A crônica de hoje do Veríssimo, particularmente a de hoje, me fez pensar que o cronista voltou aos seus bons e velhos tempos. A crônica que a principio nem era tão excepcional, pois era na verdade era uma espécie de fragmento de duas crônicas diferentes sobre o mesmo tema. Mas eu gostei um montão pois o Veríssimo fala exatamente exagero e do auto-engano. Fala do que todos acreditam ser realidade, das frases que pensamos terem sido ditas e imortalizadas, em peças de teatro ou filmes, mas que na verdade foram proferidas noutras circunstâncias totalmente diferentes - ou que nem serquer foram ditas.
De uma só porrada, uma crônica bem leve me trouxe uma série de dúvidas sobre diálogos em filmes que assisti e livros que li.
Por exemplo, sobre famosa ‘toque outra vez, Sam’, que todos juram ter ouvido em Casablanca, é fato que nunca saiu da boca de Bogart. Isso eu me lembro. Na verdade, isso foi uma invenção muito bem bolada do Woody Allen - segundo o Millor o infeliz que deu certo - num filme de 72 chamado exatamente Play it Again, Sam.
O Verissimo não se lembra exatamente se a frase “é preciso mudar para que as coisas continuem como são” foi dita pelo principe de Salinas ou se pelo seu sobrinho Tancredi na versão de Il Gattopardo do Lampedusa que Luchino Visconti plasmou na tela.
Na verdade, eu tambem não chego a me lembrar exatamente quem disse a frase, mas ouso pensar sem certeza que foi dita pelo patriarca cínico, irônico e resignado interpretado pelo Burt Lancaster. Lembrar, não lembro. Lembro, sim, uma da mais bem boladas cenas que ja vi no cinema. A cena com o Burt Lancaster fazendo a barba na frente do espelho quando o Alain Delon chega e começa um diálogo por trás dele, ambos olhando para o espelho e consequentemente um para o outro e conjecturando sobre como seria o futuro se as tropas de Garibaldi obtivessem sucesso. Explico: O 'novo' Alain Delon às costas do 'velho' Burt Lancaster. Ambos olhando para a frente e vendo suas imagens refletidas, e se abusássemos do intelectualismo barato, invertidas.
Depois da tremenda sacada de Visconti muita gente usou essa metáfora ‘do olhar a frente mirando o espelho', para expressar que de fato o que se enxerga no espelho somos nós mesmos dentro de um contexto qualquer olhando para trás, enfim, para o passado.
Muita gente usou essa idéia concebida na ficção e transplantada no cinema, para explicar o caráter conservador das ondas de modernização nos países da península ibérica e na América Latina nos últimos 50 anos. Varios foram buscar as origens da Dependência no Pacto Colonial, sem explicar a vergonha histórica do nosso velho eufemismo de espelhos. Ou seja, a idéia de que 'ao se mudar sem mudar muito', salvo ledo engano, sempre esteve um pouco além da ficção e um tanto aquém da realidade - tanto na Italia do conde de Salinas e no Brasil dos Luzias e Saquaremas.
É por isso que eu gosto desse jeito de quem não quer nada do Verissimo. Sempre tranquilo, mas sempre dando suas estocadas - metaforicamente falando de cinema e literatura - até quando não quer. Como hoje.
Contentemo-nos com a Ilusão da Semelhança, porém, em verdade lhe digo, senhor doutor, se me posso exprimir em estilo profético, que o interesse da vida onde sempre esteve foi nas diferenças,
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