El Aura

Resumindo: Fabián Bielisnky morreu no quarto de um hotel, se não me engano em São Paulo. Vítima de um forte golpe de caratê colombiano. Os jornais noticiaram que havia sido um ataque cardíaco. Perdeu o cinema e, pode parecer piegas, um pouco cada um de nós.

Senti muito a morte do cara que fez Nueve Reinas, um dos melhores filmes argentinos que tinha assitido nos últimos anos.

No El Aura o roteiro também é recambolesco, vendo-se um pouco a marca do maneirismo de Bielinsky, mas que ele conduz com precisão. El Aura é a estória de um taxidermista epilético, taciturno e reservado que tem uma memória imediata fenomenal, chegando a memorizar detalhes que poucas pessoas podem guardar. Depois que a mulher o deixa, sem bem saber por quê, aceita o convite de um amigo para caçar, mesmo que se recuse a matar animais. Nessa viagem se vê envolvido num assassinato acidental - na qual ele mata o dono da cabana onde estão hospedados ele e o amigo. A vítima, é o arquiteto de um assalto prestes a acontecer num cassino que está para fechar.

Aos poucos, o personagem de Ricardo Darín, acaba se envolvendo com os planos de assalato em andamento – contactando os cúmplices e se fazendo passar por comparsa do homem assassinado, mesmo sem ter a noção exata do que acontecia, mas valendo-se de sua prodigiosa memória. Nos detalhes dessa aproximação é que Bielinsky mostrou a sua maestria em conduzir um filme de tensão, pois você, pobre espectador, não sabe qual é o plano para o assalto, nem tampouco se a interpretação que taxidermista – calcado apenas em sua memória das anotações de um caderno que ele encontra com os planos - dá aos fatos é correta.

Nota: abraço pro Vivaldo, que também gostou do filme.

Recapitulando, o maneirismo de Bielinsky cessa exatamente no momento em que Aura se afasta diametralmente de Nueve Reinas. O estilo é parecido – takes incompeltos, cortes rápidos, jogos de memória, um plano último seja ele relacionado a selos ou a um assalto a um cassino - , mas no Aura há vários assassinatos, um clima de suspense e tensão pesados. Ou seja, aquele clima de tensão embaralhada com certa agitação cômica de NR não acontece em El Aura, um filme noir dos bons.


Música do dia. Do You Want to. Franz Ferdinad

Oh! Seu Oscar

“Cheguei cansado do trabalho
Logo a vizinha me falou
- Oh! Seu Oscar
Tá fazendo meia hora
Que sua mulher foi embora
E um bilhete deixou
O bilhete assim dizia
‘Não posso mais
Eu quero é viver na orgia’.
Fiz de tudo para ter seu bem-estar
Até no cais do porto eu fui parar
Martirizando o meu corpo noite e dia
Mas tudo em vão, ela é, é da orgia."


Ciro Monteiro

Eu chego a conclusao que o que menos importa no Oscar sao os filmes e sim o encomiástico. Pode ateh ser mesmo que somente a firula te segure por mais de tres horas pra ver uma festa que parece mais com uma formatura, uma entrega de diplomas.... E nesse ano as coisas foram mornas mesmo. A razao? Os musicais horrendos!!

Se por um lado nao teve choro, tampouco teve discurso pleonastico. Pelo menos, e acima de tudo, nao teve apresentador chato.

Pois eh, o Barden levou o de coadjuvante merecidamente. Os Irmaos Cohen sao esquisitoes, engracados, blase, mas competentes. Por isso a atitude... agradecer pra que, dude? Acho que no fundo eles quiseram dizer... a gente faz cinema com gente real sobre gente real, ou voce acha que psicopata assim so tem no cinema....

Ca pra nos, soldados do Iraque anunciando os doc eh negocio esquisito pra caramba.

O John Stewart, que eh um cara engracado e biliatico no Daily show estava perfeito - e deu uma ironizada discretissima quando o Presidente da Academia comecou a falar sobre a inviolabilidade do processo de escolha.... Foi elegante ao chamar a pianista do "Once" de volta ao palco, e acima de tudo nao tentou me convencer que era uma cara engracado numa cerimonia que nao eh pra ser engracada- como fizeram os in-su-por-ta-veis apresentadores dos ultimos anos.


Best picture“No Country for Old Men”
Best actress Marion Cotillard, “La Vie en Rose”
Best actor Daniel Day-Lewis, “There Will Be Blood”
Best supporting actress Tilda Swinton, “Michael Clayton”
Best supporting actor Javier Bardem, “No Country for Old Men”
Best director Joel Coen and Ethan Coen, “No Country for Old Men”
Best foreign film“The Counterfeiters,” Austria
Adapted screenplayJoel Coen & Ethan Coen, “No Country for Old Men”
Original screenplayDiablo Cody, “Juno”
Animated feature film“Ratatouille”
Art direction“Sweeney Todd the Demon Barber of Fleet Street”
Cinematography“There Will Be Blood”
Sound mixing“The Bourne Ultimatum”
Sound editing“The Bourne Ultimatum”
Original score“Atonement,” Dario Marianelli
Original song“Falling Slowly” from “Once”
Costume“Elizabeth: The Golden Age”
Documentary feature“Taxi to the Dark Side”
Documentary short“Freeheld”
Film editing“The Bourne Ultimatum”
Makeup“La Vie en Rose”
Animated short film“Peter & the Wolf”
Live action short film“Le Mozart des Pickpockets (The Mozart of Pickpockets)”
Visual effects“The Golden Compass”

Caramuru



De um varão em mil casos agitados,
Que as praias discorrendo do Ocidente,
Descobriu recôncavo afamado
Da capital brasílica potente;
Do Filho do Trovão denominado,
Que o peito domar soube à fera gente,
O valor cantarei na adversa sorte,
Pois só conheço herói quem nela é forte.
Revirando nossos mitos de origem fatalmente nos deparamos com a figura de Caramuru. Ate hoje, desde que li a Ernst Cassirer, tenho minhas desconfiancas sobre herois nacionais e a construcao de seus mitos. E chega a ser meio curioso como o brasileiro criou formas simbolicas para manter estruturas de pensamento e percepcoes da sua realidade que acabam sendo paradoxais. O poema de Santa Rita Durao, apesar de belo, tem umas pilantragens ufanistas imperdoaveis, reforca uns valores civilizatorios cretinos e chega a tornar qualquer critica que eu faca um ensaio calhorda, uma mediatriz entre o culturalismo e o determinismo cultural.
A lenda, que vale a pensa ser lembrada, reza que Diogo Álvares Correia foi um naufrago portugues que acabou recebendo dos Tupinambas a alcunha de Caramuru. Caramuru, na lingua dos Tupinambas, vinha a ser uma especie de "Homem do Trovao," tal qual Santa Rita Durao expressa no trecho acima, pois vendo-se prestes a ser atacado por um grupo de indigenas, Diogo Alvares lanca mao de seu mosquetao e mata um passaro. Os indios, com tao sugestivo argumento, afugentaram-se.
Interessante e ver como o mito de Diogo Álvares Correia atravessa a historia como um heroi civilizador, o primeiro europeu a viver em terras brasileiras e responsavel pelos contatos entre administradores e missionarios com os indigenas. Mais ainda, eh interessante perceber como sai das paginas de Santa Rita Durao e eh apropriado pelo Partido Restaurador no Imperio chegando totalmente avacalhado e esculhambado numa serie da Globo.
Pois eh... depois falam mal do John Ford. Tem nada nao, a gente merece.
A senhorita ai se chama Amy Winehouse e ganhou o Gammy Awards nesta semana. Por ter consumido craque e ser filmada consumindo a parada, teve o visto negado para entrar no USA.
Nunca, em toda a minha existência, cheguei a pensar que poderia concordar com uma decisão tão estúpida como esta de impedir o direito à liberdade de ir e vir. Mas no caso de Winehouse... acho que a decisão do burocrata que se negou a carimbar o passaporte da figura, justiça seja feita, foi acertadíssima.....

Ouvi duas musicas dela Fuck Me Pumps e Stronger Than Me. Nem aguentei ouvir tudo. Em terra de Aretha Franklin, Cassandra Wilson, Dinah Washington, Carmen McRae, Hollyday e Fitzgerald... é até desrespeito falar em Amy Winehouse. Aliás, Amy o quê?

Aqui não entra, mas aposto que em terra de Elis, Clementina, Betânia, Elizeth e Elsa Soares... ela entra. Afinal, Pindorama é ou não é a Terra dos Papagaios.

Musica do dia. Come in Out of the Rain. Carmen McRae

Quarta-feira, cinzas depois da Super Tuesday



We are like chameleons, we take our hue and the color of our moral character, from those who are around us.
John Locke - ele era inglês...

Nota:

Democratas -Numero de Estados/Numero de Delegados

Barack-13/304

Hillary-9/383

Republicanos -Numero de Estados/Numero de Delegados
John McCain - 9/306

To whom it may concern Beija-flor campeã!?

Eternal Sunshine of the Spotless Mind


Até The Truman Show, Jim Carrey sempre representou papéis de idiotas. Era tão convincente que o personagem quase se imantava ao ator e passavamos a pensar que Carrey era realmente um imbecil. Mas a partir deste filme havia algo que chamava a atenção para suas qualidades de ator dramático. O personagem tinha algo de introspecção, algo que o deslocava daquele paraíso terrestre onde todos pareciam conviver em harmonia, fosse pela infelicidade de uma crise no casamento, fosse pela sensação persecutória de estar constantemente vigiado.

Em Eternal Sunshine of the Spotless Mind (2004), Carrey ainda não me convenceu, mas realmente pode-se dizer que o papel de um homem solitário e de hábitos rotineiros, que um dia decide, de maneira absolutamente inesperada, iniciar uma viagem de trem a uma estação completamente desconhecida, pode ter contado uns pontos para a mudança de rumo numa carreira de caretas idiotas.

Eternal Sunshine of the Spotless Mind é a estória de como Joel, um tipo introvertido e tímido, descobre que Clementine (Kate Winslet), sua namorada impulsiva e apaixonante. E de como ela recorreu a uma empresa especializada em apagamento de memória para desfazer de seus neurônios, especificamente a relação que manteve com Joel. Ele, desesperado, acaba por fazer o mesmo. Contrata a mesma empresa para apagar de suas lembranças toda a memória relacionada a Clementine. O único problema é que a impulsividade Clementine o atrai na medida direta que a passividade de Joel a deixa insegura.

Este filme tem umas sacadas absolutamente geniais para quem já quebrou a cara, catou os cacos, refez-se na vida um mosaico que voltou a quebrar-se. O roteiro assinado pelo Charles Kaufman (Being John Malkovich – o qual merece uma linhas aqui- e Human Nature), realmente prende ao tratar de temas como memória, esquecimento e seus labirintos. Kaufman traz elementos surreiais para o mais cotidiano do dia-a-dia, como se numa inexpressiva terça-feira de janeiro de 2008, pudessem acontecer fatos extrtaordinários que nunca mais fossem esquecidos.
Mas Kaufman não agiu solitariamente. Michel Grondy deu forma ao surrealismo de um roteiro que mostra alucinações, memórias e reviravoltas imprevistas em cenas puramente oníricas e muitas vezes poéticas, sem desembocarem numa bad trip. Tudo isso torna o final absolutamente original, mesmo que previsível, pois afinal, o final é o que menos importa numa viagem.
Enfim, tudo se passa essencialmente na mente de Joel. Durante o processo de apagamento, lembra dos fatos como vários déjà vu, sem conseguir encadeá-los uma ordem racional às coisas, aos acontecimentos e às memórias. Ao mesmo tempo em que lembra de episódios relacionados a Clementine, os mesmos desaparecem de forma caótica. Esse labirinto impreciso de lembrança e esquecimento, passado e presente, ou melhor dizendo, de que ‘passado’ o ‘presente’ elege para ser lembrado, é o que o ajuda a fugir dos apagadores de memória que o perseguem. Ao mesmo tempo em que o espectador torce por Joel e Clementine, certifica-se - como quem já quebrou a cara e sabe como isso funciona - de que a tênue linha que liga os dois é frágilíssima. Tão frágil e tão mimética que é melhor esquecer....

Cronaca di un amore

No Cronaca di un amore de 1950, Antonioni, mais de 10 anos antes da trilogia começada em L’Aventura, já mostra o que fez dele um cineasta das pausas constrangedoras, da coragem pela incomunicabilidade, dos desvios, das interceptações de olhares obliquos. No Cronaca, os amores inconsistentes, os silêncio eloqüentes, o tédio amoroso e a incompreensão constante fazem da vida de Enrico e Paola (Lucia Bose) um inferno cotidiano.

Enrico, sentindo-se inseguro em relação a sua jovem e sensual esposa Paola, contrata um detetive particular. Ironicamente, sua atitude acaba gerando o reencontro de Paola com seu ex-amante Guido. A partir daí, os dois reiniciam um antigo affair que desemboca no fim trágico de Enrico.

Neste filme, particularmente, não há as angulações tensas do L’Eclisse ou menos ainda do Blow up, mas há incontestavelmente a fotografia triste, o quase nada mostrado numa clássica economia verbal. Os personagens, que vivem vidas deslocadas e seus interlúdios humanos, são delicadamente fragilizados tanto pelas paixões quanto pelos seus destinos.

Nostalgia for Terra Incognita


Alex é além de vizinho, um chapa franco-americano, apaixoado pelo Brasil e pela música brasileira. O poder da argumentação do Alex, arrebata. As entonações que tira da sua viola tem algo de bossa, algo da briza de Pat Metheny e alma de Cassandra Wilson (que descobri com ele), mas também algo de angústia. A angústia pessoal de uma alma incapaz de suportar os horrores deste mundo.

Podemos ouvir nas suas notas uma confissão, como se estivesse tentando organizar todos os barulhos pós-modernos numa melodia suave, por mais recôndito e velado que seja seu desabafo.

Taí a biografia do cara:

Born in Brittany, the Celtic province of France, raised mostly in rural North Carolina, and a traveler through Spain and Latin America now living in Washington, DC, Alex has always sought to create music that expresses his unique confluence of world cultures, what he calls “New World jazz.” A former novelist and poet with an MA from the Creative Writing Program at the University of Texas at Austin, he seeks to make music that tells stories of the exotic and the familiar--the “exotic” always being familiar to some of us. He has found an ideal vehicle for this effort in the quartet Amérique Latine, formed with vocalist Lena Seikaly (of Palestinian descent), bassist Leonardo Lucini, and drummer Alejandro Lucini (brothers who grew up in the Copacabana neighborhood of Rio de Janeiro). The group’s new CD, Nostalgia for Terra Incognita, navigates the waters where these cultures meet. Nostalgia includes six compositions by Alex as well as five standards from the U.S., French, and Brazilian repertoires, approached from the group’s distinct perspective on the musical world. The result is an attempt to map the group's own Terra Incognita, a land of memory and imagination.
Na respectiva ordem: Alejandro Lucini, Lena Seikaly, Leonardo Lucini e Alex Martin

http://www.alexmartinmusic.com

Taruíra


As coisas vistas por dentro

Carlos Quiroga é escritor, militante de uma língua entre duas línguas. Tento explicar: 'O galego ou é galego-português ou é galego-castelhano', assim como está escrito em frente ao prédio das Letras na USC.

Foi uma grata amizade, esta que o andar pelo mundo destinou. Um cara que assume, como alguns teóricos já asseveraram, a idéia de que a narração é impossível. Assume, porém não se rende a tal falência por uma questão pessoal e política. Nos nossos papos, até chegamos a constatar com certo incômodo, que a lógica da narrativa formal causal-linear sofre da bricolagem, da acumulação, da reescritura e de tudo aquilo que assumimos com um apriorismo pos-moderno. Porém, a debilidade do relato contemporâneo, agora ligeiro, disperso, fragmentado e superficial, não impede o cara de produzir prosa e poesia; até por que, para além de uma questão sobrevivência existêncial, a escrita em galego é uma questão de sobreviência linguística.

Em seus livros, menos no Inxalá - um work in progress, como ele mesmo me segredou - , e mais no O Regresso a Arder/Viagem ao Cabo Nom/3, pode-se separar uma certa epifania pop dos seus golpes de efeito estético. Li o segundo ( uma combinação de fotografia, poesia, ensaio, narrativa e diário ) perguntando-me onde sua narrativa de resistência começa a desconfiar de uma visão coerente e unitaria do mundo. Mas só fui encontrar no primeiro, o Inxalá, a sensação de que minhas indagações eram respondidas pouco a pouco através de uma revisitação nostálgica - ou irônica, ainda não sei - que Carlos faz à tradição do falar galego sem a contaminação dos hispanismos. Prova dessa resistência é dada pelos protagonistas, um médico e uma tradutora, que buscam em Portugal ou nos desertos da África, os lugares de origem, os solos onde a memória possa fundar suas raízes. Por isso mesmo tem-se a sensação de que o Inxalá evocado por Carlos é mais que uma simples interjeição de desígnio de desejo, é uma janela sempre acolhedora para o frescor de uma idéia de Ocidente cada vez mais distante.




Evidentemente, todas essas conclusões vieram depois de vários Ribeiros, Riojas e Estrellas de Galicia, afinal in vino veritas. Grande camarada!





Foto: Gentalha do Pichel, caverna de cultura alternativa

IAD-LHR-MAD-SCQ - - SCQ-MAD-LHR-JFK-DCA

Um dos gratos momentos que passei na minha última e interminável viagem - de quarenta horas, cinco escalas e duas malas perdidas - foi aquele que passei lendo a Philip Roth. O Roth salvou boa parte dos atendentes de Costumer Service da Iberia e da British Airways. Salvou-os da minha indignação resignada contra as empresas de aviação que a cada dia se parecem mais com as de transportes coletivos públicos terrestres. Além disso devo a ele, pessoalmente, o fato de não estar respondendo frente aos tribunais de Haia pela minha primeira tentativa de homicídio culposo - pois eu estava absolutamente convencido que eu deveria dar no mínimo um soco na cara do atendente da Iberia que em Madrid disse-me que a culpa pelos meus vôos cancelados não era da empresa e sim minha, por não ter previamente conferido meus emails antes de sair de casa.

Neste clima, li a primeira novela do Roth chamada Goodbye, Columbus. Uma pequena novela explosiva. Uma visão da vida sem compaixão, numa forma de escrever sem espaço para o auto-engano já no primeiro livro da juventude.

A trama se desenvolve em Newark e seus arredores. Neil Krugman é um jovem bibliotecário, sem um futuro muito bem definido. Vive com uns tios em New Jersey, nos arredores de Newark. No clube em que frequenta, conhece a Brenda Patimkin, herdeira de um industrial do ramo da porcelana de Short Hills. Nestas mesmas férias de verão, os dois se envolvem amorosamente de tal maneira e com tal força que seria difícil saber o que o destino reservaria a ambos.

Brenda é oriunda de uma família de judeus ortodoxos. É o tipo de menina fútil, bem vestida, consumista, universitária, vaidosa a ponto de se submeter a cirurgias plásticas e absolutamente aberta aos encantos de Neil, seu completo oposto. Neil, um tipo ácido, com alguma dose de idealismo sufocado por um pragmatismo desvelado, é um jovem contido e lacônico. A estória é narrada por Neil que, com seus rasgos psicológicos e inteligência aguçada, se aproxima dos Patimkins e traça uma radiografia crua da família. Por Neil, Roth fotografa a vida dos subúrbios americanos como ninguém. Das linhas de Roth, narradas por Neil, não escapa nada: sexo, racismo, distinção de classes, opressão feminina, traumas familiares, conflitos entre pais e filhos, hipocrisia, inveja... enfim todos os elementos que circundam um bom romance que vai da iconoclastia à ternura sem concessões.

Turner x Turner

Não poderia deixar de terminar este ano sem falar em duas grandes exibições que assisti nesses últimos meses.

A primeira sobre J. M. W. Turner. Movido muito pelo interesse que me despertou o documentario de Simon Schama, que a PBS exibiu ha meses atras e sobre o qual ja falei, fui assistir a essa exibição sobre o pintor da natureza.

Evidentemente, o que menos me chamou a atenção foram os quadros sobre natureza. Fui ansioso pra assitir a suas visões sobre as guerras napoleônicas e a seus trabalhos supostamente visionarios da senilidade. Pessoalmente, esse camadada era um desses tipos resolutos. Filho de um barbeiro e de uma peruqueira - ainda tenho dúvidas se essa palavra existe em português -, era um cara determinado, sem dúvida, e particularmente institucional. Disse certa vez que a Royal Academy of Arts era "institution to which I owe everything." Enfim, não apenas essas contradições ou complementos fizeram dele uma espécie de querido da Royal Academy. Havia também muita técnica sob as cenas que pintava. Ele criou uma linguagem visual rica em associações clássicas. Para isso, buscava suas cenas na História, passagens bíblicas e mesmo na mitologia greco-romana. Mas o que mais o aproximava do Sublime, segundo Schama era a sua colocação da luz em seus quadros.

Alguns quadros impressionam pela riqueza de detalhes. Um deles é o Snow Storm: Hannibal and His Army Crossing the Alps. A cena retratada remonta-se a um fato três séculos antes de Cristo, quando o general cartaginês marchou com suas tropas pelos Alpes, usando, talvez pela primeira vez na história, elefantes como armas de guerra. No quadro, vê-se alguns destes animais passando pelo horizontes. Impressiona o minimalismo.

Outro que me deixou meio sem palavras foi óleo The Temple of Jupiter. Evidentemente não pela grandiosidade do The Battle of Trafalgar - meu preferido -, mas pela perpicácia em perceber que os ingleses poderiam consumir aquele quadro com certa familiaridade. Afinal, os consumidores de arte britânicos na decada de 1810 tinha um gosto político. Se não político, anti-napoleônico, anti-ocupacionista. E nesse The Temple of Jupiter, o britânico médio, empafioso, cara rosada e blasê, sabia que em meio a uma guerra napoleônica, os gregos, ocupados pelos turcos por quatro séculos, eram a metáfora perfeita para que seus contemporâneos britânicos. Afinal, civilização por civilização, a de um francês ou turco, era inferior a de um britânico - para um britânico, obviamente. O mais curioso é que Turner nunca ha via estado na Grécia, e todas as suas imagens tinha sido baseadas em informações de Lord Eligam, que havia estado por lá numa viagem arqueológica.
Enfim, o Edmund Burke, ao introduzir a ideia de Sublime e Belo na obra de arte, poucos anos antes de Turner limpar seus pinceis com a sua tiberitina fedorenta, relacionou o objeto sublime com o poder. Ou seja, Sublime e Belo eram duas coisas completamente difentes, e mais, excludentes mutamente - como a luz e a escuridão. A busca pelo Sublime na obra de arte era, portanto, uma busca de emoções que o horror da escuridão ou a iluminação do incômodo podem trazer ao apreciador de um quadro. Turner sabia que esse tipo de exercício educava a condição da vida burguesa. E percebeu desde cedo que em seus quadros devia imprimir esse incômodo, fosse ele retratanto a atomização do homem frente à força da natureza, ou mostrando o lado obscuro, incerto e confuso da existência.


A segunda exibição, no mesmo National Galery, era sobre Edward Hopper. Mas dessa tenho que falar com calma, quando voltar, em janeiro.

Música do dia. I've got the world on a string. Frank Sinatra

Tropa de Elite


Acabo de assistir ao filme Tropa de Elite do Jose Padilha. Sinceramente, o que segura esse filme é realmente a produção impecável (protagonista e antagonista bem claros e em campos distintos; cortes rápidos; cenas de ação rápidas e entrecortadas; a franquia de gritos, violência e força física para a resolução de problemas; palavrões; e um ambiente noir das vielas das favelas do Rio).
No geral, o filme parece um 'faroeste' macunaimico de argumento simples, onde tudo é narrado em primeira pessoa, por um dos personagens, o Capitão Nascimento. Não sei se são meus olhos míopes, mas nisso há também uma pitada dos filmes noir clássicos, onde o protagonista conta a estória, mas não necessariamente termina vivo. Enfim, o José Padilha soube compor bem oportunismo com técnica.

Quanto ao conteúdo - verdadeiro cerne de toda a polêmica que envolve o filme -, achei sensacionalista e apelativo. Primeiro por que mostra com muita demagogia e algum proselitismo o que todos querem ver, ou fingem que não querem constatar. Usa uma linguagem didática demais para que todos os que querem e que não querem, possam entender quem realmente é o bandido, o mocinho e o herói. Ninguém está acima do bem e do mal mas o herói ironicamente se distingue (não para mim!) dos demais mortais, não é não? É só assitir. Está lá. Não carece de argumento.
E não é que em algumas partes lembram um pouco o maniqueismo de alguns filmes do John Ford... pois afinal é muito claro quem é o Liberty Valance e o John Wayne da parada que vai garantir o sono do João Paulo II - um mote que acaba se perdendo no resto da estória, não sei bem se por esquecimento dos roteiristas, negligência da edição, ou por incompetência do infeliz do Ali Agca, que 'capou' o tiro e acabou deixando aquela missão dificílima para o tal do Capitão Nascimento.

Nessa acomodação de conveniências entre o que o público espera assitir e o que a mídia tem a oferecer, o filme me deixou decepcionado. Principalmente por que o documentario anterior de Jose Padilha, chamado Onibus 174, era infinitamente superior em qualidade e argumento que este filme atual e polêmico - e não querendo ser má língua, me cheirando a caça níquel bravo, como já havia sido o Cidade de Deus.

Ler podia ser mais fácil...

Andei coletando frases sobre como é o ato de escrever. Encontrei de tudo um pouco. Mas vindo de quem vem, nunca se sabe se há estupidez minimalista ou dúvida pontiaguda nas frases abaixo.


"Escrever é fácil: você começa com uma letra maiúscula e termina com um ponto final. No meio você coloca idéias." (Pablo Neruda)
"É preciso escrever o mais possível como se fala e não falar demais como se escreve." (Sainte-Beuve)
"O ato de escrever é a arte de sentar-se numa cadeira." (Sinclair Lewis)
"Somos todos escritores. Só que uns escrevem, outros não." (José Saramago)
"Escrever é ter coisas para dizer." (Darcy Ribeiro)
"Perdoe-me, senhora, se escrevi carta tão comprida. Não tive tempo de fazê-la curta." (Voltaire)
"Reescrevi 30 vezes o último parágrafo de 'Adeus às Armas' antes de me sentir satisfeito." (Ernest Hemingway)
"Uma história se conta, não se explica." (Jorge Amado)
"Escrevo para que meus amigos me amem ainda mais." (Gabriel García-Márquez)
"Escrever é um ato de liberdade." (Martin Amis)
"Escrever é uma forma de a voz sobreviver à pessoa." (Margaret Atwood)
"De escrever para marmanjos já me enjoei. Bichos sem graça. Mas para crianças um livro é todo um mundo." (Monteiro Lobato)
"Quando alguém pergunta a um autor o que este quis dizer é porque um dos dois é burro." (Mário Quintana)
"Existem três regras para escrever ficção. Infelizmente ninguém sabe quais são elas." (W. Somerset Maugham)
"O autor escreve apenas metade de um livro. A outra metade fica por conta do leitor." (Joseph Conrad)
"Corrigir uma página é fácil, mas escrevê-la, ah, amigo! Isso é difícil." (Jorge Luis Borges) "Escrever não é fácil ou difícil, mas possível ou impossível." (Camilo José Cela)
"Eu escrevo como se fosse salvar a vida de alguém. Provavelmente a minha própria vida." (Clarice Lispector)
"Uns escrevem para salvar a humanidade ou incitar lutas de classes, outros para se perpetuar nos manuais de literatura ou conquistar posições e honrarias. Os melhores são os que escrevem pelo prazer de escrever." (Lêdo Ivo)
"Escrever é sacudir o sentido do mundo." (Roland Barthes)

Camilo Pessanha

"Branco e vermelho"

A dor, forte e imprevista,
Ferindo-me, imprevista,
De branca e de imprevista
Foi um deslumbramento,
Que me endoidou a vista,
Fez-me perder a vista,
Fez-me fugir a vista,
Num doce esvaimento.

Como um deserto imenso,
Branco deserto imenso,
Resplandecente e imenso,
Fez-se em redor de mim.
Todo o meu ser suspenso,
Não sinto já, não penso,
Pairo na luz, suspenso...
Que delícia sem fim!

Duas Síndromes

Síndrome, segundo um dicionário sem vergonha que tenho em mãos, é uma reunião de sinais e sintomas que ocorrem em conjunto e que caracterizam uma doença ou uma perturbação. Alguns sintomas podem até causar espanto e inquietação, como os sinais que antescedem fome, gripe forte, tristeza, ciúme, sono, gozo, amor, só para citar alguns, pois nos fazem sentir mais vulneráveis, por nos nivelar por baixo.

Dois males vem me atacando desde meus vinte e poucos anos. São, nominalmente, primeiro o da insônia, e segundo, um muito pior, que me assola toda a vez que leio uma passagem exemplar de literatura, o da inveja. São sintomas, evidentemente, de algo mais profundo, já diria o Lacan .

Não deveria dizer que sempre senti uma certa admiração e ponta de inveja da frase perfeita, da passagem exemplar, da sabedoria e astúcia contida numa passagem, que certos escritores encontram como a um Graal. A esse mal, com os anos, se somou uma asfixiante sensação de que tudo que escrevo ou penso já foi dito por alguém. Não é nada, não é nada, isso paralisa, dá um tremendo mal-estar, e pode até influir nas inúmeras noites de insônia. O Harold Bloom chamou isso de angústia da influência, ou algo parecido, para exemplificar que tudo que se escreveu no século XX já estava impresso nos clássicos canônicos das eras passadas, desde antes da era cristã. Achei ótimo ele ter dito isto e menos mal ele tê-lo dito, mesmo sabendo que sua sacada não resolve em nada meu problema insolúvel.

Pelo menos, reconhecer e aprender a conviver com esses sintomas, que pode levar anos para ser detectado, já é meio caminho para se chegar a algum lugar. Mesmo que para uns, esse dia e esse lugar nunca cheguem.



O Rubem Fonseca, em seu romance “Diário de um Fescenino”, dá uma explicação para a paralização, e as inúmeras vozes que o autor pode assumir na narrativa, sem necessariamente ser ele quem fala. A Síndrome de Zuckerman, vale lembrar, é um mal que ataca tanto ao escritor como ao leitor no sentido de achar que aquilo que o personagem fala é erroneamente o que o autor pensa. Ontem, lendo a Wonder Boys, me deparei com uma passagem onde o protagonista Gray Tripp, que sofre de um bloqueio criativo, compara a seu livro inacabado, de mil seiscentas e tantas páginas, ao Ada de Nabokov, dizendo com certa arrogância que o leitor é ensinado a ler sua obra a medida que se interna nela. Quem diz isso é Grady Tripp e não Michael Chabon.

Em todo o caso a passagem do Rubão contempla todas essas inquetações.

“(...) Vila-Matas, o espanhol, fala da síndrome de Bartleby, um sintoma mórbido de inspiração melvilliana que paralisa os escritores, fazendo-os renunciar à literatura. Eu não me incomodaria de sofrer dessa doença que acomete tanto de meus colegas, fazendo-os desistir de escrever. Se sofresse tal enfermidade não seria vítima de uma síndrome ainda pior, que ataca os leitores: a de Zuckerman. É horrível sofrer os efeitos de uma doença que está no organismo dos outros. Fui o primeiro a dar um título a esse mal, que sempre atormentou os escribas. Zuckerman é um personagem de Philip Roth que decide escrever um livro. Quando o livro é publicado, o inferno de Zuckerman começa. Os leitores, ao se encontrarem com ele, fazem-lhe as piores acusações: Zuckerman, como você foi dizer aquela coisa horrível da sua santa mãe, Zuckerman, você é um homem mau, chamar o seu melhor amigo de ladrão; Zuckerman, você é um nojento, nunca pensei que fosse capaz de fazer aquelas coisas... Os leitores acreditavam que o personagem do livro era o alter ego do autor e que tudo que ele dizia no seu livro se aplicava a ele e aos seus amigos e parentes, era o seu universo. (Roth descreveu a doença mas, na verdade, sempre demonstrou que estava cagando para os que acreditavam ser ele o alter ego de seus personagens. Porém, são raros os escritores que pensam assim.) Todo leitor padece desse mal, mesmo aquele que tem como profissão a crítica literária. Alguns escritores fortalecem essa concepção, como Joseph Brodsky ao afirmar que a biografia de um escritor está nos seus livros, ou Hermann Hesse em seu delírio onfalópsico, ou Goethe com sua teses de que os livros são fragmentos de uma grande confissão. Se a minha biografia está apenas nos meus livros, considerados, como disse um crítico, um repertório imundo de depravações, perversões, degradações, imoralidades repugnantes, serei muito mal interpretado. A biografia de um escritor pode estar nos livros, mas não conforme a visão simplista dos zuckermanianos. Fernando Pessoa disse: o que eu sou é terem vendido a casa Isso é parte importante da biografia completa de Pessoa, terem vendido a casa. Ele era poeta, os poetas, esses grandes filósofos, falam verdades. Nós, ficcionistas, falamos verossimilhanças.
Escrevo sempre na primeira pessoa, o que facilita a visão zuckermaniana que fazem de mim. Os autores sempre procuraram maneiras de se esconder. Bakhtin fez essa demonstração no início do século XX, ao propor uma distinção entre textos monológicos, denominados pela voz mais ou menos oculta do autor, e textos dialógicos, diante dos quais o autor não toma partido. Muitos romancistas, principalmente os ficcionistas dos séculos XVIII e XIX, escreviam sempre na terceira pessoa e, quando queriam contar algo com personagens e situações “estranhas”, usavam truques como abrir o livro descrevendo uma reunião em determinado lugar, um clube, uma estalagem, um restaurante, uma casa, e nesse lugar um personagem, quase sempre identificado com uma inicial apenas, pede a palavra e relata a história. Ou seja, nem mesmo como narrador onisciente clássico o escritor queria estabelecer um vínculo entre ele e o personagem malcomportado. Passava a bola para outro personagem, que mesmo assim não falava na primeira pessoa, usava um derradeiro testa-de-ferro para contar a história. Choderlos de Laclos, ao publicar “Ligações Perigosas” (1782), deixara um alto posto no Exército francês para trabalhar com o poderoso duque de Orléans, o homem mais rico da França, primeiro príncipe de sangue, um liberal conhecido como “Felipe-Igualdade”. Porém Laclos, não obstante tivesse as costas quentes, cercou-se de cuidados. Seu livro — que ele esperava “fizesse escândalo e fosse comentado depois de sua morte” — começa com uma pseudo-advertência do editor: “Acreditamos que o autor, embora pareça haver procurado a verossimilhança, tenha-a destruído ele próprio, estouvadamente, pela época em que situou os acontecimentos a que deu publicidade. Efetivamente, muitos dos personagens que pôs em cena têm tão maus costumes que é improvável supor hajam vivido em nosso século, neste século de filosofia, em que as luzes por toda parte espalhadas, tornaram, como todos sabem, tão honestos os homens e tão modestas e reservadas as mulheres”. Laclos, não satisfeito em defender o texto desse romance epistolar, preserva-se também pessoalmente e acrescenta, agora num “prefácio do redator”: “Encarregado de organizar a correspondência, só pedi como paga a permissão para podar tudo o que me parecesse perfeitamente inútil; e procurei, com efeito, conservar tão-somente as cartas que se me afiguravam necessárias, tanto à inteligência dos acontecimentos como ao desenvolvimento dos personagens”. Essa, Laclos insiste em dizer, foi toda sua participação na obra. “Minha missão não ia além”. Ou seja, ele se distanciava do livro, os leitores chocados acreditariam que ele nada tinha a ver pessoalmente com o que fora dito.


Flaubert, em pleno século XIX, sabendo que o discurso indireto livre que usava para distanciar o autor das plavras e dos pensamentos do personagem não era suficiente — os especialistas afirmam, por exemplo, que a voz do Sénécal, de “Educação sentimental”, é a voz de Flaubert, inferência que ele não queria que fosse estabelecida —, criou este raciocínio astuto: “Madame Bovary c´est moi”; ele era aquela mulher adúltera e sonhadora da província, forçando-nos a estabelecer a conclusão lógica de que o seu personagem, como todos os outros, era uma criação da imaginação do autor, i.e., era o autor, não o seu alter ego, o seu substituto perfeito. Kierkegaard, que aliás assinou a maioria dos seus livros com pseudônimos, diz na abertura do “Diário de um sedutor” que aquele livro foi encontrado por acaso numa gaveta. Os leitores, assim, não suporiam que ele, Kierkegaard, que tanto prezava a pureza da sua alma, era o Johannes que escrevia aquelas cartas apaixonadas para Cordélia. Eu poderia dar dezenas de exemplos, mas não, esta elucubração já está longa demais. (...)”

O Michel Chabon fala de uma tal de Síndrome de Mal da Meia Noite. Esta ataca essencialemente ao escritor. Vou tentar uma tradução do que ele quis dizer....

Quando fui aluno desse homem [o professor de literatura em Coxley] quando comecei a indagar-me se os literatos não sofrem de alguma variedade de desequilíbrio mental, desequlibrio que, pensando naquele trepidante balanço noturno de Albert Vetch [escritor, professor de literatura inglesa em Coxley, que vivia no hotel de propriedade de sua avó na Pensilvânia], denominei de O Mal da Meia-Noite. Este Mal é uma insônia de origem emocional. O doente se sente a todo o momento – ainda que somente trabalhe pelas manhãs e pelas tardes – como se estivesse fechado num quarto asfixiante, com as janelas abertas e um céu cheio de estrelas e aviões de carreira e escutando o ruido de uma ambulância, o zumbido de uma mosca encurralada numa garrafa vazia, enquanto todos os vizinhos dormem. Este é um motivo pelo qual, na minha opinião, os escritores – tal como aqueles que sofrem de insônia – são tão propensos a sofrer acidentes, se sentem obsessivamente corroídos por uma espécie de câncer do azar, da má sorte e das oportunidades perdidas, tendo por isso tanta disposição a dar mil voltas nas coisas, a divagar, sendo incapazes de deixar de pensar em algo que ronde a cabeça por mais que lutem contra isso.”

L’Eclisse

L’Eclisse é um filme de 1962 e faz parte da trilogia L'Avventura (1960) e La Notte (1961).

Um das coisas mais importantes nos filmes de Michelangelo Antonioni é a naturalidade com que trata do tema da ausência de afetos, do distanciamento das relações humanas, pela ausência de diálogos. Como ele mesmo costumava a dizer, gostava de contar o filme por imagens. Tanto em Blow up quanto no L´Eclisse – que assisti ontem pela primeira vez graças ao santo netflix - , as marcas do distanciamento entre os personagens exalam um certo sentimento negativo, onde se constata a insistência no vazio das coisas cotidianas. Talvez isso se deva ao excesso de imagens impreganadas de uma fotografia belissima, sem dúvida, mas sem muitos diálogos. Nessa insistência do filme contado por imagens, as personagens são ligeiramente desequilibradas e meio que intencionalmente insensíveis. No L´Eclisse basta atentar no ambiente que rodeia os personagens tanto de Monica Vitti - filha bem criada por uma mãe especuladora da bolsa - como de Alain Delon – um materialista ambicioso, admnistrador de fundos, e corretor da bolsa.

Tanto Pietro como Vittoria, personagens principais de L´Eclisse iniciam uma relação aparentemente sem futuro, onde tanto um quanto o outro não sabem exatamente para onde a possibilidade de uma paixão poderia levá-los. Há neles uma alienação e desconexão contraditória com a realidade. E eu não cometeria a ignominia de dizer que dinheiro e poder determinam suas ações. Um exemplo deste paradoxo é a relação anterior de Vittoria, com um escritor, e o contraponto de seu estranhamento quando o carro de Pietro é içado do rio com o bêbado que o roubara morto, dentro do carro. A única preocupação do personagem é com a carroceria amassada, pouco importando-se com o bêbado que jazia em seu interior. Vittoria não guarda o estranhamento ao ouvir as inquetações de Pietro. Acho que o Antonioni apresenta aqui o aspecto da riqueza e da futilidade, mas não determina as personalidades evasivas e distanciadas do afeto dos personagens pelo viés marxista, como já li com enfado em alguma revista de cinema. Até por que acho esse tipo de redução de uma pobreza brutal- sem trocadilho!

Só para lembrar, estes anos eram os mesmos em que Cassavetes começava a criar uma linha de cinema parecida do outro lado do Atlântico para personagens de classe média, usuários de drogas, anfetaminas e álcool - até com uma certa dose de moralidade meio enfadonha.

Esta falta de direção de uma geração consumista e fashion é bem contada por imagens. É como se Antonioni estivesse convencendo o espectador a assitir um pouco mais – continue vendo... não desista... toda as as cenas aqui contidas tem um significado. Uma cena aparentemente cotidiana - e para um desavisado, até dispensável – é a do vôo de Roma para um destino não claro onde estão Monica Vitti e Rossana Rory. Quando o co-piloto o anuncia o destino há um ruido qualquer que impede a audição. E é aí surge o primeiro dos grandes méritos de Antonioni. O diretor tenta mostrar uma sociedade feita de quotidianos. Várias outras cenas contam o filme por imagens comuns que tem um significado espeical para os protagonistas. Seja na ênfase que Antonioni deposita na babá que passa com um bebê - que ambos protagonistas ignoram -; ou no tonel onde resignada, Vittoria joga um pedaço de madeira num tonel apos beijar Pietro mostrando uma certa desilusão com a ambiguidade do destino ( e seu senso de indefinido). E é essa a força do segmento final de L'eclisse: Antonioni mostra todas essas sequências do quotidiano como uma realidade que se impõe a nossas vidas sem darmos conta. O detalhe do homem que desce do ônibus com a manchete “La Pace è Debocle” indica que este cotidiano esquecido, do qual nos damos conta apenas quando deixamos o habitual de lado, é exatamente o que há de extraordiário e anormal nos eventos banais da vida.

Um pouco antes do final, a cena em que Pietro e Vittoria definitivamente se entregam - para usar um eufemismo barato - numa cena bela e sensual. Aquela dança das mãos talvez seja uma das mais sensuais dos filmes de Antonioni que assisti até agora. Entretanto, ao final, mais um contraponto. Quando Vittoria deixa o apartamento de Pietro, tudo volta ao mais frio cotidiano, com longas sequências e tomadas de árvores, das ruas, dos trabalhadores voltando para suas casas e as inúmeras imagens que já haviamos visto no meio do filme, numa espécie de prelúdio e epílogo simultâneo de tudo que volta à frieza massiva do quotidiano. O filme termina sem resoluções para o romance de ambos, sem resoluções para os dilemas da vida moderna. Por essas e por outras, um grande filme sobre a alienação e a falta de conexão com a realidade.

Segunda-feira

Desde o primeiro filme que assisti de Fernando León de Aranoa , numa pré-estréia em Madrid em 1998, já o achei muito bom. Este primeiro filme chamava-se ‘Barrio’ e assisti na casa de um dos caras que trabalhara na produção do filme. O cara era amigo do amigo do amigo de uma amiga minha. Ou seja, eu estava a três graus de separação do Aranoa, no mínimo.

Estória simples. Dois guris, em fase de puberdade, que vivam no mesmo bairro de subúrbio de Madrid, dividem as experiências da idade, do bairro e as perspectivas de vida de muitas promessas de saída dalí. Já vão quase 10 anos, mas lembro de umas sacações geniais do Aranoa - que depois do filme discutiamos num daqueles cafés atrás da Puerta del Sol. Uma delas era a busca dos guris por um prêmio oferecidos por uma fábrica de iogurtes. O primeiro prêmio era uma viagem para um país tropical. Os meninos desesperados pelo prêmio, que envolviam sol, praia e mulheres, obviamente, juntam vorazmente as embalagens do produto.

A parte mais irônica e melancólica acontece quando ganham o prêmio. Não chegam a ganhar o primeiro prêmio: ganham um jet sky, ou seja, um prêmio sem sentido numa cidade sem mar ou lago próximo. A cena dos moleques discutindo o que fazer com aquele elefante branco é impagável.

O segundo filme assisti ontem. “Los lunes al sol.” Mais um dos bons filmes que assisti desse camarada. Um filme que me lembra os bons do Ken Loach ( ‘My Name is Joe’ e principalmente o “The Navigators”) . A estória de um grupo de trabalhadores desempregados e que passam todos os dias como se fossem um domingo, um dia festivo mas cheio das angústias e das deseperanças que o desemprego traz. Cada qual a seu jeito reage de maneira diferente a esse misto de desesperança e companheirismo.

O protagonista, Santa, interpretado por Javier Barden - o mesmo que interpretou Ramon Sampedro de Mar Adentro – é um dos desempregados de um grupo de trabalhadores em Asturias. É o mais inconformado e ao mesmo tempo o mais critico de sua imobilidade social. Santa passa os dias no bar de Rico, um ex-empregado que abre um bar para vender bagaceira e cañas para os outros e sobreviver a seu modo.

Assim como Barrio, Los lunes al sol tem umas passagens engraçadíssmas como a que todos estão assistindo uma partida de futebol no telhado de um campo de várzea, onde do ângulo em que se encontravam, assistiam todos os lances, menos os da meta do gol. Então, quando o time fazia gol, tinha que esperar a reação da torcida para saber a conclusão da jogada. Sacação genial do Aranoa.

Mas eu não podia deixar de falar de Nieve de Medina, grande atriz que contracena com Luis Tosar, que interepreta o personagem de José – um cara caladão, com dificuldades de expressar suas angústias até mesmo para sua esposa, Ana (Nieve). O cara tem o que todos os outros não tinham: uma esposa numa relação instável. Os dvds modernos tem o tal do ‘special features.’ Neste, Nieve dá um depoimento emocionante sobre o filme. Fala de sua participação e de sua familiaridade com o ambiente de trabalho, em situações adversas, numa fábrica de conservas na qual Aranoa ambienta sua personagem jovem porém decadente, forte e ao mesmo tempo frágil. Seu depoimento sobre sua atuação no filme é emocionante.
Enfim, todos, em suas análises sobre os personagens, transbordam sensibilidade, a mesma com que Aranoa nos inquieta. Lunes al sol expressa a maneira lúdica, sensível e bem humorada uma maneira de dizer... sim, estamos desempregados, estamos fodidos. E daí?

A Face in the Crowd


Muita gente se recusou a depôr no House Un-American Activities Committee. Aquilo era um negócio tenebroso que funcionou de 1938 a 1975. Quem entrasse na blacklist do Comitê podia considerar sua carreira terminada – o Woody Allen fez até um filme muito interessante que não lembro o nome agora sobre o tema.

Mas, o Elia Kazan não. Ele não só delatou vários de seus companheiros de ex-militância comunistas como sustentou suas posições por supostas convicções liberais. Arthur Miller e Lillian Helman, mulher do Dashiell Hammet, e considerada pelo Ruy Castro uma das mulheres mais feias de toda a história de Hollywood, ambos se recusaram a depor e compraram uma briga eterna com Kazan. Por essas e por outras que essa figura era um paradoxo: um fela da p..., que muito poucos confiavam na vida privada, e um profissional sem igual nas telas.

Bem, mas isso é uma outra história longa. Ontem, por obra e graça do TCM, assiti ao A Face in the Crowd. Um dos grandes filmes de Kazan, apenas superado, na minha opinião pelo A Streetcar Named Desire e o On the Waterfront. Aliás gosto muito mais do texto do Tennessee Williams e da atuação do Marlon Brando naquele que neste último. Além disso a Vivian Leigh, com o papel de mulher completamente histerica espantara de vez aquela urucubaca de papel do Gone With the Wind – um dos filmes, sinceramente, mais chatos e racistas que assisti na vida! Aquela personagem só podia ser macumba que fizeram pra moça.

O A Face in the Crowd é a história dos primórdios da televisão e de como esta substituiu o rádio como fenômeno de comunicação de massa. Larry 'Lonesome' Rhodes é um caipirão do Arkansas que, digamos assim, por motivos de força maior, é transformado, pelo carisma pessoal e pela personalidade irascível, num fenômeno abusivo do entretenimento popular. O cara é grosseiro, ingênuo, falastrão e coloquial ao mesmo tempo. Chega a insultar no ar seu principal patrocinador, mas como era um fenômeno de arrogância e falta de senso, o mantinham no ar.

Um dos continuos do canal onde Lonesome trabalhava conseguiu um contrato para que a figura trabalhasse em NY, patrocinado por um suplemento alimentar chamado Vitajex. Sua carreira era ascendente e parecia não ter limites. Até que sua empresária, que alimentava uma paixão secreta por ele, cansa-se de sua espera interminavel por um homem que na razao inversa de seu orgulho afasta-se mais e mais dela, e durante o fim de uma de suas apresentações, já quando eram exibidos os créditos do programa, mantém o som off no ar, ligado. Neste momento, Lonesome, já entregue a uma birita forte, insulta e humilha os telespecadores chamando-os de idiotas, “morons" e "guinea pigs." Instantaneamente, há uma desilusão nacional e tal como na lenda de Rodhes, o gigante rui implacavelmente.

A tematica do filme lembra muito um dos melhores filmes feitos pelo Billy Wilder, chamado Sunset Boulevard. A diferença entre os dois filmes e os dois diretores fica pra outro dia.