Cabra-cega - Carlos Nascimento Silva

Alguns motivos me levaram a ler Cabra-cega. Um deles, erroneamente, foi o de ter sido um livro premiado com o Jabuti. Outro motivo, um tanto controverso também, foi o de falar dos anos 60, mas sem invocar os heróicos e teratológicos feitos daquela geração como se as seguintes e anteriores não existissem ou tivessem importância menor. Sei que é pouco, mas assim mesmo foi um dos motivos que me fez tirar o livro das estantes.

O enredo transcorre entre o dia 15 de julho de 1964 e os dias atuais. Começa com um assassinato de Sue Anne num lugar chamado Clipple Creek pelo jovem John Boy e termina nos dias atuais, com personagens, que ainda que nao presentes na cena do assassinato estavam ligados a ela por motivos inexplicaveis, já sexagenários e cheios de marcas, dessas que a vida deixa. Mesmo sem saber, quatro personagens alheios a cena, no Brasil e nos Estados Unidos, passam a ter seus destinos envolvidos por esse episódio. Ainda jovens, John Inward Jr ( um cientista e acadêmico americano), Marcella(uma mulher enigmática que procura a todo custo não se envolver emocionalmente com Jonas) , Ronaldo e Tangjo (Uma coreana casada com o português Carlos Augusto que conhece nos tempos de universidade nos EUA), passam a ter sensações estranhas, espécies de Déjà Vu, como se fossem testemunhas involuntárias do assassinato. Essa ligação extra-sensorial acaba acompanhando-os por toda a vida como uma metáfora de cabra-cega – aquele joguinho infantil onde uma delas, a cabra-cega, tem os olhos vendados e procura agarrar uma do grupo.

Carlos Nascimento escreve muito bem. Envolve o leitor com sua maneira precisa de narrar e pereceber detalhes da alma humana (o medo do desconhecido, o inusitado da amizades entre estranhos, a carga de sedução que há nas relações humanas, as pequenas perversidades que envolvem o amor, as esperanças perdidas de uma geração idealista, a incomunicabilidade básica e o mal estar com individualismo, enfim a procura às cegas de amizade, amor, companheirismo ou cumplicidade), mas a estória para mim deixou de se tornar interessante no momento em que essa incapacidade básica do serumãnu em se comunicar plenamente pela voz, palavra e gesto vaza na possibilidade da comunicação extra-sensorial – chave com que fecha os dilemas dos personagens.

Tudo bem, há até uma tentativa do autor em demonstrar a frustração e o dilema do jogo de cabra-cega nos personagens que mesmo tirando a venda negra e utilizando a internet para os aproximarem, continuam a não se enxergarem ou compreenderem totalmente nas beiras do século XXI - e para mim esse foi um dos pontos altos do livro. Mesmo assim acho que o livro perdeu um pouco no final. Não sei bem explicar essa minha frustração com a frustração dos personagens. Talvez esse tenha sido mesmo a intenção do Carlos Nascimento – que segundo o Umberto Eco em Interpretacao e Superinterpretação continua sendo o velho dilema do intentio auctoris e do intentio operis. Talvez, lamentavelmente para mim, um cara cheio de manias com o que consigo ver e desconfianças com o que não consigo enxergar, seja por miopia ou ceticismo, eu não tenha entrado nessa extra-sensorialidade toda do intentio auctoris . Mesmo assim um livro com sacadas geniais tais como as citações que fazem o leitor viajar antes de cada capítulo, e particularmente os diálogos entre Jonas e Marcela!!

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