Dead Man


William Blake é um jovem contador que deixa Cleveland com destino a Machine, cidade no meio do nada do cu do Judas - licença poética ao Lobo Antunes - e onde a linha férrea termina. Vai atrás da promessa de emprego numa metalúrgica. Chega, e é comunicado por John Dickinson que a vaga já está preenchida. Sem dinheiro, rumo ou objetivo, envolve-se com a mulher errada, assassina seu ex-noivo – numa tentativa de salvar a própria pele e se mete numa errascada danada. Na verdade, William matou não apenas o ex-noivo da moça. Matou o filho de John Dickinson, o dono da metalúrgica que lhe negou o emprego, e por acaso o homem mais temido da cidade. Baleado, é recolhido por um índio chamado Nobody (Gary Farmer), que acredita ser ele, Blake, o poeta e ilustrador inglês homônimo.

Aos poucos, o Blake pacífico, circunspecto e ligeiramente efeminado, vai cedendo à cirscunstância violenta e caótica do Oeste, no momento que passa a ser perseguido por três pistoleiros da pesada. Ou seja, contrário de sua natureza, vai se transformando, forçado pelas circunstâncias, num matador procurado.

Do encontro de Blake com Nobody, Jarmusch cria situações realmente cômicas e existenciais. Nobody estudara na Inglaterra e por acaso conhecia várias passagens do poeta Blake de memória, as quais declamava para o contador Blake – que por sua vez assimilava-as como um tipo de insight de sabedoria indígena. O problema – ou melhor, a melhor qualidade - é que a ironia de Jarmusch, faz rir na mesma proporção do incômodo que causa. Várias vezes Nobody pergunta a Blake se ele tem tabaco, recebendo sempre a mesma resposta, "não, eu não fumo". Todo o cara que fuma, deveria saber que o tabaco é essencia na medicina, imprescindível em cerimônias religiosas e militares, complemento alimentar que ajuda na digestão, um alucinógeno para lá de eficiente e obviamente uma oferenda aos mortos. O detalhe fica claro no final do filme, quando Blake, flutuando numa canoa que o levará dessa pra melhor, mostra a Nobody o fumo em rolo.

Nota. Mas vamos lá... as poesias que Nobody recita são Auguries of Innocence, The Marriage of Heaven and Hell, The Everlasting Gospel.
Um trecho do Marriage of Heaven and Hell.

Thus one portion of being is the Prolific, the other the Devouring: to the devourer it seems as if the producer was in his chains, but it is not so, he only takes portions of existence and fancies that the whole.But the Prolific would cease to be Prolific unless the Devourer, as a sea, recieved the excess of his delights.

E uma tradução sonora e sem vergonha (perdão, Blake)

Assim uma parcela do ser
é a prolífica, a outra a voraz:
ao que Devora luz
como se quem produz
estivesse em suas correntes,
mas não é assim,
ele toma somente,
da existência, parcelas,
e fantasia nelas
o todo delas.

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