Godofredo
de Oliveira Neto – Amores Exilados – Editora Record. 239 páginas.
2011.
Amores
Exilados
é
o título do
livro décimo segundo livro de
Godofredo de Oliveira Neto.
Tecnicamente, o livro já havia sido publicado em 1997, numa espécie
de livro avant
la lettre
sob o nome de Pedaço
de Santo,
mas o autor revisou boa parte do triângulo amoroso em questão e o
transformou neste novo artefato literário. Paulo Mendes Campos disse
um dia que “por
qualquer motivo o amor acaba; para recomeçar em todos os lugares e a
qualquer minuto o amor acaba.”
Este
novo livro fala, como o próprio título enuncia, do exílio e do
amor no plural, e de como
o amor acaba,
quando acaba.
Assim
como as saudades e a memória, que se não devidamente preservadas,
também morrem aos poucos, Godofredo
de Oliveira traça
uma urdidura que, entre intrigas
e enganos, carregada
de tensão amorosa,
militância
política e a própria desconfiança patológica dos envolvidos nos
movimentos revolucionários, leva
ao limite o horizonte resolutivo
das vidas clandestinas envolvidas.
A
estória se centra no triângulo amoroso entre a francesa Muriel
Sandrine
Charlotte Leroux,
o catarinense Fábio e seu companheiro de militância, o baiano
Lázaro da Costa Costa, ambos exilados em Paris nos anos de chumbo -
fazendo parte
da mesma organização guerrilheira, a Aliança Socialista
Libertadora. Os dois
brasileiros
vivem na clandestinidade e, exilados em Paris, fazem de tudo para se
manterem longe dos
problemas políticos internos do país e principalmente longe de
problemas com a imigração francesa. Antes como imigrantes a
exilados, na
solidariedade forjada fora,
recriam sua lógica de inserção e sociabilidades tentando
participar do maior número de associações e grupos de debates
possíveis, frequentando as reuniões com a comunidade brasileira de
Paris e associações francesas na Maison de l'Amérique Latine, na
Maison du Brésil da Cidade Universitária e na Mutualité. Era como
se o exílio implicasse numa forma fatal de solidão e alienação e
o reverso disso fosse a socialização. Uma sensação útil,
verdadeira e válida em que por isso mesmo fosse tão importante
estar unido ao amálgama dos estrangeiros exilados numa espécie de
rede. Nessas redes de solidariedade discute-se política, arte,
cultura, mas mais que isso, é onde os imigrantes aprendem sobre si
próprios, dividindo perrengues e soluções, tais como
conseguir um trabalho ou tal almejado estatuto de refugiado,
afastando o fantasma do carimbo de indocumentando e evitando assim a
deportação. Aprendem mesmo, por meios mais prosaicos, por onde
manter contato com o Brasil usando telefone público em
Denfer-Rochereau, que funcionava sem ficha, direto, de graça – tal
como o mítico orelhão da Telerj, na Praça Tiradentes no final dos
anos 1980. No orelhão de Denfer-Rochereau preço era sempre alto,
pois o risco de ter as conversas gravadas pelos serviços de
informação da França era sempre um medo a ser considerado.
O
exílio, aliás, é um capítulo à parte: “A
solidão
em alguns,
a
estranha alegria em outros, a angústia na maioria. O universo dos
exilados era esse. A insegurança psicológica ou levava a abraçar
com exagerado ardor o país do exílio ou a abominá-lo.”
Outro,
é o amor, ou o que se pensa de que é feito o amor. Godofredo, lá
pelas tantas diz, “Amar
no exílio potencializa a sensibilidade” para
o bem e para o mal, como fica claro no turbilhão obsessivo em que
Fábio embraca na paixão por Muriel, que tal como uma espécie de
Capitu, negocia de maneira sutil com as paixões de ambos, Lázaro e
o próprio Fábio.
No
melhor estilo da dúvida deixada por Machado de Assis, Godofredo
conversa bem
com
essa tradição
literária “…Dá-me
uma comparação exata e poética para dizer o que foram aqueles
olhos de Capitu…. Olhos de ressaca? Vá, de ressaca….”
E isso fica claro numa
das discussões
entre Fábio e Muriel, antes da partida definitiva desta:
“Muriel
fitava o companheiro. Parecia que ela não piscava; mais ainda
parecia que as palavras diziam uma verdade, os olhos outra. Fábio
escolhesse entre o verbo combinado, decorado, imitado e o cromatismo
rebelde, livre, desconhecido.”
Fica
evidenciado,
assim, que
para os dois brasileiros, mesmo apaixonados, ambos encaram de maneira
distinta a solitude e a parceria, nas suas mais intimas interseções
e tangências. Os enquadramentos do que é o amor, e de como ele vai
terminando, tremulam e se desfocam de maneira distinta nas percepções
do baiano e do catarinense. Lázaro o encara como algo fluido, na
cabeça
de Fábio como uma conquista
onde a fidelidade amorosa é
uma
desesperada elipse
que se
opõe à realização da paixão.
Os motivos são muitos. O ciúme, a parnóia, o abuso de
tranquilizantes, as memórias traumáticas da tortura e das ações
guerrilheiras das expropriações a bancos – por vezes, com
desfechos trágicos – sobrepõe-se e atravessam o tempo todo a
memória e as ações de Fábio. Outra coisa que não ajuda nada é a
presença constante de Lazaro, que faz com que Fabio se sinta
paranoicamente ameaçado e traído. Raiva, ódio e ira passam a se
manifestar, borrando o equilíbrio do triângulo – que para Muriel
e Lázaro era algo aparentemente natural. Ou seja, Eros, o propulsor
da vida, dá lugar a Tânatos, sinonímia
de ódio e agressividade, e todo o coletivo de significados onde
pulsa o sentido de morte como fim. Dessa maneira, os amantes se
deparam com a impossibilidade da posse real do ser amado e optam pela
morte, pela perda, ou qualquer outra coisa. E
é assim que Lázaro, o dissidente, o amigo de ala, o ex-companheiro
de Muriel está lá o tempo todo. Pelo menos nos pensamentos de
Fábio. Tá lá no valete, no meio das cartas, no jogo de búzios, no
retorcido do croissant, no disco do Geraldo Vandré presenteado pelo
baiano. O baiano está em todo o canto, e o pior é que o baiano é
um dos melhores amigos de Fábio.
O
inferno na cabeça de um Fábio atormentado pelo seu passado recente
de tortura, não estanca só com a prensença de Lázaro. Para piorar
o baiano chama-a de Melusina
e
conhece alguns de seus segredos, sabe por exemplo, um pouco da
difícil história de infância da francesa em Saint Bonnet de Salers
no Cantal, perto de Aurillac. A mãe tinha matado o marido, quando a
garota tinha sete anos. O pai de Muriel era na verdade um marinheiro
grego, foragido de uma cadeia e que na fuga passou uma noite na casa
do casal. Nasceu Muriel. O resto é a história que cruza o caminho
do catarinense e do baiano, fazendo-os dividir a militência e as
atenções da mesma mulher. Nesse contexto não teria como o
ressentimento e as desconfiança de Fábio parasse de crescer, em
proporções distorcidas.
No
decorrer da leitura, não dá para deixar de associar, mais de uma
vez, nossa Melusina com a Jeanne Moreau no filme de Truffaut, Jules
et Jim,
que o português chamou de Uma
mulher para dois.
Guardadas as proporções, a primeira metade do filme volta à
memória quando a personagem Catharine, se une a Jules e depois da
guerra, onde Jim e Jules lutam em campos opostos, acaba por se
reaproximar de Jim. Algumas cenas do filme ficam vívidas no decorrer
das linhas de Ameores Exilados. Mas as semelhanças param ai.
Godofredo
constrói os personagens não em contradições, mas por descrições
estanques, tornando precário entender mais de cada um, a não ser
pelo que é dado pelo narrador em terceira pessoa. Talvez essa fosse
uma das entratégias do autor, já que eram todos exilados e
estranhos para eles mesmos. Até mesmo Muriel que fugia de seu
passado, não deixava de ser uma exilada de si. A estratégia de
Godofredo ao narrar é muito interessante, combinando quase que
simultaneamente cenas do presente com flashbacks do passado de
militância no Rio de Janeiro. Numa mesma tomada, estão todos os
dissidentes jantando animadamente no apartamento de um amigo argelino
em Paris e no parágrafo seguinte a cena da fuga pelo Estácio a
caminho do Largo de São Francisco.
Essa
estratégia persiste até a assembléia derradeira em Paris, quando
Lázaro e Fábio sofrem um expurgo no dia 23 de setembro de 1973 -
por razões meramente morais, diga-se de passagem - e são
convocados para o retorno ao Brasil, entrando pela Bolívia, visando
uma nova ação revolucionária. No Rio de Janeiro receberiam um
envelope com instruções, alojamento e as armas. A partir desse
momento, a estória ganha contornos interessantíssimos pois, pouco
a pouco, a longa viagem de volta, na vida do exílio no exílio
alimenta reflexões que abrem caminho para a revisão de suas
certezas políticas. Lázaro, por exemplo, reavalia a luta armada e a
tomada pura e simples do poder pelos operários e camponeses como um
erro de adolescência ou de equívoco mesmo, mas encara o retorno de
maneira menos dramática que Fábio. Fábio cruza fronteiras mais
sensíveis. Não tem nada a perder depois de perder tudo o que um dia
foi Muriel. Como
o próprio título enuncia,
neste livro, o exílio
e
o amor
são
sentimentos no plural
:
O
amor adquire várias
formas
de afeição,
e o exílio
é
muito mais que apenas um sentimento geográfico.
Musica do dia. Tristes Trópicos. Itamar Assumpção
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