzida uma relação familiar.
Um trecho...
[...]
nem sequer impossível. A verdade, como o silêncio, existe apenas onde não estou. O silêncio existe por trás das palavras que se animam no seu interior, que se combatem, se destroem e qye, nessa luta, abrem rasgões de sangue dentro de mim. Quando penso, o silêncio existe fora daquilo que penso. Quando paro de pensar e me fixo, por exemplo, nas ruinas de uma casa, há vento que agita as pedras abandonadas deste lugar, ha vento que traz sons distantes e, então o silêncio existe nos momentos de pensamento. Intocado e intocável. Quando volto a meus pensamentos, o silêncio regressa a essa casa morta. É também aí, nessa ausência de mim que existe a verdade.
[...]
[...]
o mais depressa que consigo, como se fugisse daquilo que mais me assusta, como se fosse possível fugir daquilo que levo no interior da minha pele e vai comigo para todos os lugares, corro
[...]
Música do dia. Noturno no. 2 em E maior, Op. 9 no.2

La Signora Senza Camelie

Filme de 1953. Anterior, portanto, à famosa trilogia, mas que guarda ainda alguma linearidade narrativa. A história se centra em Lucia Bose no papel de Clara Manni, uma jovem atriz sem muito talento mas que pelo charme, sensualidade e elegância, alcança um sucesso extraordinário com filmes de baixo custo e qualidade artistica duvidosa. Nessa circunstância de sucesso, aceita um casamento com o produtor de um de seus filmes, Ercole - Gino Cervi. Une então ao êxito profissional a oportunidade de ascensão social. Nesse momento, passa a fazer filmes menos populares e começa a se deprimir com a perda do sucesso e um casamento fustrado. Essa combinação de frustração profissional e um casamento de conveniências leva-a a procurar outras aventuras. É ai que se apresenta o diplomata Nardo Rusconi, uma mistura de elegancia e canastrice, que a seduz e a leva praticamente a separação. Clara então se torna o vértice de um triângulo amoroso que a levará a ruína emocional e profissional, pois enquanto Ercole produz cada vez mais filme de qualidade, Clara acaba por ter que vender seus dotes artiticos a filmes de qualidade cada vez mais duvidosa. Enfim, um filme sobre o cinema e seus bastidores com os ecos e talvez por isso mesmo sofrendo com a grandeza de um Sunset Boulevard – apenas três anos mais recente. No fundo, ambos tratam mais ou menos do mesmo tema: da vaidade, porém com enfoques distintos sobre as hybris, envelhecida, de Norma Desmond e, inocente e pueril, de Clara Manni.

Satiagraha

Fim de noite, depois de varias Brahmas, dois avatares perdidos, com a citara debaixo do braço, devem estar de lá olhando pra cá e entoando o mantra...

Falou, é isso aí malandro
Eu vou bate pá tú, pá tú
Bate pá tua patota
Vou batê pá tú
Bate pá tú
Pá tú batê
Vô batê pá tú, batê pá tú
Pá tú batê
Vô batê pá tú, batê pá tú
Pá tú batê
Vô batê pá tú, batê pá tú
Pá tú batê
Amanhã a pá não me dizer
Que eu não bati pá tú
Pá tú pode batê
O caso é esse
Dizem que falam que não sei o que
Tá pá pintá ou tá pá acontecer
É papo de altas transações
Deduração um cara louco
Que dançou com tudo
Entregação com dedo de veludo
Com quem não tenho grandes ligações.

Who's Afraid of the Big Bad Wolf?


Talvez “Who's Afraid of Virginia Woolf?” junto a “Sunset Boulevard,” "Street Car Named Desire" e “Cat on a Hot Tin Roof” sejam na minha opinião os quatro melhores filmes onde o cenário econômico e intensidade dramática levam à obra cinematográfica o poder e a riqueza que somente no palco poderiam traduzir.

Em Who's Afraid of Virginia Woolf?, George (Richard Burton) e Martha (Elizabeth Taylor) estão casados e, ao contrário ou igual a outros casais, se odeia mutuamente. Ele é um professor de história alcoólatra, e ela, uma mulher frustrada e dominante, é filha do president da universidade onde George leciona. Por tantos anos juntos, numa longa convivência diária, conhecem seus pontos fracos e os usam para esgaçar o resto que resta de uma relação que encontra o equilíbrio nessa mesma tumultuada e instável violência a que se expõem no cotidiano quase selvagem.

O filme começa com a saída de uma festa, a altas horas. Ambos bêbados retonando para casa, rindo alto e soltando frases desconexas na escuridão. Uma vez em casa Martha diz a George que convidara um jovem casal recém chegado à universidade, Nick (George Seagal) e Honey (Sandy Dennis), para o último drink em sua casa. Nick é um professor de biologia que Martha pensa se tratar de matemática. Nesse momento, ainda bebendo mais, inicam um jogo de sedução, perversidade e violência que torna esse filme intenso e impresionantemente teatral.

Tal jogo é permeado pelos “Fun and Games”. Através deles Martha descarga toda a sua ira contra a passividade doméstica e a falta de entusiasmo profissional de George. Ataca-o em seus pontos mais vulneráveis, na sua falta de ambição social, na sua inabilidade em usar as cartas que tinha disponiveis como genro do president para ter uma carreira ascendente e meteórica dentro da universidade onde leciona.

Martha: ...De fato, ele é leve ... FLOP! Não passa de um...grande...FLOP!
[Quebra! Imediatamente depois do FLOP! George quebra uma garrafa de uisque no bar...]
George [quase chorando]: Eu disse para parar, Martha.
Martha: Espero que esta garrafa estivesse vazia, George. Você não gostaria de disperdiçar uma boa garrafa de àlcool...não com o seu salário.




Esse diálogo levinho se dá na presença dos convidados.

Algo que dá muita dramaticidade ao filme é o fato de que durante todo o filme, não se sabe se em decorrência do efeito do àlcool, ambos dizem a verdade ou não, pois após essa crise, que se inicia com a confissão de Martha a Honey sobre o filho do casal que vive longe – um peça chave na trama - , George vai para fora sozinho. Nick o segue numa tentativa de consolá-lo. Então Nick confessa a George sobre a gravidez psicológica de Honey e sobre toda a dificuldade de Honey engravidar, enquanto George conta a história de um menino que atira e mata sua mãe acidentalmente e enquanto aprende a dirigir mata seu pai num acidente de carro - sendo internado num sanatório. Esse é outro ponto chave da história, pois para George esta era uma história real, enquanto para Martha essa era um história que seu pai lera quando George aoresentara-lhe os manûscritos e proibira a publicação caso quisesse se casar com sua filha e lecionar na universidade.

Numa das cenas seguintes, Martha descreve George como o jovem personagem de uma novela influenciado pela personalidade dominadora do pai. Martha sugere que seu pai é o pai morto carcaterizado na novela e imita a voz de George em falsete num suposto diálogo deste com seu pai que proibira a circulação dos manuscritos “....but Sir, it isn't a novel at all...this really happened...to me!"

Nesse momento Nick faz uma conexão entre a história contada no jardim por George e a realidade. Se fosse verdade a versão de Martha, então George mentira para Nick – após este em tom de confissão revelar detalhes sobre a gravidez histérica de sua mulher que seriam usados contra ele mais a frente. Se a versão de Martha fosse real, então talvez o sanatório fosse uma metáfora para a vida miserável que George levava ao lado de uma Martha desequilibrada e instável.

Numa das cenas seguintes, Martha descreve George como o jovem personagem de uma novela influenciado pela personalidade dominadora do pai. Martha sugere que seu pai é o pai morto carcaterizado na novela e imita a voz de George em falsete num suposto diálogo deste com seu pai que proibira a circulação dos manuscritos “....but Sir, it isn't a novel at all...this really happened...to me!"

Nesse momento Nick faz uma conexão entre a história contada no jardim por George e a realidade. Se fosse verdade a versão de Martha, então George mentira para Nick – após este em tom de confissão revelar detalhes sobre a gravidez histérica de sua mulher que seriam usados contra ele mais a frente. Se a versão de Martha fosse real, então talvez o sanatório fosse uma metáfora para a vida miserável que George levava ao lado de uma Martha desequilibrada e instável.

A cena não se resolve e George parte para o ataque a Nick. George começa a usar a metáfora de um rato que bebe brandy imodestamente e vomita constantemente ao se referir a Honey, uma mulher apagada, muito magra e sem atrativos físicos, o que leva a George questionar o interesse sexual de Nick por Honey. Ela, nauseada, sai de cena para vomitar. Então Martha seduz Nick em frente a George, humilhando-o. George reage de maneira branda, como se aquilo não fosse novo no jogo entre os dois, como se já estivesse no script, e diz, Estou na página cento e.... .

Saem, vao todos para um bar. Martha volta com Nick e Honey prostrada no banco de trás. George chega a casa, vê o carro vazio, Honey dormindo no banco de trás e vultos na janela do quarto: Nick e Martha na penumbra.

Martha concretiza, ou tenta concretizar o sexo com um jovem completamente bêbado. George arromba a porta, os sinos da porta badalam. Não tem coragem de subir. Chora do lado de fora da casa. George tem uma idéia. Instantes mais tarde, após Martha revelar a Nick que ama somente a George, este toca a porta e traz flores dizendo “flores para los muertos”, e desafiando Nick a trazer sua mulher para o jogo final... "Bringing Up Baby."

George e Martha supostamente tem um filho. Ambos contam histórias do filho. Martha centraliza a cena contando detalhes sobre o nascimento do filho, sobre sua maneira natural de nascer, enquanto George comeca a recitar o Requiem em latim e contradiz cada frase de Martha. Ela se desespera prevendo que a verdade sobre o filho pudesse ser revelada.


George então revela que o filho tinha sido morto naquela noite quando Martha começou a falar deles. Aparentemente este era um pacto entre eles: não falar do filho para estranhos. George e Martha criaram esse filho de maneira imaginária e George disse que matou o filho por Martha ter falado dele para outros. O filme termina com George cantando "Who's afraid of Virginia Woolf?" para Martha, enquanto esta responde, eu, George... eu tenho.....

Nota. Interessante. Esse filme que deu o segundo oscar a Elizabeth Taylor por uma interpretação magistral é de 1966. Taylor aparece na primeira cena da porta se abrindo, e focalizando os rostos de Burton e dela, quase que irreconhecivel. Burton com 41, aparece degradado já pelos sinais do alcool. Ela com apenas 34 anos está gorda e envelhecida aparentando pelos menos dez anos a mais. Para nos darmos conta da transformação, este filme foi lançado apenas três anos mais tarde de Cleopatra e seis de Buterfield 8 - se é que me faço ser entendido.

Musica do Dia. Me Acalmo Danando - Angela RoRo

Nota. Parece que Gabriel terá companhia...

Down by Law


Zack é um DJ desempregado. Jack um cafetão e proxeneta. Ambos são presos nas ruas de Nova Orleans por crimes não cometidos, e colocados na mesma cela. O crime de Zack foi o de simulação e intermediação de um Jaguar e o de Jack tentativa de prostituição de menores. Ao ser preso, Jack antecipou em 7 anos a antológica frase que seria dita pelo prefeito de DC, Marion Barry (Bitch set me up!) – ao ser preso com uma prostituta num hotel de viração nos arredores do Distrito.
Zack e Jack vão dividir cela com um italiano chamado Roberto. Roberto é um idiota. Desses idiotas que só podem ser represetnados por Roberto Benini. Apesar de representado por Roberto Benini, Roberto é um idiota diferente. Ele é o único que sabe escapar da prisão da Lousiana. Zack e Jack sabem disso e vão se unir ao surrealismo de Bob.

Na fuga, encontram uma cabana onde vive Nicoletta. Bob e Nicoletta apaixonam-se instantaneamente e este decide ficar, enquanto Zack e Jack se separam numa bifurcação do caminho.
Este filme do Jim Jarmusch foi o quarto da carreira. O ambiente humoristico e leve é atíptico. Down by Law, destoa dos primeiros filmes, principalmente do Permanet Vacations, um filme mais denso e pesado sobre um jovem sonhador e aparentemente desajustado. A atuação do Tom Waits é impagável por sua completa falta de naturalidade nas cenas de humor lorpa e pateta que Benini cria com seu inglês sergioleonico.
A Criterion Collection é ótima. Interessante como Jarmusch narra o encontro com Tom Waits em NY. Foi em 1984 numa festa de aniversario de Basquiat. Jarmusch não chega a dizer, mas a festa devia estar um saco pois segundo ele, ele e um grupo de amigos literalmente sequestraram Waits e sua companheira e andaram toda a noite por varios night clubs da cidade. Tornaram-se amigos deste então. Waits chegou a participar de outros filmes como o Coffee and Cigarretes e escrever algumas faixas para outros tantos.

La Notte


Antonioni adicionou o La Notte ao que chamou de Trilogia da Incomunicabilidade - composta pelos L’Aventura e L’Eclisse. Para mim esse filme é de longe o mais efetivo dos três, apesar de ter gostado muito do L’Aventura e L’Eclisse, também. Talvez por que Jeanne Moreau tenha sido, certamente com algum exagero de minha parte, a mais autêntica e honesta representação feminina na obra de Antonioni.

O filme se passa em Milão. Giovanni Pontano, um bem sucedido escritor, está ali para o lançamento de seu último livro, ao lado de Lydia, sua esposa. Antes da festa de lançamento, dois visitam um amigo de longa data, também escritor, internado em estado grave, num hospital. Após a visita, ainda abalada pela iminente perda do amigo, Lydia preferre caminhar pela cidade. Visita lugares de sua infância e juventude, e presencia um algumas cenas absurdas do cotidiano. Mas não importa, ela só tenta ganhar tempo. Se livrar de fantasmas e evitar Giovanni a todo o custo. Caminha pelas ruas de Milão atrás de alguma coisa que a distraia e que a faça esquecer seu casamento, seu cotidiano matrimonial, tributável, fútil e repleto de lacunas.

Giovanni é do tipo passivo e reticente. Um homem em busca de soluções intelectuais às suas questões. Nesse universo idealizado, até suas conquistas são circunstanciais, tal como a que acontece na saída do quarto do hospital, quando uma das paciente se insinua de maneira estranha e irracional – e diga-se de passagem com um certo exagero por parte do Antonioni, convenhamos. Ao ser convidado à casa de Gherardini, rico industrial interessado em que ele escreva a história de suas indústrias, conhece sua filha Valentina e flertam. Flertam descaradamente, sem pudor de Lydia.

Na festa, Lydia também deixa-se envolver pelo ritmo da noite e se abre as insinuações de um desconhecido. Ambos, Giovanni e Lydia, buscam de alguma maneira escapar de um certo vazio existencial por onde a angústia penetra, instala-se e, acompanhada pelo contraponto do medo da solidão e do erro, impele-os contraditoriamente a buscar novas experiências. O problema é que essas novas experiências os tornam mais arrependidos e doloridos.

Antonioni tem uma maneira especial de abordar dramas psicológicos com a economia própria nos diálogos. Até mesmo em situações em que os conflitos da trama não sao aparentes, estica ao máximo a corda da tensão, sem a resolução simples para os paradoxos que ele mesmo cria. No La Notte, Antonioni retrata com imagens a instituição casamento. Retrata o desconfortável silêncio a separa Lydia de Giovanni, como se estivessem fartos um do outro. O casamento é retratado nesse imenso tédio de arrependimento e dor onde a convivência a dois é permeada pela rotina da divisão da mesa de jantar, do carro, do banheiro, da cama, e de alguns outros bens materiais.

La Notte termina de maneira enigmática. Giovanni se despede de Valentina, acariciando seu rosto, em frente a Lydia. Esta, se aproxima de Valentina e a beija. Ambos Giovanni e Lydia deixam a festa. Vão embora. A noite se acaba, mas seus dilemas não. Isso é Antonioni.

Carajos -, suspiró. - !Cómo voy a salir de este laberinto !




Em “El general en su laberinto,” Gabriel Garcia Marques relata os últimos meses da vida de Simon Bolivar e sua viagem até a cidade de Santa Marta. No trajeto, um Bolivar velho, acabado, demasiadamente humano com seus defeitos, arrogâncias, paixões e deseganos de amor, desvela-se e desmonta-se o mito calcado em façanhas militares. Exausto fisicamente, aos 47 anos de idade, Bolívar é uma sombra.

É uma novela narrada em terceira pessoa com idas e vindas a eventos específicos da vida de Bolívar. Começa em Maio de 1830 em Santa Fé. O general se prepara para uma viagem a Cartagena das Índias e posteriormente para a Europa. Domingo Cayedo, seu então vice-presidente, tarda em autorizar a viagem e a cada cidade em que chega, é recebido como herói pelos seus seguidores políticos. Os flash-backs, mesclam-se com um certo sentimentalismo típico das reminiscências ansiãs.

O panorama psicológico que Marques traça de Bolívar não é menos complexo. Situa o homem num labirinto interminável criado por ele mesmo e pelos que foram pouco a pouco desconstruindo sua obra frágil e ousam desventar sua alma. Um homem cínico e amante das mulheres, pois por cada cidade que passava, apaixonava-se, fazendo-as sentir, a cada uma e a todas, como únicas. Um homem de poucos amigos, taciturno e de um silêncio forjado pelas mortes em campos de batalhas, porém retórico. Um homem compadecido de cães vadios, os quais recolhia pelas ruas, onde os encontrasse. Enfim, um tipo autoritário e combativo na juventude, dando lugar a um ser doente e auto-inflectivo.

Entretanto, esse herói, com traços de inconsequência, era já um herói desiludido nesses últimos meses de vida. Desiludido com a idéia de unir uma América perdida na luta entre Federalistas e Separatistas. Um homem que, em virtude destas desavenças, deixou pelo caminho o difuso – para ele mesmo - objetivo Federalista, que de tão visceralmente defendido, acabou por criar inimigos em todos os lugares. Um destes foi Santander, ou Cassandro, um então amigo de longa data, e que tinha sido seu vice-presidente desde o Congresso de Cúcuta e a Assembléia Constituinte, que em 1821 quando se estabeleceu a Gran Colômbia, e que anos depois mesmo exilado em Paris detratava-o com a intenção de anulá-lo politicamente. Bolívar desconfiava, desde então, que Cassandro tramava para assassiná-lo.

“La prensa adicta al general Francisco de Paula Santander, su enemigo principal, había hecho suyo el rumor de que su enfermedad incierta pregonada con tanto ruido, y los alardes machacones de que se iba, eran simples artimañas políticas para que le rogaran que no se fuera”.

“-La verdadera causa fue que Santander no pudo asimilar nunca la idea de que este continente fuera un sólo país--, dijo el general”.
Alguns personagens secundários como o mordomo José Palacios, a quem Bolívar tinha confiança plena, era um homem analfabeto, porém segundo Bolivar, um homem de grande sabedoria e com uma memória inqualificavel. Atedia a Bolívar em todos os momentos, velava suas noites de crises hepáticas, enfim um homem de completa confiança para um homem que “Siempre tuvo a la muerte como riesgo profesional sin remedio. Había hecho todas sus guerras en la línea de peligro, sin sufrir ni un rasguño, y se movía en medio del fuego contrario con una serenidad tan insensata que hasta sus oficiales se conformaron con la explicación fácil de que se cría invulnerable”.

“Examinó el aposento con la clarividencia de sus vísperas, y por primera vez vio la verdad: la última cama prestada, el tocador de lástima cuyo turbio espejo de paciencia no lo volverá a repetir, el aguamanil de porcelana descarchada con el agua y la toalla y el jabón para otras manos, la prisa sin corazón del reloj octogonal desbocado hacia la cita ineluctable del 17 de diciembre a la una y siete minutos de su tarde final. Entonces cruzó los brazos contra el pecho y empezó a oír las voces radiantes de los esclavos cantando la salve de las seis en los trapiches, y vio por la ventana el diamante de Venus en el cielo que se iba para siempre, las nieves eternas, la enredadera nueva cuyas campánulas amarillas no vería florecer el sábado siguiente en la casa cerrada por el duelo, los últimos fulgores de la vida que nunca más, por los siglos de los siglos, volvería a repetirse”.

O general nunca deixou a América do Sul. Terminou sua jornada em Santa Marta, completamente enfraquecido politica e fisicamente. Marques narrou uma morte pobre e nas sombras e reforçou a idéia de que uma América única, talvez estranha aos brasileiros, que sempre olham para os intuitos de Bolivarismo com uma certa desconfiança, calcada no mito heliodrônico, nasceu fadada.

Foto de Bolívar na Praça Juliano Moreira. Botafogo.

There Will Be Blood




There will be blood é do mesmo cara que fez Magnólia e Boogie Nights. Paul Thomas Anderson é um diretor jovem, mas que faz cinema como deve ser feito, alinhava um bom roteiro a belas imagem – para o bem e para o mal - de maneira impressionante.

O filme conta a história de uma família - os Sunday - envolvida na saga do petróleo e de Daniel Plainview. Plainview torna-se ao longo da estória, de um simples minerador de prata, dono de uma grande companhia de extração de petróleo. O roteiro de Paul T. Anderson utiliza aspectos do livro de Upton Sinclair, Oli.

Começa em 1898 quando Daniel Plainview, interpretado por Daniel Day-Lewis, um homem frio e calculista, movido pela rudeza, ambição e a complexidade dos homens sem qualidades, descobre petróleo nas minas de prata que garimpa e torna-se um prospector de petróleo. De um simples gaimpeiro de prata, converte-se em pouco tempo num extrator de petróleo. Num acidente fatal com um de seus empregados, Daniel adota H.W., o filho do empregado como se fosse seu filho e as poucos sócio.

Certo dia, chega a seu escritório Paul Sunday (Paul Dano) - e estou na duvida ate agora se Paul realmente existiu ou se foi uma invencao de Eli - , que troca a informação de uma reserva prospectiva – por acaso nas terras de seu pai – por 500 dólares em Little Boston, Califórnia. Daniel parte para Little Boston. Chega à propriedade com a desculpa de caçar pássaros e acaba negociando as terras dos Sunday sem o patriarca da família saber. Nesse momento Eli Sunday, irmão gêmeo de Paul, sobre o preço da propriedade para 10 mil dólares convertidos a sua igreja, enquanto Daniel oferece apenas 5 mil.

Nesse momento a história converte-se então numa alegoria sobre ambição e fé, representada pelo garimpeiro que realiza o sonho americano - e é conseqüentemente destruído por ele – e os interesses religiosos manipulativos a serviço da política e da economia.

Com a grana fácil que jorra dos poços, a parceria entre Daniel e Eli tinha tudo para dar certo. Eli era o pastor da Church of the Third Revelation, agora expandida com o suporte financeiro de Plainview. Porém a inimizade entre os dois começa na inauguração do poço de petróleo. Eli exige que ele abençoe a inauguração e Plainview o trapaceia abençoando ele mesmo o produto de seu esforço empresarial.

A partir desse momento a relação entre fé e dinheiro degringola de vez com Eli exigindo cada vez mais dinheiro em nome do Senhor, e Plainview se tornando cada vez mais fdp com tudo e todos. Um momento tocante e determinante na caracterização dos personagens e da estória se passa na explosão do poço de petróleo, quando H.W. cai e perde a audição. Eli insiste que o acidente teria sido causado pela ira do Senhor, por ele, Eli, não ter abençoado o poço. Plainview da-lhe uma sova humilhante na frente dos empregados e Eli, antes de partir em missão, vinga-se.

Plainview necessiatava das terras de Mr. Brandy para construir um oleoduto que ligasse Little Boston ao mar. Voilá. A condição para que conseguisse a terra era de que fosse batizado na igreja do pastor Eli. Uma das cenas mais impressionantes do filme acontece quando o babaca do expectador pensa que Daniel completamente em transe, esbofeteado, humilhado e quase convertido a fe' de Eli esta de joelhos à frente de um Eli espiritualmente forte e vingativo, esta praticamente convertido à Church of the Third Revelation. No fim do carnaval anímico, Plainview olha nos olhos de Eli e diz que aquilo valia o duto!


Daniel Day-Lewis levou o Oscar nessa cena, tenho certeza.


Se tu duvida da uma olhada nisso... http://www.youtube.com/watch?v=QP7lFpPnHg4


Na manhã seguinte Mr. Brandy concorda em alugar suas terras e Eli parte para uma missão. E nesse ponto a estória dá um salto para o ano de 1927 when there will be blood...
Musica do Dia: Brahms. Concerto para violino. Terceiro Movimento

Alocação

É um programa estrutural para criar potencial de grande dinamismo econômico, que requer educação do público. É um grande passo na direção certa.
Edmund Phelps - Prêmio nobel de economia sobre a bolsa família.

Stranger Than Paradise

Stranger Than Paradise
Stranger Than Paradise é uma comédia interessante e meio absurda. É um filme de 1984 feito com sobras de imagens de um filme do Win Wenders chamado The State of Things, para o qual Jarmush havia escrito a trilha sonora.

O filme é dividido em três partes. Na primeira, "The New World", conta a história de um americano que vive num bairro meio barra pesada de NY a espera de uma prima húngara, com quem nunca teve relação. A prima chega, passa uns dias, e parte para Cleveland, Ohio para viver com uma tia velha e peculiar, como se nada tivesse acontecido. Na segunda parte "One Year Later," trata da viagem do primo e se seu amigo a Cleveland para procurar pela prima. De la o filme passa enfocar a viagem dos três de Cleveland para a Florida, "Paradise" – a terceira parte.

Esses road movies, no geral não me atraem, mas há algo da contracultura que no Stranger Than Paradise me atrai, por contrapor-se exatamente à cultura cliche, ao lado comercial do cinema e das estórias que todo mundo que assistir repetidamente. Tampouco, sou totalmente adepto de todas as idéias dos hipsters, até por que estou longe se ser um vegan, mas ainda escuto meus vinis do Parker e do Coltrane e reservo sempre um tempo para filmes independentes.

Acho que não foi à toa que em 2002 o filme foi selecionado para o National Film Registry aqui da Library, por ser um exemplo 'cultural e esteticamente significante da cultura americana.'


Permanent Vacation
Esse aqui é um registro de um Jarmusch jovem e sem refinamento. Permanent Vacation é a história de Allie, jovem fã de Charlie Parker, que vagueia pelas ruas Lower East Side, em Manhattan, num tempo e que por alí não passavam os hipster de bem como se vê hoje. A cidade parece destruida por uma guerra. E tudo se passa num constante vazio existencial com os típicos estranhos personagens pelo caminho.
O filme é chato. Chatissimo. Principalmente por que me faz lembrar que um dia gostei de Smiths, The Cure e Legião Urbana e de todo aquele romantismo urbano pos-punk no qual todos da minha geração perdemos um tempão. O filme, rico em ambientes de desolação, alienação, solidão e busca por contato e afeto, traz já asquestões que Jarmusch tocaria em outros filmes de maneira muito mais fascinante. Mas vou dar um desconto pois ja assistira os outros.

A maratona de Jarmush está quase acabando, e já estou sentindo uma certa nostalgia.

Dead Man


William Blake é um jovem contador que deixa Cleveland com destino a Machine, cidade no meio do nada do cu do Judas - licença poética ao Lobo Antunes - e onde a linha férrea termina. Vai atrás da promessa de emprego numa metalúrgica. Chega, e é comunicado por John Dickinson que a vaga já está preenchida. Sem dinheiro, rumo ou objetivo, envolve-se com a mulher errada, assassina seu ex-noivo – numa tentativa de salvar a própria pele e se mete numa errascada danada. Na verdade, William matou não apenas o ex-noivo da moça. Matou o filho de John Dickinson, o dono da metalúrgica que lhe negou o emprego, e por acaso o homem mais temido da cidade. Baleado, é recolhido por um índio chamado Nobody (Gary Farmer), que acredita ser ele, Blake, o poeta e ilustrador inglês homônimo.

Aos poucos, o Blake pacífico, circunspecto e ligeiramente efeminado, vai cedendo à cirscunstância violenta e caótica do Oeste, no momento que passa a ser perseguido por três pistoleiros da pesada. Ou seja, contrário de sua natureza, vai se transformando, forçado pelas circunstâncias, num matador procurado.

Do encontro de Blake com Nobody, Jarmusch cria situações realmente cômicas e existenciais. Nobody estudara na Inglaterra e por acaso conhecia várias passagens do poeta Blake de memória, as quais declamava para o contador Blake – que por sua vez assimilava-as como um tipo de insight de sabedoria indígena. O problema – ou melhor, a melhor qualidade - é que a ironia de Jarmusch, faz rir na mesma proporção do incômodo que causa. Várias vezes Nobody pergunta a Blake se ele tem tabaco, recebendo sempre a mesma resposta, "não, eu não fumo". Todo o cara que fuma, deveria saber que o tabaco é essencia na medicina, imprescindível em cerimônias religiosas e militares, complemento alimentar que ajuda na digestão, um alucinógeno para lá de eficiente e obviamente uma oferenda aos mortos. O detalhe fica claro no final do filme, quando Blake, flutuando numa canoa que o levará dessa pra melhor, mostra a Nobody o fumo em rolo.

Nota. Mas vamos lá... as poesias que Nobody recita são Auguries of Innocence, The Marriage of Heaven and Hell, The Everlasting Gospel.
Um trecho do Marriage of Heaven and Hell.

Thus one portion of being is the Prolific, the other the Devouring: to the devourer it seems as if the producer was in his chains, but it is not so, he only takes portions of existence and fancies that the whole.But the Prolific would cease to be Prolific unless the Devourer, as a sea, recieved the excess of his delights.

E uma tradução sonora e sem vergonha (perdão, Blake)

Assim uma parcela do ser
é a prolífica, a outra a voraz:
ao que Devora luz
como se quem produz
estivesse em suas correntes,
mas não é assim,
ele toma somente,
da existência, parcelas,
e fantasia nelas
o todo delas.

Shadows

Shadows, primeiro filme do Cassavetes, é aparentemente simples. Um grupo de amigos músicos novaiorquinos, de classe média baixa, se aventuram pela noite em festas, muito jazz e farra. A estória principal fala sobre um triângulo amoroso entre uma moça mestiça - ou como diria o IBGE, parda -, um negro boa-praça e um playboy pilantramente branco que gosta de freqüentar as festas underground para parecer underground. Leila se envolve com o playboy, mas não é o tipo de moça ingênua. Assume o jogo de sedução propensa ao assédio e ao envolvimento com o jovem branco, mesmo que a tal entrada no mundo branco não seja o que realmente deseja. Após conhecer os dois irmãos da moça, o jovem revela sua face racista e se vê diante de um dilema: continuar com a moça ou esquecê-la para sempre. Enfim, Cassavetes foi um realista ao filmar o drama sobre dois negros músicos e sua irmã na busca de identificação numa Manhattan cosmopolita, mas que não foge à regra de qualquer caipiroland americana. Com um elenco amador - Ben Carruthers, Leila Goldoni e Anthony Ray - a trilha sonora de Charles Mingus, e apens 20 mil dólares arrecadados com amigos no bolso, Cassavetes fez de Shadows uma obra definida por ele próprio como experimental, mas que permanece.

Inquieto e criativo, Cassavetes integrou-se no final dos anos 50 ao chamado movimento dos realizadores dos Free Cinema em Nova Iorque. Este seu primeiro longa-metragem foi realizado em 1959, apenas quatro anos depois de Rosa Parks se recusara a ceder o asento a um branco e dois anos mais tarde que Eisenhower convocara a Guarda Nacional pra baixar o pau no pessoal de Little Rock. A câmera trêmula, os closes sem angulação e os cortes colocam o espectador no centro da narrativa, contada em meio a uma trilha permanentemente de jazzistica. O filme é sem dúvida uma grande experiência para quem por acaso leu o L´Herbe Rouge do Boris Vian.

O que particularmente gosto nos filmes do Cassavetes é que o homem não deixa espaço para a divagação existencialista. E nesse filme ele até dá uma cutucada irônica nos existencialistas quando coloca com ironia uma personagem secundária e fora de contexto para falar numa festa sobre filosofia francesa. Ou seja, em seus filmes não há aquela pausa para chegar à varanda da janela, para o deslumbre pensativo de um olhar vago sobre a cidade, não há a pausa sem diálogos, até por que Cassavetes desnuda a sua galeria de personagens de temperamentos explosivos em permanente motin interno, de maneira cruel, sem chances para qualquer tipo de condescendência. Sem trocadilhos, sem Sombras.

Night on Earth

Night on Earth, filme do Jim Jarmusch de 1991. Assisti esse filme quando estava entrando na faculdade e pra ser sincero nunca consegui definir bem o que da estética do Jarmusch realmente me atrai. Assisti ao Night on Earth pela segunda vez hoje, mas ainda nao descobri o que realmente ficou guardado dele na minha memóra. Só sei que realmente gosto dessa espécie de oceano urbano de formas desfeitas que ele cria. Certifico desde já que um dos 5 vignettes me irritaram profundamente – exatamente aquela bobagem de estória do Roberto Benini, que realmente me irrita como ator e diretor; não sei, acho que é sua figura humana, aquela sua caricatura forçada de seu ser e, por metonímia, da alma italiana. Enfim, tem algo de errado nesse cara. No entanto, gosto do jeito de narrar do Jarmusch com imagens não-familiares mas facilmente identificáveis que tornam até minha animosidade contra taxistas ao redor do mundo, um sentimento mais brando mas não necessariamente passível de uma gorjeta eventual.


Uma vez, assitindo uma entrevista do Jarmusch, fiquei surpreso com seu hábito de assistir a filmes estrangeiros sem legendas. Mesmo que não entenda os diálogos, para ele o filme não é só o diálogo, mas a atuação dos atores, a luz, o contexto... enfim tudo que aparece na cena do taxi onde o ator ebúrneo Isaach de Bankole - alias um ator que ja vi em alguns filmes e que realmente tem uma capacidade mudar de personalidade apenas com um corte de cabelo - e Béatrice Dalle dão seu show particular de interpretação.

Enfim, um filme sobre as relações de taxistas e passageiros. Um filme sobre a idéia de que se está sozinho com uma outra pessoa, num espaço fechado, durante um trajeto definido, e com quem não se tem absolutamente nenhuma relação. De ambos, nada é exigido. Em ambos, nada é investido. Não havendo ganhos ou perdas, pode-se mentir durante todo o trajeto. Pode-se permanecer absolutamente calado. Ou pode-se ser completamente honesto. Enfim, igualzinho ao consultorio do teu analista.