Mostrando postagens com marcador Cinema. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Cinema. Mostrar todas as postagens

The Squid and the Whale

Tanto se fala do filme que envolve Lula, acabei assitindo um bom filme chamado The Squid and the Whale. Em meados de 1980, Bernard, professor universitário e supostamente um escritor brilhante, é casado com Joan. O casal tem dois filhos Walt, um adolescente, e Frank, recém chegado na puberdade. É uma típica família de classe média urbana americana. Os pais eloquentes, dialógicos, lidos... e os filhos com os mesmos problemas de todos os filhos adolescentes. Ou seja, tudo vai mais ou menos bem, tudo é mais ou menos sublimado, até que Joan decide se separar de Frank.

Recapitulando, vai mais ou menos bem, tudo é mais ou menos sublimado, até que Joan decide se tornar escritora e passa a adquirir relativo sucesso, enquanto Bernard amarga o posto de Creative Writting Professor num College. Bernard não suporta o sucesso da mulher e para acabar de entornar o caldo, Joan passa a sair com vários vizinhos e amigos – sem obviamente Bernard saber.

O roteiro é excelente. A composição que dá voz a cada um dos personagens. Sendo assim, a princípio, o filho mais velho é quem mais ou menos quem encarna as desilusões de todos com o Bernard. A princípio, Bernard era o modelo de pai para o filho, intelectual, snob, racional e ponderado. Na briga dos pais é Walt quem fica do lado do pai, enquanto para Frank Bernard ainda é a imagem de Creonte. Gradualmente, com a convivência, este vai se dando conta que o pai é uma pessoa mesquinha, ciumenta e egosísta. A descoberta é dolorosa para o rapaz e acontece de maneira inusitada. Para o pequeno Frank as coisas tampouco são boas. O menino começa a beber e a presenciar cenas da mãe com o namorado, seu professor de tênis. 

Walt compõe músicas e toca violão. A canção que ele compõe para sua apresentação na escola , descobre-se depois, que é Roger Waters. Plágio e puritanismo não combinam mesmo em Manhattan. A farsa é descoberta e a orientadora educacional o encaminha a um terapista, achando que o rapaz anda mal da cabeça. Nesse meio tempo o pai, acaba se envolvendo com uma de suas estudantes, pela qual Walt também tem uma queda – chegando a deixar a namoradinha na esperança de que a namorada do pai lhe desse uma chance. Na frente do analista, Walt não está muito a fim de falar. O analista insiste. Walt conta uma estória sem pé nem cabeça sobre uma visita com sua mãe ao Museu de História Natural, quando ele tinha seis anos. No Museu havia uma enorme baleia devorando uma lula gigante. Contando a estória Walt se dá conta de que era a mãe que sempre estava com ele e consequententemente se dá conta de algo mais problemático que era a eterna ausência de um pai que ao sempre racionalizar cada passo de sua família acabou criando filhos sem muita conexão com o mundo. Se dá conta da  ausência paterna em momentos fundamentais de sua vida. O analista não entende nada da estória,  e só Walt e cada espectador do filme se dão conta do ápice da estória. A partir deste momento, Walt passa a encarar o pai com outros olhos e tudo piora quando pega Bernard forçando uma barra com a aluninha. Enfim, um filme bom com uma estória e roteiro bem amarrados. Eh filme que vale a pena ser assistido, pois fala de separação, ciúmes, filhos, guarda de filhos, recomeços e todas as mesquinharias que afloram na separação, mas sem as velhas conclusões pré-fabricadas.  Pois no fundo, a grande sacada deste drama-comédia se centra na idéia de que  mesmo que Bernad e Joan tenham se separado, não significa que nada deu certo Joan, Bernard,Walt e Frank.

A propósito, a dupla de direção e produção Noah Baumbach e Wes Anderson ainda vai dar muito o que falar. Só para citar dois filmes que a dupla tocou: The Royal Tenenbaums e The Life Aquatic with Steve Zissou. The Squid and the Whale chegou a ser indicado para o Oscar de melhor roteiro. Mas era 2006, ano de Little Miss Sunshine, e ficou imbatíble.

Aliás, hoje é dia de Fellini de quem falo pouco, pois do sagrado é melhor mantê-lo. Se vivo, faria 90 anos.
Música do dia. La Strada. Nino Rota

On the Waterfront

Mesmo sabendo que o poço é bem fundo, desconfio há muito tempo a que a delação seja uma das piores coisas da alma humana, e é por isso, confesso, que sempre tive problemas com o enredo do filme On the Waterfront. Terry Malloy, interpretado por Marlon Brando, trabalha no porto de Hoboken em New Jersey, região predominantemente dominada por irlandeses e italianos até pocos anos atrás. O sindicato de estivadores é controlado por Johnny Friendly, um advogado corrupto, e por Charley Malloy, irmão de Terry.

Um dos estivadores que passara a denunciar as atividades ilegais do sindicato, Pop Doyle, é assassinado pelos capangas de Charley Malloy. Edie Doyle, irmã do morto, pede a Terry ajuda para encontrar os culpados. O problema é que Terry colaborara com a captura do irmão de Edie. Com a cara mais dura que alto grau de dureza Rockwell e a consciência pesando mais que liga de molibdênio, Terry promete ajudá-la e decide procurar o Padre Barry que o força a entregar os culpados as autoridades. Ou seja, por amor, Terry que é tão mafioso quanto os outros, decide dar combate a toda a corrupção que campeia a ação do sindicato. Ou seja, um novelão onde certamente Terry, voilá, na minha psicanálise de banca de jornal, podia bem ser o alter ego do Kazan.


Mas reconheço que o breve monólogo do Marlon Brando venceria qualquer Oscar ainda hoje.


“Remember that night in the Garden? You came down to my dressing room and you said 'kid, this ain't your night. We're going for the price on Wilson'... You was my brother, Charlie. You shoulda looked out for me a little bit so I wouldn't have to take them dives for the short-end money. I coulda had class. I coulda been a contender. I coulda been somebody, instead of a bum. Which is what I am. Let's face it.”

A Casa de Alice


Alice é uma manicure quarentona. Ao lado de sua família, Alice segue a lógica de Pangloss e insiste no sonho de ter uma família feliz, a lado da mãe senil, do marido e dos três filhos. A casa de Alice é uma casa tipicamente de classe média baixa. O apartamento é apertado, e a grana nunca chega ao fim do mês. Ou seja, uma realidade não é muito distante, e quase real. Neste contexto, vamos descobrindo aos poucos que os habitantes da casa, de quotidiano bem pacato, frequentam mundos paralelos, com segredos e crendices, e que nos momentos de crise revelam-se pessoas mesquinhas e egoístas.

Talvez este tenha sido um dos ótimos filme brasileiro que eu merecia há tempos assistir. Alice, interpretada pela impresionante atriz Carla Ribas, não é uma mulher linda, mas é uma mulher bonita, atraente, e certamente meio desleixada com sua aparência. Alice, como já disse, se esforça para transformar sua casa num lar. O problema é que em sua relação com o marido já não há amor, portanto não há sexo, e tudo não passa de um convívio de indiferenças. O marido é um homem frio e distante dentro de casa. Na rua tem amigos, bebe, ri e tem até uma amante ninfeta, que por acaso é vizinha. Os filhos são ociosos e problemáticos. O mais novo é apático mas carinhoso, o do meio encrenqueiro e ladrão, e o mais velho michê. A mãe, senil, hipertensa e cega, fragilizada pela indiferença e pelo desprezo dos meninos e do genro. Mas se perguntada, Alice, no salão, garante com ar de banalidade que em casa está tudo em ordem, que os filhos são maravilhosos e que a família vai bem, obrigada. De uma certa forma, Alice mente pois sabe que tudo está prestes a desmoronar, pois sabe que é uma mulher massacrada pelo que o cotidiano tem de mais cruel, a falta de esperança. No entanto, Nilson, um antigo amor, surge meio que por acaso na vida de Alice. Ela volta a se apaixonar, a encontrar uma razão. Mas a antepenúltima viga dessa estrutura frágil cai, quando Alice descobre que o marido tem um caso com a vizinha, uma menina de...14, 13... anos. A penúltima cai, quando é abandonada por Nilson e a última quando se descobre só, irremediavelmente.

O filme é realista. As falas naturais. Os personagens incrivelmente reais. A câmera treme e muitas vezes foca mais nas expressões corporais que na fala do personagem. Não há sentimentalismo barato. Não há recurso artificial algum (flashback, música, narrador…). Enfim, descubro nos extras do DVD uma entrevista ótima com o diretor Chico Teixeira. Descubro nesse meu xará um profissional, um ex-economista com pós-graduação, que chutou tudo para o alto para fazer o que queria, documentários. Pensei: tá explicado. Extremamente sincero e despido de intelectualismo barato, o diretor me convenceu que o filme é uma espécie de documentário sobre uma ficção. Quase como uma nova experiência de linguagem, tão ou mais importante quanto aquela experiência do grupo Dogma 95, sem a soda cáustica de seus roteiros sofríveis, com personagens intelecutalizados, afetados, inverossímeis, apesar das imagens inovadoras. E não é que só hoje pela manhã me veio a idéia que não há uma uma nota, uma trilha sonora no filme inteiro! Tremenda ironia. Nunca pensei que o realismo italiano pudesse se sustentar sem as notas do Nino Rota....


La Guerre est Finie

La guerra ha terminado, famosa frase de Franco dita em 1939, enquanto todavia existiam guerrilhas pelo interior da Espanha, serviu de mote a Resnais para executar este filme no qual faz um estudo profundo da luta revolucionária nos anos 1960. Na minha opinião um filme tão bom ou melhor que o clássico Hiroshima mon Amour, no que tange a desilusão de uma geração erudita e culta quanto aos destinos da Europa no pós-guerra, com o início da falência da esperança – um processo que demorou quase duas décadas para se concretizar. Resnais tem um papel importante nesse processo que se não me engano foi o Zuenir Ventura definiu como internacionalização de propostas contra-culturais.

O histórico Yves Montand interpreta Diego Mora, um histórico lider do PCE que se vê obrigado ao exílio na França e que vive à risca uma vida de clandestinidade solitária, com sucessivos nome falsos, estudos doutrinários, conexões com vários movimentos de esquerda europeus, e os naturais questionamentos sobre os destinos revolucionários de uma Espanha sob a égide do Franquismo. Diego quer ajudar a organizar a reestruturação sindical espanhola em seu exílio francês. Nesse momento, a centrais sindicais começam a se organizar no Pais Basco e em Madrid com o reagrupamento das antigas UGT e a CNT que faziam frente a corporativa Central Nacional Sindicalista – sindicato oficial do regime. O roteiro de Jorge Semprum está absolutamente a par desse momento histórico na Espanha.

Após atravessar a fronteira com identidade falsa, Diego é retido numa barreira francesa, mas salvo quando os policiais decidem checar o endereço expresso no passaporte e falam ao telefone com Nadine Sallanches, filha do homem que empresta a identidade a Diego. Nadine confirma sua identidade e os policiais liberam sua passagem. Depois de cruzar a fronteira, descobre-se que Diego ja estivera exilado algumas vezes em França, e que inclusive possui algumas raizes, relações amorosas e amigos de militância. Uma dessas relações é com Marianne, interpretada por Ingrid Thulin – que por acaso, ou não, manteve em La Guerre est Finie o mesmo nome que tivera no road movie de Bergman, Morangos Selvagens. Ingrid é uma editora influente, bonita, sofisticada e independente que vive em Paris e que conhecera Diego quando este ainda usava outros nomes falsos. Ela estaria disposta a largar a vida confortável em Paris para voltar à Espanha com Diego. Este vacila em levá-la que apesar de amá-la não se sente seguro em levá-la consigoe assumir a paternidade do filho de Marianne. Além disso, Diego passa a se envolver com Nadine, que também milita num obscuro movimento de apoio a grupos espanhóis. O envolvimento acontece no mesmo momento em que o Comitê Central tem outros planos para Diego.

Resnais opta por mostrar o lado humano deste militante em suas indagações existenciais, suas dúvidas ideológicas, seu amor dividido e o progressivo cansaço das discussões teóricas e dos destinos que a esquerda ia tomando naquele momento. Um desses momentos é quando o Comitê Central adia seu retorno para a Espanha pois em Paris descobre-se que Diego se tornou uma figura conhecida das policias de ambos países. Ver-se como prescindível o inquieta e desencadeia uma série de questões sobre sua própria nacionalidade e seus parâmetros culturais. Num jantar com amigos de Marianne, por exemplo, choca a seus amigos intelectuais, para quem mente dizendo-se um tradutor da Unesco, quando diz que está cheio de Lorca e de suas mulheres camponesas e estéreis.

Preterido pelo Partido, passa então a frequentar as discussões do grupo de Nadine, um grupo muito mais jovem e extremamente teórico e radical. A partir dessas discussões – e já afastado do PC – Diego recebe a incumbência de atravessar uma mala a Espanha. Na mala, descobre mais tarde, que há explosivos destinados a um atentado contra civis num ponto turístico da Espanha, o que o leva a questionar a opção do grupo de Nadine pelo terrorismo, levando-o a se reconciliar com os propósitos do velho grupo do PCE – mais ou menos como a opção do PCB na época da ditadura, pois o bom comunista sabe que quando uma bomba explode os primeiros a tomar pau são os comunistas, Semprum como dirigente do PC à época sabia bem desse fao e o usou com maestria no roteiro.

Interessante como Truffaut em The Films in my Life dedica uma importância apenas laudatória a Resnais e a Melville. Uma injustiça, pois cá pra nós, Resnais, obviamente auxiliado pelo time da pesada que seleciona para os seus roteiros (Duras, Semprum...), é melhor que muita gente do Nouvelle Vague. Neste filme ele consegue capturar a alma, o subconsciente de Diego. Antecipando as cenas das caidas de outros militantes mostra os medos subconsciente de Diego. E os pedantes que me desculpem, mas achei este filme mais rico e detalhado que Hiroshima, Mon Amour – apesar de ter gostado imenso deste também.

Ensaio sobre a Cegueira



Li Ensaio Sobre a Cegueira em 1998 - mais exatamente, como atesta a data de término da contra-capa autografada pelo próprio Saramago, julho de 1998. Mas sempre que me lembro do livro, a imagem de seus interiores claustrofóbicos é tão nítida em minha lembrança como a esperança que os personagens têm ao emergir do caos. Engraçado que a cegueira em si não abandona os personagens à deriva mas, ao contrário, radicaliza as existências daqueles homens e mulheres enclausurados em quarentena. Só me dei conta disso, de fato, finalmente assitindo o filme de Fernando Meirelles, há meses atrás.


Ensaio Sobre a Cegueira – o livro - narra os efeitos de uma inexplicável epidemia de cegueira que assola uma população. A primeira manifestação ocorrre logo nas duas primeiras páginas com um homem no trânsito e, lentamente, se espalha pelo seu oftamologistas, pelos pacientes da sala de espera, pelo meliante que tenta roubar seu carro e por todo o país. O governo, então, obriga o confinamento dos contaminados para os que ainda não perderam a visão, não sejam contaminados.

Este, de forma geral é o enredo do livro. Sempre tive a impressão que os livros de Saramago seriam dificílimos de uma adaptação para o cinema, justamente por tratarem os temas abordados com um viés demasiado alegóricos. Transmitem, os livros, muito mais sentido do que a simples compreensão literal das imagens contidas em suas linhas. Mas depois do filme certifiquei-me de meu engano. Ledo engano.


Meireles é um grande diretor. Grande mesmo. Ainda que tenha algo que me incomoda um pouco ao aproximar a estética de seus filmes a um enquadramento comercial demais. Vide em Cidade de Deus, dentre inúmeras outras, a cena do menino matando o vigia de um motel, dando-lhe as costas, e sair gargalhando. Aquela violência, ou sugestão da mesma – já que o elemento sangue não é visível (?), - parece-me Hollywood de baixa qualidade. A cena me pareceu a mais desnecessária de todo o filme, exatamente pela violência – mesmo não explícita – desnecessária. Me lembro que numa entrevista Meireles tentou ainda se defender dizendo que a forma como vemos a violência é diferende daquela nos filmes americanos. Não comprei o argumento. Como tampouco não aceitei as supressões feitas pelo roteiro, na cena em que o marido se descobre traído. No filme ele “apenas” mata a mulher. A cena não aparece, como sequer aparece a menção ao assassitado da mulher a golpes de pá, e o consequente emparedamento do cadáver - como se existissem níveis distintos de violência. Nesse sentido, Meireles traçou um caminho oposto ao de um Billy Wilder, que recusava-se a abrandar certos elementos dramáticos e realçar elementos mais técnicos como a velocidade das cenas num estilo mais palatável para as grandes audiências.


Mas por que Meireles é grande, mesmo? Bom, por que neste filme tudo foi preciso. Um outro diretor poderia trasnformar o filme numa bomba de filme com zumbis, assassinos em serie, e colocar no meio psicopatas com serras elétricas.... pois no fundo os elementos da falta de ordem, milícias mercenárias, ausência do Estado, e uma gama de medíocres reações humanas ante o caos poderiam descambar para um filme ruim. Ensaio sobre a Cegueira vai por outro caminho. Julianne Moore (a Mulher do Médico) e Mark Ruffalo (o Médico), dão um caráter humano à desumanização em seu Estado de Natureza mais brutal.


Tanto o romance como o filme nos mostram como a humanidade perdeu o jogo e não se deu conta, pois as atitudes de individualismo, de falta de solidariedade, não passam de atitudes individuais e portanto impreceptíveis num plano mais geral. Ou seja, enquanto um indivíduo perde a visão, tudo não passa da infelicidade de um infeliz desgraçado que perde a visão. Mas quando a sociedade por completo que, por causa da cegueira, perde tudo aquilo que considerara como pacto civilizatório, imergindo numa crise epidêmica, os indivíduos passam a ser obrigados a confiar uns nos outros. Sem outra escolha, passam a ser obrigados a buscar, em meio a um ambiente caótico de todos contra todos, a dignidade esquecida. Pensando bem, Saramago é esse escritor que resgata esse sentimento de solidariedade esquecida, existente num certo século XX.

O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro


Desconheço até agora o título do filme que assiti ontem. Estava anunciado como Antônio das Mortes. O folder dizia “Antonio das Mortes”. Nos créditos iniciais estava escrito “Antônio das Mortes”. O problema é que, baseado em sinopses que eu já lera, tenho a ligeira impressão de que assisti O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro. O problema é que nunca assiti O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro, e apenas li sinopses e análises. Para piorar a minha situação tinha um cara francês da Cahiers du Cinéma fazendo as apresentações. Cidadão novinho, que apesar de falar francês e inglês, tinha um vocabulário limitadíssimo, um desses tipos que falam um monte de línguas mas não sabem se expressar em nenhuma, cheio da impáfia dessa gente cabeça que transa vídeo, jurando de beicinho em riste que o nome do filme era simplesmente "Antônio das Mortes" . Portanto, continuo com a dúvida.

Desconfio que deva haver algum problema de direito autoral envolvido com o título do filme que assiti. Pois, como anunciado nos créditos iniciais, a cópia master do filme, no Brasil, perdera-se num incêncio. Restara então essa tal cópia, que fora restaurada e digitalizada na França com o nome de Antônio das Mortes. Enfim, quem passar por aqui e vir essa mensagem na garrafa, me esclareça a dúvida por favor. Já sei que Antônio das Mortes era o mesmo de Deus e o Diabo na Terra do Sol...

Antônio das Mortes é um miliciano, um matador profissional, interpretado por Maurício do Vale, que é contratado pelo delegado Mattos (Hugo Carvana) para matar o cangaceiro Coirama, que anda espalhando pela localidade de Jardim das Piranhas umas idéias... de justiça social, reforma agrária, distribuição de riqueza e um monte de outras idéias estranhas nessa mesma linha. Isso, evidentemente, assuta ao velho Horácio, que apesar de civil, ostenta o apodo de Coronel Horácio (Jofre Soares). Das Mortes tem o laconismo do Gary Cooper em High Noon, e a pontaria do Franco Nero em Django portanto é o cabra mais indicado para fazer o serviço de limpar a àrea.
A estória é simples. Das Mortes passa a mão na sua papo amarelo, calibre 44 e vai atrás de Cairama. Sangra Coirama num duelo épico onde todos os personagens assistem, inclusive Santa Bárbara. Porém em decorrência dos fatos se conscientiza que a luta de Coirama por justiça social era inglória, ainda que legítima. Por isso mesmo exige que Matos leve um recado ao Coronel. Exige que Coronel Horácio abra seus armazens e distribua comida aos pobres, pois como o próprio Antônio das Mortes diz a certa altura, Deus faz o Mundo e o Diabo o arame farpado.. Horácio se recusa, e contrata um outro matador chamado Mata-Vacas para dar cabo de Antônio das Mortes. Oton Bastos interpreta um professor de história que preocupa-se com uma história factual, episódica e memorialista. O professor, sempre manguaça, vive na birosca onde joga sinuca com Mattos, e está aparentemente conciliado com as injustiças locais, ou no mínimo alheio a elas.

O que torna esse filme sensacional, e aumenta a mítica sobre a tal genialidade de Glauber é o fato de que a história principal se desdobra em alegorias atemporais baseadas em narrativas folclóricas, cantos de cordel, e evocações de árias de óperas. Na maior parte das vezes não se sabe se estamos dentro da estória principal, dentro do sonho ou da divagação de algum personagem, bem no estilo de Rashomon de Kurosawa, ou Memento, ou até mesmo forçando um pouco a barra em algum dos filmes de David Lynch. As estórias se confundem e se embricam numa metalinguagem com muito de alegórico, pois, Coirama vê de perto os cutelos da morte mas não morre. Agoniza. Este somente vem a ser assassinado pelo bando de Mata-Vacas. O que aumenta ainda mais a ira de Antônio das Mortes e o sentimento de injustiça que paira no sertão. Para tanto, uma cena emblemática para mim é a do Professor recolhendo os estandartes em meio aos corpos dos jagunços que o bando de Coirama massacrara. Ou seja, incorporando sua luta e se aliando à de Antônio das Mortes. A própria cena final do duelo entre os capangas de Mata-Vacas, a mando do Coronel Horácio, contra Antônio das Mortes e seu agora aliado o Professor de história, é digno dos melhores filmes de Sergio Leone. Tudo é apoteótico, como numa ópera. É fogo pra todo o lado, sol, sertão, bala pipocando, a chapa quente, mas Antônio das Mortes mata a todos do bando adversário, mas não consegue matar ao Coronel. Sua amante Laura (no filme, a deslumbrantemente gótica Odete Lara) é beijada já sangrando pelo Professor numa cena que seria dramática se não fosse tão caricata – aliás como quase tudo no filme . Finalmente, o Coronel é assassinado por um homem negro que chega sobre um cavalo branco, portando uma lança. A alegoria a São Jorge, o Santo Guerreiro, é clara. E o Dragão da Maldade, nem preciso dizer.
Música do dia. Desafio: Abertura do Auto da Catingueira e . Elomar. Cantoria 1.

The Seventh Continent

Lembra da Rosana, uma cantora com cara de silicone que nos anos 80 cantava um troço mais ou menos assim... Como uma deusa você me mantém...? Aquilo era algum tema de novela, que ficava tocando insistentemente em qualquer rádio a qualquer hora do dia e da noite. Como diria o Assis Valente... Nem dá jeito de cantar, Dá vontade de chorar, E de morrer...

Pois é, Georg, funcionário de uma grande empresa, e sua mulher Anna, oftamologista, são um casal de classe média. Ambos têm uma vida confortável, vivem numa boa casa, possuem um carro relativamente novo, consomem produtos de qualidade, sonham com férias numa paradisíaca praia na Austrália e vivem uma vida rotineira. O despertador toca todos os dias às 6 da manhã, Georg se banha, Anna acorda a filhinha para a escola, no aquário os peixes vegetam, no café da manhã quase não falam, ou seja, tudo parece perfeitamente ordenado, eles parecem se conformar com a utilidade funcional do cotidiano onde a repetição de determinados rituais passam a preencher e dar sentido a uma espécie de vazio. Tudo parece perfeitamente ordenado até o dia que a filha da oftamologista mente na escola dizendo que está cega. Aos poucos percebe-se que o casal vive uma vida um tanto miserável, pois a monotonia os torna prisioneiros de uma alienação auto-destrutiva. Passam a surgir sinais de depressão, a indiferença se torna patológica. Georg, um cara competitivo, ascende na empresa passando por cima dos caras ao seu lado. Anna se desespera com o distanciamento da filha. Essa é em linhas gerais o enredo de The Seventh Continent, um filme que definitivamente me fez perder a paciência com Michael Haneke.

Haneke decidiu filmar uma estória baseda em fatos reais de uma família austríaca que comete suicídio. Sim, tal como em 71 Fragments of a Chronology of Chance ou em La Pianiste – que até é um filmezinho máomeno -, Haneke tem gosto pelo tabu. Até aí tudo bem, Stanley Kubrick também tinha. O problema é que há uma distância quilométrica entre Kubrick e Haneke. Kubrick transforma o incômodo do distúrbio numa forma de arte. Haneke transforma o trágico numa simples exaperação de imagens. Numa das últimas cenas antes do suicídio, juro por todos os exús e deuses, com a casa completamente destruída, a família encontra-se na frente da tv assitindo uma mulher cantando em alemão... Como uma deusa você me mantém...

Com isso concluo com duas coisas. Primeiro, mal comparando, você pode até gostar de Heineken, mas a partir do momento que você prova uma Chymay, já não dá mais pra assitir os filmes do Haneke. Segundo, é evidente que sou péssimo em trocadilhos!

Música do dia. Fez Bobagem. Assis Valente/Marcos Sacramento. CD Modernidade da Tradição.

Whisky



O filme Whisky, de Pablo Stoll, lança uma dúvida bem prosaica. Que diabos de relação há entre o nome do filme e a estória dos protagonistas Marta, Jacobo Koller e Herman Koller?

Jacobo tem uma pequena confecção de meias no centro de Montevidéu. É um homem solitário, na faixa etária dos 50 anos, que cuidou da mãe doente até o falecimento desta. Na fábrica trabalham apenas 3 mulheres. Dentre elas Marta (interpretada pela ótima Mirella Pascual), a mais velha, é uma espécie de gerente das outras moças. A relação entre Jacobo e Marta é, antes que fria e distante, uma relação de respeito e cordialidade pautada nas pouquíssimas palavras que trocam no decorrer dos dias. Quando Jacobo chega à fabrica, Marta, pontualmente o espera diariamente. Assim como Jacobo, Marta também é uma mulher solitária que afugenta sua condição humana de isolamento numa sala de cinema após a jornada de trabalho. Na manhã seguinte, a cena dela esperando que o patrão chegue em frente a porta da fábrica se repete religiosamente.

Essa rotina quase mecânica muda na ocasião do Matzeiva da mãe de Jacobo pois seu irmão Herman, que vive no Brasil e também tem uma fábrica de meias, chegará para a celebração póstuma. Jacobo então propõe a Marta que ela fique em sua casa nos dias de estada do irmão, simulando que estão casados.

Nesse momento percebemos que o filme se trata de uma ótima comédia de humor seco e cortante, pois no momento da proposta o telefone toca. Jacobo vai atender. Retorna dizendo se tratar de um engano e prosseguindo a coversa. A presença providencial do telefone tocando em momentos centrais da trama se repete comicamente umas duas ou três vezes. Como por exemplo quando Jacobo com certa torpeza lhe dá uma aliança de “casados”. O anel fica grande e cai no chão. Ela imediatamente se abaixa para procurá-lo embaixo da mesa. Jacobo fica estático. Ela encontra o anel e pergunta se a aliança era de sua mãe. Jacobo responde desconcertado que sim. Providencialmente o telefone toca. Jacobo retorna e diz equivocado. E Marta responde como em outras ocasiões... Sí, a veces pasa.

Aos trinta minutos de filme, vem finalmente a resposta. Para que a presença de Marta não levante as suspeitas do irmão, Jacobo providencia que Marta passe uns dias em sua casa e a leva para que tirem uma foto como casados. Nesse momento o nome do filme faz sentido. No estúdio fotográfico eles estão sobre um fundo azul, bem vestidos e constrangidos. O fotógrafo diz, A ver una sonrisita... digan whiskyyyy.... Eles se abraçam de maneira torpe e repetem a palavra whiskyyy mostrando os dentes, simulando um sorriso, sem muito empenho.

Tudo pronto. So falta Herman chegar.

A presença de Herman torna tudo muito mais constrangedor. Os dois irmãos não se viam há anos, não tinham maiores intimidades. Herman é um tipo expansivo e auto-centrado, sua efusividade contrasta com a indiferença de Jacobo a tudo e a todos tornando o filme uma comédia com detalhes brilhantes. Como quando os irmãos, que não se viam há anos, se presenteiam meias. Ou quando vão assistir um jogo de futebol da segunda divisão, do time de Jacobo. Ou quando decidem ir passar uns dias num hotel no balneário de Piriápolis, um local onde os irmãos iam de criança e que se encontra decadente e vazio.

O roteiro do filme, assinado pelo diretor, por Juan Pablo Rebella e Gonzalo Delgado Galiana, tem diálogos econômicos e situações de inisitada originalidade. Eu diria que este é um roteiro muito bem amarrado. A frieza e a parsimônia com que os personagens são apresentados permite a revelação gradual de detalhes de suas personalidades através de pequenos gestos incorporando-os a um sentido mais universal de melancolia e solidão. Além disso é evidente um certo sabor das comédias do romeno Cristi Puiu e do finlandês Aki Kaurismäki em algumas situações do filme.

Uma curiosidade trágica: no dia 7 de julho fará 3 anos que o roteirista Juan Pablo Rebella se matou. Ao lado de seu corpo, em frente ao computador, foi encontrado um revólver calibre 32 e uma garrafa de whisky pela metade.


Waiting for Godô


Da serie britânica de 4 DVDs Beckett on Film, assisti quase todos. A bola da vez de ontem foi Waiting for Godot, como já dito por alguém, dificil para um adulto e incrivelmente fácil para uma criança. Waiting.. é um texto enigmático em vários sentidos, mas sem dúvida é a obra prima de Beckett.

Dirigido por Michael Lindsay-Hogg e tendo Barry McGovern no papel de Vladimir, Johnny Murphy no papel de Estragon e Stephen Brennan no papel de Lucky; a peça é dividida em dois atos onde contracenam dois personagens principais Vladimir, chamado de Didi, e Estragon, chamado de Gogo - e no decorrer da estória aparecem Pozzo, Lucky (uma espécie de escravo de Pozzo) e na cena final entra um menino, suposto mensageiro de Godot. A peça começa com ambos, Didi e Gogo, num lugar ermo, uma espécie de estrada, com uma àrvore seca ao fundo e um tempo indefinido entre o dia e a noite. Estragon tenta tirar sua botina, sem muito sucesso até desistir e murmurar... Nothing to be done, não há nada a fazer. Os dois então iniciam um diálogo trivial com uma série de referências bíblicas, tais como quando bem no começo, Vladimir citando o livro de Lucas, começa a falar da crucificação de Jesus e da salvação de dois dos quatro crucificados, se não me engano no fim da pirambeira da via Apia. Vladimir se sente frustado com a limitação de seu interlocutor e essa relação de superioridade impera nos dois atos. Mas os diálogos são triviais que chegam a ser absurdos, sim.

Estão ali esperando um sujeito de nome Godot. Nada se sabe a respeito deste. Durante toda a peça não há o mínimo indício de quem é ele ou o que Vladimir e Estragon querem dele. Interessante observar que a incógnita não interefere no andamento da peça, pois Godot é um ente oculto que em nada interefere na vida dos personagens. Muitos desinformados foram levados a fazer uma associação direta entre Godot e God, associação veementemente refutada pelo protestante irlandes Beckett em vida. Na verdade, penso que não fazer a associação enriquece muito mais a assimilação da peça.

No vazio em que se encontram, Estragon sugere que se suicidem. O efeito é cômico pois rapidamente abandonam a idéia ao se darem conta que talvez um sobrevivesse deixando o outro solitário, hipótese absolutamente imponderável para ambos.

A certa altura passam dois desconhecidos. Um segurando uma longa corda que está amarrada ao pescoço do segundo. Pozzo segura a corda que amarra o pescoço de Lucky, que carrega uma pesada mala. Didi e Gogo, eles que estão esperando alguém que nem sequer conhecem, se sentem assustados com o absurdo da cena. Pozzo decide descansar um pouco e puxar dois dedos de prosa com a dupla Didi e Gogo, que a princípio pensam se tratar de Godot. Pozzo come um frango, toma uma taça de vinho e assim que termina lança os ossos a Lucky que Estragon prontamente tenta alcançar, para embaraço de Vladimir.

Antes de partir Pozzo pergunta se ele poderia fazer algo pelos dois. Estragon tenta perdir algum dinheiro, porém Vladimir corta-o imediatamente, mas aceitam que Lucky dance e filosofe na frente deles. Na peça como se pode ver não há ação, não há profundos sentimentos que liguem os personagens, não há sequer uma trama que amarre a todos, chegou-se a dizer que nas peças de Beckett nada acontece. De fato, nada acontece. Não há a ação que encontramos, por exemplo, nas peças de outros dramaturgos contemporâneos comoEugene O’Neill ou Wilde, ou a profundidade psicológica de um Treplev de Tchekov. Então o que nos torna reféns da poltrona frente à peça?
Tal como tudo que é bom, ilegal, imoral e engorda, o que te prende na poltrona é o paradoxo da atração e do incômodo.

Os paradoxos para espectador são muitos, nem tanto pelo absurdo das cenas e dos diálogos desconexos, mas pelas consequências dos mesmos. A peça é surpreendentemente instigante exatamente pelos fragmentos de diálogos e da narrativa, quase na forma de esquetes que ficam cutucando e incomodando de alguma forma nosso parcimonioso inconsciente sonolento e preguiçoso.
Como diria o porteiro de um lugar onde trabalhei... [Beckett] é celebral!
Tudo de complexo para ele, tal como um drible do Nunes ou um passe do Adílio, era cerebral.

Krapp’s Last Tape

Causou-me espanto a resenha que Coetzee escreveu recentemente sobre o epistolário de Samuel Beckett no The New York Review of Books (Volume 56, Number 7 • April 30, 2009 - http://www.nybooks.com/articles/22612 - ). Espanta por que Coetzee dedica palavras extremamente generosas ao livro The Letters of Samuel Beckett, Volume 1: 1929–1940, especialmente por se tratar de um resenhador sem um pingo de compaixão de seus personagens literários. Enfim, Beckett não é um personagem de Coetzee. Beckett é Beckett, ou em seu melhor estilo: Beckett não é Beckett e sim outro Beckett.

O livro trata desta temática da indefinição, justamente no período mais instável da vida. Trata das cartas da juventude, justamente o período em que Beckett não era o Beckett que conhecemos em Krapp’s Last Tape, Waiting for Godot ou Act Without Words I e II. Segundo Coetzee, mostra-se nessas cartas todas as angústias do jovem escritor frente a indefinição do futuro, frente a sua fragilidade e insegurança como jovem professor de literatura, procurando saídas para a vida sísifica de um profissional que deve viver de ensinar àqueles que não querem aprender.

Isso fica claro com algumas passagens, como a da consternação que Beckett sentia com a possibilidade de se tornar escravo do magistério. Após terminar sua licenciatura em italiano e francês com uma tese sobre Proust, em 1931, Beckett passaria a sentir calafrios com a possibilidade de ser professor. Dia após dia, o introspectivo, taciturno e jovem homem, confrontava-se na sala de aula com os filhos irlandeses de classe média protestante. A experiência é traumática mesmo, só que já enfrentou uma sala cheia de alunos sabe do peso da cruz que Beckett carregou. Além dos fatores psicológicos do enfrentamento, com seu modesto salário de professor se viu obrigado a cuidar da mãe, após a morte do pai. Nesse contexto, passou a publicar short-stories como More Pricks Than Kicks (1934) e a pequena novela Murphy (1938). A falta de grana, a ambição de se tornar escritor e a convivência com a mãe, o tornaram um cara meio amargo. Sobre a mãe escreve ao amigo Thomas McGreevy, "to keep me tight so that I may be goaded into salaried employment. Which reads more bitterly than it is intended."

No entanto persistia na escrita. Continuava trabalhando como professor de línguas no Berlitz school na Suiça e na Rodésia, com propaganda em Londres, e até mesmo como piloto de aviões. Mas, das artes, a carreira que o fascinava era o cinema. Eisenstein, o cineasta preferido. Chegou a escrever para ele pedindo uma vaga para ingressar na Moscow State School of Cinematography. Isso aí foi no final dos anos 30. Coetzee se pergunta, com alguma malícia, como Beckett poderia ter tão olímpico desisteresse por política, num momento em que Stalin, Mussolini e Hitler estavam no poder. […] breathtaking naiveté or as serene indifference to politics? Bem, a pergunta procede, vindo de quem vem, pois pouca gente sabe, mas muita gente desconfia que Coetzee participou dos primórdios da Weatherman – um dos grupos mais radicais da política americana e ao qual Philip Roth dedica o enredo de American Pastoral.

Coetzee sentencia que o pai do Teatro do Absurso, tinha o coração na direita por sua formação protestante. E podia até ser, mas as justificativas para a assertiva, não são explicitadas por Coetzee. Ele lança a questão e desvia dela no paragrafo seguinte, retornando maliciosamente para o aspecto literário de Beckett. Bem, acho estranho que um camarada que tenha participado da resistência francesa fosse um cara tão de direita assim. Mas também concordo com a velha piada que depois da guerra não havia um francês que tivesse apoiado Vichy... Não estaria Coetzee criando uma cortina de fumaça para que esta sua face misteriosa acadêmico-ex-Weatherman, viesse à tona?

No frigir dos ovos... na sanha de assistir todas as peças da série de Beckett on Film http://www.beckettonfilm.com/ , ontem assisti ao Krapp’s Last Tape, um peça escrita em 1958. John Hurt interpreta Krapp nesta peça dirigida por Atom Egoyan.

Uma peça de cenário simples. Uma mesa, uma cadeira, estantes com livros e cadernos de anotação por toda a parte. Sobre a mesa, o elemento principal, um gravador de rolo. Krapp passa a maior parte do tempo sentado à frente do gravador, sob um foco de luz, e um cenário bem definido entre escuridão e luz, passado e presente, história e memória.

Na peça, Krapp é um homem envelhecido que costumava a gravar suas falas num gravador de rolo. Aleatoriamente, encontra a caixa número três, fita número cinco. Na gravação antiga, a princípio, não se sabe ao certo do que se trata, pois há uma série de fragmentos de falas do próprio Krapp. Aos poucos percebemos que Krapp, ao escutar sua voz juvenil, se impacienta com seu passado. Parece-lhe que quando jovem era extremamente arrogante, ególatra e descentrado com a realidade. Em algumas partes, torna-se até mesmo doloroso Krapp escutar sua voz falando de sua relação com uma mulher que visivelmente não se sentia atraida por ele, mas que ele insistia em tocá-la.

“I said again I thought it was hopeless and no good going on, and she agreed, without opening her eyes. (Pause.) I asked her to look at me and after a few moments--(pause)--after a few moments she did, but the eyes just slits, because of the glare. I bent over her to get them in the shadow and they opened. (Pause. Low.) Let me in. (Pause.) We drifted in among the flags and stuck. The way they went down, sighing, before the stem! (Pause.) I lay down across her with my face in her breasts and my hand on her. We lay there without moving. But under us all moved, and moved us, gently, up and down, and from side to side.”

Ao final, ele, talvez, tentando modificar ou amenizar sua história e seu passado, grava uma nova fita sobre sua experiência em escutar suas narrativas e constatar que seu presente de velhice amarga e carente de esperança poderia talvez ser mudado para a posteridade.

“Pause. Krapp's lips move. No sound.

Past midnight. Never knew such silence. The earth might be uninhabited.

Pause.

Here I end this reel. Box--(pause)--three, spool--(pause)--five. (Pause). Perhaps my best years are gone. When there was a chance of happiness. But I wouldn't want them back. Not with the fire in me now. No, I wouldn't want them back.

Krapp motionless staring before him. The tape runs on in silence.”


Um peça que muito faz pensar nessa coisa de ter um blog...

La grande illusion


Ontem, Stella e eu assitimos o La Grande Illusion, um filme de 1937, dirigido por Jean Renoir. Durante a I Guerra Mundial, dois aviadores franceses, Capitão de Boeldieu e Maréchal, caem prisioneiros na Alemanha. Capitão de Boeldieu é um aristocrata enquanto Maréchal era um mecânico nos tempos de civil. Na prisão, encontram outros prisioneiros de diferentes patentes e estratos sociais, tais como Rosenthal, filho de um banqueiro judeu. Presos, Maréchal e Rosenthal só pensam numa coisa: escapar. Para isso, começam um túnel. No entanto antes de sua conclusão, os dois são transferidos de prisão e pelas barreirsa linguisticas não conseguem comunicar aos novos ocupantes britânicos da cela que havia ali um túnel a ser concluído. Alguns meses depois, reencontram Rosenthal, na prisão de Wintersborn admnistrada pelo Capitão von Rauffenstein (interpretado pelo grande Erich von Stroheim). Wintersborn é uma espécie de Bangu 25 – versão de máxima segurança de prisões de segurança máxima. Mas os três prisioneiros conspiram pela fuga.

O dilema dos prisioneiros passa longe da teoria dos jogos, pois todos os envolvidos são movidos pela Grande Ilusão dos grandes sentimentos. Boeldieu tem um plano que consiste em chamar a atenção dos guardas alemães, para que os outros dois Maréchal e Rosenthal escapem. Uma assembléia é organizada e uma espécie de rebelião, com todos tocando uma espécie de flautas doces improvisadas, começa uma baderna generalizada. Na contagem do presos, Boeldieu, que não está presente, começa chamar atenção no telhado. Os guardas se dirigem ao telhado enquanto Maréchal e Rosenthal escapam por uma corda confeccionada por meses.

A hombridade de Boeldieu não se deve especificamente a uma grandeza de ânimo metafísica acima do humano, ainda que haja uma boa dose de humanismo em sua personalidade. Boeldieu é humano, mas não é isso que o faz ser respeitado por von Rauffenstein. O que o faz ser respeitado por von Rauffenstein é sua natureza aristocrática, que o permitiu frequentar as mesmas mesas no Maxim's em Paris ou cortejando as mesmas mulheres, sorvendo os mesmos licores. Prova disso é que, enquanto todos usam uniformes, e muitas vezes possuem a mesma patente, o que os distingue dos demais militares é sua origem e o uso de diferentes idiomas. Para isso, ambos conversam tanto em alemão, quanto em francês e até mesmo em inglês quando não querem ter suas conversas ouvidas pela malta da caserna. O detalhe do que o Bourdieu chamaria um dos componentes do poder simbólico está aqui, talvez insignificante para muitos, mas está ali, firme e forte. Está na conversa de von Rauffenstein e Boeldieu, quando o primeiro lamenta-se da derrocada final da classe aristocrática – que o historiador Arno Mayer definirá brilhantemente seu grande livro The Persistence of the Old Regime: Europe to the Great War, sustenta que na Europa do século XIX.

Na sequência da fuga de Maréchal e Rosenthal, esse vínculo entre o Capitão von Rauffenstein e Boeldieu torna-se claro e dramático. Von Rauffenstein, vendo a resistência de Boeldieu em se render, é obrigado relutantemente a atirar no amigo.

A partir desse momento, o filme prova que, ao menos em termos de narrativa, é um dos melhores filmes de todos os tempos (com sequências que na minha modesta opinião, iriam influenciar Billy Wilder em Stalag 17 e até mesmo Tarkovsky. Como? Um filme de Guerra, sem sequências de batalhas).

Maréchal e Rosenthal escapam pelos cantões alemães enquanto Boeldieu definha ferido na prisão. Rosenthal, machucado, não consegue acompanhar o ritmo de Maréchal, apesar de persistirem na caminhada pela neve, enfrentando o frio, exaustos, tentando chegar à fronteira da França. Decidem então refigiarem-se numa casa. Chegam a casa de Elsa, uma das viúvas da guerra, que cuida dos dois por alguns dias de véspera de Natal. Em meio ao frio, a incerteza, à solidão de Elsa e sua filha, Rosenthal e Maréchal, então, preparam uma festa de natal para a filha de Elsa. Na mesma noite
Maréchal e Elsa inicia um romance, que duraria pouco, pois prontamente Maréchal e Rosenthal deveriam escapar pela fronteira da Suiça. Apesar de Maréchal prometer que se sobreviver voltará. A cena da despedida é triste, como todas as profundas e sem esperanças despedidas. Ele não olha para trás, pois sabe que se o fizer, não partirá. Na fronteira, ainda são alvejados por soldados alemães, mas que impotentes já não os podem capturar. Enquanto isso o Capitão von Rauffenstein acompanha com unção os últimos momentos de vida de Boeldieu, lamentando-se por ter atirado no amigo. Consternado, quando já não há mais nada a fazer, fecha os olhos de Boeldieu.

Para terminar, umas curiosidades cercam o filme que foi censurado por anos na Bélgica – que tem um aeroporto chamado Chaleroi - e foi terminantemente proibido por Goebbels na Alemanha. Outra curiosidade interessante é quando Elsa mostra as fotos do marido e dos irmãos, mortos nas batalhas de Verdun, Liège, Charleroi, e Tannenberg, exatamente as vitórias mais decisivas da Alemanha na I Guerra. O Jean Renoir escreveu em sua autobiografía, Ma Vie et mes films, que Erich von Stroheim, apesar de austríaco, não falava alemão, e teve de aprender o idioma como um menino de escola para interpretar o oficial de coluna esculhambada, Capitão von Rauffenstein.

Se eu pudesse definir esse filme em poucas palavras diria, sem incorrer em filosofia banca de jornal, que este é um filme que fala da esperança perdida nas relações humanas. Não é nada, não é nada, após assitir o filme, olhe para os lados, ponha a mão na consciência, e me diga, primeiro, se o mundo não está cheio de escrotidão, e segundo se o nome do filme não é perfeito? Stella, de emocionada que ficou, diz que ainda é cedo para falar. Acho que entendo o porquê.

Allegare sine probare et non allegare paria sunt


Inúmeros filmes existem por existir. Rashomon de Akira Kurosawa, não, transcende. Nele há a dimensão de uma grande obra de arte que engloba vários formatos narrativos. O melhor de tudo está contido nele. Cinema, Literatura e História.

A dimensão literária está no argumento já que o filme é baseado em dois contos de Ryunosuke Akutagawa: Rashomon e In a Grove. A estrutura narrativa, absolutamente fantástica e original, na medida que várias testemunhas de um assassinato depõem numa espécie de juízo sobre o crime, sugerindo impossibilidade de obter a verdade sobre o evento da morte do samurai expondo os conflitantes pontos de vista do assassino, da viúva do samurai, e do lenhador que encontrou o corpo. A rara e precisa economia de cenários e a interpretação, ora no local do crime, ora nesta espécie de tribunal, onde as testemunhas falam diretamente para a camera, nos remete a uma peça de teatro transplantada para a tela grande.

A dimensão histórica é um caso a parte, e talvez mais clara em Os Sete Samurais onde o tm alegórico é menos presente que aqui, mas o fato é que o desenvolvimento do Capitalismo na Europa foi totalmente diferente ao do Japão. Enquanto na Europa a construção dos Estados Nacionais fortalece os laços comerciais e capitalistas e o sistema feudal se enfraquece. No Japão a coisa toda foi muito diferente. Em 1600 e alguma coisa, o Clã dos Tokugawas toma o poder feudal no Japão e reinstaura o shogunato concentrado o poder local nas mãos dos Daimiôs. Quando os Shoguns tomam o poder, não só não destituem os Damiôs tradicionais, como fortalecem seus laços com o poder imperial e distribuem terras. O Shogum vive em Edo e o Imperador em Kioto. E pode parecer contaditório para um ocidental, bicho homi e cabra macho pensar que a mulher mais velha de cada Daimiô, reside exatamente em Kioto, no castelo do Imperador, onde periodicamente os Daimiôs, vão ao castelo visitar suas mulheres, pagar os impostos e honrar com os laços feudais, as tais porras de laços sinalagmáticos, aos quais o Hilário Franco Junior sempre se referia e eu nunca entendera.

O Clã dos Tokugawas perdura até a Revolução Meiji – mas isso é outra história. O fato é que em Rashomon, o contexto de honra do shogum, fundamentado historicamente, é posto em jogo quando bandoleiro Tajomaru intercepta o samurai Kanazawa-no-Takehiro que conduzia sua esposa, montada num cavalo branco. A história se desvela em flashbacks em três dimensões a partir do momento em que Tajomaru convence ao samurai que deixe sua rota e vá com ele verificar a localização do esconderijo de espadas ancenstrais. No caminho Tajomaru imobiliza e amarra Kanazawa-no-Takehiro. Tajomaru, bandido safado, pilantra e ignóbil planejava estuprar a patroa do samurai. A princípio, ela tenta se defender, mas quando capturada, submete-se ao malandro na frente do marido. Esses são os elementos genéricos. Agora as dimensões em flashbacks de como tudo aconteceu:

Primeiro, sob uma chuva torrencial de verão, dois homens conversam olhando desolados para a destruição das pagodas a sua volta. Lamentam um acontecimento terrível ao qual ambos estavam ligados. O lenhador conta ao sacerdote a estória sobre como encontrou , três dias atrás, o corpo de um samurai e o chapéu de sua esposa abandonado no caminho. Enquanto o sacerdote conta-lhe que na estrada de Sekiama para Yamashina, vê uma mulher com um chapéu que corresponde a descrição feita pelo lenhador.

A segunda dimesão se dá pela ação dos fatos em si – se é que eles existiram num estado puro.... O filme descreve um estupro da mulher e o assassinato e Kanazawa-no-Takehiro pelo bandoleiro Tajomaru. Através dos relatos contraditórios e divergentes das quatro testemunhas, incluindo o próprio morto através de um médium, a história vai tomando forma. O problema é que cada um tem uma versão para o assassinato.

Finalmente, a terceira dimensão da narrativa está na sacada de Kurosawa em botar um flashback dentro de outro flashback, partindo do princípio que algumas das testemunhas mentem deliberadamente.

As versões sobre o crime.

Após o suposto estupro, coberta de vergonha, Masago, a esposa do samurai, implora ao bandido para duelar até a morte com seu esposo, para que a salve da vergonha. O bandido safado, pilantra e ignóbil, com grandeza de ânimo libertou o samurai para que então ambos pudessem duelar. No depoimento de Tajumaru eles duelam hábil e ferozmente, mas a mulher fugiu. No final da história, Tajumaru é perguntado sobre a adaga possuida pela esposa do samurai. Ele diz que, durante o combate e a fuga esqueceu completamente e que fora uma tolice deixar para trás tão precioso objeto. Mas isso é a versão de Tajumaru.

Masago, alega que depois que depois de estuprada implora a seu marido para que a perdoasse. Ela então o libertou e implorou para que ele a matasse, de modo que ela pudesse ficar em paz. Este simplesmente a olhou com frieza. A expressão penetrou em sua alma e ela implorou mais uma vez para que a matasse, sem prejuízo, e então ela desmaia com a adaga na mão. Ao depertar, encontrou seu marido morto com a adaga cravada no peito. . Mas isso é a versão de Masago.

Kanazawa-no-Takehiro, já morto, então incorpora, no jargão das ciências ocultas, num cavalo. Na cena de alta macumbaria, o samurai alega que após ter sido capturado por Tajumaru, assistir ao estupro e ao pedido de Masago para fugir com Tajumaru, presenciou o pedido de Masago para que Tajumaru matasse o matasse. Tajumaru podia ser bandido safado, pilantra e ignóbil, mas tinha hombridade. Chocado pelo pedido, agarrou-a, deu-a ao samurai para que a julgasse. A mulher fuge. Então Tajumaru liberta o samurai. O samurai então se suicida com sua própria adaga. Mas essa é a versão do cavalo que incorporou o caboclo Kanazawa-no-Takehiro.

Lá pelas tantas, o caboclo Kanazawa-no-Takehiro menciona que alguém removeu a adaga de seu peito. Ao ouvir isso o lenhador fica assustado e alega que o morto estava mentindo, porque ele foi morto por uma espada. Eventualmente, o lenhador volta a depor e afirma que ele mentiu por não queria se envolver, quando de fato, ao vencer o duelo, Tajumaru matou o samurai, uma vez que este tentava fugir para os arbustos. Ao avistar a morte de seu marido, a mulher grita aterrorizada enquento Tajumaru pega a a espada do samurai e saiu da cena mancando. Ou seja, a adaga, a arma do crime, estava lá. E alguém a levou.

Volta-se para a cena final, onde estão o lenhador, o plebeu e o monge. Ouve-se o choro de uma criança. O plebeu então, pega o quimono o rubi que serve de proteção para o bebê na cesta. O lenhador repreende-o, e o plebeu pergunta sobre a adaga da mulher. Este guarda silêncio. O plebeu, sacananmente faz pouco caso da bondade do lenhador e alega que todos os homens são egoístas, agem em proveito próprio e que a mentira e o falso testemunho faz parte da razão humana. Ao pegar o bebê nos braços e prontificar-se a levá-lo para junto dos seus outros seis, o lenhador adquire o beneplácito do monge, mas como diziam os latinos, a moral da história do alegar e não provar é o mesmo que não alegar, fica pairando no ar... pois no fim das contas, quem matou a porra do mané do maldito samurai?!

East of Eden



O português chamou East of Eden, se não me engano de Vidas amargas. O filme de Elia Kazan, a quem já dediquei amargas linhas, é fenomenal. Um novelão da mais alta qualidade. Também não é para menos. O filme é baseado no livro de Steinbeck, A Leste do Eden. Um filme de espírito bem protestante e uma ética do capitalismo manca de uma perna.

Ambientado na região de Monterey, Califórnia, o filme mostra as desavenças de dois irmãos pelo afeto e a atenção de um pai sentimental e hard worker. Os Trask são uma família pecliar composta pelo pai - Adam Trask (Raymond Massey) - e os dois filhos, Aaron (Richard Davalos) e Cal – Caleb - ( James Dean). Adam é um homem religioso e profundamente justo com seus empregados e com os filhos. Aaron é o filho predileto que a exemplo do pai pauta sua vida na devoção fraternal e no senso de resposabilidade herdado do pai.

Os negócios de Adam Trask não vão bem. Após a perda de toda uma colheita numa fracassada tentativa de escoamento, o patriarca perde milhares de dólares. Para ganhar o amor de seu pai e ajudar a fazenda que ameaçada de falir, Cal faz um empréstimo. Cal, um tipo sagaz e meio selvagem, sabe que se os Estados Unidos entrassem na I Guerra Mundial, o preço do feijão subiria. Então, conhecedor de um segredo, que nem pai sem irmão sabiam, Cal procura a mãe, Kate, em seu trabalho. Perdão pelo trocadilho, mas Kate é quenga. Quenga velha. Dona do pedaço, a meretriz e tem o dinheiro que Cal precisa para investir nos mercado de futuros. Apesar de relutante Kate dá, a grana a Cal, pois se sente culpada de ter deixado o marido e os filhos para se tornar empresária.

No meio tempo em que os negócios de Cal vão bem, Abra, namorada de Aaron, começa a se sentir atraída por Cal e o ajuda a preparar uma festa de aniversário para o patriarca. O presente de aniversário é exatamente o pacote de dinheiro que Cal ganhou especulando na bolsa.

E agora uma das cenas entre muitas caras, mais marcantes do cinema. Após Cal explicar a origem do dinheiro, o pai se recusa a recebê-lo justificando que aquele dinheiro havia sido ganho em cima da desgraça de trabalhadores e produtores como ele. Cal não entende e começa a chorar acreditando que esta recusa é mais uma das humilhações que o pai lhe impõe por seu temperamento irascível. James Dean simplesmente mata a pau nessa interpretação. Uma daquelas cenas onde se tem a certeza que aquele cidadão é um grande ator.

O que se segue, é novelão. Cal vai chorar no quintal. Abra o segue e o consola. Quando Aaron chega e a proíbe de falar com Cal, este, tomado de ira, pede que Aaron o siga. Ambos vão ao bordel, onde Cal apresenta a Aaron sua mãe. O choque leva Aaron a beber e se alistar no exército. O pai, vendo a ruína iminente do filho, tem um ataque cardíaco. De volta a casa, Cal visita o pai no seu quarto. Cal, sem obter reação do pai, pensa que é mais uma vez recusado, mas logo em seguida, com a intervenção de Abra, volta ao quarto e consegue ouvir as palavras do pai pedindo para que o filho dispensasse a enfermeira intransigente e cuidasse dele. Um novelão bíblico sim, mas um filme emocionante.

Musica do dia: Lucas - Marco Antonio Araujo(Melhor guitarrista brasileiro de todos os tempos)

La Fleur du Mal

La Fleur du Mal é um filme de Claude Chabrol (2002) que explora ambição e corrupção num molde de romance policial, com um final de resultado duvidoso. Mas, pode parecer antagônico, apesar de tudo, um ótimo filme.

François Vasseur retorna de anos de estudos em Chicago para sua casa em Bourdaux, e percebe que desde sua partida pouca coisa mudou. Seu pai continua administrando sua farmácia e sua madrasta, Anne Charpin-Vasseur, decide concorrer às eleições municipais.

Vista de fora, uma família repeitável. Anne Charpin-Vasseuré viúva com uma filha e uma tia. Gérard Vasseur é igualmente viúvo, com um filho pródigo que estuda em Chigago. Ambos viúvos e desepedidos. Michèle e François são jovens e com coisas mal resolvidas no passado, portanto logo quando chega, François já reiniciam a relação adormecida com sua meia irmã, Michèle, sob a proteção ou negligência da velha tia de Michèle, Line. Incesto? Na cabeça de Nelson Rodrigues, Michèle e François estariam num joguinho de amarelinha.

Enfim, vista de fora, uma família repeitável. Mas, como sempre, não é bem assim, não. Por trás desta fotografia de uma moderna família burguesa há esqueletos bem guardados no armário que no decorrer da narrativa a velha tia de Michèle, vai desvendando em fragmentos de flashbacks que remontam a Vichy e ao assassinato do pai.

Para arruinar a trajetória política de Anne, alguém circula um panfleto indicando um escândalo familiar dos bravos. Tia Line estará arrependida de ter matado seu pai, um simpatizante Nazi, que fora responsável pela morte de seu único irmão? Havia sido prudente que Anne e Gérard tivessem se casado tão rápido após a morte de ambos consortes?

Estas são apenas duas perguntas chaves com que Chabrol abre La Fleur du Mal, seu filme de número, sei lá... 230... 395... Fato é que aos qause oitenta anos, o homem anda afiado, fazendo filmes tão bons quanto aqueles da New Wave. Nomeadamente, Le Beau Serge, Les Cousin, La Femme infidèle, La Ceremonie, La Rupture, Les Biches.

Todos os elementos de um filme policial estão ai: a chantagem, uma carta, um autor desconhecido, uma mulher política e ambiciosa, uma velha guardiã de segredos, dois jovens cheios de tesão... mas fica faltando algo no final. O climax da narrativa é meio fraco, uma espécie de vício cartesiano impede que a cena da morte acidental do padrasto flua. Gérard Vasseur, após a vitória política da consorte, chega a casa só e embiritado. Cabeça inchada, libido solta, decide molestar a enteada. Esta saca de um abajour e dá-lhe uma p... na cabeça do manguaça. Este cai no chão morto. Michèle, deseperada, corre para pedir ajuda a tia. Esta, por sua vez, ajuda à sobrinha a ocultar o cadáver no quarto de cima – a cena das duas arrastando o cadáver escada acima, não é original, não é sequer verossimil, mas guarda algo de cômico, sem dúvida. Daí para os dez minutos finais, o filme se perde num non-sense absoluto. O filho chega e recebe a morte do pai como se nada tivesse acontecido, a velha decide assumir a cupla do assassinato, quando a polícia chegar, enquanto os convivas, festejando a vitória de Anne chegam aos gritos de alegria.

Música do dia. Cavalo Ferro. Ednardo. Disco: Meu Corpo Minha Embalagem, Todo Gasto na Viagem

Mirror

Tarkovsky é, como num sobrescrito de João Cabral, simultaneamente, a dureza e a fruição contidas na pedra e na poesia... Mirror é um filme de 1975 e pelo que dizem, o mais autobiográfico desse cineasta que conheço pouco, aliás. Aliás conheço pouco do cinema russo, pois tenho muita dificuldade em acompanhar um filme de onde me escapam as nuances da língua, o oceano de detalhes que ela agrega à imagem em movimento, seu peso, sua riqueza inesgotável, sua força.

O filme não tem um roteiro aparente. Aliás, não recomendo este filme para os habituados ao cinema padrão calcado nas poucas noções de Syd Field e muito voluntarismo. Mirror não esta pautado numa história linear, na ação,nos personagens de contorno digerível e de final redondo, conclusivo e satisfatório. Ou seja, um filme para quem aprecia poesia. Um filme para quem aprecia a poesia sem palavras. Na razão inversa da poesia contruida de images, nesse filme, a poesia surge das palavras.

Todo ele é recortado por reminiscências, imagens oníricas e a costura recorrente dos poemas de seu pai, o poeta Arseni Tarkovski. Em Mirror o narrador vê sua mulher como a continuação de sua mãe, porque os erros se repetem. A repetição dos erros pessoais é uma lei, e a experiência não se transmite. Sabe-se que nele interagem três tempos. Um tempo pretérito pré-guerra, provavelmente ao redor dos anos 30, um tempo que se passa na Guerra, e um tempo do pós-guerra, já nos anos 1960. Além disso o filme se divide em quinze segmentos.

Da colcha de retalhos, fiz um exercício execrável. Tentei alinhavar as 15 sequências do filme. Eu sei que ao racionalizá-lo cometo algo bárbaro...
i.
O filme começa com uma sequência de um jovem num treinamento com uma fonoaudióloga, já numa insinuação de que a falta de palavras contidas na frase "I can speak," revela uma quebra, ausência ou a prescindívelnecessidade de uma narrativa linear, já que ao longo da história tudo se revela como um sonho, uma espécie de memória fragmentada do passado. (cenas em preto e branco)
Música: J. S. Bach, Das Orgelbüchlein No. 16, "Das alte Jahr vergangen ist."

ii.
Pré-guerra nos anos 30 (cenas coloridas)
Maria está sentada numa cerca de madeira. Olha o horizonte. Está de costas para a câmera. Fuma. Um homem se aproxima. O narrador anuncia em off que alí naquela casa costumava a passar as férias de verão com a família. O homem que se aproxima é um médico. Pede um cigarro, senta na cerca junto a Maria e emenda uma conversa um tanto aleatória. A cerca se rompe e os dois caem no chão. O homem começa a rir do absurdo daquela situação o que leva Maria a desconfiar de sua sanidade. Ela cita o Ward 6, uma estória de Checkov, onde um médico, Ragin, investiga as causas da loucura na própria prática violenta de tratar a loucura. Na verdade, ela pergunta indiretamente se o médico é são. Ele rebate dizendo que Checkov inventou aquilo tudo, implicando que o sofrimento de Ragin e a ambição de Khobotov, em provar que o primeiro sofria de distúrbios mentais era pura ficcção. O médico então a deixa e Maria o vê partir.

iii. pre-guerra
Noite. Interior: uma criança na cama. Maria lava seu cabelo com a ajuda de seu marido. Ela se encaminha para o espelho e se vê como uma ansiã.

iv.
O telephone toca. A camera focaliza um apartamento na cidade. Alexei conversa com sua mãe. Liza, com quem ela trabalhou na casa editorial acaba de morrer.

v.
pre-guerra
Maria tem pressa. Sob a chuva, caminha para a editorta para conferir as provas de um erro que havia cometido. Em sua mesa ela conversa com sua colega Liza, a quem confidencia que suspeita de ter cometido um erro e se riem do episódio. Nesse momento, chega um homem, supostamente o supervisor. Maria se levanta e vai tomar um banho. Antes de partir, Liza diz a Maria que esta se parece com Maria Timofeyeva, irmã do capitão Lebyadkin, dos Demônios de Dostoievski.

Continua...

O Homem do Ano


Talvez pouca gente tenha percebido que Érica (viúva de Suel), depois de ir viver com Máiquel (assassino de Suel), ao abandoná-lo pela primeira vez deixa na mesa da sala, sobre o bilhete de despedida, uma capa de dvd do filme Wild at Heart - capa esta que é filmada de cabeça para baixo. Ninguém precisa saber que Nicolas Cage sempre teve uma fixação mórbida por Elvis. Disso todo mundo sabe. Chegou a casar com a filha do homem. Mas isso é o que menos importa. No filme, Sailor e Lula, fogem da perseguição da mãe dela e iniciam uma viagem pelo sul dos Estados Unidos. No bilhete, Érica deixa claro que Cledir, esposa de Máiquel, tem de sair da vida deles. Como? Se você já leu Rubão Fonseca, suspeitará como Cledir desaparece da vida dos dois.

O Homem do Ano é um filme bom, sem intelectualismos. Funciona na tela. Talvez melhor que o livro o Matador, de Patricia Melo. Talvez por ter roteiro chancelado pelo velho Rubem Fonseca. Talvez. O filme tenta mostrar de maneira didática a realidade das milícias, da privatização da segurança pública, dos currais eleitorais, da irracionalidade da violência, e da ascenção de um Zé Mané burro, psicótico e semi-analfabeto à categoria de anti-herói. Até aí, tudo bem, um filme convincente. O problema é que com esses elementos, podia ter sido um filme perturbador, mas não foi, pois a narrativa original do livro é muito linear - isso eu já tinha percebido em outros dois livros de Patricia Melo, Elogio da Mentira e Inferno.

Entretanto, o roteiro é bem amarrado e a atuação de Murilo Benício e Claudia Abreu exemplares. Máiquel, personagem interpretado por Benício, é um camarada atormentado com sua Moira. Tenta mudar seu destino o tempo todo, mas após ter tido o cabelo descolorado, cada vez se afunda mais e mais na sua sina de matador. Aliás, Murilo Benício, incorporou perfeitamente o personagem. Abstêmio com Síndrome de Tourette, anti-evangélico, cabelo oxigenado, moralista e bebedor de coca-cola quente - Rubão só bebe Coca quente - , com um porco de estimação no sobrado de Caxias e desovando seus corpos em Campos Elísios - pelo menos pelas cenas externas da passarela da estação de trem, e pelo lugar da desova ali perto da parte de trás da Reduc em Jardim Primavera. Enfim, Máiquel é tipo complexo, contraditório e irracional. Porém, me passou a impressão de um criminoso dos anos 70.

Pois no fundo, acho que falar tanto de violência, arrancá-la das páginas do O Dia e do Extra e estilizá-la na tela, banalizou tudo. Tudo mesmo. Quando Fonseca escrevia sobre isso nos anos 70, era tudo ainda meio pitoresco. A polícia era pública, a segurança privada, mas com outro nome: milícia tinha nome de Scuderie Le Cocq, Mariel Moryscotte e Mão Branca. E Hannah Arendt não estava brincando quando em "Eichmann em Jerusalém" cunhou o conceito de Banalidade do Mal. Pois veja bem, dê uma arma e poder a um bunda mole, coloque-o agindo individualmente dentro das regras corrompidas e imorais, mas impedindo-o que racionalize sobre seus atos, e você terá o superlativo de um Máiquel, ou seja, um Eichmann. Ou melhor, o Minimo Múltiplo Comum do Eichmann, o Máiquel. A morte hoje já não é mais como aquela da Patrulha da Cidade, da Rádio Tupi, apesar de mórbida, era divertida. Hoje não. Banalizou tudo. Tudo mesmo. Perdeu a graça.

Mas voltando ao filme, a 'sacada' rapidíssima do filme do David Lynch, sobre o bilhete de despedida, naquele sobrado da Baixada, ficaria totalmente sem sentido - já que Máiquel não fala inglês e mal lê português - se o Herique Fonseca não tivesse dado à cena a velocidade que merece tonando o detalhe imperceptível quase imperceptível. Talvez pouca gente tenha percebido. Se não percebeu o detalhe, deixa estar. Melhor assim. Pois os diretor contornou bem o fato de que uma das melhores coisas na contrução psicológica dos personagens criados por seu pai, Rubem Fonseca, é a imersão do personagem na sua circunstância social. Imagina se alguém mais percebe esse detalhe...um cara suburbano, da Baixada, ou uma namorada evangélica e viciada em Almanaque Abril assitindo filme de David Lynch... puf...

http://ilusaodasemelhanca.blogspot.com/2006/04/melhores-frases-do-rubem-fonseca.html

Je t'aime John Wayne

Não sei bem se por nunca ter ido muito com a cara do Wayne, se por ter gostado muito do Auto dos Danados do Lobo Antunes, ou se por gostar do cinema francês, eu tenha curtido tanto Je t'aime John Wayne – curta metragem dirigido por Toby MacDonald e escrito por Luke Ponte, da coleção Cinema 16. É um curta ótimo. É uma paródia do filme de Jean-Luc Godard, À bout de souffle.

O ator Kris Marshall tenta ser Jean Paul Belmondo – o ator de Breathless. No filme de Godard Belmondo é Michel, um cara fora da lei que atira em dois policiais e tenta ser um espécie de Humphrey Bogart, imitando seus trejeitos e modos de falar. Fugitivo e sem dinheiro, vagando pelas ruas de Paris, pede ajuda a Patricia, sua namorada americana, estudante de jornalismo e vendedora do jornal New York Herald Tribune. Enquanto Michel pensa o tempo todo em fugir para a Itália, Patricia tem sonhos românticos e por isso o denuncia à polícia com medo que ele se fosse deixando-a grávida.

No curta de Toby MacDonald, Kris Marshall se define como Belmondo vivendo em Paris. Se vê como Belmondo desde a primeira cena, quando sonha com um beijo e é despertado pelo relógio. Na frente do espelho, escovando os dentes e fumando, se auto-define como um desviado, hipócrita, sujo, imoral e irracional. Por fim, quando se vê à frente do espelho, finalmente, como John Wayne, o telefone toca. A mensagem é uma frase de John Wayne: “Monte nessa merda de cavalo ou eu o expulsarei da cidade.” Após o bip a mensagem. É sua mãe deixando uma embaraçosa mensagem de mãe na secretária eletrônica: “Meu filhinho, tire essa mensagem da secretária. Isso é um pouco estranho.” (cena impagável). Tal como o dentista Nuno de Auto dos Danados, que na Revolução dos Cravos, prestes a fugir com a família pela fronteira da Espanha tem alucinações com o ator Edward G. Robinson. O protagonista pensa ser o ator francês Belmondo, incorporando ora sua cafajestice - de maneira engraçadíssima – ora a dureza do John Wayne.

Outra cena impagável quando ele, esperando a irmã mais nova para levá-la ao cinema, encontra-a com namorado. Quando indagado pela irmã se a mãe não lhe dissera, ele desconversa mantendo a face de durão em direção ao menino. Na saída do cinema vê um casal. O britânico acha o filme detestável. Belmondo o puxa. Olha-o de cima abaixo. Dá-lhe um soco. Vira-se para a moça e diz que ela teria de vir com ele, pois ele tem um Alfa-Romeo! A narrativa escrita não comporta o peso das imagens do filme ou a expressão do ator Marshall, com sua cara de quelônio cômicamente fumando todo o filme... enfim, um bom curta. Cowboy por cowboy sou mais o Gary Cooper em High Noon, muito mais o Clint Eastwood em Man with no Name.

The Visitor


Você chega à casa tarde da noite. Abre a porta e ainda com a casa as escuras pousa as chaves na mesinha. De repente percebe uns ruídos, percebe que há alguma coisa estranha, que há flores frescas na jarra da sala, que pela luz nas fresta da porta alguém está no teu banheiro tomando banho. Abre a porta do banheiro e realmente há uma mulher lá, fecha a porta num ato reflexo e logo aparece um homem te agredindo.... Parece um filme...

Em The Visitor, filme de Tom McCarthy, Richard Jenkins é Walter Vale, um homem de 62 anos, um professor de economia em Connecticut, viúvo e sem paciência para seus alunos e amigos da universidade. Num certo dia é praticamente obrigado pelo chefe de departamento de sua faculdade a apresentar uma conferência em NYC sobre um paper em que ele é co-autor – caso típico, mas dexapralá. Chegando a seu apartamento, que visita raramente, descobre, Tarek e Zainab. Tarek, percursionista, é Sírio, e Zainab, artesã, é senegalesa. Ambos vivem por alí há mais de dois meses sem serem incomodados. Após esse breve desentendimento, ambos decidem partir na mesma noite. O professor acaba propondo abrigo temporário para eles em seu apartamento e, aos poucos, vai se envolvendo com problemas que jamais imaginaria. Um deles é a quase imperceptível xenofobia pós-11/9... e outro são os delicados procedimentos dos departamentos de imigração americanos....

Nesse universo urbano e multiculturalmente idílico, Walter aos poucos vai se envolvendo com o universo de Tarek. Aprende percussão, larga definitivamente o piano e adia mais e mais a volta a Connecticut. Das aulas nasce uma espécie de amizade – pois é difícil dizer já que Walter é um homem contrito, eloquentemente sucinto, meio depressivo e quase monossilábico. Da amizade, diga-se de passagem um tanto rápida demais, nasce uma espécie de hipnose pela vida livre de Tarek.

Até o dia em que Tarek é preso no metrô, por um engano, na frente de Walter. Por não ter documentos é transferido a uma casa de detenção no Queens. Zainab, muito mais reservada que Tarek, decide partir. Sem notícias há vários dias, a mãe de Tarek, Mouna Khalil, interpretada pela belíssima atriz palestina Hiam Abbass, chega de Michigan para procurar o filho e fazer a vida de Walter mais complicada e interessante. Ambos se unem para tentar, em vão, soltar o rapaz. Como seria natural entre duas pessoas maduras, envoltas em experiências similares, ambos se sentem atraídos. Mouna confessa a vontade de assitir ao Fantasma da Ópera, que Walter galantemente convida-a para assistir. Enfim...

Não. Mouna e Walter, ambos viúvos, não começam um romance, mas Tom McCarthy roda uma cena daquilo que Nelson Rodrigues definiria, à sua maneira, como amor. O anjo pornográfico dissera que “[...] qualquer mulher nasceu para um só homem, qualquer homem nasceu para uma só mulher. Quando, por sua desventura, o homem e a mulher separaram o sexo do amor, começou o martírio de ambos.”

Não houve sexo na última noite em que Mouna passa no apartamento de Walter, antes de retornar a Síria, para esperar por seu filho, definitivamente deportado dos EUA. Mouna, no meio da noite vai ao quarto de Walter, deita-se em sua cama, pede para que ele a abrace e começa a chorar lamentando-se pelo destino do filho. Walter e Mouna dormem abraçados numa cena mais tocante que a da despedida de ambos no Aeroporto de JFK. Posso estar ficando velho e piegas, mas acho que isso também é uma forma de amor. Mas isso também pode ser ilusão.

http://www.thevisitorfilm.com/

De Chinese muur

Aagt

"The Chinese Wall', (Netherlands, 2002), 10 min., foi nominado como o melhor curta metragem do Dutch Film Festival em 2002 – além disso levou uma penca de outros prêmios. A diretora Sytske Kok e a roteirista Rosan Dieho realizaram um trabalho de grande sensibilidade ao transportar as inquietações, frustrações, e as ilusões perdidas durante toda uma vida de uma mulher madura – por volta dos 60 anos, ligeiramente auto-inflictiva e adoravelmente sarcástica -, esperando pelo almoço num restaurante chinês em Amsterdã, para um diálogo interno cheio do que o filósofo William James chamaria de “fluxo da consciência.”

Aagt (Celia Nufaar) é uma mulher madura e solitária. Maltratada pela vida, perdera o amor de sua vida por influência dos pais, teve um único filho que voltou-se contra ela, por influência da nora, e seu marido morreu numa cadeira de rodas ao seu lado. Num dos almoços em seu habitual restaurante chinês, sentada à sua habitual mesa, pedindo seu habitual prato com uma porção extra de frango, a conhecemos e conhecemos boa parte de sua vida através de seus pensamentos e julgamentos precipitados refletidos nos outros comensais, ao vislumbrar nestes sinais particulares de episódios chaves em sua vida.

Três mesas estavam ocupadas. Numa mesa – que chamo de mesa 1 - vemos um grupo de cinco jovens, num aparente almoço de escritório, onde alguns se sentiam desconfortáveis com ascensão de um deles sobre os demais, mas uma das jovens olhava-o atentamente com admiração, dando, numa prosaica maneira de dizer, o maior mole pro cidadão ( dali vieram-lhe os pensamentos da juventude, do amor perdido por Aagt). Na mesa do canto – a mesa 2 - , uma família, pai, mãe e um filho adolescente, aborrecido e constrangido com a presença dos pais que o tratam com um relativa condescendência e pudor (desta, a lamentação por ter perdido o filho). Na terceira mesa – mesa 3 - , à sua frente, Aagt tem um casal. Uma mulher apática, sendo servida pelo opressivo marido, que com certa autoridade e arrogância pedira a comida e o segundo copo de cerveja, de forma arbitrária, pré-julgando seu gosto pela comida ( desta, o alívio por não ter mais um marido). Mas o porquê de tais diálogos internos, naquele dia específico: aquele era o dia de seu aniversário que solitariamente queria manter em segredo.
Mesa 3

Já no fim de seu almoço, tendo deixado boa parte da comida, Aagt é indagada pela dona do restaurante se não gostara da comida. Ela então, inadvertidamente, revela a importância pessoal da data. Inesperadamente arma-se um carnaval - nem tanto no estilo do surreal e antológico “Salvador Janta no Lamas” de Victor Giudice. A gerente aparece com um bolo. Aagt entra em pânico - um pavor interno a bem da verdade - ao ver-se analisada pormenorizadamente por todos. Ser o centro das atenções naquele dia solitário e meio amargo não estava em seus planos. Quando Aagt oferece parte do bolo aos demais comensais, a gente decide juntar as mesas do pequeno restaurante. Frustração, alegria e esperança se encontram. A mãe do adolescente (Mesa 2), então, empurra feliz a cadeira de rodas do rapaz para junto da grande mesa; o grupo de jovens (Mesa 1) da aula semanal de patinação no gelo é alegre e é o primeiro a tomar a atitude de juntar as mesas; e a até então infeliz mulher(Mesa 3) anima-se e manda seu irmão indiferente e ansioso em terminar o almoço com a irmã, juntar também a mesa dos dois à dos outros. Simples. Emocionante. Surpreendente.
Música do dia. Complexo de Épico. Tom Zé

Moartea domnului Lăzărescu

Moartea domnului Lăzărescu é um filme longo. Duas horas e meia de uma combinação estranha de risos e agonia. Dante Remus Lăzărescu (Ion Fiscuteanu), um tipo que certamente você já viu passando pela tua rua, é um excêntrico e rabujento engenheiro aposentado. Sua única filha vive em Toronto, no Canadá. Sua irmã em Targu-Mures, algum lugar da Romênia. Portanto, no dia-a-dia Lăzărescu vive sozinho. Ou melhor, vive com Mirandolina, Muso e Fritz seus três gatos num pequeno apartamento de Bucareste. Chegado numa birita caseira chamada Mastropol, vivendo em sua solidão, sofre uma queda doméstica, bate com a cabeça e chama uma ambulância, mas quando se torna evidente que a ambulância não vem, ele pede ajuda aos vizinhos. Para piorar sua situação, não tendo o medicamento correto, seus vizinhos lhe dão uma medicação errada para parar com a náusea. Após vomitar sangue novamente, os vizinhos decidem chamar a ambulância novamente. Quando a ambulância finalmente chega, a enfermeira, Mioara (Luminiţa Gheorghiu) aposta em outro tipo de diagnóstico. A enfermeira suspeitar que ele tem câncer e, após informar sua irmã, que vive noutra cidade, que sua condição que poderia se agravar e que ela deveria visitá-lo no hospital, a enfermeira decide levá-lo para um hospital. O filme propriamente dito começa agora, com a pregrinação do pobre do Lăzărescu e sua enfermeria por vários hospitais de Bucareste.

O filme classificado como humor negro, é bem mais que isso. Pensado pelo diretor Cristi Puiu como uma tetralogia dos subúrbios de Bucareste, o filme é um retrato do que poderia ser a rede pública do Rio de Janeiro. Quem ja precisou de um Salgado Filho, um Getúlio Vargas ou Miguel Couto, sabe muito bem do que eu estou dizendo. O filme segue a jornada Lăzărescu através da noite e de como ele é levado de um hospital para o outro. Nos primeiros três hospitais, os médicos, depois de muita enrolação, relutantemente aceitam cada um a sua maneira fria e distanciada examinar Lăzărescu. Todos, apesar de considerarem sua condição gravíssima, necessitando de uma cirurga com urgência, recusam-se a mantê-lo em seus hospitais, pois por infelicidade, as vítimas de um grande acidente de ônibus não param de chegas às emergências. Por isso decidem mandá-lo embora. Entretanto, sua saúde se deteriora rapidamente, sua fala falha, balbucia lentamente, seus reflexos diminuem, vai perdendo os movimentos dos membros direitos.

As razões para o descaso vão desde a negligência ao cansaço, ou simplesmente a recusa a atender um velho manguaça. Durante a noite de procura por alguém que o atendesse, sua agonia aumenta. Sua única protetora é a enfermeira que prestou os primeiros socorros, aguentando firmemente todas as humilhações e arrogância dos médicos. Finalmente, no quarto hospital, os médicos aceitam Lăzărescu para uma operação de emergência para remover um coágulo no cérebro. De todas as maneiras, tal como um dos médicos disse, livraria-se do tumor, mas não da cirrose.

Nos extras, Cristi Puiu dá uma entrevista interessantíssima. Segundo ele, o filme foi inspirado intelectualmente na série dos Six Moral Tales do cineasta Eric Rohmer. Na prática, numa experiência pessoal em 2000, quando teve de ser levado às pressas, vomitando sangue, à emergência de um hospital. Seu caso, não fora grave, mas a experiência o marcou com sérias crises de hipocondria. E costurou todos esse fatores com uma notícia de jornais dando conta do abandono de um velho doente pela paramédica que não conseguia um hospital para interná-lo. A paramédica, que abandonou o doente à sua sorte, foi a única condenada num processo de negligência - algo que Puiu recusa-se a aceitar. Daí o filme.

O diretor aceita a tarja preta do humor negro. Aceita mas não concorda, pois suspeito que este seja, sem sentimentalismo barato, um filme de resgate do humanismo. Ou parafraseando Brás Cubas que disse, ainda que de maneira sacana, que seu emplasto era " o alívio da nossa melancólica humanidade" esse filme é de uma maneira bem sacana uma espécie de "alívio para" - e não "de" - "nossa melancólica humanidade".






Música do dia. A Banca do Distinto. Billy Blanco