Se não me engano este foi o primeiro filme do Visconti. É um filme de 1942, portanto, um filme ainda sob a égide do Fascismo. Nele, já demonstra um certo trato com a contestação dos valores morais. Fato que deixou as autoridades fascistas indigadas, levando-as a proibir o filme. Alguns dizem que o filme é o marco zero do neo-realismo italiano, marcado diretamente pela técnica de longas tomadas que Visconti devota a Renoir. Mas não necessariamente por isso que o filme se tornou inconveniente.
O fato de Visconti ter ingressado no PCI, apesar de sua origem aristocrática, não fez dele uma peça essencial no partido, mas serviu para despertar ainda mais a ira das autoridades. Logo, se tornou um maldito no cinema, embora alguns afirmem que por sua origem aristocrática e a teia de relações a que estava imerso garantiram-lhe uma boa dose de paz de espírito. Nesse contexto, Jean Renoir dá a Visconti uma cópia do roteiro de The Postman Always Rings Twice, de James M. Cain.
Mas voltando ao que interessa, Gino é um jovem malandrão e pilantra que chega por acaso a um modesto restaurante de beira de estrada, quando o caminhão em que viaja, escondido na carroceria, pára para reabastecer. Enquanto Giuseppe Bragana, proprietário do local, e marido de Giovanna, atende o motorista, Gino entra no restaurante e vai até a cozinha onde encontra Giovanna, a jovem mulher de Giuseppe. Mexe nas panelas enquanto tenta seduzir Giovanna.
Descontroladamente atraída pela beleza do cidadão, ela, mesmo assim, avisa ao marido que ele se serviu e não pagou pela refeição. O marido tenta cobrar-lhe o valor devido, mas dizendo-se sem dinheiro, Gino propõe pagar sua dívida com trabalho, já que se diz mecânico e sabe que a caminhonete de Giuseppe apresenta um defeito mecânico. Gino convence a Giuseppe a ir à cidade de bicicleta comprar uma peça nova para o caminhão.
Casa vazia, esposa prestativa, boa cozinheira, paz, silêncio... daí pra cama foi um pulo para Gino e Giovanna. Quando o marido dela retorna com a nova peça, Gino a põe o caminhão para funcionar. Giuseppe, então, permite que Gino permaneça alguns dias em seu estabelecimento. No dia seguinte, aproveitando a saída do marido para uma pesca, Giovanna foge a pé com Gino. Após caminharem alguns quilômetros, ela desiste da fuga e lhe propõe que os dois voltem para o restaurante. Gino não concorda e segue sozinho.
Ao embarcar num trem, sem destino, faz amizade com um vendedor ambulante, meio esquisito aos olhos de Gino, que está indo para Ancona. Os dois passam a seguir viagem justos. Certo dia, quando se acham numa praça a vender guarda-chuvas, Gino é encontrado por Giuseppe e Giovanna, que o convidam para voltar com eles e trabalhar no posto de gasolina.
No caminho de volta, aproveitando-se um Giuseppe manguaça, Giovanna e Gino armam acidente com a caminhonete. Giusppe morre e a princípio, a polícia não considera a possibilidade de um crime. De volta ao restaurante, Gino propõe que Giovanna venda tudo recomeçem a vida num outro lugar.
Um mês depois, os dois vão à Ferrara, resolver o problema do seguro e da herança. Enquanto Giovanna vai à Companhia de Seguros, ele fica na praça, onde conhece Anita, uma prostituta. Quando Giovanna retorna, tudo é muito rápido. O temperamental Giuseppe ouvindo-a dizer que iria receber uma nota preta por conta do seguro de vida de Giuseppe, diz que não quer mais vê-la. Giuseppe, malandor e picareta, tem uma recaída de ética e diz que acreditar ter sido usado por ela para pôr a mão no tutu.
Anita o recebe de braços abertos e inconformada, Giovanna retorna ao seu restaurante. Na cena seguinte, dois caminhoneiros que assistiram ao acidente, procuram a polícia onde informam que Gino e Giovanna não se encontravam no caminhão no momento do acidente.
Gino, na boa vida por Ferrara consegue fugir dos policiais que tentam prendê-lo e vai a procura de Giovanna. No restaurante, fala para ela sobre o que está ocorrendo. E aqui, um ponto de inflexão no filme pode tornar tudo um pastelão.
Ao mesmo tempo, Gino toma conhecimento que os dois vão ter um filho. Com a possível chegada da polícia, os dois pegam um carro e fogem. Na estrada, fazem planos para o futuro.
Os policiais chegam ao restaurante. Não os encontrando, seguem em direção à Scatovari possível desitno dos dois. Quando já estão próximos de serem alcançados pelos 'meganha,' Gino perde a direção ao tentar ultrapassar um caminhão, provocando um acidente. Ele sai levemente ferido e Giovanna morre. A tragicidade da cena onde ele a retira das ferragensm no momento em que é abordado pelo policial, é comovente.
Como a escrotidão, entre nós, é um sentimento mais freqüente que a doçura, é provável que haja mais verdades em Ossessione. Esse filme, mesmo que se mova pelo signo do erotismo, é um filme sem vulgaridades, típico dos filmes de Visconti. Enfim, resumindo, na Itália, início dos anos 40, num vale do Vale do Pó miserável, Giovanna (Clara Calamai), dona de uma pensão, é uma mulher frustrada com a indiferença e até mesmo brutalidade do marido. Assim, planeja com o amante Gino (Massino Girotti) o assassinato do marido. Com esse argumento Visconti apresentava uma linguagem direta, sem retoques de roteiro, sem diálogos elaborados, voltada para os pobres, e ao mesmo tempo para o desespero e uma espécie de heroísmo duro e poético.
Essa visão do esfacelamento conjugal e de uma sexualidade incontrolavelmente demolidora despertou sentimentos ambíguos tanto dos conservadores quanto dos liberais. No argumento várias questões ficam sem resolução, tal como a dissimulação de Giovanna, que forçando um pouco a barra poderia bem ser uma Capitú trágica. A tristeza final induz o espectador a uma angústia, deixando-o entregue a uma mitologia romântica, muitas vezes ingênua para os dias de hoje, mas também com alguma poesia, de seu enredo.
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