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Mirror

Tarkovsky é, como num sobrescrito de João Cabral, simultaneamente, a dureza e a fruição contidas na pedra e na poesia... Mirror é um filme de 1975 e pelo que dizem, o mais autobiográfico desse cineasta que conheço pouco, aliás. Aliás conheço pouco do cinema russo, pois tenho muita dificuldade em acompanhar um filme de onde me escapam as nuances da língua, o oceano de detalhes que ela agrega à imagem em movimento, seu peso, sua riqueza inesgotável, sua força.

O filme não tem um roteiro aparente. Aliás, não recomendo este filme para os habituados ao cinema padrão calcado nas poucas noções de Syd Field e muito voluntarismo. Mirror não esta pautado numa história linear, na ação,nos personagens de contorno digerível e de final redondo, conclusivo e satisfatório. Ou seja, um filme para quem aprecia poesia. Um filme para quem aprecia a poesia sem palavras. Na razão inversa da poesia contruida de images, nesse filme, a poesia surge das palavras.

Todo ele é recortado por reminiscências, imagens oníricas e a costura recorrente dos poemas de seu pai, o poeta Arseni Tarkovski. Em Mirror o narrador vê sua mulher como a continuação de sua mãe, porque os erros se repetem. A repetição dos erros pessoais é uma lei, e a experiência não se transmite. Sabe-se que nele interagem três tempos. Um tempo pretérito pré-guerra, provavelmente ao redor dos anos 30, um tempo que se passa na Guerra, e um tempo do pós-guerra, já nos anos 1960. Além disso o filme se divide em quinze segmentos.

Da colcha de retalhos, fiz um exercício execrável. Tentei alinhavar as 15 sequências do filme. Eu sei que ao racionalizá-lo cometo algo bárbaro...
i.
O filme começa com uma sequência de um jovem num treinamento com uma fonoaudióloga, já numa insinuação de que a falta de palavras contidas na frase "I can speak," revela uma quebra, ausência ou a prescindívelnecessidade de uma narrativa linear, já que ao longo da história tudo se revela como um sonho, uma espécie de memória fragmentada do passado. (cenas em preto e branco)
Música: J. S. Bach, Das Orgelbüchlein No. 16, "Das alte Jahr vergangen ist."

ii.
Pré-guerra nos anos 30 (cenas coloridas)
Maria está sentada numa cerca de madeira. Olha o horizonte. Está de costas para a câmera. Fuma. Um homem se aproxima. O narrador anuncia em off que alí naquela casa costumava a passar as férias de verão com a família. O homem que se aproxima é um médico. Pede um cigarro, senta na cerca junto a Maria e emenda uma conversa um tanto aleatória. A cerca se rompe e os dois caem no chão. O homem começa a rir do absurdo daquela situação o que leva Maria a desconfiar de sua sanidade. Ela cita o Ward 6, uma estória de Checkov, onde um médico, Ragin, investiga as causas da loucura na própria prática violenta de tratar a loucura. Na verdade, ela pergunta indiretamente se o médico é são. Ele rebate dizendo que Checkov inventou aquilo tudo, implicando que o sofrimento de Ragin e a ambição de Khobotov, em provar que o primeiro sofria de distúrbios mentais era pura ficcção. O médico então a deixa e Maria o vê partir.

iii. pre-guerra
Noite. Interior: uma criança na cama. Maria lava seu cabelo com a ajuda de seu marido. Ela se encaminha para o espelho e se vê como uma ansiã.

iv.
O telephone toca. A camera focaliza um apartamento na cidade. Alexei conversa com sua mãe. Liza, com quem ela trabalhou na casa editorial acaba de morrer.

v.
pre-guerra
Maria tem pressa. Sob a chuva, caminha para a editorta para conferir as provas de um erro que havia cometido. Em sua mesa ela conversa com sua colega Liza, a quem confidencia que suspeita de ter cometido um erro e se riem do episódio. Nesse momento, chega um homem, supostamente o supervisor. Maria se levanta e vai tomar um banho. Antes de partir, Liza diz a Maria que esta se parece com Maria Timofeyeva, irmã do capitão Lebyadkin, dos Demônios de Dostoievski.

Continua...

The Visitor


Você chega à casa tarde da noite. Abre a porta e ainda com a casa as escuras pousa as chaves na mesinha. De repente percebe uns ruídos, percebe que há alguma coisa estranha, que há flores frescas na jarra da sala, que pela luz nas fresta da porta alguém está no teu banheiro tomando banho. Abre a porta do banheiro e realmente há uma mulher lá, fecha a porta num ato reflexo e logo aparece um homem te agredindo.... Parece um filme...

Em The Visitor, filme de Tom McCarthy, Richard Jenkins é Walter Vale, um homem de 62 anos, um professor de economia em Connecticut, viúvo e sem paciência para seus alunos e amigos da universidade. Num certo dia é praticamente obrigado pelo chefe de departamento de sua faculdade a apresentar uma conferência em NYC sobre um paper em que ele é co-autor – caso típico, mas dexapralá. Chegando a seu apartamento, que visita raramente, descobre, Tarek e Zainab. Tarek, percursionista, é Sírio, e Zainab, artesã, é senegalesa. Ambos vivem por alí há mais de dois meses sem serem incomodados. Após esse breve desentendimento, ambos decidem partir na mesma noite. O professor acaba propondo abrigo temporário para eles em seu apartamento e, aos poucos, vai se envolvendo com problemas que jamais imaginaria. Um deles é a quase imperceptível xenofobia pós-11/9... e outro são os delicados procedimentos dos departamentos de imigração americanos....

Nesse universo urbano e multiculturalmente idílico, Walter aos poucos vai se envolvendo com o universo de Tarek. Aprende percussão, larga definitivamente o piano e adia mais e mais a volta a Connecticut. Das aulas nasce uma espécie de amizade – pois é difícil dizer já que Walter é um homem contrito, eloquentemente sucinto, meio depressivo e quase monossilábico. Da amizade, diga-se de passagem um tanto rápida demais, nasce uma espécie de hipnose pela vida livre de Tarek.

Até o dia em que Tarek é preso no metrô, por um engano, na frente de Walter. Por não ter documentos é transferido a uma casa de detenção no Queens. Zainab, muito mais reservada que Tarek, decide partir. Sem notícias há vários dias, a mãe de Tarek, Mouna Khalil, interpretada pela belíssima atriz palestina Hiam Abbass, chega de Michigan para procurar o filho e fazer a vida de Walter mais complicada e interessante. Ambos se unem para tentar, em vão, soltar o rapaz. Como seria natural entre duas pessoas maduras, envoltas em experiências similares, ambos se sentem atraídos. Mouna confessa a vontade de assitir ao Fantasma da Ópera, que Walter galantemente convida-a para assistir. Enfim...

Não. Mouna e Walter, ambos viúvos, não começam um romance, mas Tom McCarthy roda uma cena daquilo que Nelson Rodrigues definiria, à sua maneira, como amor. O anjo pornográfico dissera que “[...] qualquer mulher nasceu para um só homem, qualquer homem nasceu para uma só mulher. Quando, por sua desventura, o homem e a mulher separaram o sexo do amor, começou o martírio de ambos.”

Não houve sexo na última noite em que Mouna passa no apartamento de Walter, antes de retornar a Síria, para esperar por seu filho, definitivamente deportado dos EUA. Mouna, no meio da noite vai ao quarto de Walter, deita-se em sua cama, pede para que ele a abrace e começa a chorar lamentando-se pelo destino do filho. Walter e Mouna dormem abraçados numa cena mais tocante que a da despedida de ambos no Aeroporto de JFK. Posso estar ficando velho e piegas, mas acho que isso também é uma forma de amor. Mas isso também pode ser ilusão.

http://www.thevisitorfilm.com/

De Chinese muur

Aagt

"The Chinese Wall', (Netherlands, 2002), 10 min., foi nominado como o melhor curta metragem do Dutch Film Festival em 2002 – além disso levou uma penca de outros prêmios. A diretora Sytske Kok e a roteirista Rosan Dieho realizaram um trabalho de grande sensibilidade ao transportar as inquietações, frustrações, e as ilusões perdidas durante toda uma vida de uma mulher madura – por volta dos 60 anos, ligeiramente auto-inflictiva e adoravelmente sarcástica -, esperando pelo almoço num restaurante chinês em Amsterdã, para um diálogo interno cheio do que o filósofo William James chamaria de “fluxo da consciência.”

Aagt (Celia Nufaar) é uma mulher madura e solitária. Maltratada pela vida, perdera o amor de sua vida por influência dos pais, teve um único filho que voltou-se contra ela, por influência da nora, e seu marido morreu numa cadeira de rodas ao seu lado. Num dos almoços em seu habitual restaurante chinês, sentada à sua habitual mesa, pedindo seu habitual prato com uma porção extra de frango, a conhecemos e conhecemos boa parte de sua vida através de seus pensamentos e julgamentos precipitados refletidos nos outros comensais, ao vislumbrar nestes sinais particulares de episódios chaves em sua vida.

Três mesas estavam ocupadas. Numa mesa – que chamo de mesa 1 - vemos um grupo de cinco jovens, num aparente almoço de escritório, onde alguns se sentiam desconfortáveis com ascensão de um deles sobre os demais, mas uma das jovens olhava-o atentamente com admiração, dando, numa prosaica maneira de dizer, o maior mole pro cidadão ( dali vieram-lhe os pensamentos da juventude, do amor perdido por Aagt). Na mesa do canto – a mesa 2 - , uma família, pai, mãe e um filho adolescente, aborrecido e constrangido com a presença dos pais que o tratam com um relativa condescendência e pudor (desta, a lamentação por ter perdido o filho). Na terceira mesa – mesa 3 - , à sua frente, Aagt tem um casal. Uma mulher apática, sendo servida pelo opressivo marido, que com certa autoridade e arrogância pedira a comida e o segundo copo de cerveja, de forma arbitrária, pré-julgando seu gosto pela comida ( desta, o alívio por não ter mais um marido). Mas o porquê de tais diálogos internos, naquele dia específico: aquele era o dia de seu aniversário que solitariamente queria manter em segredo.
Mesa 3

Já no fim de seu almoço, tendo deixado boa parte da comida, Aagt é indagada pela dona do restaurante se não gostara da comida. Ela então, inadvertidamente, revela a importância pessoal da data. Inesperadamente arma-se um carnaval - nem tanto no estilo do surreal e antológico “Salvador Janta no Lamas” de Victor Giudice. A gerente aparece com um bolo. Aagt entra em pânico - um pavor interno a bem da verdade - ao ver-se analisada pormenorizadamente por todos. Ser o centro das atenções naquele dia solitário e meio amargo não estava em seus planos. Quando Aagt oferece parte do bolo aos demais comensais, a gente decide juntar as mesas do pequeno restaurante. Frustração, alegria e esperança se encontram. A mãe do adolescente (Mesa 2), então, empurra feliz a cadeira de rodas do rapaz para junto da grande mesa; o grupo de jovens (Mesa 1) da aula semanal de patinação no gelo é alegre e é o primeiro a tomar a atitude de juntar as mesas; e a até então infeliz mulher(Mesa 3) anima-se e manda seu irmão indiferente e ansioso em terminar o almoço com a irmã, juntar também a mesa dos dois à dos outros. Simples. Emocionante. Surpreendente.
Música do dia. Complexo de Épico. Tom Zé

Moartea domnului Lăzărescu

Moartea domnului Lăzărescu é um filme longo. Duas horas e meia de uma combinação estranha de risos e agonia. Dante Remus Lăzărescu (Ion Fiscuteanu), um tipo que certamente você já viu passando pela tua rua, é um excêntrico e rabujento engenheiro aposentado. Sua única filha vive em Toronto, no Canadá. Sua irmã em Targu-Mures, algum lugar da Romênia. Portanto, no dia-a-dia Lăzărescu vive sozinho. Ou melhor, vive com Mirandolina, Muso e Fritz seus três gatos num pequeno apartamento de Bucareste. Chegado numa birita caseira chamada Mastropol, vivendo em sua solidão, sofre uma queda doméstica, bate com a cabeça e chama uma ambulância, mas quando se torna evidente que a ambulância não vem, ele pede ajuda aos vizinhos. Para piorar sua situação, não tendo o medicamento correto, seus vizinhos lhe dão uma medicação errada para parar com a náusea. Após vomitar sangue novamente, os vizinhos decidem chamar a ambulância novamente. Quando a ambulância finalmente chega, a enfermeira, Mioara (Luminiţa Gheorghiu) aposta em outro tipo de diagnóstico. A enfermeira suspeitar que ele tem câncer e, após informar sua irmã, que vive noutra cidade, que sua condição que poderia se agravar e que ela deveria visitá-lo no hospital, a enfermeira decide levá-lo para um hospital. O filme propriamente dito começa agora, com a pregrinação do pobre do Lăzărescu e sua enfermeria por vários hospitais de Bucareste.

O filme classificado como humor negro, é bem mais que isso. Pensado pelo diretor Cristi Puiu como uma tetralogia dos subúrbios de Bucareste, o filme é um retrato do que poderia ser a rede pública do Rio de Janeiro. Quem ja precisou de um Salgado Filho, um Getúlio Vargas ou Miguel Couto, sabe muito bem do que eu estou dizendo. O filme segue a jornada Lăzărescu através da noite e de como ele é levado de um hospital para o outro. Nos primeiros três hospitais, os médicos, depois de muita enrolação, relutantemente aceitam cada um a sua maneira fria e distanciada examinar Lăzărescu. Todos, apesar de considerarem sua condição gravíssima, necessitando de uma cirurga com urgência, recusam-se a mantê-lo em seus hospitais, pois por infelicidade, as vítimas de um grande acidente de ônibus não param de chegas às emergências. Por isso decidem mandá-lo embora. Entretanto, sua saúde se deteriora rapidamente, sua fala falha, balbucia lentamente, seus reflexos diminuem, vai perdendo os movimentos dos membros direitos.

As razões para o descaso vão desde a negligência ao cansaço, ou simplesmente a recusa a atender um velho manguaça. Durante a noite de procura por alguém que o atendesse, sua agonia aumenta. Sua única protetora é a enfermeira que prestou os primeiros socorros, aguentando firmemente todas as humilhações e arrogância dos médicos. Finalmente, no quarto hospital, os médicos aceitam Lăzărescu para uma operação de emergência para remover um coágulo no cérebro. De todas as maneiras, tal como um dos médicos disse, livraria-se do tumor, mas não da cirrose.

Nos extras, Cristi Puiu dá uma entrevista interessantíssima. Segundo ele, o filme foi inspirado intelectualmente na série dos Six Moral Tales do cineasta Eric Rohmer. Na prática, numa experiência pessoal em 2000, quando teve de ser levado às pressas, vomitando sangue, à emergência de um hospital. Seu caso, não fora grave, mas a experiência o marcou com sérias crises de hipocondria. E costurou todos esse fatores com uma notícia de jornais dando conta do abandono de um velho doente pela paramédica que não conseguia um hospital para interná-lo. A paramédica, que abandonou o doente à sua sorte, foi a única condenada num processo de negligência - algo que Puiu recusa-se a aceitar. Daí o filme.

O diretor aceita a tarja preta do humor negro. Aceita mas não concorda, pois suspeito que este seja, sem sentimentalismo barato, um filme de resgate do humanismo. Ou parafraseando Brás Cubas que disse, ainda que de maneira sacana, que seu emplasto era " o alívio da nossa melancólica humanidade" esse filme é de uma maneira bem sacana uma espécie de "alívio para" - e não "de" - "nossa melancólica humanidade".






Música do dia. A Banca do Distinto. Billy Blanco

O peso de uma pedra, como se diz

Não que fosse totalmente desconectado com a realidade. Claro que admitindo isso significaria ter que confessar que o fim trágico de Agladze, o protagonista de “There Once Was a Singing Blackbird”, filme de Otar Iosseliani, não foi obra de um ardil secreto. As sutilezas, que muitas vezes tentamos negar, sobre o total desconhecimento das ações e acontecimentos que determinam nossas vidas, iludindo-nos que um fim pré-determinado, ou um fim já traçado, exista, leva-nos a crer que a fatalidade da morte de Agladze estivesse talvez em conexão com alguma forma de acaso ou destino a prazo fixo. Me recuso a aceitar isso pelo simples fato de que se assim fosse, uma discussão sobre a responsabilidade de nossos atos seria superflua. Para todos os efeitos, Agladze, como músico levava de certa forma uma vida lúdica, como num desenho mágico, com um andar tímido e displicente de um sábado pela manhã, e portanto, muitas vezes sua vida poderia ser encarada encarada com inútil - o que é um detalhe que passa longe da solução que Otar impôs ao seu filme. Sendo assim, admitindo que sua vida não valia nada, a morte de Agladze, tal como Àlvaro de Campos dissera pelo aniversário da morte de Sá Carneiro, não despertaria a mágoa dos outros, pois por ele poucos chorariam já que não faria falta a ninguém.



Alguns detalhes tornam sua inutilidade mais complexa. Agladze é um músico jovem e mulherengo, uma espécie de Don Juan moderno, que seduz pelo jogo de seduzir e em seu rastro deixa alguns corações partidos. Nem por isso as mulheres o reprovam. Simplesmente, elas não o levam a sério. Os amigos tampouco. Apesar disso, apesar de levar uma vida boêmia, de ter muitos amigos, é um tanto desconectado com a realidade. O que torna a personagem muito simpática é sua maneira de levar a vida de forma irônica flanando pelas ruas de Tbilisi com um passo bêbado, flertando com as mulheres com um olhar contrito porém sagaz, encontrando-se com amigos distantes da realidade enrijecida e erudita do conservatório. Na orquestra onde toca é um músico que mescla insegurança e displicência. Erra nas marcações da partitura deixando o austero maestro impaciente por conta de sua conduta descuidada. Quando não está no conservatório, esta as voltas com os amigos, namoradas, casos e ex-namoradas. Topógrafos, relojoeiros, vizinhos amantes de futebol e jovens operárias. Esse era o universo de Agladze. A sua conduta profissional, se espelhada em sua vida, revela muito, pois vive sem responsabilidades maiores, ainda sob o teto de um quarto de dormir - que é estúdio, escritório, e quarto de costura já que além de tudo tem dotes de - na casa da mãe.

E foi assim, sem sentido que no dia anterior a sua morte, após visitar seus amigos na relojoaria, pregar um prego na parede para que o relojoeiro pudesse pendurar sua toca; após encontrar-se com uma ex-namorada; após visitar uns vizinhos do apartamento da frente que se reuniram para assistir um jogo, ir até a varanda conversar com o menino com dotes de inventor e olhar pelos telescópio em seu predio os vizinhos, sua casa, sua mãe; retira-se. Aparentemente não se interessa por futebol – um grave erro desse rapaz. Vai para casa. Dorme. Desperta no dia seguinte com a insatisfação cotidiana. Caminha com seu passo bêbado para o seu destino. Flerta com uma moça como se fosse a única. Atravessou a rua com seu passo desconectado. Atravessou a rua entre os carros. E ouve-se o ruído de freios. E acaba no chão como um pacote tímido.

Ou seja, com ou sem destino, morre na contramão atrapalhando o tráfego. Sem dúvida, apesar do tom cômico, um dos filme mais trágicos da juventude de Otar.
Nota. Titulo em francês. "Il était une fois un merle chanteur"

Música do dia. Construção. Chico

Mais Otar

Pastoral (1976) é um filme de roteiro simples, talvez se eu pudesse ousar afirmar sem a sofisticação onírica da obra de Tarkovski. Um filme russo com legendas em francês pode intimidar, mas não este. Como aos poucos descubro, os filmes de Iosseliani são filmes sem palavras quase, portanto quase sem legendas, e por isso percebe-se que o que conta mesmo são os gestos, as relações entre pessoas, a sensorialidade dos sons. São filmes com princípio meio e fim.
Pastoral conta a historia de um grupo de músicos que por alguma razão burocrática e muito estranha é mandado de Tbilisi para um retiro de veraneio numa comunidade rural. Uma das musicistas do quarteto parece ter alguma relação de parentesco com os donos da casa, dada a calorosa recepção. Parece pois no fim paga pela estada. Na casa habita uma grande familia composta pelos avos, pais e netos.

O calor das boas vindas logo se desfaz, pois por alguma razão a sofisticação da música e dos ensaios, não altera a rotina dos moradores. Estes apenas acham estranha a música, tocada pelo quarteto, que de longe chega aos seus ouvidos, mas seguem suas vidas com a lida do campo, com a ordenha das vacas e o pastoreio das cabras. A azáfama do campo revela que os moradores da vila não tem tempo para aquela estranha e sofisticada música e aos poucos são os músicos que revelam-se envoltos pelas questões locais, como as brigas de vizinhos pelo desvio água que corre num dos córregos de uma propriedade, pela janela que um constrói de frente para a casa do outro, pelos pequenos golpes que um dos vizinhos pobres dá para sobreviver, enfim, pelas questôes cotidianas que fazem realmente sentido para os que vivem ali.

A vida calma, vista pelos visitantes como bucólica, é corroída não por determinação governamental autoritária, mas pelos desentendimentos cotidianos, pelas controvérsias locais, ou mais que isso, simplesmente pelo tempo. A única conexão entre os dois grupos, os moradores e os músicos, é dada pela ação de uma adolescente, um tanto sonhadora, que durante o dia cuida dos irmaos menores da casa e ainda encontra tempo para ler durante a noite e ter aulas de piano. E aos poucos tanto os músicos quanto os expectadores, vamos nos transformando em antropólogos relutantes tentando encontrar os sentidos funcionais da comunidade e do país inteiro na resolução dos pequenos conflitos, que nem de longe tem desfechos sentimentais.
Aos poucos, dependendo dos olhos de quem assiste, surge um possível envolvimento entre um dos músicos e a jovem da casa; ou dependendo dos olhos de quem se distrai, as nuances dos Kulaks e dos Kolkhoses vão surgindo, quando um dos capatazes impede que um velho colete pasto para seus cavalos, tomando-lhe a foice, ou melhor dizendo, em linguagem mais revolucionária expropriando-lhe o instrumento de produção. Enfim, um filme que de cacos e de reconstituição de lacunas, levanta imensas dúvidas aparentes na tentativa de sinalização dos contraste entre um universo de origem dos músicos, urbano, e um universo remoto, o campo. Uma das últimas cenas, quando a menina veste-se com a melhor roupa e arranja uma cesta de maçãs para a despedida dos músicos, é tocante. Quando a cellista chega a casa, com seus pais e avó tem-se a impressão de que todos aqueles do campo estão arqutipiticamente ali, no momento em que o pai pega uma das maçãs da cesta e a come, ao som do cello da filha. Uma cena de pura poesia. Uma poesia sem palavras quase, portanto quase sem legendas, onde o que conta mesmo são os gestos, as relações humanas com princípio meio e fim.

Una Breve Vacanza


Vittorio de Sicca fez o filme “Una Breve vacanza” em 1973, já quando o Neo-realismo italiano era uma sombra estilística apagada na memória de cinéfilos fiéis à temática dos problemas sociais, das crianças lacrimosas, dos atores desconhecidos e da ambientação hiper-realista... É a estória de Clara Mataro, uma mulher metalúrgica, de poucas posses, com 3 filhos que ama, e uma horrenda família composta por um marido embrutecido, o cunhado tão rude estúpido e grosseiro quanto ao irmão, com o adendo de uma leve marca do mau-caratismo, e uma sogra exemplarmente sofredora e por isso, sintomaticamente latina – com o detalhe de todos viverem sob o mesmo teto, e apenas Clara a trabalhar. Após uma síncope de exaustão no trabalho na fábrica onde trabalha, Clara, sob orientações médicas, é recomendada a seguir para uma clínica de repouso no norte montanhoso de Dolomites. A família – não sei se ja disse, ‘horrenda’ - insiste que ela está bem e que não precisa do tal tratamento. Apesar de amar aos filhos, a insatisfação no casamento não a faz titubear e parte para as “férias forçadas.” Chega à clinica e logo percebe que dependendo da classe social, os tratamentos são diferenciados. Mas independente da discriminação entre pacientes nababos e remendados, a experiência da recuperação de Clara não é apenas física, mas emocional. A famosa consciênça de crasse passa longe daqui. Aos poucos Clara torna-se amiga de outras internas, independente de quanto levam na carteira, e adquire novas atitudes frente a sua feminilidade, a leitura, à solidariedade e ao amor. Sua vida muda. Torna-se confidente de mulheres - como a interpretada por Adriana Asti no papel de Scanziani, uma doente mental em estado terminal, um dos pontos sensíveis do filme - que talvez jamais as encontrasse em seu dia-a-dia. Aliás as mulheres que encontra são interessantíssimas...

Todos os estágios de sua feminilidade são expostos, independente da dimensão de sua felicidade frágil e por que não dizer, perturbada pela presença do marido. De Sica impõe um diálogo de sombras com o espectador através da alternância de cenários entre os Alpes oníricos ensolarados, a fábrica opressora, e a casa escurecida – onde quase não é possível distinguir os rostos - , compondo nessa reprodução de fragmentos um quadro onde o tema do, voilá, o adultério, esta tão batida carta, é reinventado. Na clínica, reencontra um jovem mecânico que a convidara a um café no dia da consulta, antes da viagem. Clara, uma mulher de invulgar modestia, deixa-se levar pela atração e nós acabamos torcendo por ela quando o drama vira dramalhão e a paixão entra na veia. Supostamente, no filme, que é uma espécie de dramalhão romântico, mas cheio da sensibilidade, De Sicca nega-se à farsa exuberante ou ao drama existencial que, por exemplo, Antonioni enveredou após deixar os neo-realistas. Supostamente, o filme foi baseado no adágio de Appollinaire, “Só na doença, os pobres tem férias” – o que não deixa de ser uma verdade.

E o bom dos filmes do De Sicca é o final: nunca feliz, mas não menos verosímil. Clara, retorna a casa, após ter a alta antecipada pelo médico – resignado, mas sem deixar de ser delicadamente vingativo - que tentara discretamente porém sem sucesso, seduzi-la. A emoção produzida pelo amor dissolvido que sentira por Luigi torna-se evidente, em toda a sua amplidão, na viagem de retorno de trem para casa. De Sica nos deixa a amarga imaginação da extensão das perdas de Clara.

Tudo bem. Acredito que grandes obras literárias ou filmicas não necessitam nem de longe finais nem de longe felizes. Mas o título que o português deu a esta, francamente, é de uma boçalidade hermenêutica: "Amargo Despertar"


Musica do dia. Age Maria (Guinga e Aldir Blanc)
Age, Maria

Rasga o teu véu de virgem

Tinge tuas mãos na vertigem do pecado

Maria, ateu ao teu lado

Lanço em teu ventre

A língua que te consagre

Milagre é ser pura em plena incontinência

Sacra é a vida da incoerência

Não quero ser carpinteiro

Pra esculpir cruz que imortalize:

Que não seja eu

Que ao te amar

Te martirize



Le Scaphandre et le Papillon


Tive um breve, mas intenso contato com meu avô. Nesta breve estada em minha casa, o velho alfaiate - dizem que dos bons - ao inventar estórias sobre caça a perdizes, vaticinava. Falava que não somos nada nesse mundo ao referir-se a dois dos netos - um que ele nem chegou a conhecer. Eu, um guri na época, mais preocupado com meus times de botões, imaginava uma carga de fatalismo um tanto exagerada nas palavras do velho e o tomava como um gárrulo.


Ontem lembrei do meu avô, e de muitos outros fatos da infância, e de gente querida que foi ficando para trás...


Julien Schnabel fez um filme belissimo que numa tradução para o português seria mais ou menos “O escafrandista e a borboleta,” baseado na história de Jean-Dominique Bauby, ex-redactor-chefe da revista francesa Elle. Bauby, nascido em 1952, pai de três filhos (Théophile, Céleste e Hortense), era redactor-chefe da revista francesa Elle quando foi vítima de uma doença rara, uma espécie estranha de AVC.


Ao acordar, 20 dias depois, no Hospital Marítimo de Berck-sur-Mer, descobriu que perdera a capacidade de se movimentar e de falar. Lúcido, mas paralisado por completo, podendo respirar, comer por meios artificiais e mover o olho esquerdo, Bauby começa a ditar um livro baseado num sistema de comunicação que consistia em piscar uma vez para dizer sim e duas vezes para dizer não. "Ditando", não apenas palavra por palavra, mas ainda letra por letra, recompôs o livro de sua vida mentalmente.
Esse filme talvez tenha sido um dos melhores e mais poéticos filmes dos últimos meses. Julien Schnabel nos faz perceber os detalhes tão inacraditáveis, de maneira tão metafórica, tao densa, tao estranhamente proximos, que ninguém pode passar impassível por determinadas cenas desta estória, pois meu amigo... não somos nada nesse mundo, e vivemos num mundo cheio de escrotidão.

Ladrões de Bicicletas



Eu rio, choro, e aperto os braços de minha poltona toda a vez que assisto o “Ladrões de Bicicleta” de Vittorio De Sica (1948), toda a vez que vejo o menino Bruno (Enzo Staiola). O filme é um clássico dos clássicos do cinema neorealista italiano, mas que possui um enredo bastante simples onde sobra realismo e emoção.

Antonio Ricci é um desempregado, que após meses sem trabalho consegue uma vaga como colador de cartazes. Para preencher a vaga plenamente necessita de uma bicicleta, que encontra-se empenhada a causa de uma avaria sem honra de caução. Maria tem a capacidade de antever as coisas. Possui um sentido prático, buscando uma solução imediata para os problemas.
Imagino que Maria pense, a bicicleta é o meio pelo qual Antonio sustentará sua familia, portanto decide empenhar os lençóis da cama e retira, na mesma loja de penhores, a bicicleta. Empenhando as fronhas pela bicicleta a pindaíba finalmente parece acabar e tudo parece esperançoso e positivo quando Antonio Ricci consegue o emprego onde começaria a trabalhar numa manhã de sábado. Tudo é tão impressionantemente bom que Maria, como boa cética, desconfia. Isso fica claro quando Maria, após retirarem a bicicleta do prego, pede a Antonio que a deixe fazer uma visita a um certo lugar antes de ruamrem para casa. Na parada Maria visita uma vidente (satirizada pelo Woody Alen num de seus filmes do qual não me lembro o nome agora).

Na primeira cena alguns homens se dirigem para um local de um conjunto habitacional em construção na periferia de Roma, onde um funcionário público da agencia de empregos, chama por nomes para o preenchimento de vagas. As vagas ofertadas exigem algum grau de qualificação. Ao ser chamado, Ricci está distante, sentado num canto, quase sem esperanças de conseguir uma vaga de emprego. Ele está desempregado há dois anos. A vaga é de colador de cartazes para os filmes de Hollywood e a condição para que seja preenchida é a de que Antônio tenha uma bicicleta.

Entretanto, enquanto colava cartazes, Ricci tem a sua bicicleta roubada, exatamente no momento em que esta colando o cartaz do filme Gilda, um sucesso em 1946. Este é um filme clássico de Charles Vidor que retrata da história de um jogador inveterado em Buenos Aires. Glenn Ford consegue ascender na vida indo trabalhar num cassino, tornando-se braço direito de um mega-investidor que administra negócios escusos, envolvendo-se com a única mulher que não podeira se envolver: a esposa do patrão, o pitel da Rita Hayworth, sua ex-namorada em tempos imemoriais. De Sica teve uma grande visão com essa cena. Enquanto sua estória falava de um drama real de uma familia rodeada pela miséria e a luta pela sobrevivência, o único trabalho disponível era exatamente o de reproduzir a ilusão de que a indústria do entretenimento podería salvá-los da penúria. Pode não ser uma idéia nova, e mesmo que já tenha sido aventada, nunca é demais lembrar que a restauraçâo da Itália, sob a égide do Plano Marshall, trazia junto o cinema de Hollywood, baseado em comédias e dramas de interiores, sofisticados e distantes das questões sociais, que De Sica retrata bem aqui.

Desesperado, busca apoio da policia e dos amigos e tenta de todas as formas encontrar a bicicleta. Quando chega a casa, sem saber o que fazer, derrotado, Antonio Ricci senta-se desalentado na cama e sem coragem de contar a verdade à esposa e ao filho, diz Bruno que a bicicleta quebrou. Apenas um adendo, de maneira nenhuma, ao menos para mim, o sentimentalismo do filme passa uma imagem de que os filhos e a casa sejam condição desumana para Maria. Ela é uma mulher forte. Há sim um detalhe interessante, quando Antonio diz que ha trabalho para Maria e lhe mostra uma janela na rua. Alguém fecha a janela, impedindo que Maria veja o interior do local de trabalho. Interessante essa metafora. A opressão feminina não estava na casa, mas nas condições sociais impostas – talvez o Paul Auster nao concorde.

Antônio é tomado pelo medo e o filho decide apoiá-lo. Precisa de uma bicicleta para seguir no emprego como colador de cartazes. A estória, acima de tudo, mostra o drama do homem comum, sua existência quase imperceptível, diluída na multidão, visível na indiferença protocolar da policia ao tratar do caso, no encontro fortuito com seminariastas falando alemão. Então a peregrinação em busca da magrela começa levando-o a caminhos e emoções irreconhecíveis até então. Procurando por conta própria, junto ao filho Bruno, Antonio Ricci encontrará o significado da dor, do egoísmo e da angústia pois ao perder a bicicleta, Ricci perdeu a chance de ter sua dignidade resgadada. Nesse momento, o filme envereda por uma espécie de jogo de paradoxos. Antonio busca o amigo Baiocco, chefe de uma trouppe de artistas, em meio a uma reunião de ativistas políticos. Os discursos inflamados por justiça social não o comovem. Seu objetivo é recuperar sua bicicleta. Dirigem-se então à Praça Vitório Emanuel, local da feira de bicicletas. Baioco, Antonio e o filho Bruno chegam na feira de bicicleta na Praça Vittorio. Procuram uma Fides ano 1935. Baiocco sabe que os ladrões desmontam a bicicleta para vendê-las por parte. Por isso devem procurar as partes da bicicleta. Trabalho ingrato este de encontrar e remontar fragmentos perdidos... Enquanto o pai procura pela bicicleta, o filho Bruno, sozinho, vasculha as bancas da feira de bicicletas pelos fragmentos. De repente, o menino é assediado por um homem com toda a pinta de pedófilo, que busca aliciá-lo e o pai repreende-o para que não se afaste dele, o pai.

Eles finalmente desistem de procurar na feira. Uma chuva torrencial cai. Pai e filho se abrigam da chuva repentina numa pequena cobertura de telhado numa casa de esquina. Ao correr para se abrigar, Bruno escorrega e cai. O pai não percebe e não se importar. Quando a chuva passa, o pai avista o ladrão. Pai e filho correm em direção ao mendigo que conversava com o ladrão. O mendigo se nega a revelar o paradeiro do ladrão e é seguido por Antonio e pelo filho. Chegam a uma igreja, onde voluntários prestam serviços aos mendigos: uma barba, dois pais-nossos; um corte de cabelo quarto salve-rainhas... Antonio insiste, mas o mendigo se nega a revelar o paradeiro.

Aos poucos Antonio se descontrola. Aos poucos, o homem normalmente pacato, calado e taciturno, torna-se alheio ao seu entorno. Grita com o filho. Bruno, passa a protagonizar esta alheação atraves de um sentimento de abandono. Mesmo tendo o pai o tempo todo ao seu lado, é uma criança esquecida. Certifica-se disso, quando da iminência da perda do filho - que pensa ter se afogado num rio. Tentando se reconciliar com o filho, e ainda com alguns tostões no bolso, leva-o a um restaurante. O pai mente, tenta ser trasparecer uma felicidade resignada alienando-se da tragédia pessoal. Mas não por muito tempo. Faz cálculos de quanto ganharia como colador de cartazes. Nas mesas ao lado, familias, com perdão da palavra, voilá, burguesas, caricatas. Detalhe: sua mesa é a única que não tem toalha. O filho percebe, mas o pai tenta dissuadi-lo de que o detalhe é inerente à suas condições de vida, às suas roupas, às suas maneiras de falar e comportar-se.

Ao deixarem o restaurante, Antonio decide procurar a vidente a qual criticava. A cena guarda algo de comicidade, mas serve apenas para encadear a cena seguite na qual Antonio finalmente encontra o ladrão. Segue-o até sua casa e envolve-se num imbróglio ao alienar-se do sentido de justiça e acusá-lo pelo crime. Vizinhos e amigos defendem o ladrão – que acaba tendo uma crise providencial e dostoievskiana de epilepsia. É mais uma vez o filho Bruno que introduz o ônus da razão ao chamar um policial que tenta intervir naquilo que poderia ficar pior. O policial indaga sobre as provas e testemunhas que sustentem a grave acusação. Ricci não tem provas de que o jovem de chapéu de alemão seja o criminoso e tenta agredí-lo. Aliás, na acusação e no ato insano, Antônio passou de vítima a culpado das circunstâncias.

É dia de jogo. Um Domingo qualquer. Uma tentativa frustrada. O estacionamento do estádio lotado de bicicletas. A tentação. O destino é cruel. A vida uma m... Fora do estádio. O filho Bruno presencia tudo e pode-se dizer que contribuiu para que ele não fosse preso. Talvez sensibilizado pelas lágrimas do filho, a vitima do furto é dissuadida. A vergonha demove a perda. A então quase perda do filho - quase assediado, quase atropelado, quase afogado – agora, insiste e aprofunda a perda. Bruno chora pela desgraça do pai. Os transeúntes desaprovam o exemplo do pai para o filho. Não entendem. Antônio parece perder o filho. Se perde de si. A derrota se consuma. E eu choro. Confesso: esse filme me emociona.

Pão e Sonhos


Sábado. Gabriel em Sad Diego. Manhã de Olimpíadas na tv e leitura preguiçosa, entre um cigarro e outro, dos jornais.


O Financial Times celebrava no caderno de artes os 50 anos de Vertigo – que realmente, é uma das melhores coisas feitas pelo Hitchcock. Na mesma reportagem Nigel Andrews, FT's chief film critic, faz um texto muito mal costurado ligando o lançamento de Vertigo com o lançamento nos EUA do Man on Wire, documentário que mostra a façanha de do francês Philippe Pettit, que cruzou as torres gêmeas do World Trade Center, em 1974, andando sobre uma corda. Na reportagem, o distinto cidadão, diz que o documentário é a imagem espelhada de um presente ao Vertigo.


Com tempo livre para assistir 3 bons docs. Fui assistir a dois documentários do Manuel de Oliveira ( O Pão e o Pintor e a Cidade), e o tal Man on Wire:


Em O Pão (1959, 29 minutos), Manuel de Oliveira mostra o esforço dignificado do homem para produzir o pão, num ciclo que se inicia com a semeação, fecundação, nascimento do trigo, a colheita, o “debulhar o trigo, recolher cada bago do trigo”, ensacamento, transporte do grão, moagem industrial, panificação moderna, distribuição e consumo do pão. Enfim, “forjar no trigo o milagre do pão, e se fartar de pão.” Oliveira, mostra o papel do homem em cada etapa do fabrico do pão, desde a semente até à distribuição. A idéia de que há uma comunicação entre indivíduos afastados no espaço e no tempo, mas que comungam, sem saber, de único elemento: um grão de trigo.


Um documentário que inicia com a imagem de um casamento, simples, sem pompa, de dois componeses. O foco - nas mão brutas e incultivadas do trabalho do cultivo da terra. O corte - para o arado, puxado por um cavalo, sulcando a terra e novamente o foco na mão esquerda do homem, já com a aliança e retornando ao trabalho. A narrativa – feita de imagens encantadoras, como as do moinho meditando àgua em grão e pó, a mulher velha escondendo as medidas de farinha na massa do pão que amassa, na cidade, o menino invejando a vitrine de sonhos, açúcares e cremes, e o padeiro vendendo o pão de porta em porta. Imagens que ainda faziam sentido nos anos 60 e 70 no Brasil.


Um documentário, apesar de extremamente etnográfico, mostrando pelo que indica o sotaque dos diálogos o norte de Portugal, um tratamento sensível, muito poético e com uma oblíqua crítica ao Salazarismo – mas posso estar enganado. Assisti a essa versão curta, predileta do diretor, que termina exatamente com o regresso da semente à terra. Um novo ciclo se inicia: “Afagar a terra, conhecer os desejos da terra, cio da terra, a propícia estação, e fecundar o chão”
Os filmes do Manuel de Oliveira mostram uma superação de nossa trivialidade, revelam que enquanto nos preocupamos em ter expectativas irreais sobre o Homem, enquanto tentamos nos armar de uma ilusão deslumbrante, carente de percepção, sobre o que nos rodeia, percebemos a assombrosa farsa da incompreensão. Por isso ele faz filmes simples, sobre gente simples.

Em O Pintor e a Cidade, (1956, 27 minutos), Oliveira mosta a cidade do Porto através das aguarelas do pintor António Cruz. O artista sai do seu atelier e percorre a cidade e ass imagens reais alternam com as impressões estéticas que o artista vai registando nas suas aquarelas. Supostamente, este é um documentário muito influenciado por Berlim, Sinfonia de uma Cidade de Walther Ruttman, o mesmo que trabalhou com Leni Reifenstahl no monumental Triunfo da Vontade. Oliveira, após assistir ao doc de Ruttman, decidiu fazer um filme desse género sobre a cidade do Porto.


O documentário mostra a actividade fluvial no Rio Douro, na zona ribeirinha da sua cidade natal. Este filme seria o primeiro documentário entre várias primeiras obras que abordariam, de um ponto de vista etnográfico, o tema da vida marítima da costa de Portugal. É especial pois é o primeiro feito em cores pelo diretor. Além disso o som e os ruídos da cidade – altísssimo, as vezes - são quase um elemento autônomo dentro do filme. Uma coisa quase que separada das imagens. Uma espécie de desdobramento, uma sucessiva divisão do olhar que o acto de filmar representa. Algo que encontramos muitas vezes no Win Wenders. Ou seja, repensar a origem daquele ruído e juntá-lo novamente, reconciliando som e imagem.

Por algumas razões pessoais, gostei imensamente do O Pão.

Man On Wire, muitíssimo diferente dos anteriores, é um doc ótimo. Um dos destaques do festival Sundance 2008, dirigido por James Marsh. É um documentário onde beleza e loucura giram em torno de um sonho que se tornou real. Friamente falando, Philippe Petit parece um lunático que encontrou um monte de outros divertidos maconheiros confessos, para realizar um sonho: caminhar na corda bamba, no topo dos 110 andares, que ligava as torres gêmeas World Trade Center nos idos de 1974.


Marsh vai pouco a pouco construindo a imagem de Philippe Petit como um homem obstinado pelas cordas, que após fazer caminhadas sobre corda na catedral de Notre Dame, em Paris e sobre uma ponte em Sidney, na Austrália, resolveu que World Trade Center seria o seu objetivo maior. Diga-se de passagem, o diretor, abusando de triangulações na narrativa, de idas e vindas ao passado, uso de imagens e jornais da época, consegue mantê-la firme até o final. Começa contando a infância de Philippe Petit e sua compulsão por escaladas, quando as torres se tornaram para ele um objeto de obsessão desde que viu pela primeira vez - ainda quando não haviam sido construídas - numa propaganda de revista na sala de espera do dentista. Passa ao encontro com as figuraças que o ajudariam a se infiltrar e introduzir as cordas e os cabos, no prédio. E termina mostrando que após uma noite insone, aconteceu finalmente a travessia: oito idas e vindas, policiais putos da vida não vendo a hora de pôr as mãos naquele francês maluco que os provocava, ajoelhando-se, deitando-se e fazendo sinais para deleite da patuléia que assistia petrificada lá embaixo. Acho que qualquer americano levemente instruido que assistir a esse filme, deixará por alguns momentos de pensar nos dias do fim do WTC - tema no qual o doc não toca em nenhum momento.
Tive a certeza de que a comparação entre Vertigo e Man on Wire foi de uma comparação infeliz do Nigel Andrews, pois em nada se tocam ou assemelham, mesmo espelhados.

La Signora Senza Camelie

Filme de 1953. Anterior, portanto, à famosa trilogia, mas que guarda ainda alguma linearidade narrativa. A história se centra em Lucia Bose no papel de Clara Manni, uma jovem atriz sem muito talento mas que pelo charme, sensualidade e elegância, alcança um sucesso extraordinário com filmes de baixo custo e qualidade artistica duvidosa. Nessa circunstância de sucesso, aceita um casamento com o produtor de um de seus filmes, Ercole - Gino Cervi. Une então ao êxito profissional a oportunidade de ascensão social. Nesse momento, passa a fazer filmes menos populares e começa a se deprimir com a perda do sucesso e um casamento fustrado. Essa combinação de frustração profissional e um casamento de conveniências leva-a a procurar outras aventuras. É ai que se apresenta o diplomata Nardo Rusconi, uma mistura de elegancia e canastrice, que a seduz e a leva praticamente a separação. Clara então se torna o vértice de um triângulo amoroso que a levará a ruína emocional e profissional, pois enquanto Ercole produz cada vez mais filme de qualidade, Clara acaba por ter que vender seus dotes artiticos a filmes de qualidade cada vez mais duvidosa. Enfim, um filme sobre o cinema e seus bastidores com os ecos e talvez por isso mesmo sofrendo com a grandeza de um Sunset Boulevard – apenas três anos mais recente. No fundo, ambos tratam mais ou menos do mesmo tema: da vaidade, porém com enfoques distintos sobre as hybris, envelhecida, de Norma Desmond e, inocente e pueril, de Clara Manni.

Who's Afraid of the Big Bad Wolf?


Talvez “Who's Afraid of Virginia Woolf?” junto a “Sunset Boulevard,” "Street Car Named Desire" e “Cat on a Hot Tin Roof” sejam na minha opinião os quatro melhores filmes onde o cenário econômico e intensidade dramática levam à obra cinematográfica o poder e a riqueza que somente no palco poderiam traduzir.

Em Who's Afraid of Virginia Woolf?, George (Richard Burton) e Martha (Elizabeth Taylor) estão casados e, ao contrário ou igual a outros casais, se odeia mutuamente. Ele é um professor de história alcoólatra, e ela, uma mulher frustrada e dominante, é filha do president da universidade onde George leciona. Por tantos anos juntos, numa longa convivência diária, conhecem seus pontos fracos e os usam para esgaçar o resto que resta de uma relação que encontra o equilíbrio nessa mesma tumultuada e instável violência a que se expõem no cotidiano quase selvagem.

O filme começa com a saída de uma festa, a altas horas. Ambos bêbados retonando para casa, rindo alto e soltando frases desconexas na escuridão. Uma vez em casa Martha diz a George que convidara um jovem casal recém chegado à universidade, Nick (George Seagal) e Honey (Sandy Dennis), para o último drink em sua casa. Nick é um professor de biologia que Martha pensa se tratar de matemática. Nesse momento, ainda bebendo mais, inicam um jogo de sedução, perversidade e violência que torna esse filme intenso e impresionantemente teatral.

Tal jogo é permeado pelos “Fun and Games”. Através deles Martha descarga toda a sua ira contra a passividade doméstica e a falta de entusiasmo profissional de George. Ataca-o em seus pontos mais vulneráveis, na sua falta de ambição social, na sua inabilidade em usar as cartas que tinha disponiveis como genro do president para ter uma carreira ascendente e meteórica dentro da universidade onde leciona.

Martha: ...De fato, ele é leve ... FLOP! Não passa de um...grande...FLOP!
[Quebra! Imediatamente depois do FLOP! George quebra uma garrafa de uisque no bar...]
George [quase chorando]: Eu disse para parar, Martha.
Martha: Espero que esta garrafa estivesse vazia, George. Você não gostaria de disperdiçar uma boa garrafa de àlcool...não com o seu salário.




Esse diálogo levinho se dá na presença dos convidados.

Algo que dá muita dramaticidade ao filme é o fato de que durante todo o filme, não se sabe se em decorrência do efeito do àlcool, ambos dizem a verdade ou não, pois após essa crise, que se inicia com a confissão de Martha a Honey sobre o filho do casal que vive longe – um peça chave na trama - , George vai para fora sozinho. Nick o segue numa tentativa de consolá-lo. Então Nick confessa a George sobre a gravidez psicológica de Honey e sobre toda a dificuldade de Honey engravidar, enquanto George conta a história de um menino que atira e mata sua mãe acidentalmente e enquanto aprende a dirigir mata seu pai num acidente de carro - sendo internado num sanatório. Esse é outro ponto chave da história, pois para George esta era uma história real, enquanto para Martha essa era um história que seu pai lera quando George aoresentara-lhe os manûscritos e proibira a publicação caso quisesse se casar com sua filha e lecionar na universidade.

Numa das cenas seguintes, Martha descreve George como o jovem personagem de uma novela influenciado pela personalidade dominadora do pai. Martha sugere que seu pai é o pai morto carcaterizado na novela e imita a voz de George em falsete num suposto diálogo deste com seu pai que proibira a circulação dos manuscritos “....but Sir, it isn't a novel at all...this really happened...to me!"

Nesse momento Nick faz uma conexão entre a história contada no jardim por George e a realidade. Se fosse verdade a versão de Martha, então George mentira para Nick – após este em tom de confissão revelar detalhes sobre a gravidez histérica de sua mulher que seriam usados contra ele mais a frente. Se a versão de Martha fosse real, então talvez o sanatório fosse uma metáfora para a vida miserável que George levava ao lado de uma Martha desequilibrada e instável.

Numa das cenas seguintes, Martha descreve George como o jovem personagem de uma novela influenciado pela personalidade dominadora do pai. Martha sugere que seu pai é o pai morto carcaterizado na novela e imita a voz de George em falsete num suposto diálogo deste com seu pai que proibira a circulação dos manuscritos “....but Sir, it isn't a novel at all...this really happened...to me!"

Nesse momento Nick faz uma conexão entre a história contada no jardim por George e a realidade. Se fosse verdade a versão de Martha, então George mentira para Nick – após este em tom de confissão revelar detalhes sobre a gravidez histérica de sua mulher que seriam usados contra ele mais a frente. Se a versão de Martha fosse real, então talvez o sanatório fosse uma metáfora para a vida miserável que George levava ao lado de uma Martha desequilibrada e instável.

A cena não se resolve e George parte para o ataque a Nick. George começa a usar a metáfora de um rato que bebe brandy imodestamente e vomita constantemente ao se referir a Honey, uma mulher apagada, muito magra e sem atrativos físicos, o que leva a George questionar o interesse sexual de Nick por Honey. Ela, nauseada, sai de cena para vomitar. Então Martha seduz Nick em frente a George, humilhando-o. George reage de maneira branda, como se aquilo não fosse novo no jogo entre os dois, como se já estivesse no script, e diz, Estou na página cento e.... .

Saem, vao todos para um bar. Martha volta com Nick e Honey prostrada no banco de trás. George chega a casa, vê o carro vazio, Honey dormindo no banco de trás e vultos na janela do quarto: Nick e Martha na penumbra.

Martha concretiza, ou tenta concretizar o sexo com um jovem completamente bêbado. George arromba a porta, os sinos da porta badalam. Não tem coragem de subir. Chora do lado de fora da casa. George tem uma idéia. Instantes mais tarde, após Martha revelar a Nick que ama somente a George, este toca a porta e traz flores dizendo “flores para los muertos”, e desafiando Nick a trazer sua mulher para o jogo final... "Bringing Up Baby."

George e Martha supostamente tem um filho. Ambos contam histórias do filho. Martha centraliza a cena contando detalhes sobre o nascimento do filho, sobre sua maneira natural de nascer, enquanto George comeca a recitar o Requiem em latim e contradiz cada frase de Martha. Ela se desespera prevendo que a verdade sobre o filho pudesse ser revelada.


George então revela que o filho tinha sido morto naquela noite quando Martha começou a falar deles. Aparentemente este era um pacto entre eles: não falar do filho para estranhos. George e Martha criaram esse filho de maneira imaginária e George disse que matou o filho por Martha ter falado dele para outros. O filme termina com George cantando "Who's afraid of Virginia Woolf?" para Martha, enquanto esta responde, eu, George... eu tenho.....

Nota. Interessante. Esse filme que deu o segundo oscar a Elizabeth Taylor por uma interpretação magistral é de 1966. Taylor aparece na primeira cena da porta se abrindo, e focalizando os rostos de Burton e dela, quase que irreconhecivel. Burton com 41, aparece degradado já pelos sinais do alcool. Ela com apenas 34 anos está gorda e envelhecida aparentando pelos menos dez anos a mais. Para nos darmos conta da transformação, este filme foi lançado apenas três anos mais tarde de Cleopatra e seis de Buterfield 8 - se é que me faço ser entendido.

Musica do Dia. Me Acalmo Danando - Angela RoRo

Nota. Parece que Gabriel terá companhia...

La Notte


Antonioni adicionou o La Notte ao que chamou de Trilogia da Incomunicabilidade - composta pelos L’Aventura e L’Eclisse. Para mim esse filme é de longe o mais efetivo dos três, apesar de ter gostado muito do L’Aventura e L’Eclisse, também. Talvez por que Jeanne Moreau tenha sido, certamente com algum exagero de minha parte, a mais autêntica e honesta representação feminina na obra de Antonioni.

O filme se passa em Milão. Giovanni Pontano, um bem sucedido escritor, está ali para o lançamento de seu último livro, ao lado de Lydia, sua esposa. Antes da festa de lançamento, dois visitam um amigo de longa data, também escritor, internado em estado grave, num hospital. Após a visita, ainda abalada pela iminente perda do amigo, Lydia preferre caminhar pela cidade. Visita lugares de sua infância e juventude, e presencia um algumas cenas absurdas do cotidiano. Mas não importa, ela só tenta ganhar tempo. Se livrar de fantasmas e evitar Giovanni a todo o custo. Caminha pelas ruas de Milão atrás de alguma coisa que a distraia e que a faça esquecer seu casamento, seu cotidiano matrimonial, tributável, fútil e repleto de lacunas.

Giovanni é do tipo passivo e reticente. Um homem em busca de soluções intelectuais às suas questões. Nesse universo idealizado, até suas conquistas são circunstanciais, tal como a que acontece na saída do quarto do hospital, quando uma das paciente se insinua de maneira estranha e irracional – e diga-se de passagem com um certo exagero por parte do Antonioni, convenhamos. Ao ser convidado à casa de Gherardini, rico industrial interessado em que ele escreva a história de suas indústrias, conhece sua filha Valentina e flertam. Flertam descaradamente, sem pudor de Lydia.

Na festa, Lydia também deixa-se envolver pelo ritmo da noite e se abre as insinuações de um desconhecido. Ambos, Giovanni e Lydia, buscam de alguma maneira escapar de um certo vazio existencial por onde a angústia penetra, instala-se e, acompanhada pelo contraponto do medo da solidão e do erro, impele-os contraditoriamente a buscar novas experiências. O problema é que essas novas experiências os tornam mais arrependidos e doloridos.

Antonioni tem uma maneira especial de abordar dramas psicológicos com a economia própria nos diálogos. Até mesmo em situações em que os conflitos da trama não sao aparentes, estica ao máximo a corda da tensão, sem a resolução simples para os paradoxos que ele mesmo cria. No La Notte, Antonioni retrata com imagens a instituição casamento. Retrata o desconfortável silêncio a separa Lydia de Giovanni, como se estivessem fartos um do outro. O casamento é retratado nesse imenso tédio de arrependimento e dor onde a convivência a dois é permeada pela rotina da divisão da mesa de jantar, do carro, do banheiro, da cama, e de alguns outros bens materiais.

La Notte termina de maneira enigmática. Giovanni se despede de Valentina, acariciando seu rosto, em frente a Lydia. Esta, se aproxima de Valentina e a beija. Ambos Giovanni e Lydia deixam a festa. Vão embora. A noite se acaba, mas seus dilemas não. Isso é Antonioni.

There Will Be Blood




There will be blood é do mesmo cara que fez Magnólia e Boogie Nights. Paul Thomas Anderson é um diretor jovem, mas que faz cinema como deve ser feito, alinhava um bom roteiro a belas imagem – para o bem e para o mal - de maneira impressionante.

O filme conta a história de uma família - os Sunday - envolvida na saga do petróleo e de Daniel Plainview. Plainview torna-se ao longo da estória, de um simples minerador de prata, dono de uma grande companhia de extração de petróleo. O roteiro de Paul T. Anderson utiliza aspectos do livro de Upton Sinclair, Oli.

Começa em 1898 quando Daniel Plainview, interpretado por Daniel Day-Lewis, um homem frio e calculista, movido pela rudeza, ambição e a complexidade dos homens sem qualidades, descobre petróleo nas minas de prata que garimpa e torna-se um prospector de petróleo. De um simples gaimpeiro de prata, converte-se em pouco tempo num extrator de petróleo. Num acidente fatal com um de seus empregados, Daniel adota H.W., o filho do empregado como se fosse seu filho e as poucos sócio.

Certo dia, chega a seu escritório Paul Sunday (Paul Dano) - e estou na duvida ate agora se Paul realmente existiu ou se foi uma invencao de Eli - , que troca a informação de uma reserva prospectiva – por acaso nas terras de seu pai – por 500 dólares em Little Boston, Califórnia. Daniel parte para Little Boston. Chega à propriedade com a desculpa de caçar pássaros e acaba negociando as terras dos Sunday sem o patriarca da família saber. Nesse momento Eli Sunday, irmão gêmeo de Paul, sobre o preço da propriedade para 10 mil dólares convertidos a sua igreja, enquanto Daniel oferece apenas 5 mil.

Nesse momento a história converte-se então numa alegoria sobre ambição e fé, representada pelo garimpeiro que realiza o sonho americano - e é conseqüentemente destruído por ele – e os interesses religiosos manipulativos a serviço da política e da economia.

Com a grana fácil que jorra dos poços, a parceria entre Daniel e Eli tinha tudo para dar certo. Eli era o pastor da Church of the Third Revelation, agora expandida com o suporte financeiro de Plainview. Porém a inimizade entre os dois começa na inauguração do poço de petróleo. Eli exige que ele abençoe a inauguração e Plainview o trapaceia abençoando ele mesmo o produto de seu esforço empresarial.

A partir desse momento a relação entre fé e dinheiro degringola de vez com Eli exigindo cada vez mais dinheiro em nome do Senhor, e Plainview se tornando cada vez mais fdp com tudo e todos. Um momento tocante e determinante na caracterização dos personagens e da estória se passa na explosão do poço de petróleo, quando H.W. cai e perde a audição. Eli insiste que o acidente teria sido causado pela ira do Senhor, por ele, Eli, não ter abençoado o poço. Plainview da-lhe uma sova humilhante na frente dos empregados e Eli, antes de partir em missão, vinga-se.

Plainview necessiatava das terras de Mr. Brandy para construir um oleoduto que ligasse Little Boston ao mar. Voilá. A condição para que conseguisse a terra era de que fosse batizado na igreja do pastor Eli. Uma das cenas mais impressionantes do filme acontece quando o babaca do expectador pensa que Daniel completamente em transe, esbofeteado, humilhado e quase convertido a fe' de Eli esta de joelhos à frente de um Eli espiritualmente forte e vingativo, esta praticamente convertido à Church of the Third Revelation. No fim do carnaval anímico, Plainview olha nos olhos de Eli e diz que aquilo valia o duto!


Daniel Day-Lewis levou o Oscar nessa cena, tenho certeza.


Se tu duvida da uma olhada nisso... http://www.youtube.com/watch?v=QP7lFpPnHg4


Na manhã seguinte Mr. Brandy concorda em alugar suas terras e Eli parte para uma missão. E nesse ponto a estória dá um salto para o ano de 1927 when there will be blood...
Musica do Dia: Brahms. Concerto para violino. Terceiro Movimento

Dead Man


William Blake é um jovem contador que deixa Cleveland com destino a Machine, cidade no meio do nada do cu do Judas - licença poética ao Lobo Antunes - e onde a linha férrea termina. Vai atrás da promessa de emprego numa metalúrgica. Chega, e é comunicado por John Dickinson que a vaga já está preenchida. Sem dinheiro, rumo ou objetivo, envolve-se com a mulher errada, assassina seu ex-noivo – numa tentativa de salvar a própria pele e se mete numa errascada danada. Na verdade, William matou não apenas o ex-noivo da moça. Matou o filho de John Dickinson, o dono da metalúrgica que lhe negou o emprego, e por acaso o homem mais temido da cidade. Baleado, é recolhido por um índio chamado Nobody (Gary Farmer), que acredita ser ele, Blake, o poeta e ilustrador inglês homônimo.

Aos poucos, o Blake pacífico, circunspecto e ligeiramente efeminado, vai cedendo à cirscunstância violenta e caótica do Oeste, no momento que passa a ser perseguido por três pistoleiros da pesada. Ou seja, contrário de sua natureza, vai se transformando, forçado pelas circunstâncias, num matador procurado.

Do encontro de Blake com Nobody, Jarmusch cria situações realmente cômicas e existenciais. Nobody estudara na Inglaterra e por acaso conhecia várias passagens do poeta Blake de memória, as quais declamava para o contador Blake – que por sua vez assimilava-as como um tipo de insight de sabedoria indígena. O problema – ou melhor, a melhor qualidade - é que a ironia de Jarmusch, faz rir na mesma proporção do incômodo que causa. Várias vezes Nobody pergunta a Blake se ele tem tabaco, recebendo sempre a mesma resposta, "não, eu não fumo". Todo o cara que fuma, deveria saber que o tabaco é essencia na medicina, imprescindível em cerimônias religiosas e militares, complemento alimentar que ajuda na digestão, um alucinógeno para lá de eficiente e obviamente uma oferenda aos mortos. O detalhe fica claro no final do filme, quando Blake, flutuando numa canoa que o levará dessa pra melhor, mostra a Nobody o fumo em rolo.

Nota. Mas vamos lá... as poesias que Nobody recita são Auguries of Innocence, The Marriage of Heaven and Hell, The Everlasting Gospel.
Um trecho do Marriage of Heaven and Hell.

Thus one portion of being is the Prolific, the other the Devouring: to the devourer it seems as if the producer was in his chains, but it is not so, he only takes portions of existence and fancies that the whole.But the Prolific would cease to be Prolific unless the Devourer, as a sea, recieved the excess of his delights.

E uma tradução sonora e sem vergonha (perdão, Blake)

Assim uma parcela do ser
é a prolífica, a outra a voraz:
ao que Devora luz
como se quem produz
estivesse em suas correntes,
mas não é assim,
ele toma somente,
da existência, parcelas,
e fantasia nelas
o todo delas.

Shadows

Shadows, primeiro filme do Cassavetes, é aparentemente simples. Um grupo de amigos músicos novaiorquinos, de classe média baixa, se aventuram pela noite em festas, muito jazz e farra. A estória principal fala sobre um triângulo amoroso entre uma moça mestiça - ou como diria o IBGE, parda -, um negro boa-praça e um playboy pilantramente branco que gosta de freqüentar as festas underground para parecer underground. Leila se envolve com o playboy, mas não é o tipo de moça ingênua. Assume o jogo de sedução propensa ao assédio e ao envolvimento com o jovem branco, mesmo que a tal entrada no mundo branco não seja o que realmente deseja. Após conhecer os dois irmãos da moça, o jovem revela sua face racista e se vê diante de um dilema: continuar com a moça ou esquecê-la para sempre. Enfim, Cassavetes foi um realista ao filmar o drama sobre dois negros músicos e sua irmã na busca de identificação numa Manhattan cosmopolita, mas que não foge à regra de qualquer caipiroland americana. Com um elenco amador - Ben Carruthers, Leila Goldoni e Anthony Ray - a trilha sonora de Charles Mingus, e apens 20 mil dólares arrecadados com amigos no bolso, Cassavetes fez de Shadows uma obra definida por ele próprio como experimental, mas que permanece.

Inquieto e criativo, Cassavetes integrou-se no final dos anos 50 ao chamado movimento dos realizadores dos Free Cinema em Nova Iorque. Este seu primeiro longa-metragem foi realizado em 1959, apenas quatro anos depois de Rosa Parks se recusara a ceder o asento a um branco e dois anos mais tarde que Eisenhower convocara a Guarda Nacional pra baixar o pau no pessoal de Little Rock. A câmera trêmula, os closes sem angulação e os cortes colocam o espectador no centro da narrativa, contada em meio a uma trilha permanentemente de jazzistica. O filme é sem dúvida uma grande experiência para quem por acaso leu o L´Herbe Rouge do Boris Vian.

O que particularmente gosto nos filmes do Cassavetes é que o homem não deixa espaço para a divagação existencialista. E nesse filme ele até dá uma cutucada irônica nos existencialistas quando coloca com ironia uma personagem secundária e fora de contexto para falar numa festa sobre filosofia francesa. Ou seja, em seus filmes não há aquela pausa para chegar à varanda da janela, para o deslumbre pensativo de um olhar vago sobre a cidade, não há a pausa sem diálogos, até por que Cassavetes desnuda a sua galeria de personagens de temperamentos explosivos em permanente motin interno, de maneira cruel, sem chances para qualquer tipo de condescendência. Sem trocadilhos, sem Sombras.

Night on Earth

Night on Earth, filme do Jim Jarmusch de 1991. Assisti esse filme quando estava entrando na faculdade e pra ser sincero nunca consegui definir bem o que da estética do Jarmusch realmente me atrai. Assisti ao Night on Earth pela segunda vez hoje, mas ainda nao descobri o que realmente ficou guardado dele na minha memóra. Só sei que realmente gosto dessa espécie de oceano urbano de formas desfeitas que ele cria. Certifico desde já que um dos 5 vignettes me irritaram profundamente – exatamente aquela bobagem de estória do Roberto Benini, que realmente me irrita como ator e diretor; não sei, acho que é sua figura humana, aquela sua caricatura forçada de seu ser e, por metonímia, da alma italiana. Enfim, tem algo de errado nesse cara. No entanto, gosto do jeito de narrar do Jarmusch com imagens não-familiares mas facilmente identificáveis que tornam até minha animosidade contra taxistas ao redor do mundo, um sentimento mais brando mas não necessariamente passível de uma gorjeta eventual.


Uma vez, assitindo uma entrevista do Jarmusch, fiquei surpreso com seu hábito de assistir a filmes estrangeiros sem legendas. Mesmo que não entenda os diálogos, para ele o filme não é só o diálogo, mas a atuação dos atores, a luz, o contexto... enfim tudo que aparece na cena do taxi onde o ator ebúrneo Isaach de Bankole - alias um ator que ja vi em alguns filmes e que realmente tem uma capacidade mudar de personalidade apenas com um corte de cabelo - e Béatrice Dalle dão seu show particular de interpretação.

Enfim, um filme sobre as relações de taxistas e passageiros. Um filme sobre a idéia de que se está sozinho com uma outra pessoa, num espaço fechado, durante um trajeto definido, e com quem não se tem absolutamente nenhuma relação. De ambos, nada é exigido. Em ambos, nada é investido. Não havendo ganhos ou perdas, pode-se mentir durante todo o trajeto. Pode-se permanecer absolutamente calado. Ou pode-se ser completamente honesto. Enfim, igualzinho ao consultorio do teu analista.

Ossessione



Se não me engano este foi o primeiro filme do Visconti. É um filme de 1942, portanto, um filme ainda sob a égide do Fascismo. Nele, já demonstra um certo trato com a contestação dos valores morais. Fato que deixou as autoridades fascistas indigadas, levando-as a proibir o filme. Alguns dizem que o filme é o marco zero do neo-realismo italiano, marcado diretamente pela técnica de longas tomadas que Visconti devota a Renoir. Mas não necessariamente por isso que o filme se tornou inconveniente.


O fato de Visconti ter ingressado no PCI, apesar de sua origem aristocrática, não fez dele uma peça essencial no partido, mas serviu para despertar ainda mais a ira das autoridades. Logo, se tornou um maldito no cinema, embora alguns afirmem que por sua origem aristocrática e a teia de relações a que estava imerso garantiram-lhe uma boa dose de paz de espírito. Nesse contexto, Jean Renoir dá a Visconti uma cópia do roteiro de The Postman Always Rings Twice, de James M. Cain.


Mas voltando ao que interessa, Gino é um jovem malandrão e pilantra que chega por acaso a um modesto restaurante de beira de estrada, quando o caminhão em que viaja, escondido na carroceria, pára para reabastecer. Enquanto Giuseppe Bragana, proprietário do local, e marido de Giovanna, atende o motorista, Gino entra no restaurante e vai até a cozinha onde encontra Giovanna, a jovem mulher de Giuseppe. Mexe nas panelas enquanto tenta seduzir Giovanna.


Descontroladamente atraída pela beleza do cidadão, ela, mesmo assim, avisa ao marido que ele se serviu e não pagou pela refeição. O marido tenta cobrar-lhe o valor devido, mas dizendo-se sem dinheiro, Gino propõe pagar sua dívida com trabalho, já que se diz mecânico e sabe que a caminhonete de Giuseppe apresenta um defeito mecânico. Gino convence a Giuseppe a ir à cidade de bicicleta comprar uma peça nova para o caminhão.


Casa vazia, esposa prestativa, boa cozinheira, paz, silêncio... daí pra cama foi um pulo para Gino e Giovanna. Quando o marido dela retorna com a nova peça, Gino a põe o caminhão para funcionar. Giuseppe, então, permite que Gino permaneça alguns dias em seu estabelecimento. No dia seguinte, aproveitando a saída do marido para uma pesca, Giovanna foge a pé com Gino. Após caminharem alguns quilômetros, ela desiste da fuga e lhe propõe que os dois voltem para o restaurante. Gino não concorda e segue sozinho.


Ao embarcar num trem, sem destino, faz amizade com um vendedor ambulante, meio esquisito aos olhos de Gino, que está indo para Ancona. Os dois passam a seguir viagem justos. Certo dia, quando se acham numa praça a vender guarda-chuvas, Gino é encontrado por Giuseppe e Giovanna, que o convidam para voltar com eles e trabalhar no posto de gasolina.


No caminho de volta, aproveitando-se um Giuseppe manguaça, Giovanna e Gino armam acidente com a caminhonete. Giusppe morre e a princípio, a polícia não considera a possibilidade de um crime. De volta ao restaurante, Gino propõe que Giovanna venda tudo recomeçem a vida num outro lugar.


Um mês depois, os dois vão à Ferrara, resolver o problema do seguro e da herança. Enquanto Giovanna vai à Companhia de Seguros, ele fica na praça, onde conhece Anita, uma prostituta. Quando Giovanna retorna, tudo é muito rápido. O temperamental Giuseppe ouvindo-a dizer que iria receber uma nota preta por conta do seguro de vida de Giuseppe, diz que não quer mais vê-la. Giuseppe, malandor e picareta, tem uma recaída de ética e diz que acreditar ter sido usado por ela para pôr a mão no tutu.


Anita o recebe de braços abertos e inconformada, Giovanna retorna ao seu restaurante. Na cena seguinte, dois caminhoneiros que assistiram ao acidente, procuram a polícia onde informam que Gino e Giovanna não se encontravam no caminhão no momento do acidente.


Gino, na boa vida por Ferrara consegue fugir dos policiais que tentam prendê-lo e vai a procura de Giovanna. No restaurante, fala para ela sobre o que está ocorrendo. E aqui, um ponto de inflexão no filme pode tornar tudo um pastelão.


Ao mesmo tempo, Gino toma conhecimento que os dois vão ter um filho. Com a possível chegada da polícia, os dois pegam um carro e fogem. Na estrada, fazem planos para o futuro.


Os policiais chegam ao restaurante. Não os encontrando, seguem em direção à Scatovari possível desitno dos dois. Quando já estão próximos de serem alcançados pelos 'meganha,' Gino perde a direção ao tentar ultrapassar um caminhão, provocando um acidente. Ele sai levemente ferido e Giovanna morre. A tragicidade da cena onde ele a retira das ferragensm no momento em que é abordado pelo policial, é comovente.

Como a escrotidão, entre nós, é um sentimento mais freqüente que a doçura, é provável que haja mais verdades em Ossessione. Esse filme, mesmo que se mova pelo signo do erotismo, é um filme sem vulgaridades, típico dos filmes de Visconti. Enfim, resumindo, na Itália, início dos anos 40, num vale do Vale do Pó miserável, Giovanna (Clara Calamai), dona de uma pensão, é uma mulher frustrada com a indiferença e até mesmo brutalidade do marido. Assim, planeja com o amante Gino (Massino Girotti) o assassinato do marido. Com esse argumento Visconti apresentava uma linguagem direta, sem retoques de roteiro, sem diálogos elaborados, voltada para os pobres, e ao mesmo tempo para o desespero e uma espécie de heroísmo duro e poético.

Essa visão do esfacelamento conjugal e de uma sexualidade incontrolavelmente demolidora despertou sentimentos ambíguos tanto dos conservadores quanto dos liberais. No argumento várias questões ficam sem resolução, tal como a dissimulação de Giovanna, que forçando um pouco a barra poderia bem ser uma Capitú trágica. A tristeza final induz o espectador a uma angústia, deixando-o entregue a uma mitologia romântica, muitas vezes ingênua para os dias de hoje, mas também com alguma poesia, de seu enredo.




L’Eclisse

L’Eclisse é um filme de 1962 e faz parte da trilogia L'Avventura (1960) e La Notte (1961).

Um das coisas mais importantes nos filmes de Michelangelo Antonioni é a naturalidade com que trata do tema da ausência de afetos, do distanciamento das relações humanas, pela ausência de diálogos. Como ele mesmo costumava a dizer, gostava de contar o filme por imagens. Tanto em Blow up quanto no L´Eclisse – que assisti ontem pela primeira vez graças ao santo netflix - , as marcas do distanciamento entre os personagens exalam um certo sentimento negativo, onde se constata a insistência no vazio das coisas cotidianas. Talvez isso se deva ao excesso de imagens impreganadas de uma fotografia belissima, sem dúvida, mas sem muitos diálogos. Nessa insistência do filme contado por imagens, as personagens são ligeiramente desequilibradas e meio que intencionalmente insensíveis. No L´Eclisse basta atentar no ambiente que rodeia os personagens tanto de Monica Vitti - filha bem criada por uma mãe especuladora da bolsa - como de Alain Delon – um materialista ambicioso, admnistrador de fundos, e corretor da bolsa.

Tanto Pietro como Vittoria, personagens principais de L´Eclisse iniciam uma relação aparentemente sem futuro, onde tanto um quanto o outro não sabem exatamente para onde a possibilidade de uma paixão poderia levá-los. Há neles uma alienação e desconexão contraditória com a realidade. E eu não cometeria a ignominia de dizer que dinheiro e poder determinam suas ações. Um exemplo deste paradoxo é a relação anterior de Vittoria, com um escritor, e o contraponto de seu estranhamento quando o carro de Pietro é içado do rio com o bêbado que o roubara morto, dentro do carro. A única preocupação do personagem é com a carroceria amassada, pouco importando-se com o bêbado que jazia em seu interior. Vittoria não guarda o estranhamento ao ouvir as inquetações de Pietro. Acho que o Antonioni apresenta aqui o aspecto da riqueza e da futilidade, mas não determina as personalidades evasivas e distanciadas do afeto dos personagens pelo viés marxista, como já li com enfado em alguma revista de cinema. Até por que acho esse tipo de redução de uma pobreza brutal- sem trocadilho!

Só para lembrar, estes anos eram os mesmos em que Cassavetes começava a criar uma linha de cinema parecida do outro lado do Atlântico para personagens de classe média, usuários de drogas, anfetaminas e álcool - até com uma certa dose de moralidade meio enfadonha.

Esta falta de direção de uma geração consumista e fashion é bem contada por imagens. É como se Antonioni estivesse convencendo o espectador a assitir um pouco mais – continue vendo... não desista... toda as as cenas aqui contidas tem um significado. Uma cena aparentemente cotidiana - e para um desavisado, até dispensável – é a do vôo de Roma para um destino não claro onde estão Monica Vitti e Rossana Rory. Quando o co-piloto o anuncia o destino há um ruido qualquer que impede a audição. E é aí surge o primeiro dos grandes méritos de Antonioni. O diretor tenta mostrar uma sociedade feita de quotidianos. Várias outras cenas contam o filme por imagens comuns que tem um significado espeical para os protagonistas. Seja na ênfase que Antonioni deposita na babá que passa com um bebê - que ambos protagonistas ignoram -; ou no tonel onde resignada, Vittoria joga um pedaço de madeira num tonel apos beijar Pietro mostrando uma certa desilusão com a ambiguidade do destino ( e seu senso de indefinido). E é essa a força do segmento final de L'eclisse: Antonioni mostra todas essas sequências do quotidiano como uma realidade que se impõe a nossas vidas sem darmos conta. O detalhe do homem que desce do ônibus com a manchete “La Pace è Debocle” indica que este cotidiano esquecido, do qual nos damos conta apenas quando deixamos o habitual de lado, é exatamente o que há de extraordiário e anormal nos eventos banais da vida.

Um pouco antes do final, a cena em que Pietro e Vittoria definitivamente se entregam - para usar um eufemismo barato - numa cena bela e sensual. Aquela dança das mãos talvez seja uma das mais sensuais dos filmes de Antonioni que assisti até agora. Entretanto, ao final, mais um contraponto. Quando Vittoria deixa o apartamento de Pietro, tudo volta ao mais frio cotidiano, com longas sequências e tomadas de árvores, das ruas, dos trabalhadores voltando para suas casas e as inúmeras imagens que já haviamos visto no meio do filme, numa espécie de prelúdio e epílogo simultâneo de tudo que volta à frieza massiva do quotidiano. O filme termina sem resoluções para o romance de ambos, sem resoluções para os dilemas da vida moderna. Por essas e por outras, um grande filme sobre a alienação e a falta de conexão com a realidade.

A Face in the Crowd


Muita gente se recusou a depôr no House Un-American Activities Committee. Aquilo era um negócio tenebroso que funcionou de 1938 a 1975. Quem entrasse na blacklist do Comitê podia considerar sua carreira terminada – o Woody Allen fez até um filme muito interessante que não lembro o nome agora sobre o tema.

Mas, o Elia Kazan não. Ele não só delatou vários de seus companheiros de ex-militância comunistas como sustentou suas posições por supostas convicções liberais. Arthur Miller e Lillian Helman, mulher do Dashiell Hammet, e considerada pelo Ruy Castro uma das mulheres mais feias de toda a história de Hollywood, ambos se recusaram a depor e compraram uma briga eterna com Kazan. Por essas e por outras que essa figura era um paradoxo: um fela da p..., que muito poucos confiavam na vida privada, e um profissional sem igual nas telas.

Bem, mas isso é uma outra história longa. Ontem, por obra e graça do TCM, assiti ao A Face in the Crowd. Um dos grandes filmes de Kazan, apenas superado, na minha opinião pelo A Streetcar Named Desire e o On the Waterfront. Aliás gosto muito mais do texto do Tennessee Williams e da atuação do Marlon Brando naquele que neste último. Além disso a Vivian Leigh, com o papel de mulher completamente histerica espantara de vez aquela urucubaca de papel do Gone With the Wind – um dos filmes, sinceramente, mais chatos e racistas que assisti na vida! Aquela personagem só podia ser macumba que fizeram pra moça.

O A Face in the Crowd é a história dos primórdios da televisão e de como esta substituiu o rádio como fenômeno de comunicação de massa. Larry 'Lonesome' Rhodes é um caipirão do Arkansas que, digamos assim, por motivos de força maior, é transformado, pelo carisma pessoal e pela personalidade irascível, num fenômeno abusivo do entretenimento popular. O cara é grosseiro, ingênuo, falastrão e coloquial ao mesmo tempo. Chega a insultar no ar seu principal patrocinador, mas como era um fenômeno de arrogância e falta de senso, o mantinham no ar.

Um dos continuos do canal onde Lonesome trabalhava conseguiu um contrato para que a figura trabalhasse em NY, patrocinado por um suplemento alimentar chamado Vitajex. Sua carreira era ascendente e parecia não ter limites. Até que sua empresária, que alimentava uma paixão secreta por ele, cansa-se de sua espera interminavel por um homem que na razao inversa de seu orgulho afasta-se mais e mais dela, e durante o fim de uma de suas apresentações, já quando eram exibidos os créditos do programa, mantém o som off no ar, ligado. Neste momento, Lonesome, já entregue a uma birita forte, insulta e humilha os telespecadores chamando-os de idiotas, “morons" e "guinea pigs." Instantaneamente, há uma desilusão nacional e tal como na lenda de Rodhes, o gigante rui implacavelmente.

A tematica do filme lembra muito um dos melhores filmes feitos pelo Billy Wilder, chamado Sunset Boulevard. A diferença entre os dois filmes e os dois diretores fica pra outro dia.