O DECLINIO DO ANJO é um poderoso romance do escritor Yukio Mishima. Um não, o último. É a quarta e última obra da tetralogia O Mar da Fertilidade, completada pelos romances Neve de Primavera, Cavalos em Fuga e O Templo do Amanhecer – diga-se de passagem não li, ainda. A estória de O Declínio do Anjo começa começa em maio de 1970, quando o ex-juiz aposentado Shigekuni Honda, depois da morte de sua esposa Rié, conhece um adolescente órfão de 16 anos chamado Tōru Yasunaga.
Toru, é uma espécie de jovem oficial controlador de tráfego portuário, na totalidade da vastidão abandonada da península de Izu, na Zona Portuária de Miho. O rapaz é encarregado de ajudar as embarcações de alto calado entrar e cruzar as zonas de atraque na Baía de Suruga. O trampo foi conseguido graças a um tio pobre que após a morte do pai, um comandante de cargueiro que morrera no mar, e da mãe, que falecera pouco depois sem mais detalhes, o menino vai fazer um curso técnico de formação profissional, tornando-se técnico de terceira categoria, e sendo contratado pelo escritório de sinalização de Teikoku.
O camarada vive a vidinha dele modorrenta, sem planos, objetivos, nem grande sonhos. Caladão, com pouquíssimos amigos, ganha pouco, mas o suficiente para o tabaco e o aluguel do quartinho em que vive. Dos amigos, uma das poucas que o visita constantemente é Kinue, uma moça megalomaníaca com traços sérios de uma visível esquizofrenia, que se considera uma rainha de beleza, quando na verdade, a moça, supostamente filha de um rico homem de terras, teve uma relação amorosa rompida traumaticamente, e ingressada num hospital psiquiátrico à força. Na vizinhança portuária, rude e maledicente, Toru era o único que não desprezava a moça, mas não por bondade. Ele já apresentava traços de uma frieza e afastamento que iriam se comprovar mais à frente na estória. Para ele, ela era uma mulher feia e louca, cinco anos mais velha e com um sobrepeso patológico. Ela era apenas uma espécie de companheira de cárcere naquela torres de controle. Apenas isso.
Por sua vez, Honda, após a morte de sua esposa Rie, encontrou companhia em Keiko, uma lésbica solteira e como mostra-se no decorrer da trama, vital em sua vida, cuja paixão é o estudo da cultura japonesa. O juiz é ium homem rico e sem filhos, frequentador das festas e recepções do andar de cima da sociedade japonesa. Quando conhece Toru, no retorno de uma roadtrip insólita, acredita piamente ter descoberto nele a reencarnação do seu amigo de infância Kiyoaki Matsugae e adota-o como seu herdeiro. Entretanto, os antescedentes a esta viagem são envoltos numa série de mistérios, acasos e sonhos. Presságios que Honda vem sentindo ao ler O Manto de Plumas, uma das primeiras e tradicionalíssimas fábulas budistas indianas, ligadas ao precieto da honestidade. A história se passa numa paisagem encantadora, ao pé do monte Fuji – a propósito, da península de Izu, na Zona Portuária de Miho é possível avistar ao monte Fuji. Na lenda, Hakuryo, um pobre pescador, encontra um manto tecido com penas coloridas. Achado não é roubado, quem perdeu foi relaxado, certo? Errado. Hakuryo leva o manto consigo e quer vendê-lo no mercado e conseguir algum din din. Porém, na mesma noite, aparece-lhe em sonho um Tennin (um dos 33 anjos do budismo) sob forma de uma meio menina, meio mulher muito bela, tentando convencê-lo de que o manto era seu, e que sem ele seria impossível voltar ao céu, implorando para que ele o devolvesse. O pescador, encantado com sua beleza da menina, diz não ter sido ele quem roubou o vestido e pede que o anjo deite-se com ele. Após acordar, mergulha em profundas reflexões morais sobre a merda que ele fez ao violar um menina. Percebe quão grave foi seu erro, suplicando que encontrasse a criatura novamente para se redimir. Ele até a praia, onde encontra uma menina em lágrimas, para quem ele presenteia o manto. Então,em meio a um espetáculo de dança acontece um milagre. Em frente aos seus olhos, o anjo sobe lentamente aos céus. De tanto ler a estória, Honda convence-se de que no sonho de Hakuryo, os cinco sinais da morte aparecem quando as flores do manto murcham, o manto fica sujo, as axilas passam a cheirar mal, os homens perdem a noção de si mesmos e são abandonados pela donzela cheia de jóias.
Em meio a essas leituras, sonhos e crenças, e a série de sonhos que Honda vinha tendo com anjos a amiga Keiko, estudiosa da a cultura japonesa, num desses jantares frequentados por gente fina. Elegante e sincera, ela pede que Honda a leve numa viagem de carro a Miho-no-Matsubara, justamente a região onde Toru mora.
Nesta viagem acontece o primeiro encontro entre Honda e Toru. A quantidade de eventos e os ditos e não ditos, desse encontro, tornam o resto da estória sensacional. Kinue oferece uma flor, a Toru, instante antes da entrada de Honda no posto de observação de Toru, os presságios de doença de Keiko e todos as falsas suposições criadas na cabeça de Honda, vão dar o tom ao processo de convencimento do rapaz em ser adotado por Honda. Após retornar de uma viagem à Europa, Honda reflete e decide adotar Tōru por acreditar ser a terceira reencarnação de seu amigo de infância Kiyoaki Matsugae. Embora o ex-juiz comente suas impressões com Keiko, a mulher não dá muita credibilidade à história, embora acabe apoiando a decisão da Honda. A partir daí, Honda educa-o e observa-o, interrogando-se sobre se também a vida de Toru irá ser abrupta e precocemente interrompida. Ele adota-o com a intenção, dada em seus presságios e sonhos, de uma interrupção abrupta de sua vida! Concluída a adoção, Tōru muda-se para a casa de Honda, onde recebe treinamento em boas maneiras e habilidades sociais de diversos tutores. treinamento em boas maneiras e habilidades sociais.
Na primavera de 1972, um casal de amigos de Honda tenta arranjar um casamento entre Tōru e sua filha Momoko Hamanaka. Apesar de fazerem uma viagem conjunta para Shimoda, os planos não dão certo, já que o jovem é hostil a Momoko. Na verdade, o jovem, para despertar o ciúme de Momoko, decide iniciar um namoro com Nagisa, uma jovem de 25 anos com quem mantém relações sexuais. Diante da raiva de Momoko, Tōru a convence a enviar uma carta a Nagisa para encorajar a separação. Na carta, cujo conteúdo é indicado pelo jovem, Momoko explica a Nagisa que ela deve romper com Tōru para que ela possa se casar com ele, já que sua família está com dificuldades financeiras e que o casamento arranjado seria a solução para seus problemas financeiros. Antes que Nagisa possa ler a carta, Tōru a intercepta e a envia a Honda, com o detalhe da perversidade de um corvo morto junto à carta. Isso marca o fim de seu namoro com Momoko e, em outubro de 1973, é revelado que Honda descobriu o ardil usado por seu filho adotivo.
Pouco depois, o rapaz terminar o ensino médio e é aceito na universidade, Tōru atinge a maioridade. Ele se torna uma pessoa violenta e intimidadora dentro da mansão com Honda, para conseguir o que quer a todo momento, ele começa a gastar dinheiro de forma descontrolada e a abusar dos empregados e principalmente das empregadas. E nesse momento, o plot tem uma nova torção. Toru sabia que o velho era dado a excentricidades, e que afastara-se de amigos e até mesmo parentes por achar que estes só queriam seu dinheiro. Ou seja, Honda não tinha aliados por perto dispostos, em caso de derrocada, a sentirem compaixão do velho juiz. Em 3 de setembro de 1974, Tōru descobre que Honda era na verdade um voyeur, espionando saliências e putarias de casais em meio ao lescolesco nos parques da cidade. De posse da informação, a divulga na imprensa com o objetivo de declarar incapacitado o ex-juiz e tornar-se único curador da fortuna do velho.
No final do ano, já com plenos poderes na casa, na fortuna e fazendo o que quer, o jovem vai a uma festa de Natal organizada por Keiko onde acaba por ser o único convidado. Keiko revela as intenções de Honda em adotá-lo, avisando que, em suas reencarnações anteriores, o jovem morreu quando completou 19 anos, o que acontecerá em 1975. Keiko avisa que, se isso não acontecer, Tōru não será a reencarnação que Honda esperava. No fundo o que Keiko argumenta é que Honda foi movido por motivos nobres ao adotar o rapaz, já que sendo a reencarnação de Kiyoaki Matsugae, e entregue a sorte naquele posto de observação marítimo, om destino o mataria aos vinte anos. Chocado, sem saber que ela tinha a informação e o controle visual do que acontecia na mansão, o jovem, poucos dias depois, tentará suicídio ingerindo metanol, mas sobrevive com sequelas de cegueira, descobre que Keiko o traiu e se refugiando-se na velha amiga, a doidinha Kinue. Ele que sempre acreditou na sorte, passou a entender que não existem eleitos, vai morar numa espécie de casa do caseiro da mansão, sendo desprezado por todos, inclusive os empregados da casa. Por fim, já de posse de sua capacidade de executar atividades e realizar atos da vida civil, Honda acabará por chegar à conclusão de que Tōru não era, de fato, a reencarnação de Kiyoaki. Após a visita a um templo budista, sob a liderança de Satoko, uma abasdessa, tem a revelação durante uma conversa que ninguém chamado Kiyoaki Matsugae passou por lá, nunca.
Mesmo com algumas passagens dando aquela resvalada no novelão, o desfecho dramático de O Declínio do Anjo torna este livro, um livraço. Amarra os temas da decadência, corrupção do indivíduo, o declínio dos valores tradicionais japoneses, a essência da filosofia budista e a visão apocalíptica do mundo moderno.
Pouco depois de escrever as últimas linhas deste romance, Mishima suicidou-se, praticando seppuku. Os motivos do suicídio, e da sua angústia com o fim das ilusões, da falta de reconecimento para o Nobel, suas filiações ideológicas de direita e a admiração por movimentos proto-fascistas, são um capítulo à parte. Melhor, bem melhor tampar o nariz e ler suas histórias que sua biografia mal cheirosa.
Música do dia. Ando de Bando. Alvaro Lancellotti.
Nota . Fato literário interessante é que Camilo Castelo Branco escreveu um livro de título homônimo, Queda de um Anjo, centrado na história de Calisto Elói de Silos e Benevides de Barbuda, um fidaldo minhoto, conservador e defensor da moral e dos bons costumes, que aos ser eleito apra a Assembléia da República, vai para Lisboa, passa a se perder em meio aos encantos da vida da Capital, contrária à moral do Portugal rural e profundo. Calisto acabou por abandonar a vida casta que praticava e que "pregava" aos seus pares e passa a encontrar personagens como a mulher adúltera, ou o deputado corrupto, o malandro urbano... Ao contrário de Mishima, Castelo Branco avacalha com todos os valores... o que é muito bom.
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