Pequena biografia numa visita inesperada


Ethan é um desses caras, que aparecem de vez em quando com uma mala cheia de bagulhos, que pedem pra dormir na tua casa, que comem tua comida, que molham teu banheiro todo, que não levantam para sequer lavar o prato em que comeu e vão embora deixando a sensação de que tudo isso poderia ser suportado só por que é um desses caras que a gente não sabe bem o por quê mas é um cara bacana. Além de ser meio esparramado, ele é um economista muito esquisito, pois originalmente era engenheiro formado pela Technion Israel Institute of Technology. Um cara estranho, repito, pois além de entender muito de micro e macro economia, lê muita literatura e adora cinema – e isso, diga-se de passagem, esse Humanismo todo, como todo mundo sabe, é muito perigoso, e para um economista mais ainda....

Não pára aí. O cara gosta de Tarkovski, Antonioni, Truffaut, toca Villa Lobos ao piano e tem irmão maestro em Amsterdã que gosta de Egberto Gismonti, e agora ainda está lendo os irmãos Karamazov. Diz que se um dia votasse na vida votaria no Labor Party. Mas isso, já dizia o Freud, vem dos pais... O pai, um cara impressionantemente boa gente e pessoa boníssima que me chama ‘Cheeeco, the brrrasssilian frrriend’. É um sobrevivente que cresceu órfão de pai e mãe – coisa triste e tenebrosa que nem é bom falar – mas que obviamente não se entregou. Viveu muito, entrou pra marinha mercante, viajou o mundo todo, conhece muito de jazz (diz que ja viu Monks e Coltraine tocando no Blue Note), música brasileira, e futebol podendo dar a escalação de 70 de cabeça. Muita gente pode dizer com certo nativismo de princípio, até aí voce não disse nada, ô mané... mas nunca se esqueça que ele bem podia achar que a capital do 'Brazil' é Buenos Aires.... e que Monks é o plural de monkey.


Enfim, Ethan, após ter vindo dar aulas de verão em Maryland fez questão de visitar na semana passada, pra comer minha comida toda, e dormir no sofá, e deixar o banheiro todo molhado antes de retornar a Bruxelas, onde vive amancebado com a Marisa. Dessa vez, além de tudo, trouxe umas três caixas de livros para que eu os guardasse - não sei onde. Disso eu não me queixo, pois após uma detalhada explicação sobre as expectativas do mercado imobiliário americano, as políticas de securitização de bens e dívidas que as financeiras americanas implementaram após as crises asiática e mexicana, e como tudo isso afetou a crise da bolsa de São Paulo nas semanas passada, ainda de quebra ganhei por comodato um monte de livros bacanas. Um deles, um pequenininho do historiador americano Eric Foner, A Short History of Reconstruction, 1863-1877, comecei a ler ontem e já avancei dezenas de páginas. Não consigo largar. É impressionante como escreve bem. Parece que escreveu o livro exclusivamente para manés como eu, verdadeiras dízimas periódicas próximas do zero, zeros à esquerda, em economia.

As explicações de Ethan, ao tentar me convencer que é ótimo para o Brasil, hoje, ser uma das maiores economias integradas ao mundo financeiro internacional ( segundo ele nem China, nem India o são por não estarem totalmente integradas), foram ao mesmo tempo assustadoras mas de valor ímpar. Ele garante que se o pais quebra pra valer, com as reservas que temos - talvez uns 100 bilhões de dóla - aguentamos uns seis meses uma gestão de risco antes do bu-ra-co! Enfim, nada que eu não aprendesse lendo um The Economist, mas que sinceramente não tenho a menor paciência. Por isso relevo aquela porcalhada que o Ethan fez no banheiro.

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